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Contraditório e coisa julgada em sede de tutela de interesses metaindividuais.

Uma leitura sobre o prisma das curvaturas

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

3.COISA JULGADA - INSTRUMENTO PRÁTICO E POLÍTICO DE PACIFICAÇÃO DOS CONFLITOS E TUTELA DOS INTERESSES METAINDIVIDUAIS.

Uma vez que observamos a distinção entre a eficácia da sentença e a coisa julgada ou autoridade da coisa julgada, podemos discutir qual a sua função como qualidade especial da sentença e a sua especial função e qualidade em sede de tutela dos interesses metaindividuais.

Justificar a regulamentação especial na tutela dos fenômenos coletivos e de modo especial quanto à coisa julgada na proteção dos interesses metaindividuais em termos próprios e específicos, nos possibilita afastar a confusão entre os efeitos da sentença e o fenômeno jurídico da coisa julgada, conceito maduro dentro de nossa doutrina e, por que não dizer, de nosso direito positivo, pois existe uma compreensão consolidada deste fenômeno no interpretar das nossas normas jurídicas, como já exposto.

Como exposto a doutrina de Liebman trouxe à voga a concepção de que a coisa julgada é uma especial qualidade que a lei atribui à sentença. Não é uma qualidade própria desta, assim que pelo menos teoricamente é possível existir sentença sem coisa julgada.

Destarte, como efeito especial que a lei atribui à sentença a lei pode prever e atribuir menor ou maior elasticidade a esta sua especial qualidade, neste diapasão são plenamente justificáveis as diversas espécies de coisa julgada reguladas na Lei n° 8.078/90, pois esta como uma especial qualidade que se atribui ao ato judicial decisório tornando-o imodificável e indiscutível no mesmo processo ou em outro processo, uma vez esgotadas todas as possibilidades do uso de recursos ordinários e extraordinários da decisão que encerra a relação processual, pode pela lei ter ampliado ou restringido o seu espectro de imutabilidade(14).

Por isso, indagar-se da natureza jurídica da coisa julgada é afirmá-la como a praeclusio máxima, o momento em que a decisão judicial não comporta mais ataques implicando o ponto final do processo. Assim, a lei deve ser cautelosa em atribuir tal qualidade especial da sentença àquelas pessoas que por motivos vários não tiveram a oportunidade de exercer as suas razões de per si no processo, daí a forma diferenciada que a Lei n° 8.078/90 trata os efeitos da coisa julgada conforme a espécie de interesse tutelado e sua relação com os direitos individuais dos sujeitos abrangidos na tutela coletiva.

Uma vez procedente a ação e não havendo o recurso da decisão no prazo de lei, ocorrerá o trânsito em julgado da decisão, reflexo do fenômeno de recrudescimento das decisões, e que assume relevante papel no trato dos interesses metaindividuais que afetam, simultaneamente, toda uma coletividade, grupo ou comunidade(15).

O fenômeno de recrudescimento das decisões é essencial à mecânica do poder, porque uma vez assegurada a participação dos interessados na gestação do ato decisório, quando este se realiza exaure-se a capacidade decisória da atividade jurisdicional, neste momento o poder firma uma decisão, a qual o sistema toma a resolução de não permitir a introdução de novas informações que possam levar a sua modificação(16).

A lei de ação civil pública, antes o único instrumento de tutela dos interesses difusos e coletivos, previa apenas o efeito erga omnes da coisa julgada, procedente ou improcedente a ação, ressalvando-se, porém, a improcedência da ação por deficiência de provas, neste caso, qualquer dos legitimados poderia intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova (artigo 16, da Lei n° 7.347/85).

No entanto, após o advento da Lei n° 8.078/90, por força da norma extensiva do artigo 21, da Lei n° 7.347/85, aplicam-se à LACP os preceitos do CDC quanto aos efeitos da coisa julgada e a toda ação coletiva. Assim, atualmente, dependendo da espécie de interesse metaindividual tutelado, difuso ou coletivo, o efeito da sentença será: coisa julgada erga omnes ou ultra partes, seja o provimento final de procedência ou improcedência da ação. Porém, sempre que a improcedência da ação ocorrer por insuficiência de provas qualquer legitimado poderá propor outra ação, com idêntico fundamento, apoiando-se em novos elementos de prova. Excepcionalmente, porém, quando o objeto da ação for interesses individuais homogêneos, somente ocorrem os efeitos da coisa julgada erga omnes, previstos em lei, no caso de procedência do pedido para beneficiar todas as vítimas e sucessores (artigo 103, inc. III do CDC c/c artigo 21 da Lei 7.347/85); sendo improcedente só produz efeitos de coisa julgada entre as partes do contraditório (art. 103, § 2°, da Lei 7.347/85). Todos este efeitos serão analisados com maior detenção mais ao sul.


4.COISA JULGADA & INTERESSES METAINDIVIDUAIS

4.1- COISA JULGADA MATERIAL E COISA JULGADA FORMAL

A Coisa Julgada Formal é a imutabilidade da decisão e a impossibilidade de sua impugnação dentro da mesma relação jurídico-processual, como palavra final do Estado dentro do processo, e a Coisa Julgada Material é a imutabilidade da decisão de mérito e a impossibilidade de sua discussão que se espraia para fora do processo. São os degraus da coisa julgada que possuem a natureza peculiar de representar a qualidade da decisão de ser imodificável e indiscutível, regra geral, pelos partícipes da relação processual.

Como vemos, a distinção entre coisa julgada formal e coisa julgada material responde à extensão dos efeitos da coisa julgada dentro e fora do processo, sem perquirir da extensão objetiva ou subjetiva da coisa julgada, logo é plenamente aplicável em sede de tutela dos interesses metaindividuais esta classificação.Em todo processo ocorre a coisa julgada formal, como a imutabilidade da questão dentro do mesmo processo, mesmo aqueles em que há extinção sem julgamento do mérito. A coisa julgada material somente ocorre no caso de ser julgado o mérito da lide e, na realidade, quando discutimos os limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, estamos preocupados com esta modalidade, pois qualifica os efeitos do decisum.

4.2. LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA.

Como sabemos, em nossa legislação, somente o dispositivo da sentença transita em julgado, onde se soluciona o mérito da lide, ainda que sejam relevantes os fundamentos e pressupostos materiais para a decisão. Como não há regra especial, o mesmo corre em sede de tutela de interesses metaindividuais.

Não devemos olvidar, todavia, a lição de Liebman proferida antes da metade do século passado de que, embora exata a afirmativa de que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença, esta expressão deve ser entendida em sentido substancial e não apenas formalístico, de modo que compreenda não apenas a frase final da sentença, mas também tudo quanto o juiz porventura haja considerado e resolvido a cerca do pedido feito pela partes. Os motivos são, pois, excluídos, por essa razão, da coisa julgada, mas constituem indispensável elemento para determinar com exatidão o significado e o alcance do dispositivo.(17)

Mais grave, portanto, a observação desta lição em sede de interesses metaindividuais, de relevância fundamental o substrato material da decisão para a compreensão exata do seu dispositivo, que visa justamente a tutelar interesses que possuem em regra na sua gênese uma mutabilidade que lhes é própria e particular, a fim de possibilitar a melhor e mais adequada tutela dos interesses sociais inclusos no sistema jurídico, antes processados apenas por outros sistemas, notadamente o político.

4.4 - OS LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA - POSIÇÕES DOUTRINÁRIAS

Os limites subjetivos da coisa julgada definem as pessoas que se submetem à imutabilidade e indiscutibilidade do comando inserido na sentença. A coisa julgada nos seus clássicos limites somente atinge as partes integrantes da relação processual, isto é, os sujeitos que atuaram no processo em contraditório.Neste capítulo observaremos se ocorre o mesmo em sede de tutela de interesses metaindividuais, ou se a coisa julgada atinge terceiros ou não, como parte da doutrina afirma.

A maioria da doutrina quando estuda os limites subjetivos da coisa julgada, em sede de tutela de interesses metaindividuais, destaca o aspecto da extensão subjetiva dos efeitos da coisa julgada a terceiros, mas existe corrente doutrinária, cuja melhor expressão consideramos ser de Antonio Gidi, sustenta que não existe a extensão a terceiros dos efeitos da coisa julgada, que sempre é limitado às partes, conforme a lição clássica, embora aqui se exija especial perspectiva da análise do fenômeno.

4.4.1 - Extensão dos efeitos da coisa julgada a terceiros

A corrente da doutrina majoritária leciona que quando a Lei n° 8.078/90 define os efeitos da coisa julgada em ação em defesa de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos como erga omnes ou ultra partes, está tratando de estender os efeitos da coisa julgada a terceiros que não fizeram parte do processo.

Assim, uma vez que a Lei define que nos interesses difusos os titulares são pessoas indeterminadas e indetermináveis, nos coletivos o titular é um grupo ou categoria de pessoas indeterminadas e nos interesses individuais homogêneos a individualização das vítimas somente ocorre no momento da execução, mas no processo de conhecimento estes são representados pelo substituto processual, teríamos que estes titulares individuais indeterminados ainda que determináveis, ou mesmo os determinados, não seriam parte no processo e, como terceiros, seriam atingidos pelos efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes, evidentemente dentro dos casos em que a lei permita esta extensão.

4.4.2 - Extensão dos efeitos da coisa julgada somente "inter partes"

Por outro lado, Antonio Gidi afirma que a coisa julgada sempre se limita às partes do conflito, e os que pensam d´outra forma incidem em erro de perspectiva, pois que nos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos o titular do direito subjetivo sempre é determinado, pois o sujeito é, respectivamente, ora a coletividade, comunidade ou o conjunto de vítimas que sofreu a lesão. Embora possam eventualmente os sujeitos integrantes individuais da coletividade ou comunidade ser indeterminados, eles estão abrangidos pela coisa julgada e não podem ser considerados terceiros.

Destarte, para Gidi a "ação coletiva é a ação proposta por um legitimado autônomo (legitimidade) em defesa de um direito coletivamente considerado (objeto), cuja imutabilidade do comando da sentença atingirá uma comunidade ou coletividade (coisa julgada)"(18).

Assim, nos interesses difusos o titular do direito subjetivo é a comunidade formada de pessoas indeterminadas e indetermináveis, nos coletivos o titular é a coletividade (grupo, categoria, classe) formada de pessoas indeterminadas, mas determináveis, e nos individuais homogêneos o titular do direito subjetivo é uma comunidade de pessoas perfeitamente individualizáveis, que também são indeterminadas e determináveis.Seguindo neste raciocínio afirma que é:

"imperativo observar que ao contrário do que de costuma afirmar, não são vários e nem indeterminados, os titulares (sujeitos de direito) dos direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Há apenas um titular – e muito bem determinado-: uma comunidade no caso dos direitos difusos, uma coletividade no caso dos direitos coletivos ou um conjunto de vítimas indivisivelmente considerado no caso dos direitos individuais homogêneos"(19).

Dentro deste prisma, fica fácil concluir, para este autor que em sede de tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos apenas os seus sujeitos individualmente lesados é que são em geral indeterminados, embora determináveis, mas o titular do direito subjetivo é sempre determinado, pois é a comunidade, coletividade ou comunidade de vítimas afetada.

Daí decorreria a conclusão lógica que a coisa julgada sempre atinge somente as partes do conflito, pois mesmo no caso de interesses difusos a comunidade de sujeitos indeterminados afetada é a titular do direito subjetivo, e que sofre a lesão e não o indivíduo indeterminado, assim, este, mesmo não sendo parte no processo e sim a comunidade coletivamente considerada, não há como considerá-lo terceiro, pois integra a coletividade ou comunidade.

Logo, não se trata de discutir a extensão dos efeitos da coisa julgada a terceiros, o que nunca ocorre, mas sim de discutir a extensão dos efeitos erga omnes ou ultra partes aos membros integrantes da comunidade ou coletividade afetada.

4.4.3 - Nossa posição

Percebemos pelo exposto, e apesar da bem fundamentada posição de Antonio Gidi, e das doutrinas que partem para a definição da extensão da coisa julgada a terceiros, temos que ambas as posições incidem em equívocos teóricos sobre a coisa julgada e a noção de terceiros, e quando casam as noções cometem erros sutis pois, como demonstraremos, a coisa julgada em sede de tutela coletiva sempre atinge as partes do processo e atinge os terceiros sob determinados enfoques, como necessidade deste tipo de tutela.

De fato, ambas as perspectivas partem de um pressuposto teórico comum e que levam aos erros no estudo da coisa julgada em sede de tutela de interesses metaindividuais, que concerne em não fazer perfeita distinção entre as relações materiais dos sujeitos titulares das situações que legitimam o processo coletivo e a noção estritamente processual de parte e de terceiro. Neste sentido, dada a não realização desta distinção, Ricardo Braga, por exemplo, aponta no sentido de que o substituído não é tecnicamente "terceiro", pois seu direito estava defendido em juízo pelo substituto, em virtude de expressa autorização legal, assim, estando em juízo sendo defendido os seus interesses, este não poder ser considerado terceiro(20). Fica evidente, neste caso, o "tecnicamente", embora não explique o autor, refere-se ao substrato material dos interesses a que se pretende a tutela coletiva, e não em sentido técnico processual.

No presente artigo trabalhamos com os conceitos de parte e terceiro em sentido estritamente processual, até porque tratamos de conceitos próprios e específicos da ciência do direito processual, e a confusão entre as linhas tênues do direito material e processual se não forem mantidas, acabam por criar falsa noção sobre a inadequação ou mesmo a suposta inadequação de conceitos do direito processual.

Assim, qualquer sujeito que não seja parte no processo, e, portanto, não atue como autor ou réu, ou, ainda, que intervenha no processo a outro título que não seja na condição de autor ou réu, é um terceiro, e se não atua de forma alguma no processo é um terceiro também.

Fica claro, embora concordando com o ponto de vista de Gidi de que em sede de tutela dos interesses metaindividuais o que se tutela é um bem coletivamente considerado e logo o titular do direito subjetivo é sempre uma coletividade ou comunidade individualmente considerada ou conjunto de vítimas quando a lei define a possibilidade de extensão erga omnes ou ultra partes dos efeitos da coisa julgada, isto por si só não significaria que os limites subjetivos da coisa julgada não foram estendidos a terceiros, embora possam ser considerados integrantes da comunidade afetada na perspectiva de direito material - os integrantes individuais da coletividade, comunidade ou conjunto de vítimas - num enfoque processual teremos de concluir que estes são terceiros, pois de fato estes indivíduos não tiveram de per si a chance de expor suas razões no processo na condição de autores ou réus, pois o sistema veda este tipo de legitimidade.

Mesmo no caso da ação popular, o autor popular atua como substituto processual e, nesta condição atua também dentro das circunstâncias que a lei regula, os efeitos da coisa julgada que podem atingir terceiros. Aqui nos deteremos no processo especial da Lei n° 7.347/85 c/c Lei n°8.078/90.

Evidente que se afirmamos que os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes podem não atingir somente o autor e réu da demanda coletiva, seremos forçados a reconhecer que a coisa julgada atinge terceiros, havendo uma extensão dos limites subjetivos da coisa julgada, pois pela forma de construção mesma desta especial tutela coletiva, os titulares individuais nunca poderão atuar no pólo ativo na condição de autores da demanda.

Por outro lado, a coisa julgada não é um efeito necessário e essencial à sentença, podendo pelo menos em tese haver sentença sem o efeito da coisa julgada, como visto retro. Porém, mais correto e adequado é dizer que a coisa julgada enquanto especial efeito que se atribui a uma decisão, impede, em regra geral, que seja infirmada por qualquer um dos sujeitos que foram partes na demanda, é dizer, que estas possam furtar-se ao seu cumprimento e impugná-la, e possa assim, ser objeto de nova apreciação por outro magistrado.

Dentro deste prisma, somente a análise do direito processual vigente é que permitirá dizer, se no caso brasileiro, somente os autores e réus da demanda coletiva estão vinculados à autoridade da coisa julgada ou se os terceiros também estão a esta vinculada e em que condições e casos, ainda que por evidente, regra geral estejam como qualquer um sujeitos à eficácia da sentença como ato estatal, o que é coisa bem distinta, como expressamos mais ao norte. É dado mesmo que, em sede de tutela de interesse metaindividuais, sempre se busca a tutela de objetos que dizem a maior ou menor espectros de interesses sociais. Daí que a eficácia destas sentenças sempre atingirá terceiros com maior ou menor intensidade, com menor ou maior espectro social, mas disto não decorre o corolário que estes terceiros estejam em toda e qualquer situação sob os efeitos da coisa julgada. Limitar sob que enfoque se considera os terceiros atingidos pela coisa julgada é o nosso objetivo a seguir.

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4.4.3.1- Interesses difusos.

Regulamenta o direito positivo brasileiro que, no caso de ação coletiva ter por objeto a tutela de interesses difusos, sendo julgada procedente ou improcedente, a sentença fará coisa julgada erga omnes(art. 103, I do CDC).

Porém, o efeito erga omnes da coisa julgada será excluído no caso de a ação ser julgada improcedente por insuficiência de provas, podendo qualquer um dos legitimados ou o mesmo legitimado intentar outra ação, com idêntico fundamento, desde que fundada em novos elementos de prova (artigo 103, inc. I, do CDC, c/c artigo 21, da LACP). É caso de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Percebemos que pela redação do dispositivo legal fica muito claro que este declina que a "sentença fará coisa julgada". Assim, dirige-se e tem como escopo regulamentar a especial qualidade da sentença referente a sua imutabilidade no processo coletivo, e não se dirige a regulamentar a eficácia da sentença. Outro ponto a observar: como a lei somente faz exceção à improcedência por insuficiência de provas, significa dizer que a coisa julgada é erga omnes no caso de procedência ou improcedência do processo coletivo(21).

Como, pelos menos em tese, uma sentença pode ser compreendida sem o atributo da coisa julgada, sendo esta uma construção teórica da ciência do direito para maior densidade do princípio da segurança jurídica, veda o sistema que determinados sujeitos possam voltar a discutir determinada decisão do poder judiciário, esgotas as vias recursais, no mesmo ou outro processo. A regra é que esta especial qualidade da sentença se restrinja aos sujeitos que foram partes no processo, autor e réu, mas este especial atributo pode ser ampliado ou reduzido.

Dentro deste patamar fica claro que nenhum óbice teórico haveria e não há para a lei estender os efeitos da coisa julgada para além das partes, para atingir terceiros - sujeitos que não atuaram no processo como autores ou réus – e que não poderia no mesmo ou outro processo impugnar a decisão firmada no processo, excluída sua oportunidade de exercício do contraditório per si, mas que o sistema tomaria a decisão política de colocar a salvo de nova discussão, sem qualquer válvula de escape.

Teoricamente possível esta seca forma de ampliação da coisa julgada, mesmo em se tratando de situações no limite entre o político e o jurídico, o caso dos interesses metaindividuais, refletiria num conflito que, ainda que não fosse real, poderia ser contornada a sua resistência por meios mais sutis de ampliação e dos novos contornos a serem dados à coisa julgada. Onde a garantia ao contraditório e a ampla defesa previsto constitucionalmente, compreendida para além de uma garantia individual, mas como um meio de garantir materialmente o acesso à justiça. Assim que, evitando um conflito desnecessário, ainda que o nosso constituinte tenha compreendido o contraditório não apenas como uma garantia do exercício incondicional das razões individualmente pelo sujeito dentro do processo, mas como uma garantia fundamental. O legislador criou curvaturas de respeito ao prisma individual da garantia constitucional de acesso ao contraditório e à ampla defesa, criando novos meios e recursos inerentes a esta, sem, no entanto, restringi-la, como visto supra, quando da discussão sobre o contraditório e tutela coletiva, de forma que usou esta técnica para regular a coisa julgada em sede de interesses metaindividuais.

Assim, um exemplo de Curvatura pode ser verificado no preceituado no art. 103, §1o da Lei n° 8.078/90, onde prevê o legislador pátrio que os efeitos erga omnes da coisa julgada, em sentença de tutela de interesses difusos não prejudicarão os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, que sabemos nesta espécie de interesses estão no grau máximo de indeterminabilidade dos sujeitos.

Observe-se que o § 1o. do art. 103, do CDC não estabelece nenhuma condição, uma vez seja julgada procedente ou improcedente a ação, para que os efeitos erga omnes da coisa julgada não possam prejudicar os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade. Apenas dita regra de que os citados efeitos da coisa julgada – erga omnes (art. 103, I) - não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade dos interesses difusos.

Significa dizer que uma ação para a tutela de interesses difusos sendo julgada procedente ou improcedente a coisa julgada tem efeito erga omnes, salvo se a improcedência se der por insuficiência de provas, mas que esta mesma coisa julgada não prejudicará os interesses e direitos individuais dos integrantes da categoria.

Sem pôr nem tirar nada da lei, significa dizer que nem os autores, nem os réus, nem os terceiros que não participaram de per si do processo coletivo, mas foram substituídos processualmente pelo autor coletivo - legitimado na forma da lei - integrantes individuais da coletividade difusa, não podem infirmar o decisum do processo coletivo, uma vez presente a coisa julgada erga omnes.

Firma o sistema a resolução de que a via coletiva para a tutela daquele interesse difuso, com a mesma causa de pedir e pedido, está definitivamente fechada, após devidamente processado pela tutela coletiva em especial procedimento contraditório regulado em processo especial, pois este é o escopo da coisa julgada erga omnes.

Leciona Dinamarco que se tratando de demanda proposta por legitimado extraordinário, a sentença que a julgar improcedente terá autoridade também sobre os demais co-legitimados, pois é inerente ao instituto da substituição processual ficar o substituído vinculado à coisa julgada material produzida na causa conduzida pelo substituto(22). E outro não poderia ser o efeito, mas esta se forma na medida e circunstância de como a demanda foi posta perante o Estado-Juiz.

Assim, a Curvatura se dá por excluir o legislador a possibilidade que a coisa julgada erga omnes da tutela coletiva de interesses difusos, possa prejudicar de qualquer forma os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade.

Significa dizer que, embora a via coletiva esteja fechada para a impugnação de todos – demais legitimados à tutela coletiva e os terceiros integrantes da coletividade, que, aliás, não tem legitimidade ativa para ajuizar estas ações - dado o efeito de caso julgado erga omnes, mas esta especial qualidade da sentença não poderá prejudicar os interesses individuais das pessoas integrantes da coletividade até porque o que se discutiu, e este é o objeto do processo de tutela de interesses difusos, foi única e exclusivamente a tutela do interesse coletivamente considerado e não os interesses individuais dos integrantes da coletividade. Evidente que a coisa julgada impede que se impugne no mesmo ou outro processo a decisão relativa ao objeto coletivamente considerado, nada mais.

Como pode o legislador dá densidade a esta exclusão da possibilidade de prejuízo dos interesses individuais dos integrantes da coletividade difusa, se fechou a possibilidade de rediscutir o decisum do processo coletivo ? A resposta é simples: a curvatura, prevista no § 1o. do art. 103, ocorre pela exclusão da possibilidade de prejuízo aos interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade difusa mediante a evocação da coisa julgada erga omnes como meio de vedar o seu direito de ação individual. Ficando mantida a possibilidade do exercício do direito de ação individual de cada um dos membros integrantes da coletividade na defesa de seus direitos e interesses individuais ainda que possam estar materialmente sobre o raio de ação dos efeitos da sentença. De fato, este direito de ação individual permanece integro, até porque não foi excluído e não foi o objeto do processo coletivo e, logo, não poderia ter sido atingido pela coisa julgada erga omnes. Evidente que o exercício deste direito somente faz sentido no caso da demanda coletiva ter sido julgada procedente para somar aos elementos que já lhe foram deferidos no processo de tutela coletiva, ou no caso deste ter sido julgado improcedente tentar uma melhor sorte por meio do processo tradicional. Se a demanda coletiva foi julgada procedente e a responsabilidade global do demandado atende às expectativas do seu interesse, não tem interesse de demandar pelo processo individual, mas tão somente de habilitar-se no processo executório da tutela coletiva.

Destaca-se, para ficar bem claro, que o regulado pela lei é apenas a extensão erga omnes da coisa julgada, ou seja, dita quais aqueles sujeitos, além das partes -demandado e legitimado coletivo, que naturalmente se submetem a autoridade da coisa julgada – que estão também impossibilitados de impugnar no mesmo ou outro processo o decisum firmado no processo coletivo. É dizer, que nenhum dos demais legitimados coletivos poderá demandar contra o réu em sede de processo coletivo, e nenhum dos integrantes individuais da comunidade difusa pode também impugnar este decisum, até porque não tem legitimidade ativa, nem foi o seu interesse isolado o objeto da demanda, mas determinado objeto comunitário onde o seu interesse estava materialmente inserido.

Verifica-se de forma clara que o contraditório e a ampla defesa fora devidamente exercido e observada no processo de tutela coletiva, pelo substituto processual em especial processo, mas o sistema atento ao microcosmo social permitiu e de forma expressa manteve a garantia do contraditório e da ampla defesa no seu aspecto individual em sua integralidade.

Pelo escopo mesmo da tutela coletiva, entendemos que seria desnecessária a previsão do § 1o. do art. 103, vez que, esta jamais poderia comprometer o direito de ação em caráter individual, pois, não é este o seu objeto, mas evitando celeumas o legislador com senso apurado e atento previu expressamente a curvatura, com lógica jurídica e tino social.

Concluímos efetivamente que a coisa julgada erga omnes em tutela difusa amplia os sujeitos alcançados pelo seu efeito, os limites subjetivos da coisa julgada, para alcançar terceiros estranhos ao processo, em sentido estritamente processual, impossibilitando-os de impugnar a decisão coletiva.

Exatamente por delimitarmos de forma clara e estritamente processual a distinção entre a coisa julgada e a eficácia da sentença, podemos afirmar que ocorrendo de determinada ação coletiva ter sido julgada improcedente, poderia em tese obrigar os integrantes individuais da coletividade difusa a ter de suportar a permanência de determinada atividade danosa aos seus interesses, ou seja, permanecer sob os efeitos ou no raio de ação da eficácia da sentença, isto na realidade não ocorre, pois embora a via coletiva esteja vedada, dado o efeito erga omnes da coisa julgada, porque não há meios para impugnar a sentença coletiva, ele não está obrigado a suportar seus efeitos materiais, podendo ajuizar ação tradicional contra o réu vencedor da demanda coletiva com vistas a excluir-se destes.

O exposto ficará mais claro, imaginando-se, por exemplo, o caso extremo de uma ação coletiva que visa responsabilizar determinada empresa Transportadora de Óleo, por poluir um rio mediante vazamento, a ressarcir os danos patrimoniais da população ribeirinha, recuperar o meio ambiente e a indenizar os danos extra-patrimoniais. A requerida consegue pelo mérito excluir-se da responsabilidade, após todos os recursos, a decisão finalmente adquire a autoridade da coisa julgada(23). Se não fosse a expressa curvatura do § 1o. do art. 103 do CDC, poderia o demandado, alegar que não pode mais ser acionado por nenhum dos ribeirinhos por danos particulares de ordem patrimonial ou moral que entendem foram decorrentes desta atividade da empresa, pois isto violaria a coisa julgada, mas tal defesa não é possível, podendo perfeitamente os ribeirinhos moverem ações individuais visando a responsabilidade civil daquela e as respectivas indenizações. Neste sentido é que se coloca que a coisa julgada erga omnes não pode prejudicar os interesses individuais dos integrantes da coletividade.

Considere-se, ainda, no mesmo exemplo retro, sendo julgada procedente a ação coletiva, mas somente condenando a empresa a ressarcir dos danos de ordem patrimonial e excluindo os danos de ordem subjetiva, por não se configurar os danos de tal natureza. Fixada na ação coletiva a responsabilidade global da empresa quanto aos danos materiais, basta ao ribeirinho fazer a sua habilitação no processo de execução coletiva e demonstrar o nexo de causalidade entre os seus prejuízos e o ato pelo qual foi considerada a demandada responsável, para ter direito a receber a quantum que lhe cabe no processo executivo. Entretanto, entendendo o ribeirinho que além dos danos patrimoniais, devidamente liquidados e objeto de satisfação na execução coletiva, tem direito a indenização por danos morais, a curvatura do § 1o. do art. 103 do CDC, ressalva integro este seu direito de ação, não podendo o réu lhe opor os limites objetivos da coisa julgada da demanda coletiva, onde não foi deferida a sua obrigação de indenizar danos de ordem extra-patrimonial, para obstar o seu direito de ação. Neste diapasão é que a coisa julgada erga omnes da tutela coletiva de interesses difusos não pode também prejudicar os interesses individuais de integrantes da coletividade difusa.

Para reforçar, consideremos outro exemplo, onde seja movida ação civil coletiva, cuja finalidade seja obrigar o SPC – Serviço de Proteção ao Crédito, a excluir do seu cadastro todas aquelas pessoas que constarem lá inscritas, cujas dívidas estejam registradas com prazo superior a cinco anos, bem como a criar um programa de computador que faça a exclusão imediata destes e de cada nova pessoa que conste em igual situação.

Assim, no caso desta ação ser julgada procedente todos aqueles indivíduos que estiverem nesta situação serão automaticamente beneficiados pela eficácia da sentença que pela natureza do provimento tem eficácia erga omnes, no sentido que beneficia todos aqueles indivíduos indeterminados que possuíssem restrições cadastrais perante o SPC, sendo que o efeito erga omnes da coisa julgada impede que este decisum seja impugnado por qualquer pessoa, outros legitimados e outros possíveis interessados de impugnar a sentença, evidente que os beneficiários individuais desta, sequer teriam interesse de impugná-la.

Considerando a mesma hipótese, ocorrendo a improcedência da ação pelo mérito, não estando obrigado o SPC de excluir os nomes inscritos a mais de cinco anos no cadastro, pelo fato de o magistrado ter concluído que legal era o registro, bem como não tendo a obrigação de criar o programa, após o trânsito em julgado. Neste caso, também estará presente o efeito erga omnes da coisa julgada, impedindo que decisão seja impugnada neste processo coletivo ou outro, pelo autor, réu e demais legitimados ativos. Observe-se, que podemos considerar que os sujeitos inscritos no SPC estão sob a eficácia erga omnes da sentença e mesmo sob os efeitos erga omnes da coisa julgada dela, mas dada a curvatura do § 1o. do art. 103 do CDC, o sistema deixa claro que esta última diz respeito ao processo coletivo, logo, não se dirige ao processos individuais, impedindo que esta exceção seja apresentada ao direito de ação individual que visa a excluir o particular do ilegal cadastro. Permanece integro o direito subjetivo público do particular de requerer a sua exclusão do ilegal cadastro.(24) Nestes termos, que podemos compreender que os efeitos erga omnes da coisa julgada na tutela de interesses difusos não prejudicam os interesses individuais dos integrantes da coletividade.

Consideremos, no mesmo caso, que o substituto processual requeira além da exclusão do SPC, que o juízo firme uma condenação pecuniária a reverter a cada sujeito a título de danos morais pelos constrangimentos de ter indeferido crédito em razão de dívida já prescrita, mas este seja indeferido por faltar elementos caracterizadores da responsabilidade da demandada quanto a este objeto. Corolário da curvatura, entendendo os consumidores que estavam na situação ilegal perante o SPC, sofreram constrangimentos e prejuízos de ordem moral por conta de indeferimento do crédito, podem perfeitamente mover ação individual pleiteando indenização, não podendo ser oposta pelo demandado defesa no sentido de que foi excluída a sua responsabilidade. Podemos, ainda, conceber que o magistrado tenha deferido a indenização por danos morais, fixando o quamtum em R$ 1.000,00 ( hum mil reais) por pessoa ilegalmente inscrita, destarte, se o particular entender que os seus prejuízos de ordem subjetiva foram de ordem muito grave, e que a indenização pelos constrangimentos devem ser estimados na ordem de R$ 10.000,00 (dez mil reais), não pode o réu opor a exceptio da coisa julgada, para impedir o direito subjetivo público do integrante da coletividade difusa de requerer esta tutela ao Estado. A curvatura prevista no § 1o. do art. 103 do CDC tem a função de excluir qualquer prejuízo aos interesses individuais da coletividade, e isto é que fundamenta a possibilidade destas ações a que fazemos referência

Ressaltamos, outrossim, embora a coisa julgada da decisão do processo de tutela coletiva não possa ser utilizada como defesa em ação para a tutela de interesse individual de integrante da coletividade difusa, na forma do art. 267, inciso V do CPC, de forma a fundamentar o pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito, por que naquela via teria sido indeferido o direito à coletividade ou comunidade ao mesmo bem da vida, que ora se pleiteia em procedimento tradicional. Entretanto, possível e provável é que os elementos de prova produzidos no processo coletivo que levaram o estado-juiz a decretar a improcedência de uma ação coletiva, e a decisão com os seus motivos e fundamentos sirvam como elementos importantes levados pela parte ré para intervir na formação do convencimento do juízo no julgamento da ação individual, fundamentando neste aspecto particular o requerimento de que este novel pedido tome igual rota da improcedência, mas nada mais será que um elemento de prova, argumentativo, não vinculativo do magistrado, não se constituindo obstáculo para emissão de novo provimento, função própria da coisa julgada.

Evidente ainda, que, sendo procedente o pedido na ação coletiva de interesses difusos, esta beneficia as vitimas e seus sucessores que precisam somente proceder à liquidação e execução dos créditos indenizatórios a que tenham eventual direito, habilitando-se nos autos da execução e provando o nexo causal do seu dano e o direito à indenização, sendo que as indenizações individuais preferem ao valor indenizatório a reverter ao fundo público (artigos 103, § 3°, e 99, da Lei n° 8.078/90 c/c artigos 21, da Lei n ° 7.347/85).

Podemos concluir que os efeitos da sentença na tutela dos interesses difusos ultrapassam os limites subjetivos clássicos da coisa julgada, até porque se assim não fosse, não teriam utilidade(25). Emergindo o importante tema sobre a compatibilidade destes efeitos com a salvaguarda dos interesses individuais dos afetados que não participaram do contraditório, fato que decorre do respeito ao princípio constitucional de inafastabilidade da jurisdição incrustado no moderno constitucionalismo (no direito brasileiro artigo 5°, inc. XXXV da CF), é devidamente observado pela curvatura posta no circuito pelo legislador.

Destes efeitos das sentenças em sede de interesses difusos, embora destoado quanto aos tradicionais limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, em nada afetam a essência do escopo da coisa julgada que é trazer a segurança jurídica. Ainda, que eventualmente se possa discutir a possibilidade de desconstituir o caso julgado, depois de exaurido o prazo rescisório, por motivos de outra ordem, sopesando critérios de justiça e princípios constitucionais(26).

4.4.3.2- Interesses coletivos

Ao regulamentar os efeitos da coisa julgada em ações coletivas para a tutela de interesses coletivos, o nosso legislador o realizou de forma muito semelhante da dos interesses difusos. Assim, no caso da propositura de ação coletiva cujo objeto seja a tutela de interesses coletivos stricto sensu, após o trânsito em julgado, à sentença atribui-se a qualidade da coisa julgada ultra partes, no caso de procedência ou improcedência do pedido (art. 103, II do CDC).

A opção pela noção de coisa julgada ultra partes da sentença, soa como uma forma de distinção didática entre coisa julgada dos interesses coletivos e dos interesses difusos, mas que na prática pouco se diferenciam, podemos dizer que ontologicamente em nada diferem. Aliás, em ambos os casos os titulares individuais são indeterminados, embora a espécie de interesse metaindividual coletiva, por estar ligada a um grupo, categoria ou classe, os membros sejam determináveis.

Ressalva-se que os efeitos ultra partes da coisa julgada são excluídos se a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas, podendo, neste caso, qualquer um dos legitimados intentar outra ação ou mesmo o legitimado que moveu a primeira ação, com idêntico fundamento, desde que fundada em novos elementos de prova (artigo 103, inc. II, do CDC, c/c artigo 21, da LACP). É caso de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Nos interesses coletivos os efeitos ultra partes da coisa julgada como especial qualidade da sentença, seja procedente ou improcedente a ação coletiva, não prejudicarão os interesses e direitos individuais dos integrantes do grupo, categoria, classe (artigo 103 § 1° da Lei n° 8.078/90 c/c artigo 21 da Lei n° 7.347/85).

Aqui, como na tutela dos interesses difusos, cabe a indagação sobre o que significa dizer que uma ação sendo procedente ou improcedente possui os efeitos ultra partes da coisa julgada, se a própria lei ressalva que não há prejudicialidade aos interesses e direitos individuais dos integrantes do grupo, classe ou categoria abrangida? A resposta pode ser construída nos mesmos moldes dos interesses difusos, até porque é inexistente a diferença ontológica entre os efeitos de coisa julgada aqui e lá.

Assim, a redação do dispositivo legal se dirige ao escopo de regulamentar a especial qualidade da sentença concernente a sua imutabilidade no processo coletivo julgado procedente ou improcedente a ação, e não se dirige a regulamentar a eficácia da sentença. Somente excluindo-se a coisa julgada ultra partes no caso de improcedência por insuficiência de provas da ação. Não há necessidade de especial regulamentação da eficácia da sentença pois estes efeitos do ato estatal ocorrerão como decorrente lógico do pedido de tutela coletiva formulada.

Novamente, embora teoricamente, fosse possível a ampliação da coisa julgada, sem ressalva, especialmente quanto aos seus limites subjetivos. Mesmo tratando-se de situações no limite entre o político e o jurídico, evitando um conflito desnecessário, o legislador criou curvaturas de respeito ao prisma individual da garantia constitucional ao acesso ao contraditório e à ampla defesa.

A Curvatura neste caso é semelhante dos interesses difusos, pois prevista no art. 103 §1o da Lei n° 8.078/90, que os efeitos ultra partes da coisa julgada em sentença de tutela de interesses coletivos, não prejudicará os interesses e direitos individuais dos integrantes do grupo, categoria ou classe.

Observe-se que o § 1o. do art. 103, do CDC não estabelece nenhuma condição, uma vez seja julgada procedente ou improcedente a ação, para que os efeitos ultra partes da coisa julgada não possam prejudicar os interesses e direitos individuais dos integrantes do grupo, categoria ou classe. Apenas, dita regra de que os citados efeitos da coisa julgada – ultra partes (art. 103, II) - não prejudicarão interesses e direitos individuais dos seus integrantes da categoria, grupo ou classe.

Questionar o modo como o legislador dá densidade a esta exclusão da possibilidade de prejuízo dos interesses individuais dos integrantes do grupo, categoria ou classe, e casar com o efeito ultra partes da coisa julgada, que fecha a possibilidade de rediscutir o processo coletivo é o objeto medular do nosso problema.

Mas, apesar disto, a resposta é simples e semelhante ao caso dos interesses difusos: a curvatura, prevista no § 1o. do art. 103, ocorre pela exclusão da possibilidade de prejuízo aos interesses e direitos individuais dos integrantes da classe, categoria ou grupo, mediante a evocação da coisa julgada ultra partes como meio de vedar o seu direito de ação individual. Ficando mantida a possibilidade do exercício do direito de ação individual de cada um dos membros integrantes da coletividade na defesa de seus direitos e interesses individuais ainda que possam estar materialmente sobre o raio de ação dos efeitos da sentença. De fato, este direito de ação individual permanece integro, até porque não foi excluído e não foi o objeto do processo coletivo logo, não poderia ter sido atingido pela coisa julgada ultra partes. Evidente que o exercício deste direito somente faz sentido no caso da demanda coletiva ter sido julgada procedente para somar aos elementos que já lhe foram deferidos no processo de tutela coletiva. Ou no caso deste ter sido julgado improcedente tentar uma melhor sorte por meio do processo tradicional. Se a demanda coletiva foi julgada procedente e a responsabilidade global do demandado atende às expectativas do seu interesse, não tem interesse de demandar pelo processo individual, mas tão somente de habilitar-se no processo executório da tutela coletiva.

Destaca-se, para ficar bem claro, que o regulado pela lei é apenas a extensão ultra partes da coisa julgada, ou seja, dita quais aqueles sujeitos, além das partes -demandado e legitimado coletivo, que naturalmente se submetem a autoridade da coisa julgada – que estão também impossibilitados de impugnar no mesmo ou outro processo o decisum firmado no processo coletivo. É dizer, que nenhum dos demais legitimados coletivos poderá demandar contra o réu em sede de processo coletivo, e nenhum dos integrantes individuais da classe, grupo ou categoria pode também impugnar este decisum, até porque não tem legitimidade ativa, e nem foi o seu interesse isolado o objeto da demanda, mas determinado objeto coletivo onde o seu interesse estava materialmente inserido.

Verifica-se de forma clara que o contraditório e da ampla defesa foram devidamente exercidos e observados no processo de tutela coletiva, pelo substituto processual em especial processo, sendo que o sistema atento ao microcosmo social permitiu e de forma expressa manteve a garantia do contraditório e da ampla defesa no seu aspecto individual em sua integralidade.

Destacamos, ainda, pelo escopo mesmo da tutela coletiva, que seria mesmo desnecessária a previsão do § 1o. do art. 103, já que, esta jamais poderia comprometer o direito de ação em caráter individual, pois, não é este o seu objeto, porém, evitando celeumas o legislador com senso apurado e atento previu expressamente esta curvatura, refletindo a mesma lógica jurídica e tino social dos interesses difusos, até por isso regulou no mesmo parágrafo da Lei n°. 8.078/90.

Concluímos efetivamente que a coisa julgada ultra partes em tutela coletiva amplia os sujeitos alcançados pelo seu efeito, ou seja, os limites subjetivos da coisa julgada, para alcançar terceiros estranhos ao processo, em sentido estritamente processual, impossibilitando-os de impugnar a decisão coletiva, embora exclua expressamente os interesses individuais dos interessados integrantes da classe, grupo ou categoria de seus efeitos, mantido em integralidade o seu direito de ação quanto a este objeto.

Exatamente por delimitarmos de forma clara e estritamente processual a distinção entre a coisa julgada e a eficácia da sentença, podemos afirmar que ocorrendo de determinada ação coletiva ter sido julgada improcedente e, que poderia em tese obrigar os integrantes individuais da classe, grupo ou categoria a ter de suportar a permanência de determinada atividade danosa aos seus interesses, ou seja, permanecer sob os efeitos decorrentes desta, isto na realidade não ocorre, pois, embora a via coletiva esteja vedada, dado o efeito ultra partes da coisa julgada, ele não está obrigado a suportar estes efeitos, podendo ajuizar uma ação tradicional com vistas a proteger os seus interesses contra o réu vencedor na demanda coletiva, visando afasta-los.

Tornando mais claro o exposto, consideremos, por exemplo, ajuizamento de ação coletiva visando obstar um aumento abusivo das parcelas por parte de administradora de consórcio, devolução dos valores indevidamente cobrados e danos reflexos, uma vez que, julgada procedente a ação o resultado beneficiará a todos os integrantes do grupo, os efeitos do ato estatal beneficiaram a todos os seus membros, ou seja, a eficácia da sentença é ultra partes porque atinge além das partes outros sujeitos – terceiros - que não atuaram no processo, e, após o trânsito em julgado, dizemos que a coisa julgada também tem efeito ultra partes porque vincula a partes e terceiros, que estão impedidos de no mesmo ou outro processo infirmar o decisório deste processo. Neste sentido não prejudicam os interesses dos integrantes individuais do grupo, cada um pode executar o seu dano individual excluindo a majoração e eventuais diferenças reflexas. Mesmo considerando, neste exemplo, que tenha sido indeferida na via coletiva o direito a danos reflexos, poderia o integrante do grupo ajuizar ação particular com o escopo de ver o demandado da ação coletiva responsabilizado por estes danos, não podendo ser lhe oposta a coisa julgada erga omnes para excluir-se o seu direito abstrato de ação, isto decorre da curvatura, prevista no § 1o. do art. 103 do CDC, onde persiste integro seu direito de ação, não podendo o réu lhe opor os limites objetivos da coisa julgada da demanda coletiva, onde não foi deferida a sua obrigação de indenizar danos reflexos da majoração abusiva, para obstar este seu direito público subjetivo. Neste diapasão é que a coisa julgada ultra partes da tutela coletiva de interesses coletivos não pode prejudicar os interesses individuais de integrantes do grupo, classe ou categoria.

Destaca-se, ainda, no mesmo caso, sendo julgada totalmente improcedente a ação coletiva, os efeitos ultra partes da coisa julgada não poderão prejudicar os interesses individuais de cada um dos membros do consórcio, que permanecem integralmente protegidos para o exercício do seu direito de ação. Com efeito, a os efeitos da coisa julgada ultra partes da sentença coletiva, onde pelo mérito o réu consegue manter o abusivo aumento, bem como não está obrigado a excluir o aumento e seus efeitos reflexos combatidos na via coletiva, se não fosse a expressa curvatura do § 1o. do art. 103 do CDC, poderia o demandado alegar que não poderia mais ser acionado por nenhum dos consorciados para excluir a majoração ilegal, pois isto violaria a coisa julgada, mas tal defesa não é possível, podendo perfeitamente os integrantes do grupo moverem ações individuais visando a responsabilidade e exclusão do abusivo aumento(27). Neste sentido é que se coloca que a coisa julgada ultra partes não pode prejudicar os interesses individuais dos integrantes da classe, grupo ou categoria.

Consideremos, ainda, o exemplo, que seja movida uma ação coletiva que visa declarar a impossibilidade de serem cobradas mensalidades escolares de alunos beneficiados pelo Crédito Educativo a partir do dia 1o de abril de 2000, por parte de universidades particulares, porque eivado de ilegalidade, sendo pleiteada a devolução do dinheiro, devidamente corrigido aos estudantes que tiverem sido cobrados ilegalmente. O pedido formulado, que pretende obter uma tutela jurisdicional que declare unicamente a impossibilidade desta cobrança pelos estabelecimentos de ensino privados, a partir da data de 1o. de abril de 2000, e a devolução a partir desta, mesmo sendo sabedores que o a cobrança ilegal já vinha sendo cobrada desde o dia 1o. de janeiro de 2000, evidente resulta que o pedido de tutela coletiva não foi formulado em toda a extensão que o caso requeria, significa dizer que sendo esta julgada procedente, os demandados devem cessar de todo a cobrança ilegal e devolver o dinheiro somente a partir daquela data e no período de referência.

Destaca-se, que apesar de mal formulado, o que não cremos aconteceria num caso concreto, não pode o demandado opor a exceção de coisa julgada, para impedir que determinado aluno requeira tutela individual visando a ressarcir o período de janeiro a março de 2000, não abrangido na tutela coletiva, até porque fora dos limites objetivos da coisa julgada.

Diga-se, ainda, na mesma hipótese, desta ação ser julgada improcedente, esta não impediria que os integrantes da coletividade pleiteassem em juízo a declaração da nulidade da cobrança e a devolução do dinheiro devidamente corrigido, por meio de ação individual, em todo o período, de janeiro de 2000 em diante, ou mesmo só a partir de abril de 2000, pois a coisa julgada ultra partes vincula apenas no sentido de que não pode ser impugnado este decisum do processo coletivo, mas esta não serve de exceção na ação particular, não podendo ser utilizado como instrumento de prejuízo aos interesses individuais dos integrantes do grupo. É dizer, que a eficácia da sentença de improcedência da ação permite as entidades particulares continuarem a cobrança "indevida", estando os estudantes, neste sentido, sobre a eficácia ultra partes de uma sentença que declarou como legítima tais cobranças, não podendo ser esta impugnada na via metaindividual, porém, esta coisa julgada não vincula o seu direito de ação particular, podendo ser decretada na via individual a ilegalidade da cobrança, excluindo-se o vencedor da indevida exação. Observe-se, que temos uma contradição lógica entre os enunciados das decisões, pois, uma afirma que a cobrança é legal, e na outra, ilegal, mas apesar disto são perfeitamente compatíveis e admitidas pelo sistema, apoiada na curvatura do § 1o. do art. 100 do CDC, onde apesar de a universidade estar amparada a globalmente permanecer com a cobrança, no particular está obrigada a cessar a cobrança e devolver os valores devidamente corrigidos.(28)

Ressaltamos, outrossim, que a coisa julgada da decisão do processo de tutela coletiva não pode ser utilizada como defesa em ação para a tutela de interesse individual de integrante da classe, grupo ou categoria, na forma do art. 267, inciso V do CPC, de forma a fundamentar o pedido de extinção do processo sem julgamento do mérito, por que naquela via teria sido indeferido o direito à coletividade ao mesmo bem da vida, que ora se pleiteia em procedimento tradicional. Entretanto, possível e provável é que os elementos de prova produzidos no processo coletivo que levaram o estado-juiz a decretar a improcedência de uma ação coletiva, e a decisão com os seus motivos e fundamentos sirvam como elementos importantes levados pela parte ré para intervir na formação do convencimento do juízo no julgamento da ação individual, fundamentando neste aspecto particular o requerimento de que este novel pedido tome igual rota da improcedência, sendo que nada mais será que um elemento de prova, argumentativo, não vinculativo do magistrado, não se constituindo obstáculo para emissão de novo provimento, função própria da coisa julgada.

Evidente, ainda, que sendo procedente o pedido na ação de interesses coletivos, esta beneficia as vitimas e seus sucessores que precisam somente proceder à liquidação e execução dos créditos indenizatórios a que tenham eventual direito, habilitando-se nos autos da execução e provando o nexo causal do seu dano e o direito à indenização, sendo que as indenizações individuais preferem ao valor indenizatório a reverter ao fundo público (artigos 103, § 3°, e 99, da Lei n° 8.078/90 c/c artigos 21, da Lei n ° 7.347/85).

Significa dizer que uma ação para a tutela de interesses coletivos sendo julgada procedente ou improcedente a coisa julgada tem efeito ultra partes, salvo se a improcedência se der por insuficiência de provas, mas que esta coisa julgada não prejudicará os interesses e direitos individuais dos integrantes da categoria. Logo, podemos perceber que nem os autores, nem os réus, nem os terceiros que não participaram de per si do processo coletivo, mas que foram substituídos processualmente pelo autor coletivo - legitimado na forma da lei - integrantes individuais de dado grupo, categoria ou classe, não podem infirmar o decisum do processo coletivo, uma vez presente a coisa julgada ultra partes. Resulta que a via coletiva para a tutela daquele interesse coletivo, com a mesma causa de pedir e pedido, está definitivamente fechada após devidamente processado pela tutela coletiva em especial procedimento contraditório regulado em processo especial, pois, este é o escopo da coisa julgada ultra partes.

Assim, a Curvatura se dá pela exclusão pelo legislador que esta coisa julgada ultra partes da tutela coletiva de interesses coletivos prevista por ele possa prejudicar de qualquer forma os interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade. Porém, observando que, neste caso, os sujeitos individuais integrantes do grupo, categoria ou classe são de mais fácil identificação, de espectro social menor, logo, podendo ter maior e melhor conhecimento destas situações, o legislador agregou outra curvatura limite àquela retro descrita.

Com efeito, prevê o legislador, que os efeitos ultra partes da coisa julgada da sentença proferida em ação coletiva para a defesa dos interesses coletivos não beneficiarão os autores das ações individuais, em que o autor, após a tomada da ciência do ajuizamento da ação coletiva, no prazo de trinta dias, não requerer a suspensão da sua ação individual (artigo 104, do CDC in fine, c/c art. 21, da Lei 7.347/85).

O legislador facultou ao autor individual decidir a opção processual que considera mais adequada à tutela dos seus interesses, escolhendo o prosseguimento pela via individual, sendo que ocorrendo da via coletiva ser julgada e solucionada antes no sentido positivo, a referida decisão não pode lhe ser aproveitada nos seus efeitos e, evidentemente, sendo julgada improcedente também não o prejudica. Entretanto, no caso da sua ação individual ser suspensa, após ciente do ajuizamento da ação coletiva, sendo esta processada e julgada procedente poderá o autor individual aproveitar os resultados da ação do processo coletivo. Por outro lado, sendo a referida ação coletiva julgada improcedente, a suspensão do seu processo permite que prossiga o trâmite individual, a fim de tentar melhor sorte nos seus interesses individuais, afinal, aqui se escuda no preceituado no § 1o. do art. 103 do CDC.

Embora a lei não seja expressa, no que concerne a procedência do pedido na ação coletiva de interesses coletivos, como o faz a tutela dos interesses difusos, considerando que naquelas as vítimas embora indeterminadas são determináveis, por fazerem parte de um grupo, classe ou categoria, temos que beneficia as vitimas e seus sucessores que precisam somente proceder à liquidação e execução dos créditos indenizatórios a que tenham eventual direito, habilitando-se nos autos da execução e provando o nexo causal do seu dano e o direito à indenização, sendo que as indenizações individuais preferem aos valores devidos pela indenização que devem reverter ao fundo público. Justifica-se por subsistirem iguais substratos do previsto nos artigos 103, § 3° e 99, da Lei 8.078/90, c/c artigos 21, da Lei 7.347/85. Usa-se a analogia.

4.4.3.3 - Interesses individuais homogêneos.

A ação coletiva para a tutela de interesses individuais homogêneos possui a peculiaridade de produzir os efeitos da coisa julgada erga omnes, previstos em lei, somente no caso de procedência do pedido, a fim de que sejam beneficiadas as vítimas e seus sucessores (artigo 103, inc III do CDC c/c artigo 21 de LACP). Verificada a improcedência da ação não há que se falar em efeitos da coisa julgada erga omnes.

A respeito da coisa julgada erga omnes a Lei n° 8.078/90 dita regra expressa, ao contrário dos demais casos de tutela de interesses metaindividuais, que somente no caso de procedência do pedido manifesta-se o especial efeito da coisa julgada erga omnes.

Logo, não ocorrerá o peculiar atributo de eficácia erga omnes da coisa julgada da sentença, atribuídos por lei, se esta sentença for de improcedência da ação. Assim, neste caso, após o trânsito em julgado, adquire os efeitos de coisa julgada para as partes presentes no processo, ou seja, a regra tradicional dos limites da coisa julgada.

Este caso reafirma de forma clara, a coisa julgada como um especial efeito que a lei atribui ao julgado, onde o legislador cria uma especial situação somente no caso de ser julgado procedente o pedido. Ocorrendo o trânsito em julgado da decisão, nenhuma das partes e outros co-legitimados ou terceiros poderão infirmar ou se opor ao julgamento da ação coletiva de tutela de interesses individuais homogêneos julgada procedente.

Aqui não ocorre o mesmo fenômeno da tutela dos interesses difusos e coletivos, sendo ressalvada pela lei a ocorrência dos efeitos erga omnes da coisa julgada no caso de procedência da ação, em que nem as partes, nem outros legitimados ou terceiros podem voltar a discutir a decisão firmada no processo. No caso de ser julgada improcedente a ação coletiva para a tutela de interesses individuais homogêneos, a via coletiva permanece aberta somente para outro legitimado coletivo. O ente social que moveu a ação coletiva ficará impedido de voltar a discutir o julgado no mesmo ou outro processo. Neste caso, aplicam-se os tradicionais limites subjetivos da coisa julgada, em que as partes que fizeram parte da demanda são atingidas pela autoridade da coisa julgada. O demandado somente poderá opor a coisa julgada que julgou improcedente a ação coletiva ao ente coletivo que lhe demandou na referida ação, não podendo opor a autoridade da coisa julgada contra outro dos legitimados concorrentes que vier a juízo defender o mesmo interesse individual homogêneo pela via coletiva.

Regulando a lei apenas a extensão erga omnes da coisa julgada, somente no caso de procedência da ação de tutela de direitos individuais homogêneos, dita quais sujeitos, além das partes - demandado e legitimado coletivo, que naturalmente se submetem a autoridade da coisa julgada - estão também impossibilitados de impugnar no mesmo ou outro processo o decisum firmado no processo coletivo, uma vez que este seja julgado procedente. É dizer, que nenhum dos demais legitimados coletivos poderá demandar contra o réu em sede de processo coletivo, e nenhum dos integrantes individuais da comunidade homogênea pode também impugnar este decisum, até porque seria desnecessário, porque se caracterizando o interesse individual homogêneo pela sua divisibilidade, e relativa facilidade de identificação dos sujeitos, decorrente de sua origem comum, o pedido de tutela coletiva deve atender a um só tempo aos seus anseios de tutela, retirando-lhe o interesse de agir.

Considerando, ainda, que a Lei n° 8.078/90 não faz ressalva expressa quanto a improcedência da ação para a tutela de interesses individuais homogêneos por insuficiência de provas, como faz nos casos de interesses difusos e coletivos stricto sensu, consideramos ser possível, neste caso, também, a aplicação da regra de que poderá ser intentada nova ação com idêntico fundamento, por qualquer dos legitimados e até mesmo pelo mesmo legitimado, desde que fundada sobre novos elementos de prova, afinal aqui teremos nova causa de pedir, e, afinal a mens legislatoris é permitir que efeitos tão relevantes, concedidos por lei, não favoreçam o violador de tais interesses de elevada significação social quando a improcedência da ação ocorrer por insuficiência de elementos probatórios.

Os efeitos erga omnes da coisa julgada da sentença de procedência, proferida em ação coletiva para defesa dos interesses individuais homogêneos, como visto retro, é conferido pela lei para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, entretanto, tais efeitos, não beneficiarão os autores da ações individuais, em que estes, após a tomada da ciência do ajuizamento da ação coletiva, no prazo de trinta dias, não requererem a suspensão da sua ação individual (artigo 104, do CDC in fine, c/c art. 21, da Lei n° 7.347/85).

A Lei n° 8.078/90 não prevê curvatura no sentido de que os efeitos erga omnes da coisa julgada da ação coletiva para a tutela de interesses individuais homogêneos, não prejudicarão os interesses e direitos individuais dos integrantes do grupo abrangido, como previsto no artigo 103, § 1°, da Lei n° 8.078/90, para os interesses difusos e coletivos stricto sensu, e nem faria sentido, afinal, somente permite tais efeitos no caso de procedência do pedido, logo, lhes faltaria mesmo interesse jurídico em promover tal impugnação.

Destarte, embora não tenhamos dito alhures quando tratamos dos direitos e interesses difusos e coletivos, também nestes casos, sendo julgada procedente a ação coletiva, não haveria como falar em possíveis prejuízos dos efeitos da sentença sobre os direitos e interesses individuais dos integrantes da coletividade ou comunidade, faltando-lhes mesmo interesse de agir para impugnar o referido decisum, ou seja, de se colocarem contra a coisa julgada, ainda que isto fosse possível.

De fato, isto seria impossível não só pela falta de interesse de agir dada a procedência, mas ainda porque o objeto decidido foi coletivamente considerado, portanto não lhe atinge os interesses individuais e ainda porque se o processo é coletivo, até mesmo o juízo rescisório teria de se dar por legitimado coletivo. Afinal, trata-se de conclusão prática de que, embora decidido de forma coletiva, estes poderão aproveitar aos seus interesses individuais, pois poderão fazer a liquidação e execução dos seus danos individuais na forma dos art. 95 a 100 do CDC.

Não podemos esquecer da especial regra do art. 103 § 2o. do CDC, pois, os interessados individuais que não atuarem como assistentes simples, podem propor as ações individuais de indenização, no caso de improcedência da ação. Destacamos que nos filiamos a corrente que leciona no sentido de que apesar de a lei se referir a litisconsortes, isto é de todo impossível, por que somente pode atuar como litisconsorte quem pode ser autor, e sendo a legitimidade da tutela coletiva deferida somente a entes sociais, admitir-se este seria burlar esta especial forma de legitimidade.

Observa-se, neste particular, que o interessado individual que atuou como assistente simples no processo, não poderá propor a ação de indenização a título individual, é o que se pode depreender contrário senso.

Aqui não se trata de efeito da coisa julgada material, mas será atingido pela eficácia preclusiva da coisa julgada, na sua projeção sobre o terceiro que interveio no processo, nos termos do disposto no caput do art. 55 do CPC, ficando o interveniente preso aos motivos da sentença, inclusive a verdade dos fatos estabelecida como fundamento desta e à apreciação dada às questões prejudiciais, à medida que tais pronunciamentos do juiz venham a ser relevantes em causa posterior na qual ele venha a figurar como parte principal. Tanto quanto as partes principais no processo em que a sentença foi dada, ele fica vinculado pela eficácia preclusiva dessa sentença. Somente em casos excepcionais (incisos I e II do art. 55 do CPC) poderá o assistente, em feito posterior, "discutir a justiça da decisão", onde se configure a chamada exceptio male gesti processu.Ele porá em discussão o acerto desses procedimentos dados incidentur tantum, obviamente sem com isso infirmar a res judicata formada no primeiro processo, o que nem sequer as próprias partes poderiam fazer, sendo que a ele faleceria legitimidade para postular reforma do que foi decidido sobre os direitos e obrigações alheios(29)

Sobre o autor
Ibraim José das Mercês Rocha

advogado, procurador do Estado do Pará, mestre em Direito pela UFPA, secretário do Instituto Brasileiro de Advocacia Pública no Pará, ex-diretor do departamento jurídico do Instituto de Terras do Pará (ITERPA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Ibraim José Mercês. Contraditório e coisa julgada em sede de tutela de interesses metaindividuais.: Uma leitura sobre o prisma das curvaturas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2084. Acesso em: 23 nov. 2024.

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