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Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural

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Agenda 18/01/2012 às 13:32

2. ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO POSITIVO

Noutro giro, contrário ao jusnaturalismo, existem as teorias positivistas que rechaçam a dualidade jurídicas, negando a existência do direito natural e direito positivo, calcificando que todo o direito é positivo, pois a ordem jurídica é resultado da criação humana, logo, não haveria que se abordar a existência de normas jurídicas que transcendem ao direito posto.

O positivismo nega peremptoriamente a juridicidade de princípios naturais ou morais não instituídos na forma de comandos pelas autoridades competentes.

Bobbio (2007, p. 31) abordando o positivismo jurídico, elenca que "para un iusnaturalista, una norma no es válida si no es justa; para la doctrina opuesta, una norma es justa solo si es válida. Para unos la justicia es la consagración de la validez, para otros la validez es la consagración de la justicia".

John Austin foi pioneiro no desenvolvimento de uma teoria positivista descrevendo o direito sem considerações axiológicas ou prescrições. Ou seja, para ele, a lei, como um objeto de estudo científico, não poderia ser dominado nem pela prescrição nem pela avaliação moral. O jurista inglês ficou conhecido pela sua celebre frase, que virou dogma do positivismo, de que "A existência da lei é uma coisa; seu mérito ou demérito é outra" (apud HART, 1961, p. 256). Ou seja, "puede decirse que el positivismo jurídico se caracteriza por aceptar que el derecho resulta de un acto de poder competente, pudiendo asumir cualquier contenido (ADEODATO, 2008, p. 67)".

Analizando a validez das normas, Kelsen (apud Bobbio, 2007, p. 31) entende que "lo que constituye al derecho como derecho es la validez […] el problema de la justicia es para Kelsen un problema ético muy diferente del problema jurídico de la validez". Kelsen (2010, p. 45) afirma que "la regla de derecho es un instrumento que sirve para describir el derecho positivo tal como ha sido establecido por las autoridades competentes. De aquí se desprende que el derecho positivo y la moral son dos órdenes normativos distintos uno del otro".

Noutro giro, Ravà e Kelsen (apud Bobbio, 2007, p. 78) afirmam que o ordenamento jurídico é um instrumento para alcançar certo fim, de acordo com o primeiro seria a paz social e para o segundo uma técnica de organização social. Neste sentido, Kelsen resume o direito a um conjunto de normas técnicas objetivando a organização social.

Kelsen postula um princípio metodológico de pureza, pelo qual a teoria do direito deve depurar os elementos valorativos e morais, pois, segundo ele apenas excluindo os elementos políticos, sociais ou morais pode-se construir uma teoria própria que descrevesse de forma objetiva o direito.

O jurista e filósofo austro-americano, Kelsen (2010, 45), na sua principal obra Teoría Pura Del Derecho adverte que "La regla de derecho es un instrumento que sirve para describir el derecho positivo tal como ha sido establecido por las autoridades competentes. De aquí se desprende que el derecho positivo y la moral son dos órdenes normativos distintos uno del otro". De toda forma, o mesmo enfatiza que sem dúvida o direito positivo pode, em certos casos, autorizar a aplicação de normas morais que por ser aplicada em virtude de uma norma jurídica adquire, por tal circunstância, o caráter de uma norma jurídica.

Ainda em Kelsen detecta-se que este analisa o Direito como instrumento para regulamentar a força, ao contrário Bobbio (2007, p. 178) afirma que a finalidade de qualquer legislador não é organizar a força e sim organizar a sociedade mediante a força. Nesse sentido Bobbio afirma que "las reglas para el ejercicio de al fuerza corresponden en un ordenamiento jurídico al conjunto de reglas que sirven para organizar las sanciones y, por consiguinte, para dar más eficacia a las normas de conducta y al ordenamiento mismo en su totalidad."

Kelsen, como inimigo feroz do direito natural, buscou demonstrar a impossibilidade de se extrair da natureza normas com força de direito. Para ele o término "naturaleza" designa a realidade empírica, de modo que se trata de um estado de coisas amorais e ajurídicas, regidos pelas leis causais: o bem e o mal, o justo e o injusto são frutos de juízos de valor que a ciência natural não pode nem descrever nem explicar (CABANILLAS, 2008, p. 264).

Por fim, Kelsen (2010, p. 50) conclui que a Teoria Pura do Direito "desea combatirlas [direito natural] exponiendo el derecho tal cual es, sin tratar de justificarlo o criticarlo. Se preocupa de saber lo que es y lo que puede ser, y no si es justo o podría serlo".

Além dos positivistas John Austin e Hans Kelsen destacou-se, na modernidade, nesta corrente Herbert Hart com a sua obra O Conceito de Direito. Para Hart as leis são frutos dos comandos de seres humanos e que não existe vínculo necessário entre direito e a moral, ou entre o direito como ele é e como deveria ser, bem como que a análise dos conceitos jurídicos devem ser abstraídos de preceitos históricos, sociológicos e morais.

Hart assevera que o sistema jurídico é um sistema lógico fechado, onde as decisões jurídicas podem ser inferidas, por meios lógicos, a partir de regras jurídicas predeterminadas sem referência a objetivos sociais, políticos ou morais.

Hart (1961, p. 253) abordando a conexão entre o Direito e a moral entende que "[...] la estabilidad de los sistemas jurídicos depende en parte de tales tipos de concordancia con la moral. Si es esto lo que se quiere decir al hablar de la conexión necesaria del derecho y la moral, su existencia debe ser concedida" e continua ao dispor que "un buen sistema jurídico tiene que adecuar-se en ciertos puntos, tales como los que hemos mencionado ya en el último apartado, a las exigencias de la justicia y de la moral". Ou seja, Hart afirma que o comando legal corresponde ao exercício de uma autoridade competente para criar o direito válido independente de qualquer conotação social ou moral, todavia, entende que um bom sistema jurídico deve buscar uma concordância das normas com a justiça e a moral.

Por fim, além das correntes jusnaturalista e positivista existe o realismo jurídico, tendo como expoentes Alf Ross para quem a dimensão de validade do direito corresponde à dimensão de sua eficácia, ou seja, o direito é um fato social cuja validade corresponde à eficácia. Sendo assim, o Direito deve ser concebido não como ciência formal e normativa mais como ciência sociológica que capta a experiência prática do direito.


3. ABORDAGEM CRÍTICA DO DIREITO TRIBUTÁRIO

O estudo do Direito Tributário pode ter vários referenciais, entre eles: que o "direito positivo é o complexo de normas jurídicas válidas num dado país" cabendo ao cientista do direito descrever este enredo normativo, "ordenando-o, declarando sua hierarquia, exibindo as formas lógicas que governam o entrelaçamento das várias unidades do sistema e oferecendo seus conteúdos de significação". Neste sentido o objeto da Ciência do Direito seria precisamente o estudo das proposições normativas, "observando-as, investigando-as, interpretando-as e descrevendo-as segundo determinada metodologia". Seguindo este viés, o Direito Tributário seria o "ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que correspondam, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação e fiscalização de tribos" (CARVALHO, 2004, p. 2/14 [04]).

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Noutro giro, pode-se estudá-lo não apenas do ponto de vista normativo, limitando-se a análise das proposições jurídicas, mais indo além, buscando os seus horizontes, a sua essência, finalidade, praticabilidade, princípios etc. É sobre esta óptica que pretendemos tecer as próximas considerações sobre o Direito Tributário.

Inicialmente, utilizaremos o conceito de Direito Tributário de TAVARES (2009, p. 03) como direcionamento deste estudo, que ensina ser:

[...] ramo didaticamente autônomo do Direito que abriga um complexo de normas, valores e princípios que lhe são inerentes, disciplinadores do nascimento, fiscalização, exigibilidade e extinção do tributo, fruto de uma relação jurídica de Direito Público, instaurada entre Fisco e contribuinte.

Tal conceito mostra-se exauriente porque não se limita a estudar o Direito Tributário do ponto de vista positivista - com a análise das normas jurídicas, pelo contrário, inclui os valores e princípios dentro do próprio campo de abordagem deste Direito. Nesse sentido incluímos os valores morais e os princípios naturais, sejam eles positivados ou não, como elementos intrínsecos no Direito Tributário.

É indiscutível que os estudos de Hans Kelsen foram importantíssimos para o avanço da Ciência do Direito, todavia o seu princípio que postula uma metodologia de pureza, depurando os elementos valorativos e morais para descrever de forma objetiva o Direito, não poderá prosperar no campo tributário, no atual cenário, pois a norma tributária não serve apenas para impor deveres aos sujeitos passivos da relação jurídica tributária, mas, principalmente, para limitar o poder de tributar do Estado, razão pela o estudo deve ser interdisciplinar e buscando, sempre que possível, alcançar a justiça fiscal.

Nesse sentido, como limitações constitucionais ao poder de tributar, no Brasil, temos as imunidades e os princípios. As imunidades podem ser conceituadas como regra negativa de competência tributária dos entes políticos, de cunho iminentemente constitucional. Diz-se regra negativa, porque limita o campo de incidência da competência tributária, imunizando determinadas pessoas. Ou seja, as imunidades "fixam, por assim dizer, a incompetência das entidades tributantes para onerar, com exações, certas pessoas, seja em função de sua natureza, seja porque coligadas a determinados fatos, bens ou situações" (CARRAZZA, 2002, p. 612) [05]. Importante mencionarmos que as imunidades tributárias, como limitações ao poder de tributar, por preservarem valores políticos, religiosos, sociais etc, são garantias e direitos individuais, revestindo-se com o manto da cláusula pétrea, logo, não podem ser anuladas ou reduzidas por emenda constitucional, muito menos por lei ordinária ou complementar.

No mesmo sentido, os princípios tributários, segundo a Carta Magna do Brasil, são garantias jurídicas do contribuinte, atuando como limitações constitucionais ao poder de tributar. Os princípios, por serem garantias individuais dos contribuintes, também são cláusulas pétreas, logo, não podem ser reduzidos nem extintos por Emendas Constitucionais.

Neste passo, toda e qualquer norma tributária infraconstitucional tem que ser analisada não apenas do ponto de vista positivista, perquirindo se os aspectos formais e materiais foram obedecidos pelo legislador, mas, principalmente, se respeitam os Direitos Naturais do contribuinte de não ter o seu patrimônio, ou grande parte dele, confiscado pelo Estado, e se o mesmo é necessário para a consecução dos serviços públicos ou trata-se de um instrumento de domínio dos governantes para oprimir a população enfraquecendo-a e tornando-a cada vez mais dependentes das políticas sociais do Estado e aniquilando a produção de riquezas.

Discordamos ainda do respeitável jurista John Austin autor da celebre frase que virou dogma do positivismo, de que "A existência da lei é uma coisa; seu mérito ou demérito é outra" (apud HART, 1961, p. 256). Ou seja, "puede decirse que el positivismo jurídico se caracteriza por aceptar que el derecho resulta de un acto de poder competente, pudiendo asumir cualquier contenido (ADEODATO, 2008, p. 67)". O conteúdo da norma se é justo ou injusto, se busca beneficiar determinados segmentos da sociedade ou a coletividade, se será destinado pra buscar a justiça fiscal com a redistribuição da renda ou para enriquecer cada vez mais os governantes, devem ser considerados sim para definir se tais atos normativos são leis, como retratos da vontade da sociedade, ou meros atos abusivos e arbitrários revestidos com o manto de lei e por não representarem os anseios da sociedade devem ser extirpados do ordenamento jurídico.

Sabias são as lições de Diogo Leite de Campos ao dispor que "O Direito, sendo uma ordem de justiça, não pressupõe a força – embora dela necessite eventualmente na sua actuação. A obediência à lei só é devida no pressuposto e na medida da sua justiça. Sem justiça, a lei é mera ordem e a força que se usa para aplicar torna-se violência ilegítima" (MARTINS, 2007, p. 87). Ressalve-se que Ruy Barbosa (1965, p. 76), no século passado, já denunciava o enfraquecimento do Estado de Direito pela transformação da relação jurídica em relação de força.

O Direito Tributário não pode virar o dever tributário, ou, dever de pagar tributos. Digo isso porque aquele Direito está cada vez mais limitando os direitos dos contribuintes e estendendo as garantias do crédito tributário com privilégios inadmissíveis, bem como aumentando a comodidade da tributação conferindo poderes abusivos ao Fisco, como no caso brasileiro da norma anti-elisiva, prevista no art. 116, parágrafo único do CTN [06], em que as autoridades administrativas podem desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. Percebe-se que neste último caso estamos frente a uma norma que combate o planejamento fiscal vedando o contribuinte de seguir pelo caminho menos oneroso.

Conforme denuncia Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva Martins:

Ao analisar a história de nossa tributação constatamos que, enquanto o Estado vem crescendo continuamente, suas funções e os serviços pelos quais é ele responsável não crescem na mesma proporção, nem tampouco em qualidade. [...] Em pouco mais de 53 anos o Estado brasileiro elevou sua carga tributária em aproximadamente 140%, sem a respectiva melhora de serviços, distribuição de renda ou a tão falada justiça fiscal. Por outro lado, a sociedade viu-se onerada nestes exatos 140%, uma vez que se tornou uma verdadeira financiadora da atividade estatal, a qual não retorna em serviços para os particulares. O contribuinte brasileiro passou a ter o status de contribuinte de países do 1º mundo ao mesmo tempo em que assumiu a categoria de cidadão de país de 4º mundo em matéria de serviços prestados pelo Estado (MARTINS, 2007, p. 138).

A tributação no Brasil encontra-se desenfreada e os serviços públicos deploráveis, esse é o real cenário do país. Quando se fala em reforma tributária pouco se aborda acerca da diminuição da carga tributária, preferem tratar da federalização do ICMS com a instituição de um imposto sobre o valor agregado, de competência da União, todavia sem diminuir a sua alíquota para percentuais que respeitem a capacidade contributiva do contribuinte e a necessidade básica do Estado. Diferentemente dos países desenvolvidos que em época de recessão econômica reduzem os juros e a carga tributária, no Brasil tratam a reforma tributária como meio "de transferência [de recursos] do setor privado para o setor público (HARADA, 2003, p. 292 [07]).

Martins (2003, p. 40) na coletânea de Direito Tributário e Reforma do Sistema desabafa que:

Os direitos dos cidadãos, inclusive os tributários, atropelados pela aguda necessidade do governo federal e, em maior escala, dos governos estaduais e municipais, de gerar receita a qualquer custo para cobrir as despesas da administração e dos juros de investimentos feitos, para deles apenas destinados à mão de obra oficial.

No Brasil, o contribuinte é resistente ao pagamento do tributo por presenciar a malversação do dinheiro público, praticada por administrações de idoneidade moral vulnerável. Tal rejeição pode ser confirmada pela injustiça da prestação excessiva, tendo em vista os seguintes aspectos, conforme ficou assentada na VIII Jornada Hispano-Luso-Americana de Estúdios Tributários, citados por Martins (apud SLOMP, 2003, p. 32):

1º Objetivos e necessidades mal colocadas [...] o aumento da receita para atendimento de metas mal escolhidas é sempre fonte de atrito entre contribuintes e Fisco, nunca estando aqueles satisfeitos com os fins escolhidos.

2º Gastos supérfluos com funcionários desnecessários e mordomias institucionalizadas no Poder Público, [...].

3º Contribuintes apenados em relação a outros que detém certos privilégios. [...]

4º A sonegação e o tratamento prático diferencial é aquele aspecto concernente à revolta dos que pagam, porque não podem deixar de fazê-lo (em razão da indicação da fonte pagadora) em relação aos que sonegam [...].

5º A fiscalização onde, em alguns setores, os agentes, que pressionam em excesso para fazer acordos ou vender favores, levam o contribuinte à certeza da injustiça de uma estrutura, que permite tão baixa moralidade exatora.

6º A sonegação e o aumento de receita consiste no fato de que a tributação ganha níveis elevados para compensar a receita não-arrecadável dos sonegadores, com o que aqueles que pagam tem a certeza de estar pagando mais do que deveriam para cobrir a parte dos que não pagam.

Por sua vez, Martins (2008, p.110) elenca:

Infelizmente, o que se tem visto é, [...] um crescimento fantástico da máquina, não só pela multiplicação de funções e cargos, como - e principalmente - pela contratação de servidores não concursados, como forma de apaziguar aliados, partidários e sindicalistas que o apoiaram, com o que o poder público mais parece uma casa beneficente para os amigos do rei do que uma estrutura voltada exclusivamente para o bem da sociedade. Nitidamente, os nossos tributos são destinados ao atendimento desta realidade, servindo para sustentar a complexa e obscura plêiade de seus acólitos.

Os contribuintes rejeitam a norma tributária, pois, não vislumbram a sua efetiva e correta aplicação por parte do Estado. A saúde pública está um caos, a educação pública é de má qualidade, a segurança pública é deficiente, enfim, os serviços públicos, data venia, são prestados de forma indigna. Não seria razoável esperar do cidadão que paga todos os seus tributos e, ainda, tem que contratar: 1) serviços de segurança (cerca elétrica, vigia, pagar seguros de automóveis, imóveis,...), 2) plano de saúde, sob pena de ser humilhado nos corredores dos hospitais públicos; 3) previdência privada, sob pena de na sua velhice encontrar-se desamparado pelo INSS; enfim, nesse cenário, aceitar a carga tributária desmedida extorquida pelo Estado.

Mary Elbe Queiroz elenca que a carga tributária brasileira é sentida de forma muito mais pesada do que o real (37% em relação PIB), tendo em vista que a contraprestação do Estado por meio de serviços públicos é ineficiente e de baixa qualidade, o que aliado à grande burocracia, aos desvios e corrupção, faz com que mais contribuintes protestem sob a forma de rejeição social à cobrança de tributos. (MARTINS, 2007, p. 248).

Antonio Delfim Netto e Fabio Giambiagi (2003, p. 320) asseveram que o tamanho do Brasil e a sua relativa ineficiência, quando comparado com o setor privado, explicam uma boa parte do nosso baixo crescimento dos últimos anos. O setor privado (mais eficiente) entrega mais de 35% de tudo o que produz por ano para o consumo de um Estado inchado e lento, que devolve poucos serviços – e de baixa qualidade -, além de não investir na infra-estrutura, cujas externalidades aumentam o retorno dos investimentos do próprio setor privado".

Arnaldo Niskier desabafa expondo que a situação que o Brasil se encontra "com 62 tributos e cerca de 38% da renda nacional comprometidos com a sangria oficial, desmesurada, injusta, pouco inteligente, pois está longe de estimular uma política que resulte em maiores e melhores empregos para a nossa população" (MARTINS, 2007, p. 359).

Ao nos debruçarmos sobre o Direito Tributário não podemos aceitar que a este ramo do Direito cabe apenas a instituição, fiscalização e arrecadação dos tributos, sendo do Direito Financeiro o papel de estudar a aplicação destes recursos. Isso porque no momento em que o Estado não oferece serviços públicos dignos e compatíveis com os valores retirados compulsoriamente do patrimônio dos contribuintes dará legitimidade aos mesmos para resistirem à tributação.

Maria Teresa de Carcomo Lobo (2007, p. 186) calcifica que "é imperativo que tratem o tributo sob a ótica da harmonização social e da moralidade por forma a que o tributo seja realmente a contrapartida em serviços públicos e bens postos à disposição dos cidadãos-contribuintes".

Trazemos à tona que o direito à propriedade privada é um direito fundamental, anterior e superior ao direito de cobrar tributos. Dentre os basilares direitos naturais temos o direito à propriedade. Nesse sentido não pode o Estado tributar aniquilando os bens dos contribuintes para encher os cofres públicos e custear as farras oficiais. Por mais que a Constituição Federal do Brasil, no art. 150, inc. IV [08], estabelece que é vedado aos entes tributantes utilizar tributo com efeito de confisco, na prática, pela abstração do seu conceito, este princípio vem sendo desconsiderados pelos governantes que impõe ao contribuinte uma carga tributária confiscatória, principalmente, se analisada sob o viés do retorno deste numerários para a sociedade.

Atual se mostra a afirmação de São Tomás de Aquino (apud Caliendo, p. 164) ao dispor que "os tributos criados somente no interesse pessoal do príncipe não obrigam, tal como as leis que ofendem à exigência do bem comum. Assim, o soberano somente pode exigir o que for indispensável ao bem comum, retirando a legitimidade dos tributos criados para o interesse exclusivo dos governantes". Continua, na Summa Theologica, na questão 66, art. VIII (II-III), afirmando que os governantes que exigem por justiça dos súditos o que estes lhes devem para conservar o bem comum não cometem rapina, mesmo se violentamente o exigirem, todavia, os que extorquirem indebitamente, por violência, cometem tanto rapina como latrocínio.

Para Dino Jarach [09] (1989, p. 100) a causa da obrigação tributária é a sua imposição prevista em lei. Para ele o Direito Tributário deve se ater às indagações sobre as normas jurídicas, e não sobre os fundamentos político-filosóficos destas normas, pois, toda preocupação adicional será considerada extrajurídica. Nesse sentido, temos os positivistas que pretendem estudar o Direito Tributário decompondo a estrutura da norma em antecedente e conseqüente, limitando-se a analisar a hipótese de incidência tributária. Percebe-se, no Brasil, que o Supremo Tribunal Federal não prestava a devida atenção a cidadania fiscal, preferindo manter o discurso positivista da legalidade e segurança jurídica ao invés de discutir a capacidade contributiva e a vedação ao confisco.

Pois bem. O direito natural, como ordem jurídica superior, ínsito na natureza humana e anterior ao próprio direito positivo, elege como bens sagrados a vida, a liberdade e a propriedade.

O primeiro bem sagrado, a vida, deve ser compreendida como Direito Natural, inerente a todos os seres humanos, de possuir uma vida digna e para isso a tributação não pode lhe retirar o mínimo existencial.

Quanto à liberdade sabemos que os tributos são um preço pela inserção em uma comunidade organizada moderna, todavia, a tributação não pode ser elevada a ponto de comprometer a liberdade dos indivíduos, isso porque o custo com a tributação deve ser aceitável, cujo "cumprimento todos devem honrar como dever indeclinável de participação ativa da cidadania" (ALTOÉ, 2009, p. 87).

O fundamento do direito ao mínimo existencial reside nas condições para o exercício da liberdade do indivíduo, pois, não há que se falar em liberdade quando o cidadão encontra-se tolhido por uma tributação que retira os seus rendimentos e confisca os seus bens impossibilitando-o de arcar com custos familiares de educação, saúde, vestuário, alimentos etc. Ademais, Soler (2003, 18) calcifica que "la libertad es inherente a la persona humana ya que sin ella el hombre no podría desplegar sus aptitudes físicas e intelectuales y, por lo tanto, se vería privado de desarrollar actividades lícitas".

Ricardo Lobo Torres (1999, p. 59) [10], quando ao mínimo existencial e a liberdade, afirma que:

Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de incidência fiscal e que ainda exige prestações estatais positivas. [...] Sem o mínimo necessário à existência cessa a possibilidade de sobrevivência do homem e desaparecem as condições iniciais da liberdade. A dignidade da pessoa humana e as condições materiais da existência não podem retroceder aquém de um mínimo, do qual nem os prisioneiros, os doentes mentais e os indigentes podem ser privado.

Quanto ao terceiro bem sagrado, pertencente ao Direito Natural, temos a propriedade. A propriedade deve ser respeitada pelo Estado, razão pela qual o primeiro princípio que deve nortear a tributação é a capacidade contributiva que se encontra entrelaçado com a liberdade e com o mínimo existencial. Por este princípio exige-se que a tributação respeite o mínimo de existência individual e o mínimo de existência familiar. Ou seja, a aferição da capacidade contributiva só começar a contar a partir do mínimo existencial, pois, até ele não existe capacidade contributiva e sim capacidade de suprir uma vida digna com alimentação, habitação, vestuário, educação, ou, em determinando casos capacidade de simples sobrevivência.

Luqui (apud SOLER, 2003, p. 24) com propriedade afirma que "la carga tributaria, en principio, solo puede tomar, para ser lícita, una porción, la menor posible, de la riqueza" dos cidadãos, pois, o poder de tributar encontra limite no direito natural da propriedade, logo, não pode o Estado com o intuito de tributar confiscar os bens e se apoderar das rendas daqueles. Pois, não limitando a tributação deixará de praticar atos lícitos e os tornará arbitrários e ilegítimos, ferindo os direitos individuais dos cidadãos.

Sendo assim, para que a tributação seja lícita é necessário que respeite os direitos naturais a vida digna, liberdade e propriedade, sob pena de conferir direito ao contribuinte de se defender e repugnar a tributação que atinja o mínimo necessário para uma vida digna.

Sobre o autor
Saulo Medeiros da Costa Silva

Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela UMSA/AR. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP. Graduado em Ciências Jurídicas pela UEPB. Ex-Diretor Administrativo e Membro do Conselho Fiscal do Instituto Paraibano de Estudos Tributários – IPBET. Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB – Subseção de Campina Grande. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola Superior da Advocacia – ESA, Subseção de Campina Grande/PB e do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos – CESREI. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Saulo Medeiros Costa. Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3122, 18 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20875. Acesso em: 22 dez. 2024.

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