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Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural

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Agenda 18/01/2012 às 13:32

Para que a tributação seja lícita, é necessário que respeite os direitos naturais a vida digna, liberdade e propriedade. O contribuinte tem o direito de se defender e repugnar a tributação que atinja o mínimo necessário para uma vida digna.

RESUMO

O presente artigo aborda, inicialmente, o direito natural e o positivo, trazendo à tona os seus conceitos, defensores exponenciais e os fundamentos utilizados para embasar aquelas teorias. No segundo momento, considerando que o poder de tributar não deve ser visto como um poder e sim como conjunto de direitos e obrigações entre o Estado e os contribuintes, buscaremos no Direito Natural elementos para criticar a aplicação do Direito Tributário brasileiro, da forma como vem sendo utilizados pelos governantes e aplicado pelo Judiciário. Ao final, considerando a vulnerabilidade histórica do Direito Natural, bem como as experiências negativas do Direito puramente Positivo, reforçamos a necessidade de integração entre o Direito Natural e o Direito Positivo.

Palavras-Chaves: Direito Natural. Direito Positivo. Tributação.

ABSTRACT

This article is concerned, initially, natural law and positive, bringing out their concepts, exponential advocates and foundations used to support those theories. In the second phase, whereas the power to tax should not be seen as power but as a set of rights and obligations between the state and taxpayers, we will seek the natural law elements to criticize the implementation of the Brazilian Tax Law, the way it comes being used by governments and enforced by the judiciary. In the end, considering the historical vulnerability of natural law, as well as negative experiences purely positive law, we reinforce the need for integration between natural law and positive law.

Keywords: Natural Law. Taxation.


INTRODUÇÃO

A idéia da existência de um Direito, com conteúdo estabelecido pela natureza, seja ele de ordem divina, seja fundada na essência do ser humano, que transcende e se sobrepõe ao Direito Positivo, possui suas raízes na Antiguidade, principalmente com os pensamentos de Sófocles, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Remota ainda à Antiguidade a dialética entre o Direito Positivo e o Direito Natural, cuja discussão persiste até os dias atuais, sempre oscilando na história do Direito o predomínio de um em detrimento do outro.

As questões suscitadas pelos defensores destas correntes são marcadas pelo antagonismo, seja quando os positivistas negam o Direito Natural, calcificando que todo o direito é positivo, pois a ordem jurídica é resultado da criação humana, logo, não haveria que se abordar a existência de normas jurídicas que transcendem ao direito posto, seja quando os jusnaturalistas elencam que as leis positivadas apenas serão Direito quando se aproximarem do justo, buscando o seu conteúdo no Direito Natural.

O presente trabalho analisará, sucintamente, o direito natural e o positivo, abordando os seus conceitos, defensores exponenciais e os fundamentos utilizados para embasar aquelas teorias. Dentre os defensores, ou filósofos que reconhecem a existência do direito natural, citaremos: Sófocles, Sócrates, Platão, Aristóteles, Cícero, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, Hobbes, Montesquieu, Rousseau, Michel Villey, Javier Hervada e John Finnis.

Noutro giro, temos os positivistas que negam a juridicidade dos princípios naturais ou morais não normativizados, como: Bobbio, John Austin, Hart e Kelsen.

O problema motivador deste estudoé perceber que a jurisprudência brasileira, bem como a doutrina, majoritariamente, sustentam uma visão positivista do Direito Tributário calcificando que apenas as prescrições normativas, decorrentes do princípio da legalidade e da tipicidade, correspondem ao mundo jurídico e, por esta razão, devem ser aplicados pelos operados do Direito.

Ademais, a relação jurídica tributária, indispensável em todas as sociedades para gerar receitas para o Estado, decorrente da imposição tributária, objetivando custear os serviços públicos e manter a própria máquina estatal, tem sido vista como uma relação de poder no qual o Estado o tem para impor aos contribuintes a carga tributária que necessite para custear as suas despesas de forma discricionária. E com base no positivismo, fundamentada na existência de leis que guarnecem suporte para a tributação desenfreada, o Judiciário brasileiro tem permitido que o Estado tribute de acordo com a sua necessidade e não com base na capacidade contributiva dos contribuintes.

O poder de tributar não deve ser visto como um poder e sim como conjunto de direitos e obrigações entre o Estado e os contribuintes, devendo o termo poder ser limitado fazendo a compulsoriedade da tributação, que incide e deve ser adimplida independente da vontade do agente, todavia, desde que esteja previsto em lei, obedeça a capacidade contributiva, seja revertido em serviços públicos de qualidade para a sociedade, preserve o mínimo existencial etc.

Neste ínterim, buscaremos no Direito Natural elementos para criticar a aplicação do Direito Tributário brasileiro, da forma como vem sendo utilizados pelos governantes e aplicado pelo Judiciário, sugerindo que seja repensado e analisado não apenas pela ótica positivista mais considerando a existência dos direitos naturais do contribuinte como a observância da capacidade contributiva, o não confisco e a aplicação dos recursos provenientes dos tributos em serviços públicos de qualidade.

A técnica de pesquisa a ser utilizada será a investigação bibliográfica onde exploraremos os contornos da literatura através dos mais variados materiais publicados em livros, jornais, revistas, bem como na Internet.


1. ASPECTOS RELEVANTES DO DIREITO NATURAL

A idéia da existência de um Direito, com conteúdo estabelecido pela natureza, seja ele de ordem divina, seja fundada na essência do ser humano, que transcende e se sobrepõe ao Direito Positivo, possui suas raízes na Antiguidade, principalmente com os pensamentos de Sófocles, Sócrates, Platão e Aristóteles.

Com propriedade Delsol (2008, p. 105), nos reportando aos primórdios da Antiguidade, cita o trecho da Antígona, onde Sófocles:

[…] para oponerse a Creonte, apelaba a las leyes no escritas e inquebrantables de los dioses que no datan ni de hoy ni de ayer, pues están en vigencia desde siempre y nadie sabe cuándo aparecieron. Es a partir de las leyes divinas y no escritas como ella osaba levantarse contra la ley escrita del poder humano.

Cretella Jr. (2004, 107), no mesmo sentido, faz menção a outro célebre trecho da Antígonas no qual a protagonista, desobedecendo as ordens reais, protesta contra a privação de sepultura a seu irmão e responde ao tirano que "acima dos editos há decretos divinos, imutáveis e eternos".

Na Grécia, conforme nos lembra Miguel Reale (2002, p. 314), "a idéia de um Direito Natural brilha de maneira extraordinária no pensamento de Sócrates para passar pelo cadinho do pensamento platônico e adquirir plenitude sistemática no pensamento de Aristóteles, ordenando-se segundo estruturas lógicas ajustadas ao real".

Sócrates adotou uma concepção teológica do direito natural, distinguindo as leis escritas das leis não-escritas ou imutáveis, estas estabelecidas pela divindade e aquela pelos homens. O pensamento socrático defendia a obediência as leis, fazendo oposição aos sofistas, que colocavam em dúvida a justiça, bem como questionavam se o justo por lei também seria justo natural. Sócrates (apud Cretella Jr. 2008, p. 95) lecionava que era necessário respeitar as leis injustas para que os maus, tomando isso como exemplo, respeitem as leis justas.

Neste ínterim, trazemos à tona que as leis que Sócrates havia ensinado a obedecer, contra ele se voltou, e este foi condenado a morte. O filósofo em comento, conforme noticia a história, foi acusado de introduzir novos cultos e corromper a juventude, sendo a pena de morte aplicada a este crime naquela época.

Por outro lado, entende-se que a condenação de Sócrates foi útil a demonstrar a relatividade de todo o julgamento dos homens, não esculpido no verdadeiro senso de justiça, prova da imperfeição das leis humanas.

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O discípulo de Sócrates, Platão, ensinava que a lei natural não era só um antecedente apriorístico da lei positiva, como também um critério ideal para corrigir suas falhas e insuficiências. Ao idealizar a justiça e ao postular a desnecessidade de leis para a República, partia do pressuposto de que o mundo deveria ser governado pelos filósofos, pelos sábios e, se a sabedoria impera, as leis seriam desnecessárias.

O pensamento platônico idealizava que deveria ser conferida maior discricionariedade aos juízes na aplicação da justiça, reconhecendo a primazia da razão e a existência de um Direito baseado na natureza do homem que suplanta o direito escrito.

Noutro giro,em Aristóteles, discípulo de Platão, fundador do Liceu e preceptor de Alexandre Magno,encontra-se o finalismo aristotélico que não reduz a justiça à lei, mas a concebe como o ideal a ser buscado, separando a legalidade e justiça, desenvolvendo as noções do justo concreto e da eqüidade, que não foram estudo da filosofia platônica.

Ferraz Júnior (1988, p. 28) identificou nas lições do mestre do Liceu que na Antiguidade:

[...] a legislação enquanto trabalho do legislador não se confundia com o direito enquanto resultado da ação. Em outras palavras, havia uma diferença entre lex e jus na proporção da diferença entre trabalho e ação. Desse modo, o que condiciona o jus era a lex, mas o que conferia estabilidade ao jus era algo imanente à ação: a virtude do justo, a justiça.

Aspecto que merece destaque na filosofia de Aristóteles é tratar a Justiça com uma virtude. Para ele o caminho para alcançar a Justiça é a prática de comportamentos éticos pois, a virtude, "assim como o vício, adquire-se pelo hábito, reiteração de ações em determinado sentido, com conhecimento de causa e com o acréscimo da vontade deliberada" (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 129). Percebe-se ainda que na visão aristotélica a Justiça, como virtude ética, aborda a necessidade que o homem ideal deve ter para encontrar o ponto médio entre razão e sentimentos, sendo, por esta razão, considerado injusto o que viola a proporção maculando a igualdade.

Em sua obra, Ética a Nicômaco, no livro V, Aristóteles trata da justiça política distinguindo-a em justiça natural e justiça legal, sendo ambas mutáveis. In verbis:

A justiça política é de duas maneiras. Uma é natural; a outra convencional. [...] Admite alteração qual é a forma da justiça natural bem como a forma da justiça que, embora não se constitua naturalmente, é legal e existe por convenção, ainda que ambas as formas estejam expostas à alteração.

Para o discípulo de Platão, mestre do Liceu, o justo natural encontrara sua fundamentação na própria natureza, enquanto o justo legal encontra sua validade na força da convenção. Aquele surge, espontaneamente, da natureza humana; enquanto o justo convencional [legal] surgi da ação humana em prescrever, através do legislador, obedecendo o arbítrio volitivo deste, as disposições vigentes na pólis. Na sua obra Retórica, Aristóteles (apud Wotling [01], 2008, p.27 ), ainda quanto ao justo natural, expressa que

[…] Lo justo presenta efectivamente un arraigo natural, que es importante reconocer como tal, sin lo cual lo justo quedaría reducido a su dimensión convencional, así como lo entendían algunos sofistas. Si el sentido mismo de la naturaleza es producir orden (en virtud de su estrutuctura teleológica), entonces el agrupamiento humano, en tanto natural se inscribe en el horizonte de esta producción natural de orden, y lo justo debe presentar sin duda una doble faz, natural e instituida.

Oportuno lembrarmos que a divisão de justiça em distributiva, corretiva e comutativa é atribuída ao filósofo em epígrafe. Caliendo (2009, 44) analisando a aludida divisão de Aristóteles, dispõe que:

A justiça distributiva é aquela que determina a repartição de bens e valores conforme a qualidade de cada um (mérito), assim a proporção deve ser a medida da igualdade ou desigualdade entre os indivíduos. A justiça comutativa surge nas transações voluntárias e involuntárias e enquanto o outro tipo de justiça se realiza em relação à proporção, a outra forma se identifica com uma espécie de igualdade, sendo que a injustiça é realmente uma forma de desigualdade. A justiça corretiva surge na presença de um dano, que inflige um ganho para um lado e uma perda para o outro, em violação à igualdade.

Por fim, conforme nos lembra (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 148) "não há no pensamento aristotélico uma oposição dicotômica entre justiça natural e legal, estando ambas ligadas ao justo político, participando conjuntamente na racionalização do meio citadino".

Sem desconsiderar a brilhante contribuição dos filósofos supracitados, será Marcus Tullius Cícero o maior representante, na antiguidade clássica, da noção de Direito Natural. Segundo este, para definir o Direito, deve-se ter como ponto de partida que a lei suprema, que pertence a todos os séculos e já era vigente quando não havia lei escrita nem Estado constituído, encontra-se na Natureza, sendo esta a fonte do Direito que há de ser guia no curso de toda discussão jurídica ( CÍCERO [02]1967, p. 41).

Percebe-se pela leitura da sua obra "Das leis" que para Cícero a lei natural, como fonte primordial do Direito, encontra sua razão na natureza, insubmissa às corruptelas do pensamento humano, e não na convenção nem na inteligência do legislador a formação das leis.

Na sua obra "Da república", de forma poética, ensina que as leis naturais:

[...] estão gravadas "em todos os corações, imutável, eterna, cuja voz ensina e prescreve o bem, afasta do mal que proíbe e, ora com seus mandatos, ora com suas proibições, jamais se dirige inutilmente aos bons, nem fica impotente ante os maus. Essa lei não pode ser contestada, nem derrogada em parte, nem anulada; não podemos ser isentos de seu cumprimento pelo povo nem pelo senado; não há que procurar para ela outro comentador nem intérprete; não é uma lei em Roma e outra em Atenas, — uma antes e outra depois, mas una, sempiterna e imutável, entre todos os povos e em todos os tempos; uno será sempre o seu imperador e mestre, que é Deus, seu inventor, sancionador e publicador, não podendo o homem desconhecê-la sem renegar-se a si mesmo, sem despojar-se do seu caráter humano e sem atrair sobre si a mais cruel expiação, embora tenha conseguido evitar todos os outros suplícios [03].

Nesta linha, entende-se por Direito Natural o conjunto de direitos que, independente de qualquer conduta humana, são imanentes aos próprios seres humanos, possuindo como atributos a imutabilidade e universalidade. Ressalva-se, desde já, que Aristóteles e os jusnaturalistas contemporâneos não compartilham com a visão imutável do direito natural.

Na Idade Média, seguindo esta linha de pensamento, temos as lições de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. Para o primeiro, "as leis humanas são a garantia da ordem social e, para serem chamadas em seu conjunto de Direito, devem estar minimamente aproximadas da justiça", pois, para a teoria agostiniana o Direito sem a justiça é mera instituição transitória humana, iníqua e sem sentido (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 229).

Por sua vez, Santo Tomás de Aquino ensinava que coexistem três espécies de leis: a eterna, "establecido por Dios y siendo revelado por la Iglesia" (ADEODATO, 2008, p. 67); a lei natural, conhecida pelo homem através da razão e a lei humana, como o próprio nome diz criada pelo homem (CRETELLA JR. 2004, p. 119). Para este filósofo cristão, a desobediência à lei humana só se justifica se esta representar uma afronta da lei divina, a lei eterna conhecida pelo homem, caso contrário deve ser imperativamente obedecida (DEL VECCHIO, apud BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 257). Ou seja, segundo a teoria tomista, a lei divina e natural prevalecem sobre a lei humana, pois esta apenas seria lei se o seu conteúdo fosse justo e para ser justo deveria estar amparado na razão, que por sua vez, decorre da natureza do homem. Sendo assim, o justo natural deve ser buscado pelo legislador positivo, servindo não apenas de horizonte, como também de limites a sua atuação.

Percebe-se que a partir da Escola de Direito Natural de Grócio, considerado o fundador do jusnaturalismo moderno, o Direito Natural deixou de ser vinculado à vontade de Deus, passando a ser relacionado à razão. Na sua principal obra ‘Do Direito da guerra e da paz, datado de 1625, Grócio rejeita o voluntarismo teológico e reafirma o jusnaturalismo em sua versão racionalista ao tratar o direito natural como decorrente da razão e despido de qualquer conotação religiosa.

A análise do Direito Natural, separando-o da religião e buscando a sua fundamentação na razão também foi defendida por Thomas Hobbes para quem o direito natural "é a liberdade que cada um possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida. Consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim" (Leviatã, primeira parte, capítulo 14).

Hobbes ainda afirma que as leis naturais são imutáveis e eternas, pois a injustiça, a ingratidão, a arrogância, o orgulho, a iniqüidade, a acepção de pessoas e os restantes jamais podem ser tornados legítimos. Jamais poderá ocorrer que a guerra preserve a vida, e a paz a destrua. Ele ainda acredita que a sociedade não poderia se sustentar apenas no direito natural - "como a justiça, equidade, modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam" - o que resultaria em guerras de todos contra todos, sendo necessária a criação de um contrato social – direito positivo, garantido por um poder centralizado que estabeleceria regras de convívio pacífico, já que "pactos sem força, não passam de palavras sem substância para dar qualquer segurança a ninguém". Entende-se que esta crítica formulada por Hobbes é o alicerce dos seguidores do positivismo jurídico.

Frise-se, de toda forma, que Thomas Hobbes (apud Ferraz Jr., 2009, p. 90) entende que as leis da natureza e as leis positivas têm a mesma extensão e se contêm uma nas outras, não sendo tipos diferentes de lei, mas partes diferentes da lei. E que toda lei, natural ou viva, necessita de interpretação.

No século XVII, afloram as teorias de Jonh Locke e Montesquieu, que defendem a proteção dos direitos naturais dos indivíduos contra a exploração desmedida dos governos.

Locke, como representante do racionalismo, defende peremptoriamente os direitos naturais, não como direitos inatos que nascem juntamente com os homens, e sim como direitos compreendidos pela razão humana. Bem como que estes direitos devem, obrigatoriamente, ser respeitados pelo Estado que é instituído, justamente, como a finalidade de protegê-los. Nesse sentido, diferentemente de Hobbes [que elabora uma teoria do governo absoluto tendo a violência como causa da fundação do Estado], Locke assevera que o governo civil não surge pela violência mais pela busca de meios para garantir os direitos naturais, entre eles o direito a propriedade. Para ele os direitos são regulamentados pela sociedade organizada, todavia, são garantidos pela própria natureza. Ademais, para este jus filósofo o direito de resistência tem o escopo de obrigar o príncipe a respeitar a legalidade cuja preocupação é com a ordem na segurança e defesa da propriedade através do apelo moral. Conforme BITTAR e ALMEIDA (2010, p. 287) para Locke "A sociedade é, então, apenas o artifício para manterem-se os direitos naturais, e não pode corrompê-los, desvirtuá-los ou suprimi-los".

Por sua vez, Montesquieu; autor do Espírito das Leis – obra publicada em publicado em 1748; tornou-se conhecido pela teoria da tripartição dos poderes, dividindo o Poder em executivo, legislativo e judiciário e, tendo como fundamento que "para que não haja abuso do poder, é preciso que o poder detenha o poder". Todavia, o seu legado não se resume a divisão dos poderes. Percebe-se, pelas idéias deste jus filósofo, a sua tendência ao jusnaturalismo, pois, o Livro Primeiro, intitulado "Das leis em geral", Capítulo I, do livro acima mencionado, Montesquieu afirma que "as leis, no seu significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da natureza das coisas; [...]. Como defensor dos direitos naturais, afirma ainda que "dizer que não existe nada de junto nem de injusto senão o que as leis positivas ordenam ou proíbem, é o mesmo que afirmar que, antes de ser traçado o círculo, todos os seus raios não eram iguais". Bem como que "antes de todas essas leis, há as leis da natureza, assim designadas porque decorrem unicamente da constituição do nosso ser", e que é preciso reconhecer a existência de relações de equidade anteriores à lei positiva que as estabelece.

No século XVIII, temos o filósofo Jean-Jacques Rousseau, que escreveu, dentre outras obras de grande importância, "Do Contrato Social", escrito de grande importância para o fortalecimento do Direito Natural. Rousseau, diferentemente de Hobbes, entende que a natureza do homem é boa, todavia é corrompido com o surgimento da sociedade. Logo, seria necessário para libertar os homens do contrato de sujeições e privilégios criados pela sociedade, o estabelecimento de um pacto, uma deliberação conjunta, objetivando formar uma sociedade civil e o Estado, para se estabelecer um contrato social legítimo, conforme a razão, protegendo e garantindo a liberdade. Neste contexto, Rousseau pretende demonstrar que os direitos civis buscam validade no contrato social que, por sua vez, exaurem sua existência da vontade da maioria que querem preservar os direitos inatos ao homem e, frise-se, anterior ao próprio contrato. Entre outras palavras, os direitos civis seriam os direitos naturais declarados pelo Estado. Por esta concepção, nem mesmo o soberano e seus mandamentos podem se sobrepor aos direitos naturais. Para Rosseau a lei positivada só pode ser vista como sendo uma continuidade da própria lei natural, ou seja, daquela lei que preside a vivência humana anterior ao estado cívico. Não há verdadeira igualdade fora do pacto, e sim dominação. Com o contrato surge a moralidade, o consenso, a verdadeira liberdade deliberada (BITTAR e ALMEIDA, 2010, p. 300).

Ressalve-se que o jusnaturalismo rousseaniano inspirou as idéias da Revolução Francesa e da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, bem como influenciou fortemente a sociedade da sua época, servindo de inspiração até a presente data.

Além destes brilhantes jusfilósofos que formaram a base do Direito Natural, temos no século XX e XXI, grande juristas que resgataram a discussão acerca dos direitos naturais, entre eles o Michel Villey, Javier Hervada e John Finnis.

Michel Villey (apud Quintana, 2009, p. 65) ensina que:

El derecho en su sentido más importante se nos presenta como una cosa provista de una existencia propia que el jurista busca, cosa que no nos resulta fácil de definir; el Derecho no se sitúa en el sujeto, está "en las cosas", en la realidad externa; es el objeto de la justicia – que en su acepción especifica tiende a dar a cada uno lo suyo. […] El Derecho es el arte jurídico de descubrir lo justo en las relaciones sociales. […] El jurista extrae el Derecho natural de la observación de las cosas, es decir, de las relaciones sociales.

Em outras palavras, Michel Villey (apud Quintana, 2009, p. 74) dispõe que:

La ley natural cumple una función moral, dicta deberes, rige la conducta, mientras que el derecho es una relación entre cosas repartida entre personas; no se encuentra en el individuo; su fuente se halla en la realidad social, en la naturaleza de las cosas.

Ou seja, para Villey o Direito não está na natureza das pessoas e sim na natureza das coisas, devendo o justo ser buscado nas relações sociais.

Javier Hervada, como um dos grandes renovadores da tradição jusnaturalista do século XX, buscou não apenas resgatar a ciência do direito natural, como também criticar a visão positivista fortemente defendida no século anterior e em menor escala na atualidade. Resgatando a concepção do justo em Aristóteles, Hervada (2008, 46) reafirma que "Dar a cada uno lo suyo es uma necessidad social y, en la medida em que se cumple, es un hecho social" e que a constante vontade de realizar a justiça de dar a cada um o que lhe é devido, desde a antiguidade, chama-se de justiça.

Hervada (2008, p. 52), possui como ponte de partida para defender sua tese, de que "las cosas están atribuídas a distintos sujetos, o dicho de otro modo, las cosas están repartidas". E, decorrência lógica desta assertiva, é que "la justicia no atribuye las cosas, sino que sigue al hecho de que ya están atribuidas" afirmando ao final que "La justicia es la virtude de cumplir y respetar el derecho, no la virtud de crearlo", logo, a justiça não cria o direito, mas busca encontrá-lo já que este é preexistente as próprias leis. E continua afirmando que o que antecede ao direito não é a justiça e sim o direito natural, sendo a justiça a disposição, com base no direito natural, de dar a cada um o que lhe é devido.

Neste sentido cita a questão do direito natural ao salário que cubra as mínimas necessidades básicas do empregado, pois, não as cobrindo, certamente será injusto.

Hervada (2008, p. 54) critica Hart, pois este entende que a fórmula "dar a cada um o que é seu" é um absurdo, porque se uma coisa esta em poder de alguém, se é sua, já a tem e consequentemente não se pode lhe dar novamente. Todavia, aquele enfatiza que:

Dar a cada uno lo suyo, presupone que lo suyo está en poder de otro, o puede ser atacado y dañado por él. […] Y en este sentido la justicia es virtude de las relaciones sociales, esto es, exige siempre la alteridad o intersubjetividad; siempre reclama dos sujetos: aquel de quien es la cosa y aquel que, por tenerla (o por poder dañarla) se la devuelva, se la da (o se la respeta).

Para Hervada, o justo, como o que é naturalmente devido às pessoas, é exatamente o que lhe é seu, nem mais nem menos, razão pela qual também chamam o justo de o igual. E este enfatiza que:

Lo justo importa al jurista por igual en su doble aspecto de derecho y de deuda. El primero de los aspectos mira sobre todo al titular del derecho, puesto que manifiesta lo que es justo en relación a él: lo que tiene que recibir. El segundo aspecto mira particularmente al sujeto de la justicia, aquel que tiene que dar. Por eso el arte del derecho se resume en el arte de determinar derechos y deberes.

Aprofundando a matéria, Hervada (2008, 85) elenca que o direito é o bem da pessoa cuja domínio o possui e por isso lhe é divido. Bem como que só existe este direito porque a pessoa humana possui a capacidade de se apropriar do que é seu por natureza, in verbis:

El derecho existe: es el bien que, respecto de una persona, es suyo, o sea, aquel bien respecto del cual la persona tiene uma relación de dominio; por eso le es debido.

O eminente jusfilósofo continua, com propriedade que lhe é peculiar, dispondo que no mundo irracional as coisas se organizam pela força, sendo os seus indivíduos meras peças de um conjunto. Diferentemente, no mundo racional, em que o homem não é peça do jogo, e sim protagonista que muda o ruma da história - por decisões livres, não há o predomino da força e sim da liberdade, pois, "Donde hay libertad no hay fuerza sino, en su caso, obligación, que es algo próprio del ser racional". Concluindo de maneira sublime que "La fuerza sin derecho es violencia, injusticia".

Por esta razão, Hervada (2008, p. 89) tece severas críticas a Spinoza que identifica o direito com o poder físico. Aquele rebate afirmando que a força não é direito e sim irracionalidade!

Por fim, Hervada (2008, p. 193) ao analisar o sistema jurídico na sua complexidade, conclui que o "el derecho natural y el derecho positivo se integran em un único sistema jurídico, el cual es en parte natural y em parte positivo, […] dentro de un sistema jurídico vigente, lo natural y lo positivo suelen estar unidos, conformando conjuntamente los distintos derechos, de modo que la determinación de cada uno de ellos pide la utilización simultânea de critérios naturales y positivos. […] La exclusiva utilización de critérios positivos conduce, de uno u otro modo, a la injusticia".

Ainda no século XX, destaque mereceu as idéias do jusnaturalista Australiano, Doutor pela Universidade de Oxford, John Finnis.

Para Finnis (2000, p. 379) "una teoría de la ley natural no necesita tener como principal preocupación, ni teórico ni pedagógica, la afirmación de que las leyes injustas no son leys", isso porque a foco de uma teoria da lei natural é explorar as exigências da "razonabilidad práctica" em relação aos bens dos seres humanos considerando que estes vivem em comunidade enfrentando problemas de justiça e direito, autoridade, direito e obrigações. Continua ao dispor que a principal preocupação de uma teoria da lei natural é identificar:

Los principios y los límites del imperio del derecho, y encontrar las formas en que las leys razonables, con toda su positividad y mutabilidad, han de ser derivados (no deducidos, normalmente: de principios inmutables – principios que reciben su fuerza de su razonabilidad, no de cualesquiera actos o acontecimientos originantes).

Finnis (2000, p. 309/312), analisando o sistema jurídico, enfatiza que "algunas partes de un sistema jurídico normalmente están, y ciertamente deben estar, constituídas por reglas y principios que corresponden estrechamente a exigências de la razón práctica que son en sí mismas conclusiones directas de la combinación de un valor básico determinado con una o más de esas nueve exigencia metodologicas de la razonabilidad prática", concluindo que "[…] en toda ley positiva bien hecha hay alguna cosa de la ley de la razón".

Sobre o autor
Saulo Medeiros da Costa Silva

Doutorando em Direito e Ciências Sociais pela UMSA/AR. Pós-graduado em Direito Tributário pelo IESP. Graduado em Ciências Jurídicas pela UEPB. Ex-Diretor Administrativo e Membro do Conselho Fiscal do Instituto Paraibano de Estudos Tributários – IPBET. Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/PB – Subseção de Campina Grande. Professor de Direito Tributário e Financeiro da Escola Superior da Advocacia – ESA, Subseção de Campina Grande/PB e do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos – CESREI. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Saulo Medeiros Costa. Abordagem crítica do Direito Tributário brasileiro com viés no direito natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3122, 18 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20875. Acesso em: 22 dez. 2024.

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