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Shopping center - o contrato entre empreendedor e lojistas: natureza jurídica e cláusulas polêmicas

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Agenda 21/02/2012 às 15:26

3.    OS CONTRATOS ENTRE EMPREENDEDOR E LOJISTAS

3.1.              Natureza jurídica

Partindo dos aspectos organizacionais supracitados, alguns comuns a outros empreendimentos imobiliários, pode-se afirmar que a peculiaridade dos centros comerciais está, nas palavras de Carlos Geraldo Langoni (1984, p. 56), na “relação contratual existente entre o empreendedor do shopping center e os comerciantes”. Tal relação contratual incia-se na fase de lançamento do emprendimento, passa pela contrução, distribuição das lojas, propaganda “e muito particularmente, para a natureza contratual da cessão de uso e forma da respectiva remuneração”, conforme lição de Caio Mário da Silva Pereira (1984, p. 74).

Diversas teorias surgiram, na tentativa de explicar a natureza jurídica dos contratos celebrados entre empreendedor e lojistas de centros comerciais. Levando em conta os aspectos ou características próprios do shopping center, alguns autores entendem que os contratos firmados entre empreendedor e lojista teriam a natureza jurídica de sociedade; outros entendem que tal natureza seria a de locação, típica ou atípica, ainda que seu contrato contenha cláusulas peculiares; existem aqueles, ainda, que defendem que se trata de contrato misto ou coligado, em que prepondera a figura da locação; a corrente atualmente preponderante no Brasil é a de que se trata de contrato atípico misto. Nesse sentido está a lição de Guilherme Gama (2008, p. 71):

“Desde a década de 1980, no Direito brasileiro, há acirrada discussão doutrinária, com reflexos na jurisprudência anterior, a respeito da natureza jurídica do negócio jurídico estabelecido entre o lojista e o empreendedor. O grande ponto controverso se referia ao enquadramento de tal negócio jurídico como locação comercial (ou, numa terminologia mais atualizada, locação não-residencial) ou como outro tipo de contrato”.

3.1.1.                           Teorias societárias

A teoria de que a natureza dos contratos seria uma sociedade em conta de participação, ainda que atípico, defendida por Alexandre Agra Belmonte[27], não prosperou por faltarem dois elementos essenciais para a configuração deste modelo societário: a ausência de affectio societatis e a não participação do empreendedor nos eventuais prejuízos sofridos pelo lojista[28].

Outra hipótese aventada pela doutrina, segundo Guilherme Gama (2008, p. 70), foi a de sua organização seria uma forma de consórcio ou joint venture. Caio Mário da Silva Pereira (1984, p. 75) entende que não é possível tal natureza, por três motivos: a) a falta de participação do empreendedor em eventual prejuízo tido pelo comerciante; b) cada um dos co-participantes deve ter algum grau de controle sobre o empreendimento; e c) na joint venture, a parceria ocorre por um período de tempo limitado.

3.1.2.                           Teorias da locação ou do arrendamento

O contrato de locação de imóveis, no Brasil, ou de arrendamento, em Portugal, pode ser definido como aquele em que uma parte proporciona à outra o uso e gozo temporário de uma coisa imóvel, e por isso recebe uma retribuição, pela interpretação dos artigos 1.022° e 1.023° do Código Civil Português[29].

Duas teorias da locação foram desenvolvidas pela doutrina: a típica e a com atipicidade:

A) Teoria da locação típica

Segundo esta corrente, o contrato firmado entre empreendedor e lojista caracteriza-se como um mero contrato de locação, na medida em que estão presentes todos os elementos caracterizadores desse contrato: o consenso, o uso e gozo da coisa, a sua duração e o valor da retribuição. As peculiaridades existentes na relação, como pagamento do fundo de promoção, aluguel percentual, aluguel em dobro, etc., não retiram do contrato sua natureza locatícia, uma vez que não a descaracterizam.

Desde a década de 70, quando os primeiros centros comerciais apareceram em Portugal e esta questão foi levantada, a jurisprudência e uma boa parte da doutrina enquadraram-nos como contratos de arrendamento[30]. No Brasil, alguns autores também se posicionam nesse sentido[31].

Esta corrente peca por não dar a devida relevância ao contrato de prestação de serviços estabelecido entre as partes[32], ao tenant mix estabelecido pelo empreendedor e, em especial, à freguesia do shopping center.

Igualmente não se pode entender que contrato se enquadre como locação de estabelecimento empresarial, nem mesmo em formação, como estendem alguns. Sobre o tema, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alfredo Buzaid (1991, p. 7), assinala que sua origem está no Código Civil italiano que, em seu artigo 1.615[33], inovou ao criar o instituto do affito, cuja principal característica é a locação de coisa produtiva, ou seja, “um complexo de coisas coordenadas e organizadas para uma função produtiva, como um edifício aparelhado como hotel, uma fábrica, uma azienda ou casa de comércio”. Conforme acima exposto, ao tratar da res sperata[34], não se pode considerar uma loja nua e vazia, como sendo um estabelecimento comercial, nem mesmo em formação.

B) Teoria da locação com atipicidade

Para os adeptos desta teoria entendem que o contrato de shopping center, por suas características intrínsecas, é típico, com cláusulas atípicas. Esta corrente que não se pode concebê-lo como mero contrato de arrendamento, em virtude da existência de inúmeras cláusulas estranhas a essa espécie contratual.

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Nesse sentido está Darcy Lemke (1999, p. 63), que qualifica “a relação como nitidamente locatícia, com algumas cláusulas atípicas, que não desfiguram a relação ex locato”[35].

Esta corrente tem interpretação semelhante com a do contrato misto ou coligado; o que as diferencia está que na tese dos defensores do contrato típico, com cláusulas atípicas, ocorre dependência unilateral do contrato de locação[36].

3.1.3.                           Teoria do contrato misto ou coligado

Para esta teoria, existem diversos contratos coligados que se compõem de contratos distintos e vinculados, com o objetivo de alcançar a finalidade econômica do centro comercial, cada contrato sendo regido pelas normas de seu tipo, havendo dependência bilateral entre eles.

Rubens Requião (1984, p. 131) entende ser esta a natureza do contrato de shopping center, na medida em que:

“Os contratos a ele relativos não se fundem, mantendo unidade apenas econômica, sem vir a constituir nova categoria jurídica. Daí por que o centro de compras não chega a ser um contrato, mas apenas uma organização fundada em vários contratos”[37].

Apesar de ser adepto da teoria da locação, Pinto Furtado (1998, p. 43) admite a possibilidade da configuração de um contrato misto, rechaçando a tese do contrato atípico:

“Se não se configura um novo contrato típico, os elementos a mais dos descritos na lei para o tipo legal de base, não poderão passar de simples circunstâncias ou, quando muito, construirão um contrato misto ou uma união de contratos; jamais desembocarão num contrato atípico”.

3.1.4.                           Teoria do contrato atípico misto

Esta teoria entende que a união dos diversos contratos não se coaduna com os diversos contratos típicos, em especial da locação, em virtude das inúmeras peculiaridades neles existentes.

Seu precursor, Orlando Gomes (1984, p. 93), entende que os contratos entre empreendedor e lojista são atípicos porque tais “contratos se formam, no exercício da autonomia privada, para auto-regulação de interesses, que demandam modelo inexistente no quadro legal, se são dignos de tutela jurídica”. São também enquadrados na subcategoria dos contratos mistos “cuja estrutura engloba elementos típicos de dois ou mais contratos nominados”. Mais à frente, o autor (1984, p. 114) justifica a adoção da teoria para a causa ou função econômico-social como “o mais seguro critério para identificar esquemas contratuais”.

Diversos autores adotaram a teoria da atipicidade mista. No Brasil, Ives Gandra Martins (1991, p. 83) entende que existem dois fundos de comércio em um centro comercial: o do lojista e o do empreendedor, que chama de sobrefundo de comércio e “adiciona potencialidade mercantil ao complexo de lojas nele situadas”. Mais à frente, Ives Gandra (1991, p. 90) dá especial relevância à prestação de serviços pelo empreendedor, concluindo que tal contrato seria atípico:

“Os contratos entre os shopping centers e os lojistas não são um contrato de locação de imóvel, mas um contrato mais abrangente, em que o imóvel é menos relevante que o complexo de elementos imateriais que tornam aquele ponto atraente e propício ao comércio”.

Oliveira Ascensão (1991, p. 13-14) vai na mesma linha, ao considerar o centro comercial como uma “coisa supercomplexa” ou uma “superuniversalidade de facto”, mais à frente (1991, p. 31) o qualificando como “contrato de integração empresarial”[38].

Antunes Varela (1995, p. 56-57) concorda com a posição de Oliveira Ascensão, na medida em que o empreendedor proporciona ao lojista “uma série de vantagens patrimoniais completamente estranhas à função económico-social da locação do imóvel ou do estabelecimento comercial, e que nem sempre consistem numa simples prestação de serviços”[39].

A teoria da atipicidade, como todas as outras, diga-se, buscou explicar e responder a complexa realidade dos contratos de shopping center. Na prática, contudo, acabou por submeter os lojistas aos interesses do empreendedor, uma vez que em tais contratos os primeiros acabam por ter que simplesmente aderir às cláusulas impostas pelo segundo. Sobre o tema, Filipe Cassiano dos Santos (2008, p. 7) assim conclui:

“A tese do contrato absolutamente atípico e novo (contrato esse que seria tendente à integração empresarial) é, bem vistas as coisas, um instrumento a que (alguma) doutrina recorreu para resolver uma questão prática fundamental qual fosse a de dar resposta aos novos e específicos interesses que a lógica subjacente ao centro comercial postula. Julgou-se na doutrina e na jurisprudência ser essa a única e mais adequada resposta a esses interesses – mas a prática dos últimos anos revela que, com tal resposta, se veio a cair no extremo oposto àquele que se queria evitar”.

 


4.    CONCLUSÃO

O shopping center é, sem dúvida, um negócio imobiliário supercomplexo, como se verifica pelo estudo das inúmeras cláusulas existentes em seus contratos. A análise de tais contratos torna-se relativamente simples, contudo, se se levar em conta o verdadeiro interesse das partes contratantes.

Um lojista, ao aderir ao shopping, além da simples locação do espaço físico para instalação de seu empreendimento, busca usufruir da freguesia criada pelo empreendedor do centro, através do tenant mix.

O empreendedor, por sua vez, visa receber do lojista, não só o valor da renda fixa, remuneratória da locação do espaço físico, mas a renda variável, oriunda dos diversos serviços prestados para fazer jus a tal renda.

As diversas cláusulas extravagantes de que se compõe o contrato servem apenas para justificar ou garantir o fim econômico almejado pelas partes. Tais cláusulas enquadram-se, portanto, ora no contrato de locação, ora no de prestação de serviços.

O contrato não pode ser considerado como uma forma de sociedade, nem mesmo uma de forma de consórcio ou joint venture, especialmente porque não existe o affectio societatis, nem tampouco a participação do empreendedor nos eventuais prejuízos sofridos pelo lojista, requisitos de qualquer sociedade.

Não se pode entender que o contrato tenha natureza de simples locação porque a prestação de serviços adquire importância tão relevante quanto o arrendamento. Igualmente não se pode entender o contrato como sendo de locação com cláusulas atípicas porque sua aceitação implicaria em entender que o contrato de prestação de serviços seria dependente e subordinado ao de locação, o que não ocorre.

A tese do contrato atípico também deve ser rechaçada porque somente se concentra em tentar explicar as diversas cláusulas existentes no contrato, não levando em conta o verdadeiro interesse econômico tido pelas partes. Não existe um superfundo de comércio criado pelo empreendedor; sua principal atividade, na verdade, está em criar o tenant mix do centro comercial, de forma a levar ao shopping a maior freguesia possível, com o objetivo de que os lojistas potencializem seu faturamento e, conseqüentemente, paguem a renda variável a que tem direito.

Por exclusão, os contratos devem ser considerados como mistos ou coligados, de locação e prestação de serviços, sem dependência unilateral, cada qual regido pela sua espécie contratual. Eventual afastamento de norma imperativa de uma ou outra espécie pode ser explicado pela interdependência existente entre eles, desde que seja levado em consideração o objetivo almejado pelas partes.


5.    REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Armindo de Castro Júnior

Advogado e professor universitário, doutorando em Direito Civil e mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo. Shopping center - o contrato entre empreendedor e lojistas: natureza jurídica e cláusulas polêmicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3156, 21 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21114. Acesso em: 25 dez. 2024.

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