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O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto.

Contexto do direito brasileiro contemporâneo

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Agenda 18/02/2012 às 09:10

Defende-se o procedimento de auxílio direto na cooperação jurídica internacional, especialmente na viabilização de cumprimento de medidas cautelares (emergenciais) em matéria civil, no âmbito do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC.

RESUMO: Do incremento das relações entre os Estados decorrentes da globalização, surge a necessidade de cooperação entre as Nações. Contudo, a inegável sobrecarga de competência e a imposição de padrões rígidos compromete a almejada celeridade dos processos de cooperação jurídica internacional no Brasil. Neste aspecto, a cooperação entre os Estados deve ser tida como uma obrigação entre as nações, e não mera faculdade. No presente artigo, defenderemos a aplicabilidade do procedimento de auxílio direto, especialmente na viabilização de cumprimento de medidas cautelares (emergenciais) em matéria civil. A nova ferramenta de cooperação jurídica ganhou maior importância e destaque com a divulgação do texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010), que trouxe em seu Capítulo II (Da Cooperação Internacional), especificamente no artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto. No mesmo sentido, a despeito dos recorrentes pronunciamentos jurisprudenciais do STF e STJ, ao tema, embora atual e de necessário estudo, não tem sido dedicada a devida atenção doutrinária. Espera-se que o presente trabalho sirva de subsídio para novas pesquisas acerca do objeto em análise, colaborando para uma Cooperação Jurídica Internacional efetivamente célere e eficaz.

Palavras-chave: Cooperação Jurídica Internacional. Matéria Civil. Auxílio Direto. Direito Brasileiro Contemporâneo.

ABSTRACT: Of the increase of relations between states arising from globalization, there is the need for cooperation among nations. However, the undeniable burden of responsibility and the imposition of strict standards compromises the desired speed of the processes of international legal cooperation in Brazil. In this regard, cooperation between States should be taken as a bond between nations, not merely college. In this article, we will defend the applicability of the direct aid, especially in enabling the execution of preventive measures (emergency) in civil matters. A new tool for legal cooperation has gained more importance and prominence with the publication of the text of the substitute presented by Senator Valter Pereira, Rapporteur of the design of the new CPC in the Senate (PLS 166/2010), which brought in its Chapter II (International Cooperation) specifically in Article 27, the hypothesis of the Brazilian judicial authority to grant the procedure for direct assistance. Similarly, despite the recurring jurisprudential pronouncements of the Supreme Court and the Supreme Court, the issue, although current and appropriate study has been devoted to doctrinal attention. It is hoped that this work will serve as grant for research on new analysis of the object, contributing to effective international legal cooperation, prompt and efficient.

Keywords: International Legal Cooperation. Civil. Direct Aid. Contemporary Brazilian law.

SUMÁRIO: I. Introdução. II. Aspectos Gerais da Cooperação Jurídica Internacional. III. O Auxílio Direto. III. 1. Auxílio Direto Judicial e Administrativo. III. 2. Submissão de medidas cautelares no juízo brasileiro, Obtenção Transnacional de Provas e o Auxílio Direto.  IV. A ineficiência brasileira, o Auxílio Direto e as novas perspectivas da Cooperação Jurídica Internacional no Direito Brasileiro. V. Conclusão. Referências bibliográficas.


I.                   INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta como eixo central, uma reflexão acerca da importância da cooperação internacional no contexto jurídico contemporâneo, do ponto de vista teórico e prático, destacando-se o auxílio direto como instrumento de cooperação jurídica entre ordenamentos distintos, sobretudo, em matéria civil.

O núcleo central que será abordado na presente pesquisa, que sugere um estudo sobre a cooperação jurídica internacional em matéria civil, é chamar a atenção para a importância do auxílio direto como meio legal para obtenção transnacional de provas, para a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações) e, em certas hipóteses, para a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada no juízo brasileiro.

Com a previsibilidade legal do procedimento de auxílio direto, poder-se-á tornar eficiente e ágil o intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda, entre órgãos judiciais e administrativos, de Estados distintos.

O que se pretende, portanto, é analisar a hipótese da autoridade judiciária brasileira, em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, deferir o procedimento de auxílio direto ou assistência direta, a fim de atingir-se uma efetiva integração jurisdicional e administrativa entre Estados soberanos distintos.

E, considerado que o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, “processo é vida”[2], procura-se impingir ao presente trabalho tal ousadia.


II. Aspectos gerais da Cooperação Jurídica Internacional

O mundo globalizado vivencia uma crescente circulação de pessoas, bens e serviços.  Como consequência, os Estados passam a enfrentar situações nas quais necessitam de auxílio para o exercício da jurisdição. A cooperação entre os Estados no âmbito jurídico faz-se, assim, imprescindível e, por isso, constitui área de grande desenvolvimento nos dias atuais.

Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades refletirem-se nos ordenamentos jurídicos, forçando-os a amoldarem-se às novas realidades.

Apesar de não constituir novidade na área jurídica, o estudo da cooperação jurídica internacional[3] adquire particular relevo na atualidade, diante da conjuntura internacional de um mundo multicultural, por possibilitar o dinamismo e a eficácia da prestação da tutela jurisdicional estatal. Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades refletirem-se nos ordenamentos jurídicos, forçando-os a amoldarem-se às novas realidades[4].

A intensificação das relações internacionais no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, segundo Eduardo Felipe P. Matias[5], deve-se, principalmente, a dois fatores fundamentais:

“O primeiro relaciona-se com a consciência dos Estados quanto ao fato de que não são auto-suficientes, de que o isolamento representa um retrocesso e de que o crescimento está vinculado à cooperação. O segundo fator é a coexistência de múltiplos Estados independentes.”

O contexto atual fez com que os Estados deparassem com problemas que não conseguiriam resolver sozinhos, ou, pelo menos, resolveriam melhor por meio da cooperação[6] Nessa nova ordem global, é inevitável que haja uma série de políticas públicas que não podem ser implementadas sem a cooperação de outros países, enquanto várias funções tradicionais dos Estados não poderiam ser cumpridas sem se recorrer a formas internacionais de colaboração[7].

Cooperação pressupõe trabalho conjunto, colaboração. É nesse sentido que toda e qualquer forma de colaboração entre Estados, para a consecução de um objetivo comum, que tenha reflexos jurídicos, denomina-se cooperação jurídica internacional.

Cooperação jurídica internacional, que é a terminologia consagrada,[8] significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado. Tradicionalmente também incluir-se-ia nessa matéria o problema da competência internacional. Além disso, hoje há novas possibilidades de uma atuação administrativa do Estado nessa matéria, em modalidades de contato direto entre os entes estatais.

Rodrigo Otávio já se referia à cooperação entre os Estados como algo baseado em mais do que o sentimento de cortesia internacional, também conhecida como comitas gentium[9]. Segundo ele, cortesia, convivência, condescendência eram sentimentos arbitrários, que o Estado pode fazer hoje e não mais amanhã. No seu entender, havia uma obrigação entre as nações,[10] e não mera faculdade. Esta era resultante de uma obrigação moral, mas cujo descumprimento impunha ao Estado uma perda de prestígio no convívio internacional de todo indesejável. Traduzia-se em uma limitação à soberania do Estado, pelo próprio Estado, com o fito de respeitar o direito internacional e melhorar o relacionamento no plano da comunidade internacional.

Carolina Yumi de Souza[11] refere-se a cooperação jurídica internacional como:

“[...] pode ser considerada como um intercâmbio entre estados soberanos, destinando-se à segurança e à estabilidade das relações transnacionais. Tem por premissas fundamentais o respeito à soberania dos Estados e a não-impunidade dos delitos. Em sentido lato, engloba todos os atos públicos (legislativos, administrativos e judiciais). [...] compreende os atos judiciais não decisórios, de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e decisórios, além daqueles destinados à instrução probatória.”

A cooperação jurídica internacional pode ser classificada nas modalidades ativa e passiva, de acordo com a posição de cada um dos Estados cooperantes. A cooperação será ativa quando um Estado (requerente) formular a outro (requerido) um pedido de assistência jurídica; a cooperação, por outro lado, será passiva quando um Estado (requerido) receber do outro (requerente) um pedido de cooperação.

A cooperação jurídica internacional também pode ser classificada em direta e indireta. Esta, para ser efetivada, depende de juízo de delibação, como é o caso da homologação de sentença estrangeira e das cartas rogatórias. A cooperação direta é aquela em que o juiz de primeiro grau tem pleno juízo de conhecimento. Trata-se da assistência direta.

Ainda no tocante à classificação, a cooperação jurídica internacional pode ocorrer em matéria penal ou em matéria civil, a depender da natureza do processo ou do procedimento em trâmite no Estado requerente.

É necessário, ainda, distinguir a cooperação jurídica e a jurisdicional. Esta ocorreria quando um ato de natureza jurisdicional é reclamado do Estado cooperante, ao passo que naquela a cooperação demandada não envolveria necessariamente a intervenção do Poder Judiciário, requerendo somente atividade administrativa.

O conceito de que um Estado tem o direito e o dever de zelar pela justiça em sua jurisdição está diretamente relacionado com o próprio conceito de Estado e de soberania. Tradicionalmente, a cooperação jurídica é vista como o resguardo de interesses entre Estados: por um lado, o interesse de um Estado em solicitar auxílio ou cooperação e, por outro, a soberania do Estado requerido na hora de responder à solicitação de auxílio[12].

Com efeito, pode-se afirmar que a cooperação jurídica entre Estados não é um fenômeno moderno. Segundo Kimberly Prost[13], registros apontam que, por volta do ano 1280 a.C., Ramsés II teria celebrado um dos primeiros instrumentos de cooperação jurídica internacional conhecidos quando previu a possibilidade de retorno extradicional de criminosos em tratado de paz firmado com o povo hitita.

Hoje em dia, no entanto, já não se pode vincular os conceitos tradicionais de soberania à cooperação jurídica internacional. A cooperação jurídica entre Estados pode ser vista, de certa forma, como um meio de preservar a própria soberania.

Não existe uma definição absoluta de soberania. No entanto, no âmbito da cooperação jurídica internacional, a soberania pode ser vista como “o poder do Estado em relação às pessoas e coisas dentro de seu território”[14]. Dessa forma, cabe ao Estado soberano proteger-se de ingerências externas e, ao mesmo tempo, garantir o seguimento e a execução das regras estabelecidas em seu território.

Sob tal prisma, cada Estado tem seu próprio serviço jurisdicional e é capaz de julgar e fazer executar o julgado somente dentro de seu território. Quando certos atos processuais devam ser desenvolvidos no território de outro Estado, faz-se necessária a cooperação jurídica. Nesse contexto, a negativa à cooperação pode causar uma frustração do interesse legítimo das partes[15], limitando o direito e o dever do Estado requerente de resguardar o andamento da Justiça em seu território.

Induvidosa, pois, a necessidade da cooperação jurídica internacional considerando que as mudanças tecnológicas e políticas e o aumento no deslocamento de pessoas e bens entre fronteiras têm causado maior interesse por parte dos Estados no estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras.

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Portanto, a imprescindibilidade da cooperação internacional nos termos atuais é indiscutível, fazendo com que essa prática “deixe de ser um mero compromisso moral (comitas gentium), tornando-se obrigação jurídica[16].

O respeito à obrigação de promover a cooperação jurídica internacional é imposto pela própria comunidade internacional[17]. Qualquer resistência ou desconfiança com relação ao cumprimento de atos provenientes do estrangeiro deve ceder lugar ao princípio da boa-fé, que rege as relações internacionais de países soberanos tanto nos casos cíveis quanto nos penais. Afinal, o mundo está cada dia menor e mais próximo.

Pode-se asseverar que o objetivo da cooperação jurídica internacional é atender às reivindicações externas, garantindo a eficácia da prestação jurisdicional e o acesso à justiça, fortalecendo, por conseguinte, o estado democrático de Direito.

Com o objetivo de acompanhar este brusco aumento de questões jurídicas transnacionais, constatamos o avanço da cooperação jurídica internacional, estreitando as relações entre os países, através da intensificação da assinatura de tratados, convenções e protocolos, nos quais se celebra a reciprocidade, o auxílio mútuo.

Nota-se, e daí a importância desta abordagem, que o espírito de solidariedade internacional se faz cada vez mais necessário, emergindo com a modernidade, mostrando-se como tendência irremediável, e, concomitantemente, exigindo eficácia na assistência, respeito à soberania do país envolvido no processo de cooperação e garantia aos indivíduos, sem olvidar-se, obviamente, da salvaguarda intransponível dos direitos humanos[18].

A dificuldade de conciliar tais exigências é o que engrandece, por demais, o estudo do tema, configurando um desafio teórico e pragmático sem precedentes.


III. O AUXÍLIO DIRETO

3.1 O Auxílio Direto Judicial e Administrativo

O Ministério da Justiça, em 2004, constituiu Comissão de Especialistas para elaborar um anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional, em matéria cível e criminal.

A questão mais explosiva desse anteprojeto do Ministério da Justiça está no procedimento denominado "assistência direta" ou "auxílio direto"[19], que possibilita o intercâmbio direto entre autoridades administrativas e judiciais de estados diversos, ou até mesmo entre juízes, sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ.[20]

A propósito, a Resolução 09, do STJ, de 04.05.2005, no seu art. 7°, parágrafo único, prevê que:

“os pedidos de Cooperação Jurídica Internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento do auxílio direto”. (negritos lançados)

O paradigma que pode ser citado para o "auxílio direto" é o "auxílio judiciário mútuo", previsto na Convenção de Auxílio Judicial Mútuo da União Européia, cujo art. 3°, I, dispõe que:

“o auxílio mútuo também é concedido em processos instaurados pelas autoridades administrativas para fatos puníveis nos termos do direito do Estado-Membro requerente ou do Estado-Membro requerido, ou de ambos, como infrações a disposições regulamentares e, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, especialmente e, matéria penal”.

Entretanto, a questão reside em saber se, à luz da Constituição Federal, pode um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, ser provocado no interesse de estado estrangeiro em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.

O Direito Internacional Privado visa à regulamentação, no direito nacional, de fatos transnacionais, fatos que por uma razão ou outra aparentam estar sujeitos à ordem jurídica de estados diversos, e que, não obstante a denominação "privado" dessa disciplina estão sujeitos às normas de direito privado é de direito público, aí incluídos o direito penal e o direito administrativo.

O Direito Internacional Privado preocupa-se, ainda, com a solução de litígios transnacionais, decorrentes desses fatos ditos transnacionais. Para atingir seus objetivos, promove o intercâmbio de atos administrativos, legislativos e judiciais, de modo a possuírem esses atos efeitos transnacionais e extraterritoriais.

Assim, a lei estrangeira, o ato administrativo estrangeiro e o ato judicial estrangeiro, podem ter efeito no direito nacional, sempre que este, por meio de norma de direito internacional privado, considerar indispensável à regulamentação dos fatos transnacionais. O conceito de soberania no plano interno corresponde ao poder de legislar, de governar e de julgar.

Neste sentido, os atos públicos estrangeiros (legislar, governar ou julgar), para terem algum tipo de efeito no direito nacional, dependem de vontade política do estado nacional, que, no exercício da sua soberania, irá apontar os casos em que serão integrados à ordem jurídica interna. Nesse contexto, os atos públicos estrangeiros são considerados nacionais por extensão.

De acordo com os princípios de Direito Internacional Privado, a lei estrangeira é adotada no direito nacional sempre que um critério de conexão admiti-la expressamente. A administração pública estrangeira pode realizar atos no território nacional sempre que o governo nacional autorizar, e, da mesma forma, a jurisdição estrangeira terá eficácia no direito nacional sempre que um juízo nacional recepcioná-la.

Enfim, a soberania nacional jamais é ofendida enquanto as autoridades públicas nacionais detiverem o poder para autorizar e acompanhar o ingresso desses atos públicos estrangeiros no território nacional.

No tocante à cooperação interjurisdicional, a recepção de atos judiciais estrangeiros é por meio de jurisdição nacional, que tem a finalidade de declarar a compatibilidade do ato judicial estrangeiro com os princípios fundamentais do estado nacional.

Essa declaração é de natureza jurisdicional e comumente denominada de reconhecimento, sendo que, no Brasil, a doutrina utiliza a expressão "delibação", influenciada pelo sistema italiano, pois o que há é uma jurisdição pontual, restrita à aferição da observância aos princípios fundamentais, sem possibilidade de análise de mérito originário, de modo a vedar ao juiz nacional o papel de instância recursal do juiz estrangeiro.

É importante registrar que é a falta de controle judicial no plano interno, ou a falta de possibilidade do controle dos atos públicos estrangeiros de natureza jurisdicional, por um órgão judicial nacional, que significa ofensa à soberania nacional. O mesmo ocorreria com a aplicação de lei estrangeira, sem previsão em regra nacional, ou com a atuação administrativa de agente estrangeiro, sem autorização e acompanhamento de agente público nacional.

No caso específico da jurisdição, é irrelevante saber qual o órgão judicial responsável para tal controle. É imprescindível, contudo, que esteja em condições de exercer jurisdição.

A cooperação jurídica internacional, inerente ao direito processual internacional, envolve o intercâmbio de atos judiciais ou de atos administrativos, destinados à atuação judicial, entre autoridades de estados distintos.

A realização de jurisdição executiva ou de urgência, no território nacional, que sejam no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, por significar eficácia interna de ato jurisdicional estrangeiro, depende de sua compatibilidade com a ordem pública (princípios fundamentais), o que é atestado no processo de reconhecimento – delibação.

Entretanto, a realização no território nacional de atos judiciais, sem conteúdo jurisdicional, ou ainda de atos administrativos, estrangeiros, no interesse de jurisdição estrangeira, não necessita do referido processo de reconhecimento, podendo ser esses atos praticados, desde que em conjunto com autoridades judiciais ou administrativas nacionais.

A indispensabilidade do processo de reconhecimento (delibação) decorre do risco de ofensa, à soberania que ocorreria com a recepção de uma jurisdição estrangeira, declarando direitos em definitivo, ou com efeito coercitivo, que fosse contrária a princípios fundamentais do estado nacional.

Com os atos estrangeiros, administrativos e os judiciais, sem conteúdo decisório, não haveria esse risco de ofensa à soberania, justamente por não serem jurisdicionais, já que não produzem coisa julgada nem são coercitivos no sentido jurisdicional.

No Brasil, a Constituição Federal prevê dois procedimentos de cooperação jurídica internacional em matéria civil que reclama, no território nacional, algum tipo de atuação judicial: a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira. (art. 105, I, “i”)

A cooperação que reclama atuação apenas de agente administrativo brasileiro é realizada independentemente de carta rogatória, homologação de sentença estrangeira ou extradição. Tal modalidade de cooperação pode facilmente ser enquadrada no "auxílio direto" previsto no art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ.

O auxílio direto tem por objeto, segundo o Ministério da Justiça:

O auxílio direto diferencia-se dos demais mecanismos porque nele não há exercício de juízo de delibação pelo Estado requerido. Não existe delibação porque não há ato jurisdicional a ser delibado. Por meio do auxílio direto, o Estado abre mão do poder de dizer o direito sobre determinado objeto de cognição para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Não se pede, portanto, que se execute uma decisão sua, mas que se profira ato jurisdicional referente a uma determinada questão de mérito que advém de litígio em curso no seu território, ou mesmo que se obtenha ato administrativo a colaborar com o exercício de sua cognição. Não há, por conseqüência, o exercício de jurisdição pelos dois Estados, mas apenas pelas autoridades do Estado requerido[21].

É, pois, o instrumento por meio do qual a integralidade dos fatos é levada ao conhecimento de judiciário estrangeiro para que profira decisão que ordene ou não a realização das diligências solicitadas. O auxílio direto passivo não enseja a concessão de exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe o parágrafo único do art. 7º da Resolução STJ n. 9, cabendo ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI, do Ministério da Justiça, as providências junto às autoridades competentes para o seu cumprimento.

Podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada. Tratados específicos trazem algumas medidas específicas que podem ser obtidas por esse mecanismo. É o caso, por exemplo, das decisões de busca, apreensão e retorno de crianças ilicitamente subtraídas do convívio de um dos pais, nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000).

Ao contrário do que ocorre nos mecanismos tradicionais de cooperação, onde o pedido de cooperação enseja apenas um procedimento, o auxílio direto origina obrigatoriamente dois procedimentos. O primeiro deles nasce com o pedido de cooperação lavrado pela autoridade requerente e, após análise e seguimento pelas autoridades competentes, chega às autoridades do país requerido para formar o procedimento internacional do auxílio direto. Em busca do atendimento do pedido, devem tais autoridades buscar o início do procedimento pertinente, que pode ser judicial ou administrativo. Este segundo é um procedimento nacional, portanto. Assim é que o auxílio direto, na verdade, forma-se a partir da junção de dois procedimentos específicos e separados: o procedimento internacional, também chamado genericamente de pedido de cooperação ou pedido de auxílio jurídico (este último especialmente no auxílio direto em matéria penal) e o procedimento nacional. O procedimento nacional, por sua vez, pode ser um processo administrativo, um incidente processual judicial específico, como os pedidos do Ministério Público Federal para a obtenção de quebras de sigilo bancário no Brasil ou uma ação judicial, a exemplo do que ocorre com as ações de busca, apreensão e retorno movidas pela União nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Dessa maneira, o procedimento de auxílio direto permitiria uma classificação. O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional, como, por exemplo, para atos de comunicação processual ou atos de natureza probatória, poderia ser denominado “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública, a exemplo de investigações conjuntas do Ministério Público ou de autoridades policiais, poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”. Portanto, as últimas considerações são as seguintes: o auxílio direto, no Direito brasileiro, é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto judicial, de competência de juízes de 1ª instância, é o procedimento de jurisdição voluntária destinado ao intercâmbio direto entre juízes, sempre que reclamar de juízes nacionais, atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto administrativo é o procedimento administrativo destinado ao intercâmbio direto entre órgãos da Administração Pública, ou entre juízes estrangeiros e agentes administrativos nacionais, sempre que reclamar atos administrativos de agentes públicos nacionais.

O julgamento do auxílio direto judicial no Brasil é entregue aos juízes federais de 1ª instância, nos termos do artigo 109 da CF, seja porque figuram como parte o Ministério Público Federal ou a União, seja porque a medida busca cumprir tratado do qual o Brasil é parte.

Nesse passo, são requisitos do auxílio direto:

(i) base legal por meio da qual se efetua a solicitação – acordo ou garantia de reciprocidade;

(ii) indicação da autoridade requerente;

(iii) indicação das autoridades centrais requerente e requerida;

(iv) sumário contendo número(s) e síntese(s) do(s) procedimento(s) ou processo(s) no país requerente os quais servem de base ao pedido de cooperação;

(v) qualificação completa e precisa das pessoas às quais o pedido se refere (nome, sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço, data de nascimento, e, sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte);

(vi) narrativa clara, objetiva, concisa e completa, no próprio texto do pedido de cooperação jurídica internacional, da base factual que lhe deu origem, incluindo:

a. descrição, em um único documento, dos fatos ocorridos, indicando o lugar e a data;

b. quando os fatos forem complexos, resumo descritivo dos fatos principais;

c. descrição do nexo de causalidade entre o procedimento em curso, os envolvidos e as medidas solicitadas no pedido de auxílio;

d. referência expressa e apresentação da correlação da documentação que se julgue necessário anexar ao pedido de cooperação jurídica internacional.

(vii) referência e transcrição literal e integral do texto dos dispositivos legais aplicáveis, destacando-se, em matéria criminal, os tipos penais;

(viii) descrição detalhada do auxílio solicitado, indicando:

a. nos casos de rastreio ou bloqueio de contas bancárias, o número da conta, o nome do banco, a localização da agência bancária e a delimitação do período desejado, bem como, expressamente, a forma de encaminhamento dos documentos a serem obtidos (meio físico ou eletrônico);

b. nos casos de notificação, citação ou intimação, fornecer qualificação da pessoa a ser notificada, citada ou intimada (nome, sobrenome, nacionalidade, lugar de nascimento, endereço completo, data de nascimento, e, sempre que possível, nome da genitora, profissão e número do passaporte);

c. nos casos de interrogatório e inquirição, apresentar o rol de quesitos do juízo requerente e das partes a serem formulados;

(ix) descrição do objetivo do pedido de cooperação jurídica internacional;

(x) qualquer outra informação que possa ser útil à autoridade requerida, para os efeitos de facilitar o cumprimento do pedido de cooperação jurídica internacional;

(xi) outras informações solicitadas pelo Estado requerido;

(xii) assinatura da autoridade requerente, local e data.

No entanto, quanto à outra categoria de cooperação, a que reclama algum tipo de atuação judicial no plano nacional, persiste uma dúvida. Como a Constituição Federal é omissa, quais seriam os limites do legislador infraconstitucional para estabelecer o objeto da carta rogatória e da homologação de sentença estrangeira?

A única forma de conceber a existência de dois procedimentos autônomos de cooperação é admitindo uma diferenciação entre eles. Isso é óbvio. O procedimento da carta rogatória deve ser distinto do procedimento da homologação. E o que deve justificar um procedimento diferenciado é a natureza do ato estrangeiro que se pretende importar.

O Regimento Interno do STF fixa, no seu art. 220, caput, o prazo de quinze dias para contestação na homologação de sentença estrangeira, e, no art. 226, o prazo de cinco dias para impugnação na carta rogatória. É essa, a nosso juízo, a única distinção substancial. Afigura-se razoável, portanto, que a carta rogatória tenha por objeto ato jurisdicional estrangeiro que reclame um processo de reconhecimento (delibação) célere ou de cognição sumária, ao passo que a homologação permaneça com procedimento que permita uma cognição exauriente quanto à delibação.

Nesse ponto, a jurisdição estrangeira de urgência, no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, sujeitar-se-ia ao procedimento de carta rogatória, enquanto que a jurisdição executiva ou o efeito de coisa julgada, relacionados com a decisão cognitiva estrangeira, ao procedimento de homologação de sentença estrangeira.

À luz das regras constitucionais vigentes e, ainda, de princípios do Direito Internacional Privado, nada impede que apenas a cooperação que reclame jurisdição nacional seja alvo de reconhecimento perante o STJ.

As demais modalidades de cooperação, que dependem de atos judiciais sem conteúdo decisório, tais como os atos judiciais de comunicação ou de natureza probatória, ou ainda os atos administrativos, não reclamam, necessariamente, o procedimento da carta rogatória ou da homologação de sentença estrangeira.

Nesse ponto, merece aplausos o art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, que, embora sem força de lei, é forte indicativo de posicionamento jurisprudencial que se avizinha quanto à cooperação direta de atos judiciais sem conteúdo decisório ou de atos administrativos.

Entretanto, insistimos com a tese de que tanto a jurisdição executiva quanto a jurisdição de urgência, decorrentes ou no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, deveriam ser postuladas perante o juízo nacional que fosse competente para a matéria, segundo a legislação processual interna.

Nesse sentido, a PEC 152/99, lamentavelmente arquivada, continha o seguinte texto: "ao juiz da execução compete julgar a homologação de sentença estrangeira e a concessão de exequatur às cartas rogatórias".

Permito-me transcrever trecho de sua Exposição de Motivos:

A proposta de Emenda à Constituição Federal que ora submetemos à apreciação dos ilustres pares visa transferir a competência processual para homologação de sentença estrangeira e execução de carta rogatória do Supremo Tribunal Federal aos juízes de primeiro grau competentes para execução de sentença. Hoje, o rito, criado no início do século, encontra-se inteiramente anacrônico, incompatível com o dinamismo e a crescente circulação de leis e de pessoas na sociedade moderna; sobretudo no momento em que mais e mais se caminha para a globalização da economia, com a criação de organismos multinacionais e a integração dos sistemas jurídicos. Atualmente, o cumprimento de uma sentença estrangeira entre nós passa pelo crivo de dois graus de jurisdição. Primeiramente, é apreciada pelo Supremo Tribunal Federal e, uma vez homologada, a parte ingressa com a execução perante o juiz federal singular. Em verdade, não há motivo relevante que justifique tal competência da Corte Constitucional, sendo esse o entendimento da doutrina e até mesmo dos próprios Ministros do STF, que já tiveram oportunidade de se manifestar, por ocasião de audiências públicas da Reforma do Judiciário, como os Ministros Carlos Mário Velloso, Marco Aurélio Mello, e José Celso Mello Filho. Todos acordam que nesses casos, a execução poderá ser feita de juízo a juízo, sem prever intervenção do STF. O Ministro Celso Mello chegou a citar o exemplo de uma carta rogatória do Uruguai para execução de dívida, que poderia ter sido intimada em uma semana, porém, em face da tramitação burocrática, levou mais de oito meses para que o devedor fosse intimado.

Apenas com essa alteração constitucional, afastando a competência concentrada no Superior Tribunal de Justiça, para o reconhecimento e delibação, é que teremos uma verdadeira integração judicial no plano internacional, pois o atual sistema, além de não permitir celeridade, é capaz de inviabilizar, em alguns casos, a efetividade de medidas de urgência em favor de estados estrangeiros, o que, data vênia, vem pondo o estado brasileiro diante de constrangedora situação, especialmente quando reclama no exterior, medidas que seriam negadas no nosso direito.

Por outro lado, felizmente o texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010), em trâmite na Câmara sob o n. 8.046/10 e cuja comissão de juristas que o elaborou, foi presidida por Luis Fux, então Ministro do Superior Tribunal de Justiça, trouxe em Capítulo II (Da Cooperação Internacional), especificamente no artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto, veja-se:

 “Art. 27. Os pedidos de cooperação jurídica internacional serão executados por meio de:

I - carta rogatória;

II - ação de homologação de sentença estrangeira; e

III - auxílio direto.

Parágrafo único. Quando a cooperação não decorrer de cumprimento de decisão de autoridade estrangeira e puder ser integralmente submetida à autoridade judiciária brasileira, o pedido seguirá o procedimento de auxílio direto”. (negritos lançados)

A proposta seguirá agora para aprovação pelo Plenário do Senado. Esperamos para que o dispositivo seja integralmente aprovado como força de lei ordinária federal, já que é necessário superar conceitos ultrapassados e difundir novas práticas, sem o que arriscaremos perecer diante da nova ordem mundial.

Sob tal prisma, não há razões principiológicas para manter a competência em um único órgão judicial para o reconhecimento ou delibação de atos jurisdicionais estrangeiros, devendo haver urgente alteração constitucional, para consagrar, na plenitude, o auxílio direto entre juízes de estados diversos.

3.2 Submissão de medidas cautelares no juízo brasileiro, Obtenção Transnacional de Provas e o Auxílio Direto

Modificando o entendimento antes firmado pelo E. STF tem-se que a Resolução n. 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de tutela cautelar quanto de tutela antecipada. Assim sendo, valendo-nos da clássica distinção entre os conceitos[22]­-[23], será cabível a concessão de tutela cautelar, quando comprovado, além de fumus boni iuris, o risco à efetividade do processo, não havendo, assim, satisfação do direito material que se pretenda tutelar. A tutela antecipada, por seu turno, será cabível quando estiver em risco de perecimento o próprio direito material alegado pelo autor. Trata-se, pois, de tutela satisfativa, através da qual serão antecipados os efeitos de futura sentença de procedência do mérito.

A seu turno, aplica-se ao Processo de homologação de sentença estrangeira o disposto no parágrafo 7° do artigo 273, do Código de Processo Civil, que trata da fungibilidade entre medida cautelar e antecipatória. Assim sendo, ainda que o autor requeira medida cautelar quando, na verdade, a medida tenha natureza antecipatória, ou vice-versa, poderá o Relator ou o Presidente do E. Superior Tribunal de Justiça conceder a medida adequada, caso sejam preenchidos os requisitos legais exigidos para o seu deferimento.

Sob tal prisma, o processo cautelar tem por finalidade assegurar, na máxima medida possível, a eficácia prática de uma providência cognitiva ou executiva. Busca, portanto, assegurar a utilidade de um processo de conhecimento ou de execução, quanto à finalidade respectiva de cada um deles. O processo cautelar é, portanto, dependente de outro, seja cognitivo ou executivo.

Os artigos 813 a 866 do Código de Processo Civil estabelecem medidas cautelares específicas, quais sejam: o arresto, o sequestro, a caução, a busca e apreensão, a exibição, a produção antecipada de provas, os alimentos provisionais, o arrolamento de bens, a justificação, o protesto, as notificações e as interpelações, a homologação do penhor legal, a posse do nascituro, o atentado, o protesto e apreensão de títulos.

Além dessas, por expressa disposição do art. 798 do CPC, o juiz poderá determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação, ou, são aquelas que não estão previstas expressamente no CPC, fazendo parte do poder geral de cautela do juiz, arts. 798 e 799 do CPC.

Após essas ligeiras noções com as medidas cautelares, é necessário saber qual o procedimento utilizado na obtenção transnacional de prova, ou seja, quando um Estado solicita a outro que obtenha ou produza determinada prova é necessário estabelecer observar-se-á o procedimento do Estado requerente ou do Estado requerido.

De maneira geral a Convenção de Haia de 1970[24], a Convenção Interamericana de 1975[25] e o Regulamento (CE) n.º 1206/2001[26] dão a mesma solução para a obtenção de provas pelo Estado requerido.

Em regra, os procedimentos atinentes à obtenção de prova, bem como os meios adequados para essa busca, são regidos pelo ordenamento jurídico do Estado requerido. Mas, o Estado requerente pode solicitar ao Estado requerido que utilize um procedimento especial, previsto no ordenamento daquele para a obtenção da desejada prova.

O Estado requerido, por sua vez, somente pode obstar tal requisição se o procedimento for completamente incompatível com seu ordenamento jurídico, ou por expressa proibição, ou violação da ordem pública; ou, então, por barreiras intransponíveis de ordem prática.

Aspecto questionado e não tratado pelos diplomas internacionais e comunitários, é a obtenção de prova pelo Estado requerido por meio que seja ilícito no Estado requerente. Nesse caso, a boa prática demanda que o Estado requerente determine na comunicação (carta rogatória, ou outro instrumento lícito de comunicação judicial) que o Estado requerido não utilize o meio de prova considerado ilícito, como forma de preservar a validade da prova que se deseja.

A Convenção de Haia de 1970 trata do procedimento das cartas rogatórias relativa à obtenção de provas no exterior.

O capítulo I da Convenção de Haia destina-se a disciplinar o procedimento das cartas rogatórias entre os Estados contratantes. O artigo 1º, por sua vez, delimita o objeto do capítulo em causa, prescrevendo que qualquer autoridade judicial de um Estado contratante (Estado requerente), em matéria civil ou comercial, pode requerer à autoridade judicial competente de outro Estado contratante (Estado requerido), por meio de carta rogatória, a obtenção de prova ou de qualquer outro ato judicial, de acordo com o ordenamento do Estado requerido.

Extrai-se do comando normativo em duas limitações ao objeto proposto: a primeira delas é que nenhuma carta rogatória deverá ser usada ou executada para obter provas que não se pretenda utilizar em um processo iniciado ou previsto; a segunda limitação lida em torno da expressão "outro ato judicial", para indicar que ela não se refere à citação ou notificação de atos judiciais[27], bem como à possibilidade de execução de sentença estrangeira, nem tampouco à execução de ordens provenientes de procedimentos cautelares, todas sujeitas à aplicação de outras Convenções de Haia.

Logicamente que o termo "outro ato judicial" deve ser interpretado restritivamente, uma vez que a própria Convenção limita sua área de incidência, excluindo certas matérias. Engloba, contudo, outros procedimentos contidos no ordenamento jurídico de determinados Estados requerentes e não previstos no ordenamento de outros Estados requeridos. Os exemplos mais citados entre nós são os procedimentos dos países de tradição common law, tais como o pre-trial Discovery [28], o pre-trial deposition, o perpetution of testemony e outros que não constem de nossos diplomas legais e que não estejam adstritos às limitações da própria Convenção.

Isso se justifica da seguinte forma: o artigo 9º, n.1, prevê que a lei aplicável à obtenção de prova fruto de uma carta rogatória será a do Estado requerido. Entretanto, o n. 2 do mesmo artigo abre a possibilidade do Estado requerente pedir que seja utilizado um procedimento especial, contido em seu direito interno, na obtenção de prova no Estado requerido, a menos que o procedimento seja incompatível com o direito interno deste, ou por razões de impossibilidade prática, ou por ferir sua ordem pública.

Aqui se adota a figura da entidade central ou autoridade central [28], que é o órgão que recebe as cartas rogatórias e as retransmite para as autoridades judiciais (Tribunais e juízes) competentes.

A Convenção prevê a flexibilização do meio de envio da carta rogatória, inclusive com a supressão da necessidade do envio da carta para a autoridade central, é o que se abstrai dos artigos 27 e 28. A alínea "a", do artigo 27, autoriza um Estado Contratante declarar que as cartas rogatórias devem ser transmitidas diretamente às autoridades judiciais por outros meios, distintos do contido no artigo 2º. (autoridade central). O artigo 28, neste sentido, permite que dois ou mais Estados Contratantes acordarem sobre os métodos de transmissão da carta rogatória de forma distinta da consagrada no artigo 2º.

Contudo, sendo utilizada a figura da autoridade central, cabe a ela fazer o juízo de admissibilidade da carta rogatória com relação à matéria e ao pedido. Caso considere que o pedido da referida carta extrapola o objeto da Convenção, deverá prontamente comunicar a autoridade judicial requerente, especificando as consequentes objeções.

A diversidade de ordenamentos jurídicos entre os Estados sempre foi um grande empecilho para a efetividade da cooperação judicial internacional, nomeadamente no que tange a obtenção transnacional de prova.

Nos procedimentos acerca da obtenção de provas no Brasil, distinguem-se duas situações. A primeira, como visto, é a forma tradicional, pela qual o pedido é formulado pela via da rogatória. A segunda, alude à possibilidade de que solicitações de cooperação, que não ensejem juízo de delibação, sejam encaminhadas pela via do auxílio direto. Pretende-se que, nos caso em que a autoridade estrangeira deseja informações sobre o andamento de processo no Brasil que não esteja sob segredo de justiça, não haja necessidade de se adotar a via da carta rogatória. Esta tampouco será exigida quando a solicitação de prova a ser produzida no Brasil demandar somente a cognição do juiz brasileiro, desde que não se trate de conferir eficácia a ordem emanada de juízo estrangeiro.

Assim, o auxílio direto serve para atos de cooperação que prescindam do exequatur do Superior Tribunal de Justiça, para os quais os juízes nacionais passam a ter inteira liberdade de apreciação e decisão. O instituto difere da carta rogatória porque nesta, a medida decorre de decisão da autoridade judicial estrangeira, tomada em processo do qual o juiz nacional não tem conhecimento ou, tampouco, qualquer poder além de conceder ou negar o cumprimento daquilo que lhe foi rogado.

Não será possível, contudo, a execução de ordem judicial estrangeira por meio do pedido de auxílio direto, sob pena de usurpar-se a competência constitucional do Superior Tribunal de Justiça. Todavia, quando o juiz nacional exerce inteira cognição do pedido, inaugurando uma ação autônoma no Brasil, verifica-se a cooperação jurídica pela via do auxílio direto, medida que se revela adequada em determinados casos, em muito contribuindo para a efetividade da prestação jurisdicional no âmbito internacional.

A tramitação do pedido de assistência legal, como se vê, acontece de maneira ágil e direta, sem a intervenção de tribunais superiores ou vias diplomáticas, em geral mais lentas.

Como já citado, segundo o Projeto do novo CPC, quando a obtenção de prova não decorrer de cumprimento de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira e puder ser integralmente submetida à autoridade judiciária brasileira, o pedido seguirá o procedimento de auxílio direto (art. 27).

Dispõe em seguida o texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010), que:

“Art. 28. O pedido de cooperação jurídica internacional terá por objeto:

I - comunicação de atos processuais;

II - produção de provas;

...

Esta importante inovação legislativa talvez tenha inspiração no sistema comunitário criado para cooperação entre os Estados-Membros da União Européia, nomeadamente a obtenção de provas em matéria civil ou comercial (Regulamento (CE) n. 1206/2001).

Neste sentido, supramencionado Regulamento, em seu artigo 10º, n.3, cuida da possibilidade de utilizar-se procedimento especial para obtenção de prova, não existente no Estado requerido, que atenderá ao pedido do Estado requerente, salvo se tal procedimento for incompatível com a lei do Estado-Membro requerido, ou por importantes dificuldades de ordem prática.

Não existe assim, no corpo do referido Regulamento a figura da carta rogatória propriamente dita, com todo o formalismo que esta exige. Em seu lugar existe um pedido, instrumentalizado por formulários, que pode ser enviado pelo meio mais rápido e visa a criação de um canal de comunicação direto entre Tribunais, eliminando todo tipo de burocracia que possa existir na aplicação desse diploma.

A relevância que vem assumindo essa espécie de cooperação internacional é demonstrada pelo surgimento, os últimos anos, de redes de cooperação, que têm como objetivo, precisamente, facilitar e acelerar a cooperação direta entre os Estados que as integram, provendo informações jurídicas e práticas que viabilizem a formulação correta dos pedidos de auxílio.[29]

Diante desse quadro, defendemos, como fundamental, a aplicação e o aperfeiçoamento do auxílio direto que propicia a concretização da obtenção transnacional de provas da maneira célere e mais eficiente possível, naqueles casos que não emanarem de cumprimento de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira.

Sobre o autor
Márcio Mateus Barbosa Júnior

Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário pela Universidade Católica de Brasília (UCB) com ênfase em Cooperação Jurídica Internacional em Matéria Civil, Especialista em Direito Empresarial e Contratos pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e Bacharel em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Atualmente é advogado, sócio fundador do escritório Barbosa, Lobo & Meireles Advogados (BL&M, Advogados, Brasil) e professor universitário na cadeira de Direito Processual Civil. Tem experiência e atua nas áreas do Direito Civil, Societário e Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA JÚNIOR, Márcio Mateus. O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto.: Contexto do direito brasileiro contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3153, 18 fev. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21134. Acesso em: 5 nov. 2024.

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