IV. A INEFICIÊNCIA BRASILEIRA, O AUXÍLIO DIRETO E AS NOVAS PERSPECTIVAS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NO DIREITO BRASILEIRO
Infelizmente, a resistência à cooperação jurídica internacional não se revela apenas na autoridade judiciária brasileira. As autoridades judiciárias e os sistemas jurídicos internos de todo o mundo são ainda muito avessos à integração internacional.
David McClean, Professor da Universidade de Oxford, testemunha que a cooperação internacional em matéria cível e criminal tem crescido "dramaticamente" nos últimos anos:[30]
The scale of that activity which forms the subject matter of this book, international co-operation in civil and criminal matters, has grown quite dramatically in very recent years. It increasingly engages the attention of lawyers in private practice, in the offices of corporate legal counsel, and in government service.
(...)
There is now a set of well-established techniques and procedures for co-operation in civil and commercial proceedings, together with a very much more recent growth of international agreements, bilateral, regional and multilateral, in which those techniques and procedures are extended and developed for use in the field of criminal investigations, prosecutions, and to trace and seize the proceeds of crimes. The latter area is developing so rapidly, and sees so many new initiatives, that its shape is still relatively unclear and the techniques are still being refined; but they are firmly based on the much longer experience gained through co-operation in the civil area.
É curiosa, nesse ponto, a observação lançada pela Conselheira da Carreira Diplomática Susan Kleebank, em sua obra Cooperação judiciária por via diplomática – avaliação e propostas de atualização do quadro normativo (Brasília: Instituto Rio Branco, 2004, p. 57/58), no sentido de que os problemas maiores se concentram no cumprimento das diligências requeridas pelo Brasil. Segundo ela, provêm dos juízos rogantes brasileiros a quase totalidade dos reclamos acerca das tramitações pendentes.
O problema que se coloca é, portanto, de envergadura mundial, mas, no Brasil, em especial, a par da preocupação revelada pelas nossas autoridades (Ministério da Justiça, Ministério das Relações Exteriores, Justiça Federal, Ministério Público e Escolas da Magistratura), nota-se uma expressiva evolução nos meios de cooperação jurídica internacional, como é o caso de admissibilidade do caráter executório das cartas rogatórias; da dispensa da intimação do interessado no cumprimento das cartas rogatórias passivas, quando dessa intimação prévia puder resultar a ineficácia da cooperação internacional, bem como e, sobretudo, da gradativa implantação da assistência direta ou auxílio direto.
No que se refere à celeridade dos procedimentos de concessão de exequatur às cartas rogatórias e homologação de sentença estrangeira, a transferência de competência do STF para o STJ, pelos resultados até então apresentados, foi positiva.
Parte dessas inovações inserem-se na Resolução n. 9, de 4.5.2005, do Superior Tribunal de Justiça, conseqüente à transferência da competência para a concessão do exequatur às cartas rogatórias, do Supremo Tribunal Federal para aquela Corte.
Não é demais lembrar que o STJ, em linhas gerais, manteve o acervo jurisprudencial de há muito construído pela Suprema Corte, que lhe tem servido de guia. As modificações introduzidas objetivaram agilizar e modernizar o trâmite das comissões rogatórias aqui aportadas. Verdade é que o Excelso Pretório permanece exercendo o controle excepcional das decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, seja por meio do habeas corpus (bastante utilizado), seja por meio do recurso extraordinário.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi criado em 1988, em substituição ao antigo Tribunal Federal de Recursos. Atualmente, é composto por 33 ministros nomeados pelo presidente da República, após aprovação do Senado Federal. É o número mínimo previsto no art. 104 da Constituição Federal.
Registre-se que, ao longo destes 22 (vinte e dois) anos e a despeito da crescente demanda jurisdicional, o Superior Tribunal de Justiça sempre manteve intacto o número de seus ministros.
O número de processos distribuídos em 2010 no Superior Tribunal de Justiça teve queda de 21,6% em relação ao ano anterior. O Boletim Estatístico[31] da Corte, divulgado no dia 21/01/2011, revelou também que os ministros conseguiram reduzir em 10% o seu estoque, que passou de 212.446 processos para 192.802. A produtividade foi praticamente a mesma.
A despeito do progresso quanto ao número de julgamentos, o STJ continua sendo ineficiente e absurdamente lento na prestação da Justiça quando a matéria é Cooperação Jurídica Internacional.
Com sua imediata vigência e sem normatização de suas disposições, repentinamente, viu-se o STJ com novos processos sobre a mesa, imaginando os interessados que tudo andaria sem atropelos. Não nos enganemos[32]. A sobrecarga de trabalhos que recai sobre o STJ é tão grande, quanto aquela que onera o STF e muita coisa ainda deverá ser feita em prol da reforma do Judiciário.
A concentração em tribunal superior, no caso, STJ, do reconhecimento dos atos estrangeiros, inviabiliza a eficácia da prestação jurisdicional célere.
Neste sentido, a Constituição de 1988, em sua redação anterior à Emenda Constitucional n° 45/04, autorizava textualmente, no artigo 102, inciso I, alínea “h”, que o Regimento Interno do STF conferisse ao Presidente da Corte a competência para a homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur, o que, de fato, passou a constar no artigo 2° do Regimento Interno do STF.
A Emenda Constitucional n. 45/04, contudo, não previu disposição semelhante na alínea “i”, inserida do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, silenciando a esse respeito. Inobstante isso, a Resolução n. 09/05 do STJ manteve a sistemática procedimental constante do RISTF, ao prever, no artigo 2°, a competência do Presidente para a homologação de sentença estrangeira e concessão de exequatur.
Com efeito, todos os processos de homologação de sentença estrangeira instaurados são diretamente remetidos ao Presidente do STJ. Somente no caso de oferecimento de contestação pelo requerido ou impugnação pelo Ministério Público será o processo distribuído para um dos Ministros integrantes da Corte Especial do STJ, que será designado Relator, na forma do parágrafo 1° do artigo 9° da Resolução, passando a presidir o processo.
Todavia, não havendo impugnação, o Presidente do STJ irá presidir todos os atos praticados ao longo do processo e, ao final, julgá-lo.
Assim sendo, cumpre destacar que a concentração de todos os processos de homologação de sentença estrangeira - assim como as cartas rogatórias - sob a direção do Presidente do STJ, ainda que seja em sua fase inicial, anterior à impugnação, enseja inegável sobrecarga da Presidência do Tribunal, que já concentra inúmeras outras funções. A manutenção desse mecanismo, outrora previsto no RISTF, decerto comprometerá a almejada celeridade dos processos de homologação de sentença estrangeira, o que poderia ser evitado com a nova regulamentação dispensada à matéria[33].
O sistema atual, extremamente formalista e burocrático, inviabiliza a adoção de providências básicas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sendo muito mais razoável, que se outorgassem competências aos juízes de 1º grau, internamente competentes para tratar as mesmas matérias.
No mesmo sentido e como já afirmado, prejudicada estará a celeridade nos procedimentos de Cooperação Jurídica Internacional em função de recursos constitucionais, onde algumas decisões do STJ poderão desaguar no STF, em casos de questão constitucional de repercussão geral[34].
Do mesmo modo, a solução no sentido de distribuir os processos de homologação de sentença estrangeira contestados para um dos Ministros integrantes da Corte Especial, que será designado relator do processo, tampouco contribui para a celeridade do processo. De fato, melhor seria que a Resolução tivesse previsto a distribuição dos processos de homologação para uma das Turmas do E. STJ. Com isso, o número de Ministros competentes para o julgamento dos processos seria maior, contribuindo para o seu pronto desfecho.
Nesse caso, será observada a competência do E. Superior Tribunal Justiça, sendo certo que não há qualquer restrição na Emenda Constitucional n. 45/04, e, de resto, na Constituição Federal, que obste o julgamento dos processos de homologação de sentença estrangeira pelos Ministros integrantes da aludida Corte Superior. Ao contrário, entendemos que a interpretação sistemática da Emenda Constitucional n. 45/04 conduz justamente à solução ora esposada, tendo em vista que prestigiou, em diferentes dispositivos, a celeridade processual, a ponto de instituir, no novo inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição Federal, a garantia da duração razoável do processo.
O ilustre jurista José Carlos Barbosa Moreira chega a afirmar que qualquer lei cuja aplicação venha a atuar em detrimento da garantia constitucional da duração razoável do processo deve ser tida como incompatível com a Constituição Federal, sendo, portanto, inválida. Do contrário, a norma constitucional acabará perdendo efetividade e sendo tratada, em última análise, como norma programática, o que deve ser evitado[35].
Diante disso, entendemos que o julgamento dos processos pelos Ministros integrantes das Turmas do E. STJ consiste em solução consentânea com os escopos da Emenda Constitucional onde se encontra inserida a alteração ora em comento, além de não ferir a competência constitucional atribuída ao STJ, sem quaisquer ressalvas ou restrições.
Com efeito, considerando-se que a previsão da competência do STJ para a homologação de sentença estrangeira encontra-se prevista na EC n. 45/04, a mesma que estabeleceu a garantia da duração razoável do processo, decerto a manutenção da competência do Presidente do Tribunal Superior para o julgamento de todos os processos de homologação em que não haja contestação ou impugnação compromete o ideal de celeridade.
Por outro lado, alternativas internas já foram implementadas. Modificando o entendimento antes firmado pelo E. STF, tem-se que a Resolução n. 09/05 do STJ, ao aludir à tutela de urgência no parágrafo 3° do artigo 4°, contemplou tanto a concessão de tutela cautelar quanto de tutela antecipada.
De fato, tal medida se coaduna com o escopo de celeridade que inspirou a edição da Emenda Constitucional n. 45/04.
Contudo, enquanto a prodigalidade recursal e o excesso de demandas abarrotam o Judiciário brasileiro, a cooperação jurídica requerida por outros países não é atendida a tempo e modo esperados.
No entanto, tendo em vista que a Resolução n. 09/05 regula a matéria em caráter provisório, ainda resta a expectativa de que, ao disciplinar a matéria em seu Regimento Interno, o E. STJ disponha diversamente.
Em nosso entendimento, o auxílio direto sinaliza um novo caminho e alternativa para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.
Neste aspecto, entendemos que, à luz da Constituição Federal, poderá um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, ser provocado no interesse de estado alienígena em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.
Para um país que se afirma como líder regional e busca maior credibilidade no contexto internacional, é salutar que a cooperação judiciária internacional permaneça na ordem do dia, sofrendo as críticas que induzem ao aperfeiçoamento.
O estado democrático de direito exige prestação jurisdicional, célere, útil e efetiva; e, no mundo globalizado atual, não há como se obter efetividade sem a cooperação internacional, que funciona, pois, como instrumento viável à efetividade das decisões judiciais e como mecanismo garantidor de amplo acesso à justiça.
Neste viés, independentemente da concessão de tutela de urgência nos casos em que for cabível, espera-se que, com a previsão da competência do STJ, os procedimentos de homologação de sentença estrangeira, concessão de exequatur em cartar rogatórias e deferimento de auxílio direto, recebam tratamento ágil e sejam julgados em tempo razoável, representando um verdadeiro avanço, como foi o ideal perquirido pelo constituinte derivado e como esperam os operadores do Direito e os jurisdicionados.
V. CONCLUSÃO
Desenhada pela necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional.
Nesta perspectiva, a presente pesquisa propôs-se a identificar e avaliar a postura das autoridades judiciárias brasileiras frente ao fenômeno da Cooperação Jurídica Internacional, bem como considerar se pode um juízo nacional ser provocado no interesse de estado estrangeiro em cooperação jurídica internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.
Observou-se que a cooperação judicial precisa acompanhar a crescente internacionalização das relações econômicas e sociais, e desenvolver mecanismos que permitam o máximo de agilidade no trâmite internacional das referidas medidas. A necessidade de uma providência internacional no curso de um processo judicial não pode ser prejudicada em sua viabilidade pelo elevado custo ou tempo de duração.
O procedimento denominado "auxílio direto" ou "assistência direta" é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional e sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ.
Com a insuficiência dos métodos clássicos de cooperação jurídica internacional, os Estados viram-se diante da necessidade de criar mecanismos ainda mais arrojados de colaboração interestatal. Surgiu, então, uma nova forma de cooperação, mais versátil e compatível com a era atual, que se convencionou chamar de Auxílio Direto (ou cooperação judiciária internacional stricto sensu).
O art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, dispôs sobre o cabimento do auxílio direto. No mesmo sentido, guiado pelos reiterados posicionamentos jurisprudenciais, o texto do substitutivo do novo CPC, trouxe em artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto.
Percebeu-se que podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada.
Semelhantemente, a coleta da prova transnacional, que não decorrer de cumprimento de decisão do estado de origem, pode se fazer diretamente pela autoridade judiciária brasileira, podendo ser colhida por autoridade administrativa.
O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional, poderia ser denominado “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública, poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”.
A relevância que vem assumindo essa espécie de cooperação internacional é demonstrada pelo surgimento, os últimos anos, de redes de cooperação, que têm como objetivo, precisamente, facilitar e acelerar a cooperação direta entre os Estados que as integram, provendo informações jurídicas e práticas que viabilizem a formulação correta dos pedidos de auxílio.
Diante desse quadro, defendemos, como fundamental, a aplicação e o aperfeiçoamento do auxílio direto que propicia a concretização da obtenção transnacional de provas da maneira célere e mais eficiente possível, naqueles casos que não emanarem de cumprimento de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira.
Em linhas conclusivas, entendemos que o auxílio direto sinaliza um novo caminho para evitar o colapso da máquina judiciária brasileira e para que o STJ possa cumprir efetivamente o seu dever institucional de, com presteza e celeridade, dar resposta efetiva aos pedidos de Cooperação Jurídica Internacional.
Neste aspecto, à luz da Constituição Federal, poderá um juízo nacional, que não seja o STJ ou mesmo uma autoridade administrativa, em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, ser provocado no interesse de estado estrangeiro em Cooperação Jurídica Internacional em matéria civil, via o procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.
Diante das demandas do mundo atual, resta ao nosso país adequar-se às inovações do direito internacional contemporâneo. Para isso, não se pode ignorar instrumentos, como o auxílio direto, que se propõem a diminuir distâncias, agilizar procedimentos, evitar a burocracia desmedida, respeitando, sempre, princípios básicos como a soberania, a ordem pública e os costumes nacionais.
Concluímos que a despeito do progresso quanto ao número de julgamentos, o STJ continua sendo tímido, ineficiente e absurdamente lento na prestação da Justiça quando a matéria é Cooperação Jurídica Internacional.
Com o objetivo de acompanhar este brusco aumento de questões jurídicas transnacionais, constatamos o avanço da cooperação jurídica internacional, estreitando as relações entre os países, através da intensificação da assinatura de tratados, convenções e protocolos, nos quais se celebra a reciprocidade, o auxílio mútuo.
Mas não basta celebrar bons acordos e editar novas leis. É fundamental desenvolver entre nossos juízes e operadores do Direito uma cultura de cooperação internacional. Não podemos mais formar gerações de juristas ensimesmados no direito interno, desatentos aos aspectos internacionais da problemática jurídica.
O direito é estatal, mas a sociedade é global. Ou aprendemos a promover uma cooperação jurídica internacional célere e eficiente ou continuaremos a testemunhar a impotência do Estado diante dessa nova sociedade.
Não obstante o conspícuo e nobre argumento apresentado, o remendo constitucional apenas mudou o problema de lugar. No atual cenário vislumbra-se uma inundação de novos processos no Superior Tribunal de Justiça que agora concentra a competência para a concessão de exequatur às cartas rogatórias e para a homologação de sentenças estrangeiras. Obviamente, esta Corte possui um número muito maior de ministros, que, contudo também se encontram absolutamente assoberbados, tais quais os excelentíssimos congêneres da outra Casa. O sistema processual brasileiro, infelizmente, parabeniza à profusão de recursos protelatórios que se alastram durante anos, às vezes décadas, em todas as instâncias do Poder Judiciário e não poupam, naturalmente, os tribunais superiores.
Sob tal prisma, torna vital que nossos juízes estejam conscientes de suas imensas responsabilidades quanto à efetividade da cooperação internacional. Muito mais que um compromisso moral (a velha comitas gentium), a cooperação internacional tornou-se obrigação jurídica (art. 4º da Constituição) e imperativo de convivência civilizada entre os povos, que preserva e efetiva, no plano internacional, os valores fundamentais de justiça e solidariedade.