RESUMO
Propõe-se a expor os lindes normativos do princípio da confiança, trabalhando suas bases constitucionais, suas implicações com o princípio da boa-fé, os pressupostos de sua aplicação, os graus de aplicação e sua eficácia negativa e positiva. Será objeto de explanações ainda o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e alguns princípios fundamentais que informam o Direito Ambiental. Explanam-se, daí, as duas principais teorias que tratam dos conflitos ou concorrência de direitos fundamentais, isto é, a teoria interna e a teoria externa. Em seguida, descrevem-se diversas situações em que esses postulados são vistos em fricção, com destaque para o tratamento a elas dado pela doutrina e pela jurisprudência, em especial a do Superior Tribunal de Justiça. O objetivo, ao fim, é demonstrar a primazia ou prevalência do direito ao equilíbrio ambiental sobre o direito de tutela da confiança.
PALAVRAS-CHAVE
Princípio da confiança. Segurança jurídica. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Função social da propriedade, do contrato e da empresa. Princípio da ubiquidade. Colisão de direito fundamentais. Teoria interna. Teoria externa. Coisa julgada ambiental. Direito adquirido e ato jurídico perfeito. Prescrição e decadência. Venire contra factum proprium. Surrectio. Supressio.
S U M Á R I O: 1. INTRODUÇÃO. 2. O ÂMBITO NORMATIVO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA. 2.1. Noções iniciais. 2.2. Bases constitucionais. 2.3. Implicações com o princípio da boa-fé. 2.3. Pressupostos de aplicação da tutela da confiança. 2.4. Graus da confiança legítima. 2.5. Eficácia positiva e negativa. 3. O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL E POSTULADOS FUNDAMENTAIS DECORRENTES. 3.1. O direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 3.2. Função social da propriedade, do contrato e da empresa.3.3. O princípio da ubiquidade. 3.4. Outros princípios relevantes . 4. COLISÃO OU CONCORRÊNCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E TEORIAS PARA SUA SOLUÇÃO . 4.1. Teoria externa e juízo de ponderação. 4.2. Teoria interna e juízo de adequabilidade. 5. SITUAÇÕES DE COLIDÊNCIA ENTRE OS DIREITOS À PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DO MEIO AMBIENTE . 5.1. Coisa julgada ambiental . 5.2. Direito adquirido e ato jurídico perfeito. 5.3. Prescrição e decadência. 5.4. Venire contra factum proprium. 5.5. Surrectio e supressio. 6. CONCLUSÃO.7. BIBLIOGRAFIA
1. INTRODUÇÃO
Parece fértil o interesse, em tempo recente, da doutrina e da jurisprudência, sobre o princípio da confiança, que vem de ocupar espaço em textos de juristas de revistas especializadas e em manuais de Direito, especialmente os de Direito Civil e Administrativo, e até nos votos dos integrantes dos tribunais superiores do país.
O enfoque e a quizila que se percebem têm o valor de trazer à discussão, em solo e letras jurídicas nacionais, o âmbito de alcance e de proteção desse princípio, que se tem como basilar para a noção do Direito e para a vida social em geral.
Calha, então, por certo, antes que um fetiche do princípio venha a alavancá-lo a uma posição superior em relação aos demais que regem a realidade social, econômica e política deste país, tecer considerações sobre os limites ou restrições que se põem à eficácia concreta desse postulado.
Mais que oportuno, então, levantarmos outro princípio jurídico, que talvez ocupe um aproximado status de novidade para os operadores do direito: o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. De conquista e assimilação recente, há quase 40 (quarenta) anos nos círculos do discurso jurídico, desde a sua inserção na Declaração de Estocolmo, das Nações Unidas, em 1972, vem também sendo lembrado com bastante frequência nos escaninhos judiciais e administrativos e, também, legislativos, devido a sua essencial ou vital importância, pois afeto à própria sobrevivência da espécie humana e da vida como um todo em nosso planeta.
O propósito, pois, é traçar os lindes normativos de ambos os princípios e dissertar sobre os limites que um e outro podem opor ao âmbito de incidência de cada qual.
No meio disso, mister será esboçar as principais teses que o conhecimento jurídico vem levantando, neste início de século, sobre a solução para os casos de colisão entre direitos fundamentais, extraídos da Constituição, quando então ladearemos as teses da ponderação entre valores, tal como preconizada por Robert Alexy, e da teoria da integridade do direito, conforme esposada por Ronald Dworkin.
Em seguida, avançaremos nos pontos de (aparente) colidência mais sobressalentes, na doutrina e na jurisprudência, entre ambos os postulados, entre os quais o da incidência da coisa julgada que vulnera o meio ambiente, o de direitos adquiridos contra a natureza, o da incidência da decadência e da prescrição sobre situações jurídicas erguidas de modo afrontador ao meio ambiente, além de outros.
Ao fim, intenta-se concluir que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado goza de uma posição de primazia ou prevalência sobre o direito de proteção à confiança legítima, de modo que o primeiro só cederá espaço, no caso concreto, para o segundo, quando a lógica do melhor argumento - ou do maior peso - estiverem em favor do dever de tutela da confiança.
2. O ÂMBITO NORMATIVO DA CONFIANÇA LEGÍTIMA.
2.1. Noções iniciais.
O princípio da proteção da confiança legítima, também denominado simplesmente princípio da confiança[1], propugna a previsibilidade e calculabilidade de comportamento. Possibilita às pessoas a semeadura de um solo seguro para planejar e organizar sua vida, sem que possa ser vitimada por condutas abruptas e incoerentes dos atores sociais com quem relaciona. Consubstancia-se no dever de proteção à crença que se efetiva a partir do agir do outro. Ele porta uma vedação de não comportar-se de modo lesivo às expectativas geradas na contraparte, a partir da cadeia de contatos e interlocuções ou de um único entrelaçar comunicativo.
De acordo com a doutrina[2], a proteção da confiança legítima detém duas funções primordiais no ordenamento: i) atua como uma proteção das legítimas expectativas; e ii) como justificativa da vinculabilidade das partes à relação jurídica.
2.2. Bases constitucionais.
O estudo sobre o princípio da confiança não pode prescindir, com certa urgência, de um exame de suas fontes constitucionais, em ordem a adorná-lo com as cores do constitucionalismo pós-moderno, voltado para a efetivação das normas constitucionais, sejam elas regras ou princípios.
A primeira lição que desponta é a de J.J. Gomes Canotilho, quem, já de longa data, antevia no princípio da confiança a face subjetiva do princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, porque integrante do sobreprincípio do Estado de Direito. Quer-se dizer que a segurança jurídica não se resume à estabilidade ou imutabilidade das situações jurídicas que se constituem no mundos dos fatos, mas abarca também a proteção da confiança nos atos do Estado e dos particulares, na forma em que são exteriorizados e no modo em que surtem os efeitos previstos na norma jurídica. Eis as palavras do constitucionalista português:
“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideravam os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança como elementos constitutivos do Estado de Direito. Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados, a ponto de alguns autores considerarem o princípio da proteção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada como elementos objetivos da ordem pública – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos.” ”[3]
Nesse mesma linha, Almiro do Couto e Silva ensinava em seu célebre texto sobre a regência do princípio da confiança no Direito Administrativo:
“A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva.
A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos frequentemente têm servido de inspiração ao direito brasileiro, tal proteção está há muito incorporada à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no art. 5º., inciso XXXVI.
A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.”[4]
A visão corrente, noutro compasso, do princípio em apreço, permite enxergá-lo no viés mais alargado do que o da segurança jurídica, já que enseja proteção às pessoas que confiam para além das relações jurídicas que se consubstanciam em direitos formalmente reconhecidos, em atos jurídicos perfeitos ou mesmo em sentenças transitadas em julgado. A confiança, e a sua tutela, como se verá adiante, surge desde o contato social e passa pela proteção das legítimas expectativas surgidas em tratativas preliminares ou procedimentos preparatórios ou anteriores ao início da situação ou relação jurídica.
Noutro vértice, o postulado da confiança se tira também do princípio da solidariedade social. Assim é que, no inciso I do seu art. 3º, a Carta Magna de 1988 indica e prioriza, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Convoca ela, ademais, os destinatários das normas constitucionais, Sociedade e o Estado, à fraternidade ao perseguir a erradicação da pobreza e a marginalização, e a redução de desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III).
Essa norma-vetor estatui o dever de respeito, consideração e cooperação dos atores sociais, indivíduos, pessoas públicas ou privadas, físicas ou jurídicas, em busca do bem comum e da realização do ser humano segundo os projetos de vida boa de cada um. A solidariedade impõe aos sujeitos o respeito à condição do outro, suas expectativas e interesses, que passa a ser visto como copartícipe do processo de desenvolvimento coletivo, promovendo-se a dignidade e a humanidade de todos. Não há dúvida, pois, que ela implica em condicionar a atuação dos sujeitos à proteção das legítimas expectativas de confiança dos outros com quem relaciona.
Cumpre ainda referir à noção da confiança como princípio ético-jurídico que se extrai de maneira implícita do sistema normativo. Diz-se que a tutela da confiança se deduz da tábua de valores extraídos das letras constitucionais, segundo a racionalidade que nelas se coloca, e também de normas e postulados explicitamente dispostos no texto da Constituição e da legislação infraconstitucional. Eis pois alguns institutos a partir dos quais, entre outros, se infere esse postulado, segundo inclusive a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal[5]: (i) a decadência, que extingue o direito potestativo de uma parte em rever ou anular uma relação jurídica; (ii) prescrição, que atinge os direitos subjetivos, a exigirem uma prestação da contraparte; (iii) preclusão, que é a perda da faculdade de realizar um determinado ato processual, pelo decurso do tempo, por haver já praticado o ato e pela prática de um outro com o anterior incompatível; (iv) a coisa julgada, ou seja, a intangibilidade da sentença judicial passada em julgado; (v) direito adquirido e (vi) ato jurídico perfeito.
2.3. Implicações com o princípio da boa-fé.
Eis um ponto em que se apresenta certa discussão acerca da existência de identidade ou não dos conceitos da confiança e da boa-fé na teoria do Direito.
A começar pela origem germânica da boa-fé, na expressão Treud und Glauben, põe a doutrina tedesca esse princípio como o dever de não frustrar a confiança depositada no tráfego. Assim vão as palavras de Karl Larenz:
“El principio de la “buena fe” significa que cada uno debe guardar “fidelidade” a la palabra dada y no defraudar la confianza o abusar de ella, ya que ésta forma la base indispensable de todas as relaciones humanas; suppone el conducirse como cabia esperar de cuantos com pensamiento honrado intervienen em el tráfico como contratantes o participado en él em virtud de otros vínculos jurídicos.”[6]
Uma corrente doutrinária propugna que a boa-fé objetiva e confiança legítima são conceitos que se identificam e confluem no dever geral de lealdade no tráfego jurídico. Judith Martins Costa, a seu turno, observa a boa-fé como uma confiança adjetivada ou qualificada como boa, isto é, como justa, correta ou virtuosa[7]. Autores outros enxergam na confiança uma transcendência sobre a boa-fé, a refletir sobre todo o Direito.
Com José de Oliveira Ascensão[8], entende-se que se cuidam de conceitos próximos, mas sem relação de identidade ou decorrência. A boa-fé objetiva representa um padrão de conduta cooperativo e de respeito aos interesses legítimos de ambas as partes na relação. A confiança funda-se no dever de não frustrar legítimas expectativas depositadas nas condutas de outrem, que devem ser mantidas, pena de responsabilidade.
A base comum de ambas, de qualquer modo, está no princípio constitucional da solidariedade social, de que exalam os deveres de cooperação, respeito mútuo e proteção da fé depositada no agir.
2.4. Pressupostos de aplicação da tutela da confiança.
Para que a confiança seja tutelada, basta o contato social e o agir conforme as normas legais ou consuetudinárias e as práticas sociais geralmente aceitas. Todavia, em estágios mais avançados da confiança, em que as relações ganham maior proximidade ou concretude, necessário será o atendimento a requisitos mais específicos.
Anderson Schreiber, em seu livro A Proibição do Comportamento Contraditório, resume os componentes da situação fática que faz incidir o princípio em tela[9]: (i) a ocorrência de um fato próprio, ou seja, uma conduta inicial; (ii) a legítima confiança de outrem no sentido objetivo desta conduta; (iii) um comportamento contraditório com este sentido objetivo (e, por isto mesmo, violador da confiança); e (iv) um dano ou, no mínimo, um potencial de dano a partir da contradição.
José de Oliveira Ascensão também arrola, a partir de um certo consenso que grassa na doutrina e na jurisprudência portuguesas, os elementos para incidência da confiança[10], que são: i) a confiança deve fundar-se na conduta de outrem; ii) ela deve ser justificada; iii) o agente deve ter feito o chamado investimento de confiança; e iv) há um comportamento que frustra a confiança criada e as providências nela fundadas.
2.5. Graus da confiança legítima.
O princípio da confiança surge entre os atores sociais em graus e níveis diversos, à medida que suas relações se tornam mais próximas ou se prolonguem no tempo.
Assim é que o grau mínimo da confiança legítima tem lugar com o contato das pessoas, a partir da vida social, independentemente de uma relação ou situação jurídica que as ligue diretamente. Surge aqui a figura do homem médio, aquele que cumpre as normas legais e costumeiras de um determinado Estado e sociedade e espera – e confia - que os demais também as cumpram.
Esse grau de confiança é bastante lembrado no Direito Penal como critério de exclusão da imputação de resultados lesivos a quem atuou confiança em que outros se manteriam dentro dos limites da prática aceita e reiterada. Conforme Francisco de Assis Toledo,
“Se o dever objetivo de cuidado se dirige a todos, é justo que se espere de cada um o comportamento prudente e inteligente, exigível para uma harmoniosa e pacífica atividade no interior da vida social e comunitária. Seria absurdo que o direito impusesse aos destinatários de suas normas comportamentos de modo desconfiado em relação ao semelhante, todos desconfiando de todos. Assim, admite-se que cada um comporte-se como se os demais se conduzissem corretamente. A esse critério regulador da conduta humana se denomina princípio da confiança. Para a determinação em concreto da conduta de um, não se pode, portanto, deixar de considerar aquilo que seria lícito, nas circunstâncias, esperar-se de outrem, ou melhor, da própria vítima”[11]
O grau médio da confiança é o que mais tem atraído a atenção dos estudiosos em termos hodiernos. A confiança passa a ter consequências jurídicas numa fase anterior à da concretização de uma relação jurídica, como um contrato ou um ato administrativo, haja vista os investimentos e as expectativas depositadas por uma contraparte no ato do outro. Ela informa e conforma institutos que tem despertado interesse atual, como a responsabilidade pré-contratual[12] e o dever de nomeação de candidatos aprovados em classificação que abranja as vagas previstas em edital de concurso público[13].
O grau médio também se manifesta na teoria da confiança que surgiu como critério de interpretação dos atos e negócios jurídicos, inclusive os normativos, nos termos do art. 112 do Código Civil, donde se tira que o exato sentido dos textos negociais - e legais, acresça-se - é definido pela sua prática objetiva e efetiva pelos envolvidos e não pelo que consta do papel.
A confiança assume, por último, um grau máximo quando decorrente de uma situação jurídica que se consubstancia em um ato ou negócio jurídico, que se consolida pelo decurso do tempo, como nos caso de prescrição e decadência, ou, ainda, que vem de ser reconhecida e declarada em sentença judicial transitada em julgada.
Os contornos assumidos pela confiança, nesses diferentes graus, no âmbito do Direito Ambiental, terão sobre si um relativo aprofundamento no Capítulo 5 deste trabalho.
2.6. Eficácia negativa e positiva.
A eficácia negativa do princípio da confiança carrega a vedação a que uma parte numa relação se volte contra uma legítima expectativa de confiança por ela despertada em outrem. Ela se consubstancia na chamada teoria dos atos próprios, que, no direito francês, significa que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua anterior conduta interpretada objetivamente. Está presente no postulado da irretroatividade das leis penais e tributárias, quando afetarem negativamente os réus e contribuintes, respectivamente. Também se manifesta no princípio do venire contra factum proprium, que repele o comportamento contraditório[14].
Já a eficácia positiva revela-se de extraordinário e relevante âmbito e alcance sobre a esfera de direitos dos cidadãos. Ela recomenda a particulares e até ao Poder Público que adote postura firme e segura no agir, de modo a permitir às contrapartes estabilidade em seus projetos de vida. Rechaça os comportamentos imprecisos e indecisos das partes. Preconiza a adoção de normas ou condutas de transição, quando os atores ensaiam modificar um postura anteriormente adotada, como ocorre na interpretação dada à Constituição ou à lei pela Administração Pública, pelo Poder Judiciário ou pelo próprio Legislativo[15]. Mais ainda, num projeto de Estado Constitucional e Democrático de Direito, estatui o dever de todos, Estado e sociedade, de cumprir com seu papel na consecução dos fins comuns, como o bem estar de todos e a promoção e proteção dos direitos humanos fundamentais, concretizando um ideal de cidadania e realização da pessoa humana, sem qualquer distinção.
Nessa linha de ideia, propugna Judith Martins Costa que:
“... o princípio da segurança jurídica vem relacionado a outro tipo de confiança, a outra lógica da confiança: não apenas confia-se na inação estatal, a fim de não perturbar o espaço da livre-iniciativa econômica; confia-se também na racionalização do poder do Estado e na sua ação, tendo em vista o interesse (que é social e coletivo, e não meramente individual) no livre desenvolvimento da personalidade dos indivíduos.
Com efeito, a personalidade humana, considerada em seus aspectos existenciais, protegidos, em larga medida, no catálogo dos direitos fundamentais, mas também nas leis infraconstitucionais, é o bem jurídico fundamental por excelência. Proporcionar as condições para o seu desenvolvimento livre na vida comunitária é também dever de atuação do Poder Público. A confiança do cidadão na Administração Pública vem aí relacionada a um dever que se desdobra, que se bifurca, conferindo dois sentidos diversos a um mesmo sintagma: boa-fé – a Administração deve não apenas resguardar as situações de confiança traduzidas na boa-fé (crença) dos cidadãos na legitimidade dos atos administrativos ou na regularidade de certa conduta; deve também agir segundo impõe a boa-fé, considerada como norma de ?conduta, produtora de comportamentos ativos e positivos de proteção[16]”.
Na esfera ambiental, a eficácia positiva da confiança inspira o princípio da vedação ao retrocesso ecológico, a preservar a estrutura normativa vigente contra alterações ou propostas de reformas que possam diminuir seu espectro de eficácia e tutela do meio ambiente.