3. O DIREITO À PROTEÇÃO AMBIENTAL E POSTULADOS FUNDAMENTAIS DECORRENTES
3.1. O direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A proteção ao meio ambiente começa a estruturar-se juridicamente com a Declaração da Conferência das Nações Unidas – ONU sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo em 1972, quando foi proclamado:
“1. O homem é criatura e criador de seu ambiente, o qual lhe dá sustento material e lhe oferece oportunidade para desenvolver-se intelectual, moral, social e espiritualmente (...) Os dois aspectos do ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive do próprio direito à vida.
2. A proteção e a melhoria do ambiente humano é uma questão principal que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico de todo o mundo; um desejo urgente dos povos do mundo inteiro e dever de todos os governos.”
Esse instrumento internacional, expedido no âmbito da ONU, não detém força obrigatória, já que não consubstanciado em tratado com força vinculante para os Estados membros da organização. Tampouco há consenso sobre se os princípios nele adotados configuram direito consuetudinário internacional ou norma de jus cogens, de igual força vinculante no âmbito da sociedade internacional.[17]
Certo, todavia, é que as disposições da Declaração de Estocolmo exerceu grande influência sobre o legislador constituinte brasileiro de 1988, que preconizou o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado na seguinte forma:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Com essa estipulação, o meio ambiente passou a ser tido como direito fundamental, a despeito de não vir expresso nos artigos 5º a 17 da Carta Magna, que cuidam do assunto. Essa inferência de relevo é resultante da sua íntima ligação com o direito à vida, insculpido no caput do citado art. 5º, além da disposição expressa no § 2 desse mesmo dispositivo, em que fica patente que os direitos e garantias previstos na Constituição não excluem outros que sejam decorrentes do regime por ela adotado e dos tratados internacionais de que o Brasil seja parte.
Esse postulado jusfundamental é explicitado por Paulo Affonso Leme Machado na conservação das propriedades e das funções naturais do meio ambiente, de modo a permitir a existência, a evolução e o desenvolvimento dos seres vivos.[18]
Marcelo Abelha aduz que esse direito tem por objeto um bem imaterial, o meio ambiente ecologicamente equilibrado, que resulta da combinação de diversos fenômenos e reações de ordem química, física e biológica, provocados por diversos fatores, bióticos (fauna, flora e diversidade biológica) e abióticos (ar, água, terra, clima, etc.), componentes presentes no planeta Terra[19].
O bem ambiental possui características que necessitam ser explicitadas para o fim de apontar, mais adiante, sua primazia em relação à maioria dos direitos, inclusive o de proteção da confiança, em vista de sua essencial relação com a vida sadia.
A proteção ambiental se volta para o macrobem, que é o próprio equilíbrio ecológico, e os microbens, que são os fatores bióticos e abióticos. Ambos são naturalmente indivisíveis: eles não se repartem sem que isso redunde em alterações de suas propriedades. O bem ambiental, além de indivisível, é ubíquo por não encontrar fronteira espacial ou territorial, limite ou paredes que o isolem. É inerente a ele ainda a instabilidade, eis que qualquer variação de algum de seus componentes bióticos ou abióticos, por menor que seja, pode lhe causar sério desequilíbrio. Os bens ambientais, suas potencialidades e características são incognoscíveis ao homem, que a cada dia realiza sobre ele novas descobertas sem que tenha atingido uma compreensão plena de sua essência e funcionalidade. Sua titularidade, ainda, é difusa, de propriedade, uso e posse de cada um e de todos ao mesmo tempo. Tem-se, ainda, a reflexibilidade do bem ambiental, pois que sua lesão pode afetar outros direitos privados [20].
3.2. Função social da propriedade, do contrato e da empresa.
Seguindo na seleção de princípios ambientais que interessam ao cotejo de direitos fundamentais que se faz, calha elucidar um pouco sobre o princípio da função social da propriedade, a que aludem os artigos 5º, inc. XXIII; 170, III, 182, § 2º, e 186 da Constituição da República Federativa do Brasil.
Quer significar que o direito de propriedade se exerce em prol de seu titular, tendo aqui um caráter individual esse direito, mas também em prol da coletividade, surgindo daí o seu conteúdo coletivo. Não se cuida, é certo, de uma limitação externa ao direito de propriedade, senão de uma disposição que é endógena e inerente à própria propriedade. A função social alcança, então, a posição de quinto atributo da propriedade, ao lado do uso, gozo, disposição e reivindicação. Diz-se, hodiernamente, de consequência, que não existe propriedade quando seu uso não está conforme sua função social.
A proteção ao meio ambiente está inserida na função social da propriedade, por tratar-se ele de um bem de uso comum e, portanto, social. Assim quis e dispôs o legislador ordinário quando tratou desse direito no Código Civil de 2002:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
§ 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
Vê-se, pois, que a propriedade será legítima somente se seu exercício estiver em consonância com as normas ambientais.
No mesmo compasso, tendo por base os preceitos constitucionais que apontam os fins sociais da propriedade, veio o mesmo Código Civil de 2002 estatuir a função social dos contratos, na forma da seguinte cláusula geral:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
O alcance do preceptivo retro é elucidado pelo Enunciado nº 23, das Jornadas de Direito Civil do Conselho de Justiça Federal-CJF, conforme a seguir posto:
Enunciado 23 - Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana.
Anota a doutrina que o contrato é o aspecto dinâmico da propriedade, este um direito estático, um vez que por ele é que se tem a circulação da propriedade.
Na mesma senda, se toda sociedade empresarial nasce de uma contrato (art. 981 do Código Civil), pode-se dizer também que a empresa também deve, no seu exercício, observar os fins sociais que norteiam todos os institutos jurídicos. A função social da empresa se tira, outrossim, dos princípios constitucionais que norteiam a atividade econômica, conforme o art. 170, entre os quais estão a defesa do meio ambiente.
Nesse sentido, vem também o Enunciado 53 do CJF:
53 – Art. 966: deve-se levar em consideração o princípio da função social na interpretação das normas relativas à empresa, a despeito da falta de referência expressa.
As responsabilidades da empresa, a partir de seu sentido social, são elucidadas por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
“Não se trata de obstaculizar o lucro ou mesmo transferir responsabilidades estatais para o particular, em caráter assistencial. Não. A função social da empresa impõe responsabilidade social aos empresários, servindo como anteparo, barreira, para impedir que o intuito lucrativo venha a violar direitos fundamentais da pessoa humana e interesses coletivos. É a vedação da prática das chamadas ‘vendas casadas’, da formação de cartéis, dos danos ao meio ambiente, ao mesmo tempo em que se exige a promoção das atividades sociais, justificando a concessão da personalidade jurídica às empresas.”[21]
Infere-se que os institutos jurídicos ligados às atividades econômicas se acham todos funcionalizados ao atendimento dos interesses sociais, entre eles o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como os choques entre o princípio da confiança e o princípio do meio ambiente como direito humano fundamental decorrem, precipuamente, do exercício desses institutos de cunho patrimonial, fácil será perceber na função social um dos principais argumentos técnico-jurídicos a afastar o dever de tutela da confiança quando o exercício dessas posições jurídicas afrontarem o meio ambiente.
3.3. Princípio da ubiquidade.
O postulado agora em epígrafe, ao lado dos acima abordados, redundam na chamada variável ambiental, a integrar qualquer processo decisório e a subjugar o exercício de qualquer direito ou potestade, pública ou privada.
Tem esse princípio estreita decorrência da característica da ubiquidade, ou onipresença, do bem jurídico ambiental, como pré-falado logo acima, a indicar a ausência de fronteiras espaciais e territoriais, limites ou paredes que isolem os fatores ambientais.
Eis como Marcelo Abelha traduz esse princípio:
“O princípio da ubiquidade reflete muito bem o conceito semântico da palavra que lhe empresta o significado. Ubíquo é sinônimo de onipresente, que está em todo lugar. Este princípio é visto de duas formas: a) num primeiro enfoque, os componentes ambientais, por serem de índole planetária, fazem com que o meio ambiente seja visto de forma global, já que o dano que se causa aqui é sentido em qualquer lugar – não há como impedir que o rio deixe de contaminar o leito, as plantas, a fauna marinha etc., que servirão de vetores da poluição. Por isso exige-se uma cooperação global entre as nações e daí se tem desenvolvido o direito ambiental internacional; b) sob outro enfoque, tal princípio exige que os bens ambientais sejam horizontalmente analisados, isto é, todo e qualquer direito subjetivo, de índole privada, deve pedir obediência ao direito ambiental. Qualquer liberdade pública ou propriedade privada deve ceder espaço à proteção dos bens ambientais, dado o seu caráter global e horizontal.”[22]
3.4. Outros princípios relevantes.
Cumpre ainda referir-se a outros princípios de Direito Ambiental cuja extensão contribui sobremodo com as conclusões a que se chegam ao final.
Assim, o princípio da prevenção preconiza a evitação de danos ambientais já conhecidos pela ciência e até pelo homem médio. As situações de risco ao meio ambiente devem ser de logo rechaçadas. Apenas quando possível, segundo critérios técnicos demonstrados em estudos de impacto ambiental, em vista de assegurar o gozo de bens protegidos pela ordem jurídico-constitucional, é que atividades que causem prejuízos ao meio ambiente poderão ser licenciadas, desde que sujeitas a condicionantes previstas no termo da licença, que sejam hábeis a mitigar ou elidir os danos.
Essa diretriz vai afetar sobremodo o princípio da confiança, já que vai indicar cautela, em vez de confiança e entrega, a todos que se envolvam em negócios ou atividades que possam afetar, de modo direto ou indireto, o meio ambiente.
Já o princípio da precaução protege o meio ambiente de ações humanas cujos resultados sejam desconhecidos do conhecimento médio ou da ciência humana. Caracteriza-se pela antecipação de ação diante de riscos desconhecidos. A incerteza científica, aqui, milita em favor do meio ambiente e da saúde.
Enquanto a prevenção trabalha com o risco certo, a precaução vai além e se preocupa com o risco incerto. Prevenção se dá em relação ao perigo concreto, ao passo que a precaução envolve perigo abstrato ou potencial[23] .
O princípio da confiança no tráfego é fortemente atingido pelos contornos da responsabilidade civil ambiental.
Na forma do art. 3º, inciso IV, da Lei nº 6.938/1981, o poluidor é toda pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.
Ainda essa lei estipula o caráter objetivo da responsabilidade em casos de danos ao ambiente, consoante o parágrafo primeiro do art. 14, ao prever que o poluidor é obrigado, independentemente de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Nessa linha, é pacífico que a responsabilidade civil ambiental é fundada no risco integral, afastando qualquer alegação de culpa ou fato exclusivo de terceiros, força maior ou caso fortuito[24].
4. COLISÃO OU CONCORRÊNCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E TEORIAS PARA SUA SOLUÇÃO.
Por versamos, neste texto, sobre conflitos entre direitos que têm igual dignidade constitucional, o de proteção da confiança e da tutela do meio ambiente, é mister abordarmos, antes de adentrar nas situações mais comezinhas que aparece esse embate, as teorias e práticas jurídicas que mais destaque recebem dos estudiosos e aplicadores do direito. Assim é que se inicia a sumarizar as teorias externas e internas dos direitos fundamentais.
4.1. Teoria externa e juízo de ponderação.
A teoria externa propugna que toda restrição a um direito fundamental se origina de fora dele. Sua aplicação considera dois raciocínios: o primeiro leva em conta o conteúdo inicial – não definitivo – do direito fundamental. Aqui, os direitos frequentemente têm um âmbito de proteção amplo. Em seguida, necessário será a harmonização desse direito com outros postulados ou bens também protegidos pela Constituição, chegando à identificação das situações que recebem tutela do direito em discussão. Assim, um direito pode ter regulação prima facie sobre o caso, mas, por razões externas a ele, em função de outro direito ou postulado fundamental, poderá ter seu alcance restringido.
Surge aqui o princípio da proporcionalidade como critério para a delimitação do âmbito em concreto e definitivo do direito fundamental.
Esse postulado hermenêutico foi decomposto, no afã de conferir racionalidade à sua aplicação, em três subprincípios, a saber: adequação, em que se verifica se a medida de proteção ao direito fundamental escolhida é idônea ou apta a alcançar o fim almejado; a necessidade, que preconiza a verificação da ocorrência de meio menos gravoso à consecução do fim almejado, e a proporcionalidade em sentido estrito, consistindo na ponderação entre o ônus imposto ao direito fundamental atingido e o benefício trazido ao outro, em ordem a constatar a legitimidade da conduta.
De acordo com Cláudio Chequer, a teoria em testilha é mais aceita pela maioria dos constitucionalistas, como Robert Alexy e Borowski na Alemanha, e da doutrina e jurisprudência brasileira. Elucida esse autor que
“O método da ponderação nos parece realmente o mais acertado para o equacionamento de conflitos entre princípios fundamentais em razão de representar uma metodologia que impõe a ponderação de todos os valores constitucionais aplicáveis, não ignorando nenhum desses valores, para que a Constituição seja preservada na maior medida possível. Corresponde, pois, ‘ao que os juízes e intérpretes fazem de fato nestes casos difíceis‘ pesam e contrapõem interesses, valores, argumentos – e por indicar a eles um caminho mais racional e controlável para esta empreitada hermenêutica.”[25]
A opção pela proporcionalidade, todavia, tem sido objeto de severas críticas de determinados teóricos do direito, por propiciar o voluntarismo e o individualismo judicial, a substituição das escolhas do Parlamento pelas do Poder Judiciário e uma leitura axiológica do direito, tal como defendida pela jurisprudência dos valores da Corte Constitucional alemã, em prejuízo de seu caráter normativo ou deontológico[26].
4.2. Teoria interna e juízo de adequabilidade.
Para a teoria interna, o ordenamento jurídico-constitucional determina de forma prévia e definitiva o âmbito de proteção dos direitos fundamentais, preconizando seus limites. A atividade do intérprete e aplicador não será a de determinar as restrições externas aos direitos, mas de apontar o conteúdo do direito já delineado - e limitado - pela Constituição.
Conforme Gilmar Mendes, na teoria interna não existem os conceitos de direito individual e de restrição como categorias autônomas, mas sim a ideia de direito individual com determinado conteúdo. O sentido de restrição, levantada pela teoria externa, é substituída pela de limite[27]. Resulta disso a impossibilidade de conflito entre direitos fundamentais, podendo-se falar, em verdade, em aplicação adequada de apenas um dos direitos fundamentais com potencial de regência sobre determinada e apontada situação concreta.
Ronald Dworkin desenvolveu os conceitos de coerência e integridade do direito. Os conflitos entre princípios ou direitos fundamentais se solucionam por meio de uma análise cuidadosa e pormenorizada da leitura que a sociedade, e não só o intérprete, faz da sua história jurídica. Nessa reflexão, há um esforço para construção de um esquema coerente de princípios e regras que estão inscritos na prática social, de onde se tira a compreensão do que é apropriado. Os princípios são os sentidos normativos interpretáveis pelos profissionais e pelo público em geral ao longo do tempo. A atividade do intérprete se direciona a desvendar as respostas existentes no Direito, numa interpretação construtiva, que deverá refletir a melhor representação de nossas práticas jurídicas desde sempre e até hoje. Resulta que a integridade do direito é capaz de dar a única resposta correta cada caso concreto, considerado como evento único e irrepetível, sem contudo exercer atividade criadora do direito. Nele, portanto, podem-se observar os argumentos de todos os participantes e também as discussões anteriores sobre os direitos envolvidos. Para Dworkin, então, não há uma contradição ou colisão entre princípios, a ser resolvida, na teoria externa, pela preferência ou preponderância, mas concorrência entre eles para o mesmo caso, tendo primazia o que for mais adequado.[28]
Em ordem a explicitar sua teoria da integridade, Dworkin erige a metáfora do “romance em cadeia”, explanada por Bernardo Gonçalves Fernandes no excerto infra:
“Aqui, cada juiz deve assumir o papel de um romancista que está escrevendo um capítulo de uma obra coletiva. Ele tem de ler tudo o que os demais fizeram para se inteirar da narrativa e procurar construir uma história que preserve a linha de raciocínio já estabelecida pelos romancistas anteriores. Logo, não lhe é autorizado ignorar o que passou, nem transformar o livro coletivo em uma obra de contos desconexos. Ao contrário, seu capítulo tem de ter uma ligação com o passado e, ao mesmo tempo, permitir uma abertura para o futuro, de modo que a história possa evoluir e não apenas ser repetida pelos futuros participantes dessa prática.
Assim, aconteceria com o direito. Cada decisão judicial preenche um momento de nossa história institucional, tentando revelar e melhor leitura que nossa sociedade faz de suas práticas sociais. Logo, o magistrado não é uma figura criadora do direito, mas antes disso, um participante que argumenta com o restante da sociedade, tentando convencê-la que sua leitura de fato atinge o objetivo de trazer o direito ao caso à sua melhor luz. Esse convencimento, ainda, não se dá por um argumento que pode ser deduzido de uma fórmula matemática, com acontece com Alexy, mas por uma via hermenêutica afiliada à perspectiva de Gadamer e Wittgenstein. Nesse mesmo diapasão, temos ainda que, para Alexy, a ponderação ainda que justificada de forma racional pelo critério da proporcionalidade não teria como chegar a uma única solução correta para cada caso. Nesses termos, teríamos apenas soluções dircursivamente aceitáveis, já para Dworkin, por meio de uma interpretação construtiva com base na teoria da integridade, há sim a possibilidade de uma única resposta correta a um caso concreto.’”[29]
Klaus Gunther apresenta a tese da adequabilidade, a partir das ideias de Dworkin, e cunha importante distinção entre os discursos de justificação e de aplicação das normas. O primeiro é o discurso político-legislativo, que é valorativo, axiológico, pragmático e ético, voltado para fundamentar a criação da norma. O segundo é o discurso unicamente jurídico, que possibilita, desde as circunstâncias do caso concreto, a sua aplicação. A explicitar essa teoria, mais uma vez nos socorremos do magistério de Bernardo Gonçalves Fernandes:
“Gunther desenvolve a ideia de Dworkin, então, apresenta uma diferenciação importante de discursos jurídicos: ao passo que discursos de justificação definiriam quais as normas (princípios) uma determinada sociedade concebe como válidas para todos; os discursos de aplicação definiriam para aqueles envolvidos no caso concreto qual norma é adequada e, por isso mesmo, a que deve ser aplicada. No campo dos discursos de aplicação, os participantes da prática jurídica argumentativa devem levar em conta as situações particulares daquele caso concreto – como único e irrepetível – a fim de identificar o princípio (ou direito) aplicável. A noção de sistema aqui é fundamental, pois é o exame do caso que norteará os participantes a excluir a aplicação de um princípio por outro; e com isso, a argumentação também muda: não se está buscando o princípio maior pelo valor – quer para uma suposta sociedade virtual ou mesmo para o intérprete – mas aquele que responda às exigências do caso concreto ao mesmo tempo que compõe sem choques – harmoniosamente – o esquema de práticas sociais que chamamos de direito. Desse modo, todos os participantes da prática social, bem como toda a sociedade – como participante virtual – podem concordar com o argumento condutor da decisão”.[30]