Previdência Social, consoante o Dicionário da Língua Portuguesa Larousse Cultural, consiste em um "conjunto de medidas e instituições para a proteção ao trabalhador (e aos seus dependentes ou beneficiários), na doença, na velhice, no desemprego etc". Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 6o, é um direito social. Direitos sociais são os proporcionados pelo Estado democrático a fim de tornar mais justa a convivência entre os homens e amenizar as desigualdades conseqüentes de um modo de produção capitalista. Estão em constante luta contra as desigualdades naturais e econômicas, tão acentuadas atualmente.
José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, afirma serem os direitos sociais "dimensões dos direitos fundamentais dos homens, prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais".
Como se pode considerar, nota-se a notória importância dada pela Constituição Federal à previdência social, ao enquadrá-la nos direitos sociais. Esta situa-se na seção III, pertencente ao capítulo II (Da Seguridade Social) do Título VIII (Da Ordem Social). Enfim, a Previdência Social é uma peça do quebra-cabeça que forma a Seguridade Social, ou, como preferem alguns, "seguro social". Compete não só à União, como também aos Estados e ao Distrito Federal legislar sobre os seus preceitos.
Não se trata, porém se seguro, uma vez que este é um contrato particular de Direito Privado. A previdência social pertence ao Direito Público. É, portanto, obrigatória e não um acordo de vontades. Ou seja, não tem natureza de seguro, apesar de a Constituição Federal afirmar que ela ergue-se na forma de um seguro obrigatório.
A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, do Distrito Federal e dos Municípios e das seguintes contribuições sociais: do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei (incidentes sobre: a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; a receita ou o faturamento; o lucro); do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social; sobre a receita de concursos de prognósticos. (art. 195, I, a, b, c, II, III).
Alexandre de Moraes, em seu Direito Constitucional, faz notar que "o artigo 195 e incisos, da Constituição Federal, ao disporem sobre o custeio da seguridade social, não prevê contribuição a cargo dos aposentados e pensionistas, sendo vedado aos Estados-membros ou Municípios editarem disciplina em contrario, seja nas Constituições estaduais, seja nas respectivas Leis Orgânicas Municipais".
Entretanto, são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atentam às exigências estabelecidas em lei. (art. 195, §7o). Isso devido ao fato de a seguridade ser uma medida protetora, principalmente, dos menos favorecidos. São essas renúncias contributivas, um dos fatos, apontado por muitos, de ser a previdência social deficitária. As facilidades garantem que empregadores rurais e domésticos, clubes de futebol, entidades filantrópicas e empresas optantes do Simples deixem de pagar a parte da Previdência referente ao empregador.
Compete ao Poder Público a organização , nos termos da lei, da seguridade social, com a observância dos seguintes objetivos:
a) universalidade da cobertura e do atendimento;
b) uniformidade e equivalência dos benefícios e servidões às populações urbanas e rurais;
c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
d) irredutibilidade do valor dos benefícios;
e) eqüidade na forma de participação no custeio;
f) diversidade da base de financiamento;
g) caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, mediante a gestão quadripartite, com a participação dos trabalhadores, dos empregados, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela emenda constitucional no 20/98).
Como foi visto, tamanha é a importância da previdência, que ela se iguala, para compor a seguridade social, à saúde e à assistência social. Esse conjunto comporta uma série de elementos, dentre outros, fundamentais à realização do objetivo da ordem social: o bem-estar e a justiça social.
A previdência ergue-se na forma de um seguro de filiação obrigatória. O tributo pago pelo contribuinte durante a sua vida ativa retorna seja na forma de benefícios (aposentadoria, auxílios, salário-desemprego e pensão), seja como serviços (prestações assistenciais: médica, farmacêutica, odontológica, hospitalar, social e de reeducação ou readaptação profissional). Isso dá relativa tranqüilidade às pessoas menos capacitadas e às que, outrora, participaram da vida ativa da sociedade.
A previdência será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial. (art. 201). Como foi dito, ela compreende prestações de dois tipos: benefícios e serviços.
Os benefícios previdenciários são prestações pecuniárias aos segurados e a qualquer pessoa o que contribua para a previdência na forma dos planos previdenciários, e são os seguintes:
a) auxílios por doença, maternidade, reclusão e funeral;
b) salário-desemprego;
c) pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, que não poderá ter valor inferior ao salário mínimo;
d) aposentadoria, que é o mais importante dos benefícios, e é direito de todos os trabalhadores à inatividade remunerada com proventos calculados na forma do artigo 202, nos seguintes casos:
- por invalidez;
- por velhice: aos sessenta e cinco anos de idade, para o homem, e aos sessenta, para a mulher, reduzido em cinco anos o limite de idade para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, neste incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal;
- por tempo de serviço:
1) após trinta e cinco anos de trabalho, ao homem, e após trinta, à mulher, ou em tempo inferior, se sujeitos a trabalho sob condições especiais, que prejudiquem a saúde ou a integridade física, definidas em lei;
2) após trinta anos, ao professor, e, após vinte e cinco, à professora, por efetivo exercício de função de magistério.
Sabe-se que, grande parte da população não possui acesso às informações sobre seus direitos. Os maiores veículos de informação objetiva não estão à mercê de toda a sociedade. Internet é um veículo elitizado. Os grandes contingentes de analfabetos e semi-analfabetos não podem se informar por meios de jornais e revistas. Além disso, poucos os que possuem o privilégio de estudar e conhecer a Constituição Federal. Vive-se um momento em que o capitalismo domina as mentes e almas das pessoas. Os empregados são explorados e, para sobreviver, subordinam-se a isso.
Em conseqüência disso, no Brasil, há milhões de pessoas sem Previdência social. Grande parte dos trabalhadores não possui carteira assinada. São mais de 38 milhões de excluídos. Estes dependerão da caridade alheia quando não mais possuírem condições de exercer a atividade laboral.
Essas conseqüências também são maléficas para o país, uma vez que cresce a instabilidade econômica e reduz-se a democracia.
Embora com um menor vigor do que o necessário, o governo une forças contra essa situação. Um exemplo foi a criação do Programa de Estabilidade Social pelo Ministério da Previdência e Assistência Social. Tal programa envia representantes diretamente às sociedades com a finalidade de ouvir queixas e reclamações, além de orientar a população a respeito da Previdência social.
Infelizmente, a sociedade brasileira ainda traz a carga do preconceito. Por exemplo, o fato de as prostitutas poderem se filiar à Previdência Social foi bastante criticado por pessoas que se mostraram indignadas. Esses preconceitos atingem as camadas mais frágeis da sociedade.
Outro fator não menos desprezível é a falta de interesse por questões previdenciárias por parte de integrantes do Estado. Álvaro Sólon de França, Auditor fiscal da Previdência Social, afirma que, ao participar dos debates no Congresso Nacional sobre a reforma da Previdência Social, primeiramente na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e depois na Comissão de Constituição e Justiça Senado da República, pôde identificar o gigantesco desconhecimento dos parlamentares em relação às questões previdenciárias, à importância da instituição na vida dos municípios e à extensão de sua influência na economia de milhares de comunidades. Um erro, visto serem os deputados os representantes legais do povo.
Por outro lado,a Previdência Social é significativa para a população rural devido aos impactos redistributivos de renda e à elevada cobertura. Cerca de 8% da renda das famílias em 1995 foi oriunda de aposentadorias pagas pelo INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social). Esse fator é um desestimulante do êxodo rural e, conseqüentemente, da sobrecarga do setor terciário urbano e da proliferação da miséria.
Basta atentar para os diversos jornais em circulação para ver que a previdência social, para a realidade brasileira, não é totalmente ignorada. Por exemplo, lê-se no jornal Diário de Pernambuco, de 18 de fevereiro de 2001, a seguinte manchete: "INSS e programa social salvam cidades pobres". A reportagem conta que, com a crise da cana-de-açúcar e o fechamento de algumas usinas, as Cidades, como Vicência (localizada na Zona da Mata Norte, a 110 quilômetros do Recife), empobreceram a tal ponto de os comerciantes ameaçarem suas saídas do município. Ameaças abandonadas com a chegada de dinheiro dos programas produtivos e das aposentadorias pagas pela previdência social.
Quem não conhece uma mulher que teve filho, afastou-se de seu emprego por 120 dias – previstos em lei – e continuou recebendo seu salário devido? É o chamado auxílio-maternidade. Esse capital é pago pela previdência social.
A Previdência social paga, todos os meses, cerca de R$5,4 bilhões para mais de 19,4 milhões de pessoas. Em 1998, a quantidade média dos benefícios rurais foi de, aproximadamente, 6,1 milhões, perfazendo um valor total de 9,8 bilhões, o que beneficiou, indiretamente, 20 milhões de pessoas no campo em uma população total de 34 milhões. Por sua vez, a arrecadação proveniente da área rural foi de apenas R$800 milhões, o que representou 8,2% do valor pago como benefícios rurais. Trata-se de uma redistribuição de renda. Mas a Previdência Social encontra-se deficitária. E não é só no campo, é no Brasil.
Para corrigir esse e outros males, o governo utiliza medidas inadequadas e contrárias à democracia. Um exemplo foi a recente proposta totalmente inconstitucional de contribuição dos inativos.
E a Previdência Social não é um remédio milagroso plenamente eficaz contra os males sociais. Apresenta falhas burocráticas e, principalmente, encontra-se bastante deficitária. E, apesar de toda a sua "boa intenção social", funciona em um país elitista dominado por uma burguesia financeira.
O importante é procurar os porquês desse monstruoso déficit. A folha de salários não é a única fonte de recursos da Previdência Social. Também o são o Cofins, a contribuição de cada trabalhador, do empregador e contribuições sociais incidentes sobre o lucro e faturamento das empresas, a CPMF e recursos de loterias (concursos de prognósticos). A arrecadação, entretanto, é prejudicada por uma coletânea de desvios, sonegação, confiscos, acordos com o FMI, desemprego, relações informais de trabalho e falência do setor produtivo. O FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) desvincula 20% de todos os orçamentos e pretende retirar, por proposta do governo, R$26,2 bilhões da Seguridade para compor o superávit primário acordado com o FMI.
Enquanto o governo se utiliza de 44% do orçamento da República para amortizar a dívida financeira, os beneficiários da Previdência Social recebem uma mísera quantia de R$136.
Mas o que não se pode é culpar única e exclusivamente o governo. Há lacunas nas leis previdenciárias e a própria população, na ânsia de se aposentar mais cedo, embora não tenha preenchido os requisitos básicos, burla a lei. Conseqüência disso é uma constante modificação das regras, a desestabilização jurídica e uma coletânea de dúvidas e incertezas. É uma constante guerra: o povo quer enganar o governo; o governo tenta trapacear o povo.
Enquanto grande parte dos inativos recebe um salário-mínimo como benefício, um minoritário grupo se deleita com uma aposentadoria correspondente ao seu salário de quando trabalhava. Estabeleceu-se um teto salarial de R$1 200 para frear essa constante desigualdade. Mais isso não é suficiente, pois altas aposentadorias continuam devido ao direito adquirido. Também há o regime de Previdência Privada (art. 202 da Constituição Federal) complementando aquele teto salarial.
As denúncias são freqüentes. O Jornal Nacional, exibido pela Rede Globo no dia 22 de fevereiro de 2001, às 20h 15, trouxe a seguinte manchete: "Aposentados recebendo migalhas do INSS". Além desses benefícios irrisórios, a previdência social demonstra outros problemas como o das viúvas que lutam para tentar provar o seu direito à pensão e o das aposentadorias com valor errado. Em relação a este último, são várias as queixas pois, além de o valor vir abaixo do real, o INSS exige, para o seu aumento, documentos difíceis de serem conseguidos, como, por exemplo, o diploma de conclusão do primeiro grau. Enfim, o aposentado deixa de receber a diferença durante muito tempo e, muitas vezes, não consegue obtê-la.
Mas, talvez a maior mazela previdenciária são as fraudes. Estatísticas demonstram que, de cada 10 benefícios, 4 são fraudados. Esses fraudadores são os próprios funcionários do INSS, como agentes administrativos e procuradores. Como têm acesso às informações e dados pessoais dos contribuintes, fraudam os cadastros e recebem as aposentadorias em nome dos diversos beneficiários. Estes, portanto, não recebem o que lhes é devido. Além disso, os infratores presenteiam amigos e parentes com aposentadorias fraudadas, adquiridas ilegalmente. A conseqüência é um rombo de 60 milhões nos cofres do governo.
São verdadeiras quadrilhas, causando extorsão, estelionato e fraude de benefícios. Eles agem em todo o Brasil, ameaçando as testemunhas. Só no Rio de Janeiro, são 460 funcionários suspeitos. A maioria continua trabalhando. No dia 21 de fevereiro de 2001, a OAB (ordem dos advogados do Brasil) caçou a carteira da advogada fraudadora Georgina de Freitas, que cumprirá pena de reclusão por quatro anos.
O regime de Previdência Privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de Previdência Social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantem o benefício contratado, e é regulado por lei complementar.(art. 202). Pode-se dizer que a Previdência Social é um recurso bastante útil e, na teoria, democrático. Mas está longe de constituir na prática um fator responsável pela diminuição das desigualdades sociais.
Uma situação, há pouco tempo atrás, era bastante comum e controvertida. Duas pessoas ajuizavam uma Ação Reclamatória perante a Justiça do Trabalho e homologavam um acordo. Uma parte se dizia empregada da outra, determinado tempo atrás. Como era segurado obrigatório do INSS e alcançou o número de contribuições necessárias para se aposentar, dava entrada na Autarquia Previdenciária, requerendo o benefício. Junta o tempo de contribuição com o tempo reconhecidamente trabalhado no acordo e se considera apto a se aposentar.
O problema é que não se podia provar se o acordo homologado entre as partes era ou não fato verídico. Muitas vezes, as partes nunca tiveram o vínculo empregador/empregado. Sendo assim, o INSS, várias vezes, recusava o pedido, pois não havia participado da lide, quando da homologação do acordo.
Com isso, muitas pessoas honestas saíam prejudicadas e muitas desonestas conseguiam se aposentar mais cedo. Com tantos processos, não há como verificar legalmente os diversos casos. Foram necessárias novas modificações na lei.
Outro caso, era de pessoas que começavam a contribuir faltando poucos anos para a aposentadoria por tempo de serviço. É mais uma razão para o déficit. Resultado: nova modificação na lei. Nenhuma norma consegue adquirir estabilidade com tantas alterações!
Vários outros projetos inconstitucionais foram propostos. Assim foi a idéia de desvinculação dos reajustes da previdência. Medida totalmente asfixiadora para os que vivem de uma mísera aposentadoria. Na prática, essa sugestão atingiria diretamente a Constituição Federal em seu artigo 201 §5o vez que os benefícios teriam valor mensal inferior a um salário-mínimo.
Além dessas dificuldades de funcionamento da Previdência Social, outras, mais comuns, são apresentadas: aposentados enfrentam enormes filas no INSS e nem sempre conseguem receber seu benefício; os serviços são bastante precários, faltam remédios, os hospitais e asilos de idosos estão em condição de miséria. O capital é mal empregado pelo governo.
Enfim, a previdência social é realmente um recurso democrático que ajuda a erradicar as desigualdades e famigeradas mazelas sociais. Entretanto, essa teoria não corresponde, plenamente, à prática. Não se podem descartar os inúmeros benefícios recebidos por milhões de brasileiros, principalmente no campo. Todavia, não é suficiente. Há um enorme abismo entre os benefícios da classe alta e quase extintas classes médias e das classes humildes e em processo de empobrecimento (antigas classes médias).
É necessário um mútuo trabalho entre governantes e governados para que eles, honestamente, transformem a previdência social em um recurso perfeito, onde teoria e prática coincidem.
Além disso, buscar a forma mais concreta das leis previdenciárias , evitando lacunas e ambigüidades. Assim, aos poucos, procurara a igualação entre todos os seres humanos na vida social.
Bibliografia:
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 1999. 6. ed. 766 p.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1995. 10. ed. 820 p.
Internet: www.planalto.gov.br
Internet: www.cadê.com.br
Internet: www.jusnavigandi.com.br
Diário de Pernambuco. 18 de fevereiro de 2001. "INSS e programa social salvam cidades pobres".
Jornal Nacional. 22 de fevereiro de 2001. Rede Globo de Televisão. Ás 20 h 15. "Aposentados recebendo migalhas do INSS".