1. CONCEITO DE VALOR DA CAUSA
Valor da causa, ensina CHIOVENDA, é o "valor da demanda. E esse, por sua vez, não é o valor do objeto mediato da demanda, nem da causa petendi isoladamente considerados, mas da combinação dos dois elementos, ou seja, é o valor daquilo que se pede, considerando em atenção a causa petendi, isto é, a relação jurídica baseada na qual se pede; é o valor da relação jurídica, nos limites, porém, do petitum."(1)
PONTES DE MIRANDA ao conceituar valor da causa, vai na mesma esteira de Chiovenda. Diz ele que "valor da causa é o valor da relação jurídica de direito material, mas nos limites de petitum."(2)
2. OBRIGATORIEDADE DO VALOR DA CAUSA
Alguns dispositivos do Código de Processo Civil tratam diretamente do assunto, com muita ênfase de se atribuir, obrigatoriamente, um valor a causa.
Consigna o art. 258, CPC que, "A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato." De tais termos infere-se que "a atribuição do valor da causa é obrigatória, configurando-se como requisito essencial da petição inicial. Sua falta enseja determinação de emenda da inicial, sob pena de indeferimento. Ainda que não tenha valor patrimonial aferível, deverá ser indicado valor ainda que para outros efeitos."(3)
Além do art. 258, CPC, outros dispositivos legais deixam evidente a necessidade de se atribuir valor a toda e qualquer causa. São eles:
art. 259. "O valor da causa constará sempre da petição inicial ..."
art. 282, V. "A petição inicial indicará o valor da causa"
art. 284. "Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos nos arts. 282 e 283... determinará que o autor a emende, ou a complete, no prazo de dez (10) dias."
Art. 284, p. ú. "Se o autor não cumprir a diligência , o juiz indeferirá a petição inicial."
Afirma GELSON AMARO DE SOUZA, que "a obrigatoriedade é prevista nos arts. 258, 259 e 282 do CPC, sendo que o primeiro consigna, peremptoriamente, que a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato." Diz ainda que "diante da imperatividade da norma, é impossível dizer que poderá haver causa sem atribuição de valor; ainda mais quando o art. 282,CPC, contém outra disposição, também imperativa, ao determinar que a petição inicial indicará o valor da causa (inc. V). "(4)
MONIZ DE ARAGÃO sustenta ainda que a estimativa do valor da causa deve sempre ser feita – ainda nas causas em que não se evidencie conteúdo econômico , caso em que a avaliação é livre ao autor, sendo franquiado ao réu, porém, impugna-la, conforme o disposto no art. 261,CPC.(5)
ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JR., em relação a fixação do valor da causa na falta de previsão expressa, concluiu no sentido de que não há absoluto arbítrio do autor no estimar o valor da demanda, quando a lei não oferece expressamente critérios para tanto. Há de o autor, tendo sempre presente o conceito de valor da causa, buscar os critérios nos princípios gerais, na analogia, na jurisprudência, na doutrina e mesmo nos costumes, utilizando-se de regra cogente de interpretação dirigida ao julgador.(6)
Conclui-se, assim, que não se pode ter a mínima dúvida sobre a obrigatoriedade da atribuição do valor em todas as causas, sem qualquer exceção.
3. VALOR DA CAUSA NO PROCESSO CAUTELAR
O art. 801, CPC fala a respeito da petição inicial do processo cautelar. Ela nada mais é que uma medida preparatória ou incidente que enseja a tutela cautelar. A despeito de o art. 801 fazer menção aos requisitos da petição inicial no processo cautelar, dois requisitos básicos e que não podem ser dispensados na prática, foram omitidos. São eles: o pedido de citação do réu (sem cuja convocação não se aperfeiçoa a relação processual) e o valor da causa (que é inerente a toda ação, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato – art.258,CPC).
O valor da causa, segundo o magistério de LOPES DA COSTA, deve corresponder tanto quanto possível ao valor da causa principal, de maneira que, no arresto, será o valor da dívida; no seqüestro, nos depósitos, na busca e apreensão, no arrolamento de bens etc., será o valor dos bens; na caução, o valor da garantia; nos alimentos provisionais, o valor anual das prestações, e assim por diante.(7)
Porém, quando a cautela se referir a uma parte do interesse em jogo na ação principal, o valor da ação cautelar deverá ser calculado naturalmente, em função do montante do risco a ser prevenido e não de todo o valor do interesse patrimonial em litígio.(8)
MOURA ROCHA, fulcrado na doutrina e jurisprudência portuguesa, é favorável a tese de que o valor da demanda cautelar não deve ser o mesmo da demanda principal e que o critério para a determinação do valor da causa na ação cautelar deve obedecer aos critérios gerais, válidos para as demais ações: no arrolamento, o valor dos bens arrolados; nas medidas cautelares não especificadas, o dano que se pretende evitar.
Não obstante, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, acredita que a doutrina verdadeira é a defendida por GALENO LACERDA e também seguida por J.J. CALMON DE PASSOS, que diz que "o valor da segurança não pode se identificar ao objeto assegurado. Evidentemente será menor, devendo o juiz corrigir, até de ofício, eventuais distorções a respeito."(9) Diz ainda que à falta de outro critério, o valor da ação cautelar deve ser estabelecido por meio de estimativa feita pelo autor, sujeita naturalmente à correção do juiz.
Ainda quanto a omissão existente no art. 801, CPC, em relação ao valor da causa, OVÍDIO A. BAPTISTA DA SILVA, entende que a ação cautelar, como qualquer outra, deverá ter um valor que se traduza numa expressão monetária e que não se deve confundir-se com o valor da ação principal ou do bem objeto do direito a ser protegido. E, como o Código não oferece, no art. 259, nenhum critério capaz de orientar na fixação do valor a ser dado à ação, a solução será o arbitramento de seu valor, feito pelo autor e sujeito à discriminação do juiz.(10)
JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, afirma que a regra do art.258,CPC, "aplica-se a quaisquer causas, contenciosas ou não, principais ou acessórias, de procedimento disciplinado no Código ou em lei especial."(11)
JOSÉ RIBEIRO LEITÃO, leciona que, malgrado o Código não se manifestar sobre o valor da causa no art. 801, CPC, há de o requerente atribuir o valor à causa.(12)
GALENO LACERDA atribui a omissão do Código – quanto ao valor da causa – ao fato de que o artigo (art. 801) procura abranger tanto as cautelas jurisdicionais quanto às voluntárias, e estas não constituem "causas" propriamente ditas, não só porque lhes falta, em regra, litigiosidade, senão porque não possuem, a rigor, valor patrimonial. Qual o valor de uma vistoria, de um depoimento antecipado, de uma justificação? Por outro lado, é difícil avaliar uma providência jurisdicional, como o seqüestro, sem relacioná-la com o valor da ação principal. Por tudo isto, afirma ainda o ilustre jurista, o Código evitou pronunciar-se a respeito, como já fizera o de 39.(13)
Nenhuma ação, ensina GELSON AMARO DE SOUZA, poderá omitir em sua peça inicial o valor da causa. Seja de procedimento ordinário, sumaríssimo ou especial, a petição inicial deve sempre trazer o valor da causa atribuído pelo autor. Seja na ação principal, cautelar ou incidental, o valor da causa sempre deve se fazer presente na peç inaugural.
E, para finalizar, JOSÉ OLYMPIO DE CASTRO FILHO, em um modelo de petição inicial de uma ação cautelar, faz constar o valor da causa, o que mostra ser ele também a favor de ser atribuir um certo valor à causa, mesmo diante da omissão do legislador.(14)
4. CONCLUSÃO
Diante do exposto, infere-se, claramente, que apesar de o Código de Processo Civil em seu art. 801 não fazer referência ao valor da causa, mister se faz a inclusão desse na petição inicial de uma ação cautelar. Isto porquanto sempre deve-se aplicar subsidiariamente as disposições do processo de conhecimento não só ao processo de execução, como também ao processo cautelar.
Outro ponto que deve ser frisado e que é corroborado pela jurisprudência – ressaltando que há outros posicionamentos – é de que o valor da causa não é igual ao da causa principal, e sim ao do benefício patrimonial visado pelo requerente.
Não obstante, deve-se ressaltar que há uma corrente, mesmo sendo minoritária, que entende que é desnecessária a atribuição de valor da causa, no procedimento cautelar, pois o legislador não ressalvou a aplicação subsidiária dos institutos do processo de cognição ao processo cautelar como fez em relação ao processo de execução.
5. JURISPRUDÊNCIA
· No processo cautelar, deve ser atribuído valor à causa (STJ-4 Turma, Resp 11.956-0-MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, j. 22/2/94). Mas este valor não é igual ao da causa principal (RT 526/141), e sim ao do benefício patrimonial visado pelo requerente (RF 226/233), que é a segurança contra evento futuro e incerto. Pode ser corrigido de ofício, quando fixado "contra legem."(RT 498/194).
· Entendendo desnecessária a atribuição de valor da causa, no procedimento cautelar (RJTJESP 44/129, RT 517/129, AASP 1069/120).
· Em se tratando de simples medida cautelar, o seu valor é meramente estimativo, não podendo equiparar-se ao da causa principal (Ac. Unân. Da 6 T. do TRF de 20/03/1985, no Agr. Nº 46.130-PE, Rel. Min. Américo Luz; RTFR 125/38).
· Quando fixado "contra legem", mesmo não havendo impugnação, pode o juiz, de ofício, corrigir o valor da causa. Na ação cautelar de seqüestro o valor da causa há de corresponder, tanto quanto possível, ao valor da causa principal (RT 498/194).
· Não cabe dar ao processo de medida cautelar o valor da causa principal (RT 526/141).
· Na medida cautelar de sustação de protesto, por tratar-se de procedimento simples, visando tão-somente resguardar o direito útil da ação principal, não se pode impor ao autor um pagamento de custas, ou de possível sucumbência, incompatíveis com o custo dos serviços prestados; assim, o valor da causa não deve, necessariamente, corresponder ao valor do título cujo protesto se pretende sustar, bastando que a oferta prestada não seja ínfima (RT 751/292).
· ... pela substancial diferença em extensão das pretensões da parte da cautelar e na ação principal, mostra-se razoável admitir-se a atribuição de valor estimativo à cautelar condizente com a importância da medida, mas não necessariamente simétrico ao da principal (AC. un. Da 5 Cam. Do TJSP de 27/04/1995, no AG 256.038-1, rel. Dês. Jorge Tannus; JTJSP 178/247).
· O valor da causa é o equivalente ao benefício patrimonial pretendido pelas partes, e não aquele que o autor arbitrariamnte atribui na petição inicial, o qual não pode prevalecer mesmo que não tenha sido impugnado (AP. 10.639 – 2 Câm. Do TAMG – Jurisprudência Brasileira, 33:84-5).
· Quando fixado contra legem, mesmo não havendo impugnação, pode o juiz, de ofício, corrigir o valor da causa. Na Ação cautelar de seqüestro o valor da causa há de corresponder, tanto quanto possível, ao valor da causa principal (Agl 26.847 – 2 Câm. Cív. Do TJRJ – Jurisprudência Brasileira, 33:115).
NOTAS
1. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. V. 2, p. 161 e 162.
2. PONTES DE MIRANDA. Comentários ao CPC. V. III, p. 363.
3. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado.São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p, 721.
4. SOUZA, Gelson Amaro de. Do valor da causa. São Paulo : Sugestões Literárias, 1987. p. 64.
5. ARAGÃO,Moniz de. Comentários ao CPC. V. II, p. 337.
6. DALL’AGNOL JR, Antonio Janyr. Revista de Processo - Considerações em torno do valor da causa. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1979. p. 82.
7. COSTA, Lopes da. Medidas preventivas. 2 ed. n º 36. p, 39.
8. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo Cautelar. São Paulo : Leud, 1999. p, 127.
9. SILVA, Ovídio A . Baptista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro : Forense, 1996. p, 164.
10. SILVA, Ovídio A . Baptista da. Curso de processo civil.São Paulo : Revista dos Tribunais, 1998. v. 3. p, 111.
11. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro : Forense, 1999. p, 18.
12. LEITÃO, José Ribeiro. Direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense, 1980. p, 13.
13. LACERDA, Galeno. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro : Forense, 1980. v.VIII. p, 313.
14. CASTRO FILHO, José Olympio de. Prática Forense. Rio de Janeiro : Forense, 1975. v. II. p, 91.
BIBLIOGRAFIA
1. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense, v. II, 1996.
2. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo cautelar. São Paulo : Leud, 1999.
3. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Código de processo civil anotado. Rio de Janeiro : Forense, 1999.
4. SILVA, Ovídio A . Baptista da. Do processo cautelar. Rio de Janeiro : Forense, 1996.
5. SILVA, Ovídio A . Baptista da. Curso de processo civil. São Paulo : RT, v.3 , 1998.
6. PAULA, Alexandre. Código de processo civil anotado. São Paulo : RT, v.1 , 1998.
7. NEGRÃO, Theotonio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. São Paulo : Saraiva, 2000.
8. CASTRO FILHO, José Olympio de. Prática forense. Rio de Janeiro : Forense, 1975.
9. LACERDA, Galeno. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro : Forense, 1980.
10. LEITÃO, José Ribeiro. Direito processual civil. Rio de Janeiro : Forense, 1980
11. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de Janeiro : Forense, 1999.
12. NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. São Paulo : RT,1999.
13. DALL’AGNOL JR, Antonio Janyr. Revista de processo – considerações em torno do valor da causa. São Paulo : RT, 1979.
14. SOUZA, Gelson Amaro de. Do valor da causa. São Paulo : Sugestões Literárias, 1987.