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Responsabilidade ambiental da administração pública por danos decorrentes de condutas omissivas na visão da jurisprudência brasileira

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Agenda 21/03/2012 às 16:10

3        A VISÃO JURISPRUDENCIAL DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

De volta ao ponto central do presente estudo, o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81 fixa do regime de responsabilidade por danos contra o meio ambiente no seguinte sentido:

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

(...)

§ 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A primeira parte do §1º traz à tona a responsabilidade ambiental objetiva, cujas origens estão fincadas no Direito Civil.

Como regra geral cristalizada no art. 186 do Código Civil de 2002, a responsabilidade a ensejar a reparação patrimonial por ato ilícito é de ordem subjetiva, que tem a culpa, em quaisquer de suas modalidades (negligência, imprudência e imperícia), como requisito primordial para o surgimento da obrigação de indenizar.

Por seu turno, o parágrafo único do art. 927 deste mesmo código excepciona a responsabilidade subjetiva em duas circunstâncias: quando a obrigação de indenizar, independentemente de culpa (objetiva), estiver estipulada em lei, e quando atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nitidamente, na responsabilidade preceituada no § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 a exclusão da culpa deriva de opção legal formal, em conformidade com a hipótese de responsabilidade objetiva prevista na primeira parte do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

Em um primeiro momento, a leitura desse último dispositivo revela que a responsabilidade objetiva por danos ambientais ali mencionada só se aplicaria a condutas comissivas (positivas), haja vista o silêncio da norma quanto aos danos decorrentes da omissão. Corrobora tal leitura a referência literal à expressão “afetados por sua atividade”, que traduz a ideia de um faciendi ou ação positiva geradora do dano ambiental, além, por óbvio, da ausência de menção à palavra “omissão” ou expressão similar.

O quadro ora delineado suscita a dúvida quanto à possibilidade haver uma lacuna na Lei nº 6.938/81 em face da espécie de responsabilidade emergente do dano originário da omissão do poluidor. E quando essa situação é transportada para a seara do Direito Administrativo, onde a conduta omissiva do Poder Público passa a figurar como causa do dano ambiental, o problema toma contornos ainda mais nebulosos, uma vez que o art. 37, §6º, da Constituição Federal apenas admite a responsabilidade objetiva da Administração Pública por condutas danosas comissivas.

Alguns precedentes judiciais buscam jogar algumas luzes sobre a questão, embora sem colocar um ponto final na controvérsia.

Não são poucas as decisões em que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios são considerados co-responsáveis por danos ambientais causados por particulares, especialmente nas ocasiões em que são verificadas deficiências no poder-dever de fiscalização, sendo-lhes imputada objetivamente a obrigação de reparação.

Nesse trilhar seguiram os seguintes acórdãos:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO. OMISSÃO DO DEVER DE FISCALIZAR OBRAS E CONSTRUÇÕES IRREGULARES. DANO MORAL CAUSADO A PROPRIETÁRIO DE IMÓVEL SITUADO EM TERRENO DE MARINHA. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. JUROS DE MORA.

1. Competência dos municípios para a promoção do adequado ordenamento territorial, mediante o planejamento do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 130, VIII, CF), e da capitania dos portos quanto à fiscalização de execução de obra pública ou particular em terrenos de marinha e seus acrescidos, bem como nos marginais da união, dos estados ou municípios (art. 320, caput e parágrafo 2.º, do decreto 87.648/82), somente revogado pelo decreto 2.596/98, após a propositura da presente ação.2. Reconhecida a conduta omissiva das entidades recorrentes - o Município de Cabedelo/PB e a capitania dos portos do Estado da Paraíba (representada pela União Federal) - na fiscalização das construções irregulares empreendidas desde de 1986 na localidade da praia do poço, causadoras de degradação ambiental e, conseqüentemente, da "sadia qualidade de vida" à qual se refere o caput do art. 225 da CF, não obstante reiteradas reclamações dos moradores, inclusive do autor-recorrido.

3. Situação criadora de constrangimento indenizável, nos termos do art. 37, parágrafo 6.º, da CF, pois contraria a legítima aspiração do cidadão de receber, do Estado, pronta e efetiva resposta quando notifica às autoridades competentes qualquer violação à ordem administrativa, ainda mais quando se trata de questão atinente ao meio ambiente, aqui entendido na sua ampla acepção constitucional.

4. A omissão da Administração, tida como causadora do dano ambiental e consistente em um non facere quod debere facere, renova-se continuamente, inexistindo um marco que sirva de termo a quo para a contagem do lapso prescricional. Rejeitada a prejudicial de prescrição.

5. A inércia dos entes públicos apelantes não se deveu a liminar concedida em ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, pois a referida decisão, longe de impedir o exercício do poder de polícia pela União e o Município de Cabedelo/PB, determinou-lhes expressamente que "não mais concedam licenças ou alvarás de construção para a instalação de bares nas referidas áreas", e ainda "a suspensão de obras de construção de barracas e prédios de alvenaria, em terrenos de marinha situados nas praias de (...) desde que não autorizadas na forma da legislação federal vigente".

6. Redução do valor da reparação ao patamar de R$ 2.000,00, a serem repartidos em partes iguais pelos apelantes.

7. Fixação dos juros moratórios no percentual de 6% ao ano, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela MP nº 2.180-35, ainda vigente.

8. Apelações voluntárias e remessa oficial parcialmente providas.

(TRF 5ª Região; AC 231636/PB; 4ª Turma; Relator Desembargador Federal Edílson Nobre (Substituto); Julgamento 25/10/2005; Diário da Justiça Nº: 231, de 02/12/2005, p. 1016, 2005).

PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INCRA. REFORMA AGRÁRIA. DESMATAMENTO PRATICADO PELOS ASSENTADOS, MEDIANTE A UTILIZAÇÃO DE QUEIMADAS E FERRAMENTAS AGRÍCOLAS. ÁREA DE PLANTIO E PASTAGENS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. DANO AMBIENTAL NÃO COMPROVADO. APELAÇÃO DESPROVIDA.

1. É cabível a atribuição de responsabilidade objetiva ao INCRA, por danos ambientais ocorridos em áreas de assentamentos para a reforma agrária, cuja prática é imputada às pessoas ali assentadas (...).

(TRF 1ª Região, AC 2006.01.00.001565-4/MG; 6ª Turma; Relator Juiz Federal Moacir Ferreira Ramos (CONV.); Data da Decisão 11/12/2006; Diário de Justiça de 29/01/2007, p. 50).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO CAUSADO AO MEIO AMBIENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ENTE ESTATAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. RESPONSÁVEL DIRETO E INDIRETO. SOLIDARIEDADE. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. ART. 267, IV DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF.

(...) 

2. O art. 23, inc. VI da Constituição da República fixa a competência comum para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e combate à poluição em qualquer de suas formas. No mesmo texto, o art. 225, caput, prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

3. O Estado recorrente tem o dever de preservar e fiscalizar a preservação do meio ambiente. Na hipótese, o Estado, no seu dever de fiscalização, deveria ter requerido o Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, bem como a realização de audiências públicas acerca do tema, ou até mesmo a paralisação da obra que causou o dano ambiental.

4. O repasse das verbas pelo Estado do Paraná ao Município de Foz de Iguaçu (ação), a ausência das cautelas fiscalizatórias no que se refere às licenças concedidas e as que deveriam ter sido confeccionadas pelo ente estatal (omissão), concorreram para a produção do dano ambiental. Tais circunstâncias, pois, são aptas a caracterizar o nexo de causalidade do evento, e assim, legitimar a responsabilização objetiva do recorrente.

5. Assim, independentemente da existência de culpa, o poluidor, ainda que indireto (Estado-recorrente) (art. 3º da Lei nº 6.938/81), é obrigado a indenizar e reparar o dano causado ao meio ambiente (responsabilidade objetiva).

6. Fixada a legitimidade passiva do ente recorrente, eis que preenchidos os requisitos para a configuração da responsabilidade civil (ação ou omissão, nexo de causalidade e dano), ressalta-se, também, que tal responsabilidade (objetiva) é solidária, o que legitima a inclusão das três esferas de poder no pólo passivo na demanda, conforme realizado pelo Ministério Público (litisconsórcio facultativo).

7. Recurso especial conhecido em parte e improvido.

(STJ, REsp 604725 / PR; 2ª Turma; Relator Ministro Castro Meira; Data do Julgamento: 21/06/2005; DJe 22/08/2005 p. 202).

Como dito acima, mesmo com tais precedentes, remanesce a polêmica quanto à espécie de responsabilidade atribuída à Administração nas hipóteses de condutas danosas omissivas, mormente em razão do Supremo Tribunal Federal ainda não ter pacificado o tema. Em sentido oposto, seguem as decisões citadas abaixo:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. MINERAÇÃO. DANOS CAUSADOS. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO POLUIDOR. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DA UNIÃO.

(...) A responsabilidade civil da União na espécie segue a doutrina da responsabilidade subjetiva, traduzida na omissão - "faute du service". Hipótese em que provada a ineficiência do serviço fiscalizatório. Responsabilidade solidária do ente estatal com o poluidor (...).

(TRF4, AC 2001.04.01.016215-3, Terceira Turma, Relatora Maria de Fátima Freitas Labarrère, DJ 20/11/2002)

Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço – faute du service dos franceses – não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro.

(STF; RE 369.820; Relator Ministro Carlos Velloso; Data do Julgamento: 4-11-2003; Segunda Turma; DJ de 27-2-2004).

Dada a diversidade de soluções encontradas na jurisprudência, torna-se importante a análise, ainda que perfunctória, das razões que embasam cada um dos posicionamentos a favor e contra a responsabilidade objetiva por omissão do Poder Público, desenhando-se um cenário em que a problemática da suposta lacuna na Lei de Política Nacional do Meio Ambiental será fundamental para o encaminhamento de cada uma dessas correntes.

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4  OS PARADIGMAS DA RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DANOS AMBIENTAIS DECORRENTES DA OMISSÃO

A procura por uma possível solução para o vazio legal seria impossível sem se reconhecer, a priori, o direito enquanto sistema.

Na condição de sistema, não se admite a concepção do direito como um bloco uno e maciço de regras, desprovido de uma estruturação mínima. Ao revés, o direito perfaz um conjunto complexo, diversificado, aberto e interdependente de normas e princípios – onde estes últimos, como visto, constituem o elo de harmonização ou estruturação entre os seus componentes – que se segmentam entre diferentes outros subsistemas.

Nem sempre a superação da lacuna se dará exclusivamente no âmbito de um mesmo subsistema jurídico. Portanto, ante a falha na regulamentação de um caso concreto, a primeira tarefa do intérprete será a de identificar, dentro dos demais subsistemas, a igualdade jurídica demandada pelo fato não acobertado legalmente, para, em seguida, importar a norma que servirá de regramento a ser aplicado para o caso concreto.

Importante lembrar que, não raramente, mais de um subsistema poderá se mostrar válido para o preenhecimento da lacuna, sendo então aplicáveis duas ou mais normas para a construção do regramento aguardado pelo caso concreto.

Este é o processo de integração típico da analogia, que quando envolver a aplicação de uma única norma existente denominar-se-á analogia legis ou individual, e quando implicar a utilização de diversas normas consideradas em conjunto para colmatação da lacuna denominar-se-á analogia juris ou conjunta.

A jurisprudência que defende a responsabilidade subjetiva da Administração por danos ambientais decorrentes de condutas omissivas, pressupondo a omissão da Lei nº 6.938/81, claramente faz uso da analogia legis, cujo parâmetro é o art. 37, § 6º, da Constituição Federal.

Aqui, o paradigma da estrita legalidade, vigente de forma intocável no âmbito do Direito Administrativo, irradia-se para a seara o Direito Ambiental e limita a incidência da responsabilidade objetiva às condutas comissivas.

As raízes desse paradigma nascem com o Estado de Direito e com o próprio Direito Administrativo, cujo regime jurídico reafirma a submissão do Estado aos ditames da lei.

O Direito Administrativo, portanto, é fruto jurídico da Revolução Francesa e da ascensão da burguesia à cúpula do poder, que procurou extirpar a orientação absolutista vigente até o século XVIII. Não é a toa que os direitos fundamentais de primeira geração gravitam em torno do ideal de liberdade, os quais exigem a regulação e a limitação do poder estatal, em razão do passado de pungentes interferências nos direitos civis e políticos.

Assim, como forma de garantia das liberdades individuais, a lei assume o papel de principal instrumento norteador e limitador das funções administrativas, não sendo lícito à Administração dela se afastar, sob pena de afigurar-se a ilegalidade de sua conduta.

Eis a essência do princípio da legalidade para o Direito Administrativo, anunciada nos dizeres de Meirelles (2005, p. 88):

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

Outras circunstâncias agregam-se ao paradigma da legalidade, fortalecendo-o. É o caso do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e da natureza de ordem pública das normas administrativas.

Segundo o princípio da supremacia do interesse público, a atividade do Estado sempre objetiva o bem comum, coletivo, não abrindo espaço para que a coisa pública seja gerida conforme interesses particulares. E quem dirá qual o interesse público a ser perseguido pelo administrador é a lei. Daí advém a estreita correlação entre interesse público e legalidade.

A natureza de ordem pública das normas do Direito Administrativo também ratifica o primado da legalidade. Tal marca ressalta a irrenunciabilidade dos poderes-deveres atribuídos pela lei aos agentes públicos, reafirmando-a enquanto baliza da ação administrativa; consequentemente, o seu descumprimento coloca em xeque a realização do bem comum perseguido pelo Estado, violando de uma só vez, os princípios da legalidade, da supremacia do interesse público e da moralidade.

Para Mello (2004, p. 890), os paradigmas da legalidade e da igualdade constituem o fundamento da responsabilidade civil do Estado. De acordo com esse mesmo autor (2004, p. 895),

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. E, sendo responsabilidade por ilícito, é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência e imperícia (culpa), ou, então, deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.

Rompendo com o paradigma da estrita legalidade, surge uma nova diretriz impulsionada por parte da jurisprudência brasileira, baseada nos princípios da precaução e da prevenção, e ainda na transindividualidade do direito ambiental.

Antes de discorrer acerca destes fundamentos, é curioso observar que, em meio aos diversos argumentos que buscam legitimar a submissão da Administração Pública à regra da responsabilidade objetiva, muitos precedentes judiciais firmam-se no sentido de que a Lei nº 6.938/81 não contém lacunas, entendendo que este diploma já contemplaria a omissão administrativa como causa de agressões ao meio ambiente, especialmente em razão da definição de “poluidor”, trazida pelo inciso IV de seu art. 3º, pelo qual “considera-se poluidor a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.

Não é tarefa das mais fáceis a identificação da lacuna. Não raramente, o operador do direito vê-se diante do tormentoso dilema de lidar com a obscuridade legal –  e com a necessidade de complementá-la – mediante a analogia ou a interpretação extensiva.

Na interpretação extensiva, o fato já se encontra, implicitamente, previsto na norma jurídica; cabe ao interprete, apenas, descobrir o limite máximo do núcleo do dever-ser, não obstante a incerteza gerada pela própria norma desbote as margens de sua regulamentação, tornando impreciso a partir de que momento deixa-se de existir a previsão normativa. Por sua vez, na analogia o fato não está previsto em norma, nem ao menos implicitamente.

Digressões à parte, é certo que os princípios da prevenção e da precaução atuam fortemente sob o novo paradigma construído por parcela da jurisprudência. E não poderia ser diferente, tendo em vista sua envergadura constitucional (caput do art. 225 da Carta de 1988) e legal (incisos I, IV e IX do art. 2º da Lei nº 6.938/81 e princípio 15 da Declaração do Rio de 1992).

Muitos doutrinadores não diferem a prevenção da precaução. Outros, porém, vislumbram na prevenção uma conotação mais genérica que abrange precaução, esta última voltada mais a casos concretos.

Para Milaré (2004, p. 144), a prevenção diz respeito “à prioridade de que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.”

Derani (2008, p. 151) sustenta que

O princípio da precaução se resume na busca do afastamento, no tempo e no espaço, do perigo; na busca também da proteção contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor tecnologia disponível é necessariamente um corolário.

Os princípios da prevenção e da precaução atribuem uma natureza não só reparadora, mas também sancionadora à responsabilidade ambiental objetiva do Estado.

Na condição de postulados máximos que informam a proteção ao meio ambiente, a consequência pelo descumprimento das obrigações jurídicas que derivam dos princípios em voga reclama por uma resposta de igual tamanho e severidade para o restabelecimento do equilíbrio ambiental, onde o objetivo maior, ao lado da reparação – nem sempre possível – do dano, é incutir nos agentes responsáveis pela degradação o elemento psíquico da coação, naturalmente forçando-os a seguirem as prescrições estipuladas para a proteção ao meio ambiente.

Por conseguinte, a responsabilidade objetiva por condutas danosas omissivas da Administração Pública afigura-se a melhor forma de garantia dos princípios da prevenção e precaução.

Além disso, a natureza difusa do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado impõe uma participação mais ativa do Poder Público na sua proteção, haja vista a estreita relação entre a amplitude da repercussão do dano ambiental e a transindividualidade afeta a esse direito.

Vigora aqui a mesma justificativa sustentada ante os princípios da prevenção e da precaução: se dimensão do dano ambiental é tamanha ao ponto de prejudicar direitos titularizados igualmente por todos os membros da sociedade, a medida de sua reparação não poderá seguir os mesmos padrões observados em relação a danos de menor magnitude. Com isso, permite-se abrir uma exceção à regra geral da responsabilidade subjetiva do Estado, que supostamente não seria suficiente para suprir as exigências pelo ressarcimento do dano ambiental.

Dessa maneira, o novo paradigma emergente da jurisprudência não convalida a ideia de lacuna na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente. Contrariamente à tradicional fórmula adotada pelo Direito Administrativo, a responsabilidade ambiental objetiva por danos decorrentes de condutas omissivas da Administração Pública constitui, como dito acima, um exceção à regra insculpida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, por considerar que as circunstâncias que conduzem à responsabilidade subjetiva nas relações jurídicas ordinárias do Poder Público mudam radicalmente de feição quando adentram na esfera ambiental.

Em uma bem acabada síntese da corrente ora exposta, o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se no Recurso Especial 1071741 / SP, relatado pelo Ministro Herman Benjamin, no seguinte sentido:

Ordinariamente, a responsabilidade civil do Estado, por omissão, é subjetiva ou por culpa, regime comum ou geral esse que, assentado no art. 37 da Constituição Federal, enfrenta duas exceções principais. Primeiro, quando a responsabilização objetiva do ente público decorrer de expressa previsão legal, em microssistema especial, como na proteção do meio ambiente (Lei 6.938/1981, art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º). Segundo, quando as circunstâncias indicarem a presença de um standard ou dever de ação estatal mais rigoroso do que aquele que jorra, consoante a construção doutrinária e jurisprudencial, do texto constitucional. (...) A Administração é solidária, objetiva e ilimitadamente responsável, nos termos da Lei 6.938/1981, por danos  urbanístico-ambientais decorrentes da omissão do seu dever de controlar e fiscalizar, na medida em que contribua, direta ou indiretamente, tanto para a degradação ambiental em si mesma, como para o seu agravamento, consolidação ou perpetuação, tudo sem prejuízo da adoção, contra o agente público relapso ou desidioso, de medidas disciplinares, penais, civis e no campo da improbidade administrativa.

(STJ, REsp 1071741 / SP; 2ª. Turma;  Relator Ministro Herman Benjamin; Data do Julgamento; 24/03/2009; DJe 16/12/2010).

Sobre a autora
Ana Beatriz da Motta Passos

Procuradora do Município de Manaus. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal do Amazonas. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Ana Beatriz Motta. Responsabilidade ambiental da administração pública por danos decorrentes de condutas omissivas na visão da jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3185, 21 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21336. Acesso em: 2 nov. 2024.

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