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Intuição e o conhecimento do Direito

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Agenda 31/03/2012 às 09:50

 III – A intuição e o conhecimento do Direito

Para sentir a vida, vivê-la em sua plenitude concreta, vive-la nela mesma, por dentro de nós, ao invés de tê-la passado por nós, é necessário nos tomar por nós mesmos, por dentro, pelo interior, sentindo o correr contínuo da duração do real a qual pertencemos, aspirando, encontrando e respirando, enfim nosso próprio EU. Ora esse EU, nosso espírito que domina ao centro nossa personalidade, nos torna pessoa, que aflui no mundo, revelando-se pelo corpo na convivência com todos os demais corpos (e espíritos). Nesse convívio reinam os objetos, os valores, as normas, o direito. Seria possível atingir alguma essência: do EU que fosse? Do espírito? Do próprio corpo? Dos objetos, valores, normas? Do Direito? Seria possível atingir alguma consciência, que se desse como um movimento do espírito sobre o mundo? Talvez pela intuição. A intuição parece-nos apontar para a possibilidade não só da descoberta da vida do espírito, mas também para elementos fundamentais da experiência científica e filosófica e, em particular – o que nos interessa -, da ciência do Direito e da Filosofia do Direito.

Luiz Antônio Rizzatto Nunes[70]

3.1 A intuição como método no Direito

Entende-se como método o caminho a ser percorrido para a aquisição do conhecimento.

O método constitui-se a maneira de apreensão do real, ou de outro modo, o iter pelo qual o sujeito cognoscente chegou a determinado resultado, mesmo quando esse caminho não foi previamente fixado de uma maneira premeditada e refletida.

O método é, ainda, a maneira pela qual se ordenou à ação do espírito sobre um mesmo assunto, as diversas ideias, diversos juízos, diversos raciocínios. O método, portanto, dispõe esses dados da maneira mais adequada para conhecer o todo.

Segundo aponta Maria Helena Diniz[71], o método pode ser:

a) discursivo – quando o espírito marcha por etapas mediante um procedimento escalonado de verificações e inferências mediatas ou indiretas (p. ex; o dedutivo e o indutivo)

b) intuitivo – quando a apreensão do objeto se efetua de modo direto e imediato. Desta maneira, é aquele que consiste numa operação total, única e indivisa do espírito. Que se projeta assim sobre o objeto e o domina abrangendo, com uma só visão, sem que nada se interponha entre o sujeito que conhece e o objeto que se procura conhecer.

No campo da investigação do Direito, contudo, a busca de um ideal lógico-dedutivo que tem como postulados a coerência e a completude do sistema[72] tornou-se infrutífera e insuficiente, uma vez que o Direito não consegue superar a ideia dialética entre Razão e Intuição, ou ainda, Razão e Vontade.

Nesse sentido a crise do positivismo jurídico tem acompanho a crise da própria razão formal como instrumento metodológico para a compreensão do Direito. No entanto, a Filosofia do Direito talvez possa acarretar como a via do conhecimento intuitivo, um olhar diferente, ou talvez um novo caminho de completude para a compreensão do Justo.

3.2 O conhecimento intuitivo do Justo

No campo do Direito, assim, como a norma, também o Justo, são Seres que pertencem como objetos do real, ao mundo existencial. Logo, podemos afirmar que:

O Direito é um Ser, o Justo é um ser. São seres, que, assim como a norma jurídica, podem ser conhecidos pelo sujeito cognsocente. São seres, portanto, perceptíveis racionalmente. Ou, de outro modo, e discordando de Kant, entendemos que o Direito e a Justiça são seres cognoscíveis. Esses seres são, todavia, como objetos existenciais, passíveis de matéria para a produção do conhecimento.

 Colocadas essas premissas conceituais, resta-nos saber se nós, investigadores do Direito, podemos, para melhor alcançar o conhecimento do ser Direito e do ser Justo, empreender somente o caminho do método discursivo. Ou, será que é possível a apreensão desses seres mediante a investigação que trilha também o caminho do método intuitivo?

No campo jurídico, percebemos que muitos magistrados aplicam no seu dia a dia, o método intuitivo para elaborar a sentença judicial. Porém, muitos deles têm vergonha de confessar que julgam desta forma, como se essa confissão demonstrasse uma “fragilidade” daquele homem julgador que precisa a todo custo maravilhar-se com a imagem pretensiosa de sua própria racionalidade.

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Entende-se, que o homem julgador, não se encontra separado da natureza e da sua própria natureza, pois o homem é dotado de razão, vontade, mas também de emoção. É verdade que existem obstáculos que impedem que o homem perceba de maneira mais sóbria e sem idealizações o que existe típico nele. Todavia, não queremos aqui, construir uma teoria do direito calcada exclusivamente no acento afetivo na elaboração do valor Justo, mas, não podemos nos esquecer que este lado é apenas um aspecto do homem, uma parte essencial da sua natureza. O homem é, – na sua “peculiar posição no cosmos”[73], um ser de múltiplos estratos, e há de encará-los em completude.

Como bem enxerga Scheler[74]:

o homem não se diferencia dos outros entes pelo fato de ser dotado de uma razão ou de uma subjetividade. Ao contrário, sua diferencialidade radical aponta para o afeto que o liga originalmente à totalidade e mobiliza a dinâmica do conhecimento.

 Modernamente, a lógica aristotélica silogística e a atitude filosófica exclusivamente racionalista, segundo a qual só é valioso o conhecimento que se origina exclusivamente na razão, não mais explicam de forma convincente, o ato de julgar.

Luis Recaséns Siches[75] acompanha este modo de pensar intuitivo do magistrado quando afirma que:

A lógica tradicional não serve ao jurista para compreender e interpretar de modo justo os conteúdos das disposições jurídicas; não serve para criar a norma individualizada da sentença judicial ou ainda da decisão administrativa [...]

Realmente o juiz decide por intuição e não por uma inferência ou silogismo dos que se estudam na lógica; decide por uma certeza que se forma de modo direto e não em virtude de um raciocínio [...].

Nessa mesma direção, o famoso juiz Hutcheson[76] confessa que:

depois de haver ponderado minuciosamente sobre todos os dados à sua disposição e haver meditado cuidadosamente sobre eles, deixa que sua imaginação intervenha. Dorme sobre o processo; espera que se lhe apresente uma espécie de premonição, uma suspeita, uma iluminação intuitiva que aclare a conexão entre o problema e a decisão e que indique qual a decisão justa [..] Assim, o magistrado decide por intuição e não por silogismo dos que se estudam na lógica. Decide pela convicção que ocorre de modo direto e não em virtude de um raciocínio. O raciocínio é articulado pelo juiz, que só depois passa a redigir sua sentença. O impulso que motiva sua decisão é um sentido intuitivo do justo e do injusto a respeito do caso particular que tem diante de si. O juiz astuto, depois de haver decidido dessa maneira, põe todas as suas faculdades mentais a postos para justificar aquela intuição diante da própria razão e para afrontar as críticas que possam ser dirigidas a sua sentença.

Seria oportuno que se lembrassem, nesse sentido, as palavras de Armando Câmara: “a intuição está na base de todo discurso, todo discurso começa sempre por uma intuição e termina por outra intuição” [77].

Na elaboração do Justo vista sob a ótica da sentença, o importante, contudo, são as premissas de fato que o juiz aceita, já que os fatos quase nunca chegam ao seu conhecimento tal como de fato aconteceram. Frequentemente, os fatos são distorcidos pelas versões apresentadas nas petições e demais peças processuais pelas partes interessadas.

Ao juiz, na elaboração da sentença judicial, cabe dar aos fatos a qualificação jurídica que lhe proporcionará a adequada indicação da norma jurídica aplicada ao fato. Todavia, não é possível dizer antecipadamente qual seja esta indicação, pois isto dependerá da exegese e a lei não dá nenhum método ao juiz para que ele escolha entre os diversos caminhos de interpretação das leis que são apontados pela doutrina, o que dependerá, entendemos, da sua intuição.

Via de regra, porém, os juízes escondem, disfarçam ou não confessam este modo de conhecimento, justificando seu discurso, na solução do caso concreto, de forma unicamente racional.

3.3 Os limites do emprego da intuição na elaboração das decisões judiciais

No exercício de elaboração intelectual o juiz sistematiza, coordena, une as ideias, as imagens, as percepções. Nesse processo, influencia, obviamente, os órgãos sensoriais e cerebrais do magistrado, influindo, inclusive, a própria personalidade do juiz nas sentenças.

A intuição, neste sentido, é um caminho inicial de investigação de captação do Justo e, muitas vezes, dá resultados preciosos, podendo por isso ser um útil instrumento de justiça. É o resultado de uma voz íntima do juiz, que percebe e capta o justo, imagem que nasce de sua natureza fruto de suas suas experiências, enquanto ser vivente na terra.

É necessário, no entanto, que o juiz analise inteligentemente o processo, averiguando corretamente as circunstâncias, os fatos, a lei, a doutrina, a jurisprudência, a própria sociedade que ele vive para prolatar a decisão. Devendo a intuição ser seguida, assim, pela verificação serena, mediante exame objetivo do que se apurou no decorrer da instrução judicial.

Desta forma, o limite da via intuitiva, como método e instrumento de captação do justo, na elaboração da sentença, deve ser a preocupação do juiz, de registrar racional e, serenamente, com exatidão os fenômenos externos, os fatos que lhe são conferidos, de maneira a obter uma fixação precisa de tudo o que ocorreu no âmbito de seus sentidos.

Isto para evitar que a intuição possa ser produto de enganadora impressão ou mera simpatia ou antipatia pelo réu, gerando um apressado juízo de valores de inocência ou culpabilidade, resultando, ao contrário, no desvalor injusto.

É preciso ainda, e até preliminarmente, que o juiz também se conheça e o faça profundamente, pois suas experiências anteriores, como homem, também podem acarretar injustiças.

É a velha máxima, inscrita pelos Sete Sábios, como epígrafe, no templo de Delfos: “nosce te ipsum”, ou seja: conhece-te a si mesmo.


Conclusões:

O conhecimento humano é problemático, porque o homem é um animal racional homo sapiens, mas também homo demens. Seu modo de percepção do real, não pode ser reduzido somente à pura intelecção dos seres nem à pura sensação dos irracionais, já que o ser humano constitui-se de pensamento, vontade, mas também, de sentimentos.

Os conflitos entre razão e intuição frequentemente preocuparam os pensadores, o que nos permite encontrar na História da Filosofia defensores do primado ora da razão ora da intuição ganhando dimensões, neste último caso, com inúmeros filósofos, dentre eles, Henri Bergson e Max Scheler.

A dimensão do conhecimento intuitivo surge, contudo, como um caminho novo filosófico substancial e imprescindível de investigação do conhecimento no campo do Direito, já que o conhecimento intuitivo constitui-se num possível instrumento para a justiça, desde que, através de posterior exame objetivo, seguido de comprovação e verificação do que se apurou durante a instrução processual e que depende em grande parte do investimento que o julgador faça no conhecimento de si próprio. Contudo, a pretensão do Direito de assimilar critérios científicos; dedutivos e indutivos, têm aplicação limitada no âmbito jurídico, já que nenhuma ciência oferece segurança absoluta no aspecto de certeza de verdade de suas proposições.

Dessa forma, não entende-se que no caminho do conhecimento do Direito haja uma única verdade, uma verdade absoluta. Tão pouco, acreditamos que o conhecimento se dá exclusivamente pela via do racional, como querem crer os racionalistas. Nesse sentido, como advertem os filósofos, “a esfera do saber é enormemente alargada!”. Há, contudo, múltiplos pontos de vista gnosiológicos, muitos outros acessos diferentes ao conhecimento, caminhos que talvez “a própria razão desconheça”.

Por tudo isso, entende-se que a intuição, como forma do conhecimento do valor justo é especialmente importante para o espírito do jurista, já que ela pode ser um novo caminho, uma nova ferramenta metodológica no campo do Direito, na captação e na percepção do Justo.

Isto porque, o juiz decide, não exclusivamente, pela inferência do silogismo, na sentença, mas também, e inicialmente, pela intuição. Decide, pois, por uma certeza inicial que se forma no seu espírito, de modo direto, e não por um raciocínio, ato este posterior no processo cognitivo do julgador.

Por tudo isso, entende-se que a intuição é um caminho metodológico de investigação filosófica no campo do Direito. Certamente, um tipo de conhecimento imediato, importante e complementar, porém, não superior, e não exclusivo no processo cognitivo.

Dessa maneira, admite-se a intuição como forma de conhecimento, não, porém, como exclusiva é única forma de conhecimento do Direito. A fórmula, para o conhecimento do Justo no Direito – se é que ela existe – não deve ser Razão versus Intuição, mas sim, Intuição + Razão, de modo que os conhecimentos se integrem e se complementem. Talvez, pudéssemos apontá-la como sendo um gérmen inicial da descoberta para o conhecimento, uma semente em movimento para a floração do conhecimento, tal qual a natureza, aponta para a descoberta da vida do espírito e do ser vivente.

Não se pode, contudo, negar que na história do pensamento jurídico ocidental um formalismo exagerado, um racionalismo extremista, segundo o qual somente é legítimo e válido o conhecimento que se origina, exclusivamente, na razão.

A própria doutrina clássica do Direito vê ainda hoje, a sentença como um produto de conhecimento racional pela via do silogismo, esquecendo-se que, por baixo da ponte da justiça, passam seres humanos com todas as suas diferenças, misérias, medos e angústias. Nós, homens do Direito, esquecemo-nos, absortos, no sono da razão, que a realidade da natureza humana é colorida, integral e vivaz.

Pensar intuitivamente significa, também, proferir a sentença, no caso do juiz, com mais sentimento, com mais humanidade, não reduzindo o magistrado a um mero burocrata, visto somente como um julgador máquina, um robô repetidor de decisões alheias.

Talvez fosse o caso de refletir-se que, paralelamente, à falácia da “segurança” e “certeza” do Direito, é preciso embasar a verdade jurídica com a realidade social, com a realidade do homem que tem corpo, pensamento, vontade, mas, também, alma e sentimento.

Finalmente, entende-se ser improvável, hodiernamente, alguém de cultura científica falar de uma “única verdade” que abarque tudo, nem tão pouco que abarque verdades exclusivamente oriundas da razão. Pois, cada vez mais, se comprova que os limites do nosso saber, não podem se reduzir a um único ponto de vista, ante todas as novas descobertas no desenvolvimento científico moderno, do microscópio ao telescópio.

De fato, descobrimos que o cosmos aumentou, e vem cada vez aumentando, e alargando consideravelmente nossas perspectivas ante o universo. Sobretudo, face à complexidade do mundo moderno, acreditamos que a expressão “pensar racional” seja insuficiente como instrumento, exclusivo, de compreensão do Direito.

Vamos além, acreditamos, por derradeiro, que é preciso, ademais de um “pensar racional”, de um “pensar intuitivo”, é preciso aos que trabalham com o Direito, um “pensar tolerante”, não no sentido daquele que “tout compendre c'est tout pardonner”, mas daquele que indica a simples sabedoria, a do “pensar amoroso”.

Finalizamos nossas reflexões, propondo-se como método a viabilidade da intuição como forma de conhecimento, embora não exclusiva, no campo gnosiológico da elaboração e aplicação do Direito, em especial, da elaboração da sentença judicial, ainda que me chamem, no caminho, de “tresloucado amigo”.

Sobre a autora
Mônica Tereza Mansur Linhares

Doutora em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Constitucional pelo Instituto Brasileiro de Direito Constitucional – IBDC. Avaliadora ad hoc de cursos de Graduação em Direito designada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP/MEC. Professora de Filosofia do Direito do Curso de Graduação Bacharelado em Direito do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Professora do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Direito do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas – FMU. Advogada na área de Direito Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINHARES, Mônica Tereza Mansur. Intuição e o conhecimento do Direito . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3195, 31 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21407. Acesso em: 22 dez. 2024.

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