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Atos jurídicos administrativos e privados

Agenda 06/05/2012 às 15:16

O artigo analisa os atos jurídicos administrativos e privados, apresentando suas características e elementos essenciais.

Os atos jurídicos administrativos e privados possuem identidade de elementos. Diferenciam-se na forma pela qual cada um desses elementos é considerado nesses dois ramos do direito.

No direito administrativo e no direito privado denomina-se ato jurídico o ato lícito que dê ensejo a modificação, criação ou extinção de direitos.  Para sua validade, o ato jurídico exige capacidade de seu agente, licitude de objeto e forma prescrita ou não vedada por lei.

Tanto no direito administrativo quanto no direito privado é necessária capacidade, ainda que no direito administartivo essa capacidade esteja identificada com a investidura do agente do poder de praticar o ato: a competência.

A licitude do objeto no direito administartivo encontra-se determianda pela lei. Só é lícito o que a lei permite. Regra diversa inside no direito privado, no qual é lícito aquilo que o ordenamento legal não proíba.

Semelhante consideração deve ser feita quanto a forma. A forma no ato jurídico privado pode não ser essencial, pois nesse ramo do direito privilegia-se o conteúdo, a intenção das partes. Já no direito administrativo a forma é imperativa. Deve-se seguir a forma sob pena de nulidade do ato.

O negócio jurídico é espécie de ato. O negócio jurídico distingue-se dos demais atos jurídicos pela vontade manifestada. na medida em que nos negócios há a manifestação de vontade direcionada a produção de determinada conseqüência jurídica. No negócio jurídico nota-se o caráter de manifestação, exteriorização direcionada da vontade. No ato jurídico, há mero ato de execução, sem a declaração dirigida da vontade.

Os elementos expostos são aplicáveis tanto a esfera pública quanto a privada. Os atos administrativos e os atos privados apresentam os mesmos elementos e produzem alterações semelhantes na realidade jurídica, ainda que por diferentes meios e em diversas configurações.

Assim não poderia deixar de ser, na medida em que o ordenamento jurídico é uno, embora possua em si particularidades decorrentes de sua aplicação nos casos concretos.

Não obstante, alguns autores ainda apontam autônomos os atos administrativos em relação aos atos jurídicos do direito privado.

 Os autores que defendem a autonomia dos atos administrativos apontam a “causa” como elemento distintivo. No âmbito privado, causa seria indiferente para determinação do ato jurídico. Contudo, essa observação não mais procede, na medida em que há mecanismos no direito privado a regular o conteúdo do ato, um dos elementos da causa. Ocorre, na verdade, que no direito a causa (ou melhor, o elemento econômico-social) já está considerada no tipo legal a que o ato administrativo deve ser ajustar. Ademais, deve-se considerar que a causa nem sempre é apontada como um dos requisitos do negócio jurídico porque sua configuração, em si, é muito controvertida na doutrina civilista.

 Outro elemento apontado por alguns autores para distinguir o ato administrativo do ato jurídico civil é a exigência de observância de forma no segundo. Esse argumento, no entanto, também não procede, pois também no âmbito privado são exigidas determinadas formalidades para a celebração de ato jurídico.

A presença do elemento “autonomia da vontade” no âmbito cível, tampouco, pode ser apontada como elemento distintivo do ato administrativo. De fato, nem mesmo no direito privado há uma liberdade extrema para a autonomia da vontade, haja vista a necessidade de observância de “limitadores” como a função social da propriedade e a proibição do abuso de direito, dentre outros. Por outro lado, há situações no direito civil nas quais não é dado ao agente dispor segundo sua vontade, devendo seguir conforme a legislação em vigor.

Outros autores estabelecem a distinção entre ato civil e ato administrativo no fato de que no primeiro o direito seria estabelecido pelas partes envolvidas, enquanto no segundo ele adviria da vontade da lei. Ocorre, contudo, que dentre as formas de a identificação do interesse público de que deve estar munido o ato administrativo está a participação da população, de modo a atenuar a unilateralidade do ato administrativo.

 Por fim, há a justificativa da diferença natural de elementos entre os regimes de direito público e privado. Contudo, mesmo essa distinção encontra óbices, pois a separação de esferas jurídicas públicas e privadas não é adotada em todos os sistemas jurídicos.

 Na verdade, observa-se movimento de privatização do público e publicização do privado, a superar a separação rígida entre os dois ramos do direito. Os atos administrativos estão cada vez mais dotados de autonomia, e os atos jurídicos privados cada vez mais regulados pelo Estado. “Assim, direito publico e direito privado não passam de referências de um mesmo ordenamento, indicando uma maior possibilidade de livre disposição ou uma maior observância de normas cogentes, imperativas, ainda que sempre no mesmo quadro jurídico.”[1] Percebe-se um maior ou menor grau de cogência a distinguir o direito público do privado, mas o direito permanece sendo sempre o mesmo, sem sofrer alteração.

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Ante a superação da dicotomia público-privada, supera-se também a idéia de uma teoria específica a distinguir os atos administrativos dos atos jurídicos cíveis, bem como o tratamento distinto da teoria das nulidades para cada um desses ramos do direito.

 Frise-se que a superação da dicotomia público-privada não afasta a utilidade de teorias e preceitos aplicáveis exclusivamente ao direito administrativo. A existência de uma estrutura que englobe todo o ordenamento jurídico é compatível com outras estruturas específicas concomitante e igualmente aplicáveis ao caso concreto. Tanto a solução geral quanto a pontual devem ser consideradas no caso concreto.

Portanto, pode-se afirmar que há uma teoria única das nulidades dos atos jurídicos aplicável tanto ao direito administrativo quanto ao direito privado. Além disso, há especificidades no direito administrativo a justificar a construção de teoria aplicável em cada caso concreto. Com efeito, em ambos os ramos há nulidade se não observados um dos elementos essenciais do ato jurídico: capacidade (competência), licitude (legalidade) e forma prescrita ou não vedada por lei.

 Isso não significa, porém, que não existam peculiaridades no direito administrativo no que se refere a teoria das nulidades. No exame da competência, licitude e forma, deve-se observar os elementos que diferenciam o direito administrativo dos demais ramos do direito.

Creio que a diferença fundamental entre a teoria das nulidades no ato administrativo e no direito privado é o peso do interesse público. Enquanto que no âmbito privado a vontade que dirige fundamentalmente o ato emana do próprio particular, na busca da concreção de seus interesses individuais, no direito administrativo a busca pela vontade (interesse) público é crucial. Não caracterizado o interesse público, o ato administrativo é nulo.

Ressalte-se, por oportuno, que apenas no caso concreto é possível determinar o interesse público em jogo, uma vez que são múltiplos os interesses sociais. Múltiplos interesses convivem na sociedade, que devem ser sopesados em cada hipótese a fim de estabelecer o caminho adequado ao interesse social.

 Outra diferença é o peso da legalidade. Cada ato da Administração Pública deve estar expressamente previsto como elemento de hipótese normativa, ao passo que ao particular lhe é dado agir enquanto não vedado pela lei. “Para o particular, liberdade de forma e criação de preceitos; para a Administração, a normatividade dos atos.”[2]

A segurança jurídica deve ser considerada, também, no âmbito privado e no público, porém sob um viés diferentes. No âmbito privado, a segurança jurídica reflete-se na garantia de cumprimento do avençado e mesmo na noção de prescrição, a partir da qual impede-se o revolvimento de direito sedimentados pelo curso do tempo. No âmbito público, por sua vez, a segurança jurídica manifesta-se pela certeza que o cidadão possui de que os atos ou decisões públicas produzirão efeitos duradouros, com base na legislação. Manifesta-se, principalmente, pela impossibilidade de retroação dos atos administrativos no passado.

O elemento subjetivo também deve ser considerado. Para os atos privados, a boa-fé objetiva pode ser traduzida no dever de lealdade, transparência, nas relações. No direito administrativo, é exigido que a atividade seja regida pela impessoalidade, princípio esse que permite uma mitigada consideração dos deveres de lealdade e boa-fé.

A distinção do ato jurídico na administração pública já possuiu importância central na construção da autonomia do Direito Administrativo. É certo, outrossim, que com a aproximação do direito público ao direito privado, o Direito Administrativo não mais necessita ver no instituto do ato administrativo seu traço mais evidente de autonomia científica. Há outro referencial essencial de autonomia do Direito Administrativo: o seu âmbito de aplicação, o destinatário de suas normas jurídicas.

Desprezar a autonomia do ato administrativo não implica na descaracterização do Direito Administrativo como ramo especial da ciência jurídica. Atualmente, o direito administrativo identifica-se com o direito estatutário, assim entendido como o ramo do direito que define o modo de exercício das funções institucionais da Administração Pública.


Notas

[1] HORBACH, Carlos Bastide. Teoria das nulidades do ato administrativo. 2ª ed. São Paulo : editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 251

[2] HORBACH, Carlos Bastide. Teoria das nulidades do ato administrativo. 2ª ed. São Paulo : editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 265.

Sobre a autora
Beatriz Veríssimo de Sena

Advogada desde 2000. Ex-conselheira titular da Terceira Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda – CARF. Graduou-se em Direito pela Universidade de Brasília (1999) e obteve os títulos de especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET (2010), em Direito do Trabalho pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2004) e em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP (2012). Atualmente cursa mestrado no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Beatriz Veríssimo. Atos jurídicos administrativos e privados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3231, 6 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21693. Acesso em: 23 dez. 2024.

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