6. DAS CONSEQUENCIAS CIVIS
A prática de um crime, além de gerar para o Estado o jus puniendi, eventualmente pode causar um prejuízo de ordem patrimonial à vítima, facultando-lhe o direito à devida reparação. Trata-se de aplicação do art. 186 do Código Civil, que dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, combinado com o art. 927 do mesmo diploma, este preconiza que “aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Diante disso, fatalmente chega-se a indagação sobre quem é o sujeito passivo do crime de embriaguez ao volante. Fernado Capez[4] esclarece, com propriedade, tal questionamento:
“Considerando que o bem jurídico principal é a segurança viária, pode-se concluir que o interesse atingido é público e, portanto, a coletividade aparece como sujeito passivo. Secundariamente, pode-se considerar como vítima a pessoa eventualmente exposta a risco pela conduta”.
O crime de embriaguez ao volante é considerado, doutrinariamente, como sendo de perigo abstrato, uma vez que basta a acusação provar a realização da conduta, não permitindo prova em contrário. Portanto, não haverá dever de indenização a coletividade por não existir vítima certa e determinada. Entretanto, isso vale quando inexistir vítima certa e determinada, pois que, havendo dano a pessoa específica nasce o direito a indenização como visto na fundamentação da nossa legislação civil.
Com efeito, se do crime de embriaguez ao volante resulta vítima certa e determinada surge o dever de indenizar para o infrator, enquanto que para a vítima surge o direito de ser indenizada. Vale ressaltar que esse direito nem sempre depende da condenação do infrator no juízo criminal, mas havendo trânsito em julgado de sentença penal condenatória automaticamente surge a obrigação de indenizar, inclusive não podendo o condenado discutir no cível a autoria do fato. Neste sentido são os ensinamentos do Professor Norberto Avena[5] que transcrevemos abaixo:
“uma vez condenado por sentença penal imutável, estará o acusado obrigado a indenizar o dano provocado pelo crime, não podendo se esquivar dessa obrigação”.
Entretanto, ainda que não exista sentença penal condenatória com trânsito em julgado, poderá a vítima propor no cível ação indenizatória, uma vez que o art. 66 do Código de Processo Penal autoriza sua propositura quando “não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato”. Tal possibilidade, ainda, encontra fundamentação no art. 935, do Código Civil Brasileiro, que dispõe o que segue:
Art. 935 CC/02 – A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Conclui-se, assim, que uma vez cometido o crime de embriaguez ao volante o infrator se sujeitara à reprimenda penal, além de, havendo vítima certa e determinada, ter que suportar o dever de indenizar civilmente a(s) vítima(s) e/ou familiares. Não cabe, aqui, a verificação dos limites desse tipo de indenização, por não se tratar dos objetivos deste trabalho.
7. DA EFICÁCIA DA NORMA PENAL
Após passear pelos caminhos dos quais poderão ser levados aqueles que cometerem o delito de embriaguez ao volante, voltemos os olhos para a eficácia prática das normas criadas com o intuito de reprimir este tipo de conduta.
Em que pese serem as normas regulamentadoras do crime de embriaguez ao volante de rigor considerável, há que se observar a possibilidade do tipo penal esculpido no art. 306 do CTB se tornar letra morta, retrocedendo o problema anteriormente enfrentado pela legislação do antigo Código Nacional de Trânsito. Isso se dá pelo fato de ter, o legislador, incluído no tipo incriminador o percentual mínimo exigido para configuração do delito ali previsto.
Ocorre que, como explicado pelas teorias que estudam o crime, para que o fato seja típico tem que preencher todas as elementares do tipo. Sendo que o tipo ora discutido exige a concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue e a única forma de se apurar, na prática, o teor alcoólico é através dos chamados testes de alcoolemia, caso o acusado não se submeta a esse tipo de teste, não será possível a condenação do mesmo, que fatalmente será absolvido por ausência de provas.
Por outro lado, é inegável que o legislador acertou ao incluir no Código de Trânsito Brasileiro o §3º, do art. 277, que dispõe que “serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo”. O caput deste artigo trata dos testes de alcoolemia.
Podemos concluir, assim, que ainda que o condutor não se submeta aos referidos testes para que haja possibilidade concreta da sua condenação pelo crime estampado no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, não ficará completamente impune, pois que estará sujeito as iras do art. 165 CTB, que, como vimos, trata da infração administrativa de trânsito, cujas penalidades são de consideráveis significância em especial para aqueles que precisam dirigir diariamente.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo o trabalho sobre as conseqüências jurídicas da embriaguez ao volante verificamos que, apesar de ainda existirem falhas, dispomos de uma legislação que, sendo bem aplicada, nos permite uma considerável margem de segurança, uma vez que havendo uma fiscalização eficiente, bem como aplicando com rigor as penas ali dispostas certamente haverá uma redução bastante expressiva no número de acidentes de trânsito provocado por condutores embriagados.
É forçoso ressaltar, a questão da falha no texto do art. 306 do CTB, eis que em razão do critério objetivo adotado, permite, pelo menos para aqueles que conhecem a referida falha, a descriminalização da conduta reprimida pelo legislador. Isso acontece pelo fato de que aquele que sabe que não se submetendo aos testes de alcoolemia não será possível sua condenação nos termos do instituto em tela, sabendo das condições que se encontra fatalmente não correrá o risco, restando penalizado apenas administrativamente.
Entretanto, é de se notar o rigor das penalidades administrativas. Pois, quando da negativa de submissão aos testes de alcoolemia o condutor suportará além da multa de aproximadamente dois salários, a suspensão do direito de dirigir pelo período de 12 (doze) meses, o que, na quase totalidade dos casos concretos, causará um transtorno imensurável na vida do penalizado, uma vez que ficar sem dirigir por tanto tempo, nos dias atuais, pode gerar inclusive a perda de emprego do apenado.
Ressalta-se, finalmente, que apesar da rigidez das normas e penas neste trabalho analisadas, não se pode desprezar a possibilidade da existência de vítimas fatais decorrentes de acidentes provocados por condutor alcoolizado, pois que os prejuízos patrimoniais são fungíveis, já a vida nunca.
REFERÊNCIAS
AVENA, Norberto, Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Ed. Método, 2009 pág. 233.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. RT Legislação.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de Outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal Brasileiro.
BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei n.2.848, de 07 dez. 1940. Institui o Código Penal Brasileiro.
BRASIL. Código Civil. Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro.
BRASIL. Código de Trânsito. Lei 9.503, de 27 set. 1997. Institui o Código de Trânsito.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: Parte especial. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 4, pág. 297.
GONÇALVES, Carlos Roberto: Direito Civil Brasileiro: Parte Geral. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2005.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Parte geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 26ª ed., São Paulo: Editora Atlas S.A, 2009.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
Notas
[1] GRECO, Rogério. Curso de direito penal: Parte geral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006
[2] MIRABETE, Júlio Fabrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 26ª ed., São Paulo: Editora Atlas S.A, 2009.
[3] Decisão proferida pelo Superio Tribunal de Justiça em 01/07/2010.
[4] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: Parte especial. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2007, vol. 4, pág. 297.
[5] AVENA, Norberto, Processo Penal Esquematizado. São Paulo: Ed. Método, 2009 pág. 233.