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A possibilidade de dedução de juros sobre o capital próprio acumulados em períodos futuros

Agenda 23/05/2012 às 10:03

O período de competência, para efeito de dedutibilidade dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do imposto de renda, é aquele em que há deliberação de órgão/pessoa competente sobre o pagamento ou crédito dos mesmos.

1.CONCEITO DE JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO E DIVIDENDOS

Antes de iniciar a questão sobre a viabilidade de dedução de juros sobre capital próprio acumulados em períodos futuros, faz-se necessário distinguir dois institutos jurídicos importantes para o deslinde da presente questão, quais sejam: os juros sobre capital próprio e os dividendos.

O art. 131 do Decreto-Lei nº 2.627, de 26.09.1940, inseriu no ordenamento jurídico pátrio a figura jurídica dos dividendos:

Art. 131. Se os estatutos não fixarem o dividendo que deva ser distribuído pelos acionistas ou a maneira de distribuírem-se os lucros líquidos, a assembléia geral, por proposta da diretoria, e ouvido o conselho fiscal, determinará o respectivo montante.

Este artigo foi revogado pela Lei nº 6.404, de 15.12.1976, que em seu art. 201 estabeleceu que a companhia somente poderá pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17 da referida lei:

Art. 201. A companhia somente pode pagar dividendos à conta de lucro líquido do exercício, de lucros acumulados e de reserva de lucros; e à conta de reserva de capital, no caso das ações preferenciais de que trata o § 5º do artigo 17.”

(Art. 17 (...)

§ 5º Salvo no caso de ações com dividendo fixo, o estatuto não pode excluir ou restringir o direito das ações preferenciais de participar dos aumentos de capital decorrentes da capitalização de reservas ou lucros (art. 169).(Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001)

Por outro lado, no tocante aos juros sobre o capital próprio, seu surgimento no ordenamento pátrio ocorreu com a edição da Lei nº 9.249, de 26.12.1995, em especial, no art. 9, § 1º, que assim o definiu:

Art. 9º - A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeito da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizados a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação “pro rata” dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

§ 1º - O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

Por sua vez, o art. 9º, § 7º, da Lei nº 9.249/95, é nítido ao estabelecer a distinção desses dois “institutos jurídicos”:

§ 7º - O valor dos juros pagos ou creditados pela pessoa jurídica, a título de remuneração do capital próprio, poderá ser imputado ao valor dos dividendosde que trata o art. 202 da Lei 6.404, de 15.12.1976, sem prejuízo do disposto no § 2º.[1]

Nesse mesmo sentido, é a doutrina de FABIO ULHOA COELHO que ressalta a diversidade desses institutos em seu livro Curso de Direito Comercial:

Os juros sobre o capital próprio não podem ser considerados espécie de dividendos. Se os primeiros podem ser imputados aos últimos, como prevê a lei, então isso já demonstra trata-se de institutos diversos ... Os juros sobre o capital próprio remuneram o acionista pela indisponibilidade do dinheiro, enquanto investido na companhia. Os dividendos remuneram pelo particular sucesso da empresa explorada. [2]:

Para ORLANDO GOMES, os juros sobre o capital próprio pressupõem a existência de uma dívida de capital, consistente em dinheiro ou outra coisa fungível:

Os juros pressupõem a existência de uma dívida de capital, consistente em dinheiro ou outra coisa fungível. São, portanto, objeto de obrigação acessória, que, todavia, pode ser exigida independentemente da dívida principal, passando a ser pretensão autônoma, com exigibilidade executiva própria.[3]

RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA ressalta o "caráter misto" dadas as suas "características específicas":

O art. 9° da Lei n° 9.249, de 26.12.1995, introduziu na legislação brasileira uma novidade que até então somente era prevista com relação às sociedades cooperativas.

Trata-se da possibilidade da pessoa jurídica remunerar os participantes no seu capital social através do pagamento de juros, e não de dividendos.

Os dividendos, remuneração por excelência das participações societárias, têm por substrato a existência de lucros a serem partilhados entre os sócios ou acionistas. Estes, portanto, por aplicarem seus capitais em investimentos de risco da empresa explorada pela sociedade, participam nos resultados desta através dos dividendos.

Já os juros são remuneratórios de recursos financeiros colocados temporariamente à disposição de outrem, independendo dos riscos dos empreendimentos do tomador, sendo ganhos pelo simples decurso do tempo, e tendo por base o próprio valor do capital entregue.

Os juros do art. 9° da Lei n° 9.249 assumem um caráter misto, pois são remuneratórios do patrimônio dos sócios ou acionistas, embora calculados sobre o patrimônio da pessoa jurídica, mas também pressupõem a existência de lucros na pessoa jurídica.

Sob o ponto de vista econômico, os juros do art. 9° justificam-se porque a sociedade deixa de tomar empréstimos perante terceiros, e, além disso, os juros representam uma substituição dos dividendos que os sócios ou acionistas teriam recebido caso não tivesse havido a retenção de lucros pela sociedade. Daí eles serem calculados sobre a totalidade do patrimônio líquido desta, e não apenas sobre o valor do capital social.

Mas é bom ter em vista que, juridicamente, eles possuem feição de juros. Com efeito, a natureza jurídica de qualquer objeto é dada pelo regime jurídico que o direito lhe atribui, e assim também ocorre com os juros.

Pode-se ver pelas disposições do art. 9° da Lei n° 9.249 que, não apenas pelo título jurídico a eles conferido, mas também por todo o regime jurídico a que se submetem, que se tratam de juros remuneratórios do capital, embora com características específicas, e distintos da participação nos resultados que a lei regula como dividendos.

Assim, o objeto do art. 9° é tratado sempre como juros, quer para efeitos tributários, quer para efeitos societários. [4]

Por outro lado, a Comissão de Valores Mobiliários adotou o entendimento de que os juros sobre o capital próprio configuram participação nos resultados e, por corolário, determinou que as companhias abertas devem contabilizar os juros sobre o capital próprio diretamente na conta de lucros acumulados, permitindo, contudo, que companhias optem por lançá-los como despesa financeira e, depois, na última linha das demonstrações do resultado, antes do saldo da conta do lucro líquido ou prejuízo do exercício, façam a reversão do valor correspondente[5].

É o que consta da Deliberação da Comissão de Valores Mobiliários n° 207, de 13.12.1996:

DELIBEROU:

I - Os juros pagos ou creditados pelas companhias abertas, a título de remuneração do capital próprio, na forma do artigo 9º da Lei nº 9.249/95,devem ser contabilizados diretamente à conta de Lucros Acumulados, sem afetar o resultado do exercício.

(...)

V - Os juros pagos ou creditados somente poderão ser imputados ao dividendo mínimo, previsto no artigo 202 da Lei nº 6.404/76, pelo seu valor líquido do imposto de renda na fonte.

(...)

VIII - Caso a companhia opte, para fins de atendimento às disposições tributárias, por contabilizar os juros sobre o capital próprio pagos/creditados ou recebidos/auferidos como despesa ou receita financeira, deverá proceder à reversão desses valores, nos registros mercantis, de forma que o lucro líquido ou o prejuízo do exercício seja apurado nos termos desta Deliberação.

IX - A reversão, de que trata o item anterior, poderá ser evidenciada na última linha da demonstração do resultado antes do saldo da conta do lucro líquido ou prejuízo do exercício.

Embora à luz dos dispositivos legais acima referidos e de parte da doutrina entender que se trata de dois institutos jurídicos distintos, faz–se necessário trazer à baila também entendimento diverso para melhor debate.

Em sentido contrário, a 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais já decidiu que os dividendos e os juros sobre o capital próprio possuem a mesma natureza jurídica, na medida em que ambos são contraprestações do investimento realizado pelos sócios ou acionistas da pessoa jurídica.[6]

JOSÉ EDWALDO TAVARES BORBA assim se manifesta sobre a relação entre os JCP e o dividendo, aludindo a um "paralelismo" que reforça a nossa conclusão de que a data limite para pagamento do dividendo obrigatório é também a dos Juros sobre o capital próprio[7]:

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Os dividendos, contanto que declarados, devem ser pagos no prazo de sessenta dias, salvo deliberação em contrário da assembléia-geral. De qualquer sorte, incumbe não ultrapassar o exercício social em que forem declarados. Para os dividendos intermediários, não se estabeleceu prazo específico, cabendo ao órgão que deliberar sobre a distribuição declinar a data do pagamento.

Prevê a Lei nº 9.249, de 26.12.95 (art. 9º), com a redação que lhe foi atribuída pela Lei nº 9.430/96, o pagamento de juros ao acionista, hipótese anteriormente circunscrita à fase pré-operacional (art. 179, IV, da Lei nº 6.404/76). Agora, e de forma ampla, poderá a sociedade pagar juros aos acionistas, desde que observados os seguintes parâmetros: a) base de cálculo - patrimônio líquido; b) taxa máxima a ser aplicada - variação "pro rata dia" da TJLP; c) limite de valor - 50% dos lucros do exercício ou dos lucros acumulados e reservas de lucros.

Os juros pagos poderão ser compensados para efeito do dividendo obrigatório.

A grande vantagem do pagamento de juros ao acionista reside na dedutibilidade do respectivo montante como despesa, representando, portanto, um significativo benefício para a companhia, não obstante estejam esses juros sujeitos à incidência de imposto de renda na fonte.

Como os juros guardam um evidente paralelismo com o dividendo, a deliberação de pagá-los, bem como o equacionamento das questões jurídicas envolvidas devem seguir os mesmos princípios.

Dessarte, a decisão de pagá-los compete à assembléia-geral, ou ao conselho de administração ou diretoria, se o estatuto assim dispuser, uma vez que, como os juros se fundam em lucros já apurados em balanço, verifica-se, sob esse aspecto, situação análoga à dos dividendos intermediários.

Cabe acentuar que, quando da atribuição dos juros, os direitos dos acionistas preferenciais deverão ser objeto de equacionamento, de modo a que os seus privilégios se reflitam nesse pagamento.

No entanto, a jurisprudência majoritária dos Tribunais do País adota o entendimento no sentido de que os Juros sobre o capital próprio não se confundem com os dividendos, pois se trata de entidade com configurações jurídicas e efeitos não assemelhados.

Nesse sentido, foram os acórdãos proferidos pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos julgamentos dos recursos especiais (RESP) nºs 952.566/SC e 921.269/RS, de que foram relatores os Ministros JOSÉ DELGADO e FRANCISCO FALCÃO, respectivamente:

a) 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro JOSÉ DELGADO, RESP nº 952.566/SC:

TRIBUTÁRIO. COFINS. PIS. JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO QUE A PESSOA JURÍDICA INVESTE EM OUTRA EMPRESA. INCIDÊNCIA.

1. Os juros recebidos de capital próprio investido pela sociedade empresarial em outra empresa constituem receitas financeiras.

2. Juros de capital próprio investido não se confundem com dividendos. Entidade com configurações jurídicas e efeitos não assemelhados. Regime jurídico diferenciado a eles praticado.

(...)

5. Os juros sobre o capital próprio tem por finalidade remunerar o capital do investidor. São calculados sobre as contas do patrimônio líquido da pessoa jurídica. Os dividendos representam parcela do lucro distribuído pela empresa aos seus sócios. Entidades que, pelas suas próprias características, não se confundem a que recebem tratamento tributário diferenciado. 

6. Os juros recebidos por capital próprio empregado em outra empresa integram a receita bruta do favorecido. Incide sobre eles Cofins e PIS.

7. Recurso especial não-provido.

(DJ de 25.02.2008)

b) 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, relator Ministro FRANCISCO FALCÃO, RESP nº 921.269/RS:

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PIS/COFINS. JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO.

(...)

MANDADO DE SEGURANÇA. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS/ACIONISTAS. INCIDÊNCIA DE PIS E COFINS. NATUREZA DE DIVIDENDOS. IMPOSSIBILIDADE. ISENÇÃO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ART. 111 DO CTN. OMISSÃO QUANTO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO.

(...)

III - Os juros sobre capital próprio não possuem natureza de lucro ou dividendo, mas de receita financeira.

IV - De acordo com a Lei nº 9.249/95, apresentam-se os juros sobre capital próprio como uma faculdade à pessoa jurídica, que pode fazer valer de seu creditamento sem que ocorra o efetivo pagamento de maneira imediata, aproveitando-se da capitalização durante esse tempo. Além do mais, ao contrário dos dividendos, os JCP dizem respeito ao patrimônio líqüido da empresa, o que permite que sejam creditados de acordo com os lucros e reservas acumulados.

V - As normas instituidoras de isenção (art. 111 do CTN), por preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina a interpretação restritiva, dada à sua natureza. Não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão dos juros de capital próprio da base de cálculo do PIS e da COFINS, pelas Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, incabível fazê-lo por analogia.

VI - Recurso especial improvido.

(DJ de 14.06.2007)

Ou seja, para a grande parte da doutrina e da jurisprudência do País, os juros sobre o capital próprio não se confundem com os dividendos, na medida em que uma tem por finalidade remunerar o capital do investidor (juros sobre capital próprio) e a outra representa parcela do lucro distribuído pela empresa aos seus sócios (dividendos).


2.DEDUTIBILIDADE DOS JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO

O art. 9º da Lei nº 9.249, de 26.12.1995, alterado pela Lei nº 9.430, de 27.12.1996, estabeleceu o tratamento fiscal a ser dispensado aos juros sobre o capital próprio:

Art. 9º - A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeito da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizados a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação “pro rata” dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

§ 1º - O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados.

§ 2º - Os juros ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda na Fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário.

§ 3º - O imposto retido na fonte será considerado:

I – antecipação do devido na declaração de rendimentos, no caso beneficiário pessoa jurídica tributada com base no lucro real;

II – tributação definitiva, no caso de beneficiário pessoa física ou pessoa jurídica não tributada com base no lucro real, inclusive isenta, ressalvado o disposto no § 4º (...)

Ou seja, a pessoa jurídica pode deduzir, para efeito do lucro real tributável pelo imposto de renda, o valor dos juros pagos ou creditados ao seu titular, em caso de firma individual, ou aos seus sócios ou acionistas, em caso de sociedade. Em 1996 também foi permitido deduzir os juros que fossem levados à conta de capital, ou a uma reserva especial destinada a aumento de capital.

Esta dedução ocorre no cálculo do lucro real ou ainda quando a pessoa jurídica levanta balanços mensais para suspensão ou redução do imposto recolhido por estimativa.

Com efeito, a norma infraconstitucional que regulamenta o imposto de renda admite, para efeito de determinação da base de cálculo do imposto, a dedução de juros (estes constituindo a remuneração do capital de terceiros), mas submete ao imposto a remuneração do capital próprio (que integra o lucro líquido do exercício). Esta diferença de tratamento é um incentivo ao endividamento das empresas, cuja eliminação já foi proposta diversas vezes nas últimas décadas, em geral sob a forma de dedução de lucros ou dividendos distribuídos pela pessoa jurídica, para os fins de (i) possibilitar que as empresas adotem estrutura de capitalização mais saudável em termos de relação capital próprio/capital de terceiros e (ii) desenvolvimento de mercado de ações.

A dedução dos juros é a mesma quer eles sejam debitados ao resultado do período como despesas financeiras, quer sejam debitados a lucros acumulados por inexistência de lucros no período, ou para atender exigências de regulamentações administrativas, como as derivadas da Comissão de Valores Mobiliários.

A possibilidade de dedução, em qualquer desses casos, decorre da norma legal que a admite e do conceito segundo o qual a forma de contabilização é sempre de livre escolha do contribuinte, desde que não afete o resultado fiscal.

Nesse sentido, foi o Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação nº 347, de 08.10.1970 que definiu que a forma de escrituração das operações é de livre escolha do contribuinte, dentro dos princípios técnicos ditados pela Contabilidade e a repartição fiscal só a impugnará se a mesma omitir detalhes indispensáveis à determinação do verdadeiro lucro tributável:

A forma de escriturar suas operações é de livre escolha do contribuinte, dentro dos princípios técnicos ditados pela Contabilidade e a repartição fiscal só a impugnará se a mesma omitir detalhes indispensáveis à determinação do verdadeiro lucro tributável.

Às repartições fiscais não cabe opinar sobre processos de contabilização, os quais são de livre escolha do contribuinte.

Tais processos só estarão sujeitos à impugnação quando em desacordo com as normas e padrões de contabilidade geralmente aceitos ou que possam levar a um resultado diferente do legítimo.

Adotando esse mesmo entendimento, foram os Pareceres Normativos CST nºs 30/71, 49/73 e 41/80 e acórdãos nºs 101-91729 e 101-94204, ambos proferidos pela 1ª Câmara do Conselho de Contribuintes.

Tanto é assim que a 1ª Câmara do 1º Conselho de Contribuintes de Recurso Fiscais já reconheceu a possibilidade de dedução dos juros sobre o capita próprio conforme as regras previstas no art. 9º da Lei nº 9.249/95, com a redação dada pelo art. 78 da Lei nº 9.430/96; eis a ementa do acórdão n. 101-93976, de 16.10.2002:

IRPJ - DESPESAS - JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO - DEDUTIBILIDADE - Deve ser reconhecida a dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, quando apurado de acordo com as normas previstas no art. 9º da Lei n. 9249/95, com a redação dada pelo art. 78 da Lei n. 9430/96, independentemente do registro contábil ter sido procedido em conta de resultado ou diretamente à conta de lucros acumulados.

A própria Exposição de Motivos do projeto da Lei nº 9.249/95 é clara sobre a questão da dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio:

Com vistas a equiparar a tributação dos diversos tipos de rendimentos do capital, o Projeto introduz a possibilidade de remuneração do capital próprio investido na atividade produtiva, permitindo a dedução dos juros pagos ao acionista, até o limite da variação da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.

A permissão da dedução de juros pagos ao acionista, até o limite proposta, em especial, deverá provocar um incremento das aplicações produtivas das empresas brasileiras, capacitando-as a elevar o nível de investimento, sem endividamento, com evidentes vantagens no que se refere à geração de empregos e ao crescimento sustentando da economia.”

(...)

Os encargos implícitos sobre o capital próprio consistem no seu custo de oportunidade, vale dizer, no custo equivalente ao quanto renderia se aplicado no mercado financeiro. Como a variação da TJLP tende a convergir com a variação da inflação, pode-se dizer que a dedução dos encargos, calculado sobre o capital próprio, pela variação TJLP, tende a equalizar o tratamento dispensado ao capital de terceiros.

Observa-se, ainda que, como mera conseqüência do critério de se avaliar um montante dos encargos implícitos sobre o capital próprio em função da variação da TJLP, convergente com a variação da taxa inflacionária. A dedução desses encargos, na determinação da base de cálculo do imposto de renda, deverá suprir, se for o caso, a falta de correção monetária sobre o patrimônio líquido.

Vê-se, pois, que em relação à possibilidade de dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio conforme regras previstas no art. 9º da Lei nº 9.249/95, com a redação dada pelo art. 78 da Lei nº 9.430/96, não há qualquer tipo de restrição.

No entanto, outro aspecto envolvido na dedução dos juros sobre o capital próprio enfrenta grande rejeição por parte do Fisco, qual seja, O MOMENTO em que a empresa poderá utilizar esse juros.

De fato, o art. 29 da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil (IN-SRFB) nº 11/96 estabelece expressamente que para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação. “pro rata” dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP:

“Art. 29. Para efeito de apuração do lucro real, observado o regime de competência, poderão ser deduzidos os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação. “pro rata” dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP.”

À luz do dispositivo legal acima referido, o Fisco vem entendendo que os juros sobre o capital próprio acumulados não podem ser utilizados em períodos futuros, sob pena de ofensa ao regime de competência.

Nesse sentido, foram as recentes soluções de consultas do Ministério da Fazenda Nacional:

a) SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 32 de 27 de Janeiro de 2010:

“ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL

EMENTA: JUROS SOBRE O CAPITAL PRÓPRIO. DEDUTIBILIDADE. REGIME DE COMPETÊNCIA. A observância do regime de competência é condição para a dedutibilidade dos juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido.”

b) SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 54 de 18 de Fevereiro de 2005:

“ASSUNTO: Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL

EMENTA: A observância do regime de competência é condição para a dedutibilidade dos juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido”.

Ocorre que a regra prevista no art. 29 da IN-SRFB nº 11/96 não apresenta qualquer restrição específica, sendo mero reflexo do sistema geral de reconhecimento contábil e dedução fiscal das despesas pelo regime de competência, até porque qualquer disposição específica relativa aos juros sobre o capital próprio, se houvesse, deveria ser objeto de norma legal.

Além disso, a IN-SRFB nº 11/96, em razão de sua natureza de norma meramente interpretativa, não poderia incluir exigência, limite ou condição não prevista em lei. Sua função é veicular a interpretação da Administração Tributária sobre determinado assunto, não tendo competência para instituir ou criar regra que vincule o contribuinte.

E mesmo que se admita que a IN-SRFB nº 11/96 teria pretendido que o pagamento dos juros sobre o capital próprio fosse realizado observando-se o regime de competência, parece claro que a despesa de juros de que trata o art. 9º da Lei nº 9.249/95, por estar sujeita a condição, compete ao exercício em que for implementada a condição, ou seja, o seu pagamento ou crédito. Daí porque, na mais estrita observância ao regime de competência, os juros sobre o capital próprio somente poderão ser computados como despesa no exercício em que forem pagos ou creditados.

De fato, a regra prevista no art. 9º da Lei nº 9.249/95 estabelece limites a serem observados na fixação do quantum a ser pago, mas a dedutibilidade da despesa dos juros sobre o capital próprio é condicionada exclusivamente ao pagamento ou crédito do ser valor. Assim, a despesa de juros compete ao período em que ela for paga ou creditada.

O período de competência, para efeito de dedutibilidade dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do imposto de renda, é aquele em que há deliberação de órgão ou pessoa competente sobre o pagamento ou crédito dos mesmos, podendo, inclusive, remunerar o capital tomando por base o valor existente em períodos pretéritos, desde que respeitado os critérios e limites previsto em lei na data da deliberação do pagamento ou crédito.

Ou seja, as referidas despesas são dedutíveis quando incorridas através da deliberação societária de pagamento dos juros, conforme as normas estatutárias de cada pessoa jurídica.

Além disso, caso o legislador quisesse vedar a utilização de juros sobre o capital próprio de períodos pretéritos, teria ele manifestado essa vedação de forma expressa, estabelecendo uma restrição temporal ou condicionando a dedutibilidade dos juros ao pagamento dentro de determinado prazo.

No entanto, o legislador preferiu silenciar totalmente sobre essa matéria, deixando a critério do contribuinte a fixação da periodicidade do pagamento dos juros.

O exame do art. 9º da Lei nº 9.249/95 é elucidativo de todos os limites, restrições e condições impostas pelo legislador para a utilização da dedutibilidade dos juros.

Pretender incluir no texto legal condição não expressa é procedimento de hermenêutica não admitido pela doutrina e jurisprudência pacífica dos Tribunais do País.

Embora o Fisco entenda existir um limite temporal para a questão da dedutibilidade dos juros, o Conselho de Contribuinte já vem decidindo há bastante tempo no sentido de que é possível a dedução dos juros sobre o capital próprio relativos a períodos pretéritos[8].

Quanto à discussão judicial sobre esse tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestou no sentido de que a legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que realizado o lucro da empresa, ao contrário, permite que ela ocorra em ano-calendário futuro, quando efetivamente ocorrer a realização do pagamento.

Esse foi o entendimento da 1ª Turma do STJ, no julgamento do recurso especial nº 1.086.752/PR, de que foi relator o Ministro FRANCISCO FALCÃO:

“MANDADO DE SEGURANÇA. DEDUÇÃO. JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO DISTRIBUÍDOS AOS SÓCIOS/ACIONISTAS. BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. EXERCÍCIOS ANTERIORES. POSSIBILIDADE.

I - Discute-se, nos presentes autos, o direito ao reconhecimento da dedução dos juros sobre capital próprio transferidos a seus acionistas, quando da apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL no ano-calendário de 2002, relativo aos anos-calendários de 1997 a 2000, sem que seja observado o regime de competência.

II - A legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa. Ao contrário, permite que ela ocorra em ano-calendário futuro, quando efetivamente ocorrer a realização do pagamento.

III - Tal conduta se dá em consonância com o regime de caixa, em que haverá permissão da efetivação dos dividendos quando esses foram de fato despendidos, não importando a época em que ocorrer, mesmo que seja em exercício distinto ao da apuração.

IV - "O entendimento preconizado pelo Fisco obrigaria as empresas a promover o creditamento dos juros a seus acionistas no mesmo exercício em que apurado o lucro, impondo ao contribuinte, de forma oblíquoa, a época em que se deveria dar o exercício da prerrogativa concedida pela Lei 6.404/1976".

V - Recurso especial improvido.

(DJe de 11.03.2009)

Vê-se, pois, que, à luz dos argumentos acima expostos, é possível sustentar que:

a) art. 29 da IN-SRFB nº 11/96 não estabelece restrição específica, sendo apenas reflexo do sistema geral de reconhecimento contábil e dedução fiscal das despesas pelo regime de competência;

b) a IN-SRFB nº 11/96, em razão de sua natureza meramente interpretativa, não poderia incluir limite, exigência ou condição não prevista em lei; sua função é veicular a interpretação da Administração Tributária sobre determinado assunto, não tendo competência para instituir ou criar regra que vincule o contribuinte;

c) a regra prevista no art. 9º da Lei nº 9.249/95 estabelece limites a serem observados na fixação do quantum a ser pago, mas a dedutibilidade da despesa dos juros sobre o capital próprio é condicionada exclusivamente ao pagamento ou crédito do ser valor;

d) o período de competência, para efeito de dedutibilidade dos juros sobre capital próprio da base de cálculo do imposto de renda, é aquele em que há deliberação de órgão/pessoa competente sobre o pagamento ou crédito dos mesmos, podendo, inclusive, remunerar o capital tomando por base o valor existente em períodos pretéritos, desde que respeitado os critérios e limites previsto em lei na data da deliberação do pagamento ou crédito e

e) caso o legislador quisesse vedar a utilização de juros sobre o capital próprio de períodos pretéritos, teria ele manifestado essa vedação de forma expressa, estabelecendo algum tipo de restrição temporal ou condicionando a dedutibilidade dos juros ao pagamento dentro de determinado prazo, sob pena de ofensa ao procedimento de hermenêutica.


Notas

[1] Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: I - metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores: a) importância destinada à constituição da reserva legal (art. 193); e b) importância destinada à formação da reserva para contingências (art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores;

II - o pagamento do dividendo determinado nos termos do inciso I poderá ser limitado ao montante do lucro líquido do exercício que tiver sido realizado, desde que a diferença seja registrada como reserva de lucros a realizar (art. 197); III - os lucros registrados na reserva de lucros a realizar, quando realizados e se não tiverem sido absorvidos por prejuízos em exercícios subseqüentes, deverão ser acrescidos ao primeiro dividendo declarado após a realização. § 1º O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria § 2º Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo.

[2] COELHO, Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial. Vol. 2. 5ª Edição, revista e atualizada de acordo com o novo Código Civil e alterações da LSA. São Paulo, Saraiva, 202, PP. 342 a 344

[3] GOMES, Orlando. Obrigações. 17.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 65

[4] OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Juros de Remuneração do Capital Próprio", Direito Tributário Atual n° 15, IBDT, Dialética, São Paulo, p. 114

[5] LUDÍCIBUS, Sérgio. O Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações, elaborado pela FIPECAFI – Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, FEA/USP, nos dá conta que "ultimamente, muitas Companhias vêm-se utilizando do procedimento mais correto (aceito pela CVM, é claro): mesmo tendo contabilizado os juros a débito do resultado, não o evidenciam na DRE publicada, fazendo-o apenas na Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido"; e prossegue "em notas explicativas às demonstrações financeiras e às informações trimestrais (ITR), deverão ser informados: (a) os critérios utilizados para determinação desses juros e de sua contabilização e evidenciação; (b) as políticas adotadas para sua distribuição; (c) o montante do Imposto de Renda incidente; (d) seus efeitos sobre os dividendos obrigatórios." (Editora Atlas, 2003, p. 428.)

[6] Acórdão nº 1401-00401, de 16.12.2010

[7] BORBA, José Eduardo Tavares. Direito Societário, Renovar, 2004, pp. 446 e 447.

[8] acórdãos nºs 108-07641 e 108-07651 (de 05.12.2003); 103-22207 (de 08.12.2005); 107-08941 (de 28.03.2007) e 101-93976 (28.05.2008), 

Sobre o autor
Daniel Chernicharo da Silveira

Advogado. Sócio de Toscano & Chernicharo Advogados em Vitória (ES). Ex-sócio do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados - Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Pós Graduado em Direito Tributário Lato Sensu pela Fundação Getúlio Vargas (RJ).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Daniel Chernicharo. A possibilidade de dedução de juros sobre o capital próprio acumulados em períodos futuros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3248, 23 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21829. Acesso em: 23 dez. 2024.

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