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O representante comercial em situação irregular

Pelo princípio protetor alinhado à hipossuficiência do trabalhador, a tendência na base do Judiciário Laboral é o enquadramento do representante irregular como empregado, e assim, detentor de diversos direitos, inclusive os recolhimentos de FGTS.

Como preleciona o texto da Lei do Representante Comercial (Lei nº 4.886/65), em seu art. 1º, o representante comercial pode exercer seu mister por meio de uma pessoa jurídica ou como pessoa física.

Em ambas as possibilidades, deverá obrigatoriamente, possuir registro nas entidades de classe, como prevê textualmente o art. 2º da norma em apreço: “Art. 2º: É obrigatório o registro dos que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais criados pelo art. 6º desta Lei”.

No caso de exercer a profissão através de pessoa jurídica, há a necessidade de registro tanto do sócio como pessoa física, como o da pessoa jurídica, conforme resolução n° 335/2005, do Conselho Federal dos Representantes Comerciais.

Por entidades de classe se entende as diferentes organizações que representam as diversas modalidades profissionais, tanto de nível superior, tais como Advocacia, Engenharia e Medicina; quanto de nível técnico, como a Representação Comercial, ora em análise.

Pois bem. Da interpretação legal (art. 2º da Lei do representante Comercial) se extraem as seguintes observações:

a) Para o contrato de representação entre as partes ser regido pela lei específica, há a necessidade de registro da pessoa do representante junto ao órgão de classe, e assim o preenchimento dos requisitos legais para ser representante (previstos na lei nos arts. 3º e 4º).

b) A ausência de regularidade na relação de representação comercial ensejará situação diversa da prevista na norma, qual seja, poderá haver vinculo de emprego entre o representante pessoa física irregular e a empresa contratante, aproximando-se este contrato de um contrato de vendedor, em que há a remuneração por meio de comissões e o trabalho realizado externamente, e sem o controle de horário e com as despesas reembolsáveis, por exemplo.

Porém, o tema não é pacífico nos tribunais trabalhistas, sendo que para o TST em recente julgado prevaleceu a primazia da realidade sob o aspecto de dar validade ao contrato de representação, mesmo sem o registro do trabalhador no órgão de classe.

Nesse sentido (com grifos):

Ementa: RECURSO DE REVISTA REPRESENTANTE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL. O Regional procedeu a minucioso exame do acervo fático-probatório produzido nos autos e concluiu que o Autor era representante comercial autônomo da Reclamada. Desse modo, a ausência de registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais CORE, conquanto obrigatória para fins de regularização da atividade de representação comercial (art. 2º da Lei nº 4.886 /65), acarreta ao infrator dessa determinação tão somente a submissão às penalidades previstas na referida lei, não tendo o condão, todavia, de tornar inválido o contrato de representação comercial autônomo reconhecido no caso concreto (princípio da primazia da realidade). Precedentes desta Corte. Recurso de Revista conhecido e desprovido. TST. Processo: RR 8479003020075120037 847900-30.2007.5.12.0037 Relator(a): Márcio Eurico Vitral Amaro Julgamento: 30/11/2011 Órgão Julgador: 8ª Turma Publicação: DEJT 02/12/2011

Ementa. RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO DE EMPREGO. INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT. REPRESENTANTE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL. O Regional procedeu a minucioso exame do acervo fático-probatório produzido nos autos e concluiu pela ausência dos requisitos configuradores do vínculo de emprego relacionados no art. 3º da CLT, notadamente a subordinação, entendendo tratar-se o Autor de representante comercial autônomo da Reclamada. Desse modo, a ausência de registro no Conselho Regional dos Representantes Comerciais - CORE, conquanto obrigatória para fins de regularização da atividade de representação comercial (art. 2º da Lei nº 4.886/65), acarreta ao infrator dessa determinação tão somente a submissão às penalidades previstas na referida Lei, não tendo o condão, todavia, de tornar inválido o contrato de representação comercial autônomo reconhecido no caso concreto (princípio da primazia da realidade) e, muito menos de ensejar, automaticamente, o reconhecimento de vínculo empregatício à margem da observância dos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT. Precedentes desta Corte. Recurso de Revista conhecido e desprovido. TST. Processo: RR 4799006420085090016 479900-64.2008.5.09.0016. Relator(a): Márcio Eurico Vitral Amaro. Julgamento: 11/10/2011. Órgão Julgador: 8ª Turma. Publicação:DEJT 14/10/2011

Em idêntico sentido no TRT da 2ª Região:

EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO. REPRESENTANTE COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL RESPECTIVO. CIRCUNSTÂNCIA QUE, POR SI SÓ, NÃO AFASTA A RELAÇÃO JURÍDICA DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Consoante remansosa jurisprudência do C. TST, não há que se desconsiderar a relação jurídica de representação comercial pelo simples fato do trabalhador não possuir o registro no Conselho Regional respectivo, sobretudo quando os demais elementos de prova colacionados ao Processo demonstram a inexistência dos requisitos configuradores da relação empregatícia. Recurso do reclamante a que se nega provimento. Tipo: recurso ordinário. Data de julgamento: 20/03/2012. Relator(a): Sergio Roberto Rodrigues. Revisor(a): Ricardo Verta Luduvice. Acórdão nº: 20120317570. Processo nº: 02508009120095020312. Ano: 2011. Turma: 11ª. Data de publicação: 27/03/2012. Partes: recorrente(s): Roberto Baptista Pimenta. Recorrido: Total Quimica LTDA

De forma diversa são os entendimentos a seguir, ou seja, de que pelo próprio princípio da primazia da realidade, a ausência de registro do representante pessoa física junto ao seu órgão de classe enseja o vinculo de emprego. Vejamos:

TRT da 16ª Região. Ementa. CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CORE. PRIMAZIA DA REALIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS FÁTICO-JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Formalizado o contrato de representação comercial autônoma, mas presentes os requisitos fático-jurídicos da relação de emprego, deve ser reconhecida a caracterização da relação de emprego, por aplicação do princípio da primazia da realidade. Recurso ordinário conhecido e provido. Processo: 712201000616000 MA 00712-2010-006-16-00-0. Relator(a): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR. Julgamento: 06/07/2011. Publicação:14/07/2011.

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Do mesmo TRT da 2ª Região:

EMENTA: VÍNCULO DE EMPREGO - REPRESENTANTE COMERCIAL (AUTÔNOMO) - São elementos fático-jurídicos do contrato de emprego, emergentes dos arts. 2º e 3º da CLT, a subordinação jurídica, a onerosidade, a não-eventualidade e pessoalidade, afora a prestação de serviços por pessoa física. O artigo 2º da Lei 4.886/65, prevê a obrigatoriedade do registro para os que exerçam a representação comercial autônoma nos Conselhos Regionais criados pelo art. 6º desta Lei. A reclamada não trouxe aos autos o registro de inscrição do autor no Conselho Regional, o que constitui requisito obrigatório para configurar o contrato de representação autônoma. Os contratos, em regra não exigem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir, consoante artigo 107 do Código Civil. Assim, o registro, no contrato de representação comercial, constitui formalidade da essência do ato, sem o qual é inválido o negócio jurídico. Portanto, a ausência de requisito obrigatório induz ao reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes. TIPO: RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 13/03/2012. RELATOR(A): IVANI CONTINI BRAMANTE. REVISOR(A): MARIA ISABEL CUEVA MORAES. ACÓRDÃO Nº: 20120268161. PROCESSO Nº: 20120001655. ANO: 2012. TURMA: 4ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 23/03/2012. PARTES: RECORRENTE(S): Marco Antonio Leite do Carmo RECORRIDO(S): Camil Alimentos S.A.

Ponto finalizando, ao leitor leigo podem causar estranheza as decisões conflitantes e algumas com o mesmo fundamento, o princípio da primazia da realidade, porém esta é a finalidade do princípio, que diferentemente da regra, enseja interpretação e dilação para adequar-se à situação concreta.

Com efeito, a linha da jurisprudência atual e crescente no TST, órgão de cúpula do Judiciário Trabalhista, só poderá ser encampada no cotidiano pelas empresas e pelos representantes quando houver entendimento sumulado ou mesmo alteração legislativa, pois a posição não é unânime nos Tribunais Regionais e perante as Varas do Trabalho, sendo que pelo princípio protetor alinhado à hipossuficiência do trabalhador a tendência na base do Judiciário Laboral é o enquadramento do representante irregular como empregado, e assim, detentor de diversos direitos, inclusive os recolhimentos de FGTS.

Porém, cumpre salientar que a decisão do TST pode estar lastreada na mais moderna e adequada jurisprudência pátria, já que o registro no órgão de classe ou manutenção dessa situação não enseja a justa causa prevista no art. 35 da Lei do Representante Comercial, o que por menos poderia alterar a natureza jurídica da relação contratual existente entre as partes.

Assim vejamos:

TJ de Pernambuco. Ementa. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO - JULGAMENTO MONOCRÁTICO DA APELAÇÃO - REPRESENTAÇÃO COMERCIAL - AUSÊNCIA DE REGISTRO NO CONSELHO REGIONAL DOS REPRESENTANTES COMERCIAIS / CORE -DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. JUSTO MOTIVO. INEXISTÊNCIA -RESCISÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. O registro do representante comercial, segundo a Lei 4.886/95, é matéria que compete ao CORE. -Entre as obrigações inerentes ao contrato de representação comercial previstas na Lei4.886/65, não se encontra a questão do registro no CORE, de forma que não se aplica ao presente caso o justo motivo previsto no seu art. 35, alínea c.Na rescisão do contrato de representação fora dos casos previstos no art. 35 da Lei 4.886/65, é devida indenização mínima de 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação, conforme previsto em seu art. 27, alínea j. Processo: AGV 1619989 PE 0010152-79.2011.8.17.0000 Relator(a): Sílvio de Arruda Beltrão. Julgamento: 21/07/2011. Órgão Julgador: 3ª Câmara Cível. Publicação: 139/2011.

TJ do Rio Grande do Sul. Apelação cível. Ação de indenização. Representação comercial. ÔNUS DA PROVA. CASO CONCRETO. Registro perante o Conselho Regional competente. A ausência do registro exigido pelo artigo 2º da Lei nº 4.886/65 constitui mera irregularidade, não servindo como óbice para o reconhecimento da atuação do demandante como representante comercial. Rescisão imotivada do contrato. Não constitui força maior a rescisão que ocorreu por não ter a parte autora se adequado aos novos moldes da empresa apelante. Indenização devida. Recuperação judicial. Ausência de comprovação de que o crédito da demandante esteja habilitado no procedimento. Ultrapassado o prazo constante do art. 6o, § 4o, da Lei 11.101/05. Negaram provimento ao recurso. Unânime. Apelação Cível Nº 70043273549. Comarca de Porto Alegre. Décima Quinta Câmara Cível

A propósito, sobre o tema, a orientação jurídica e situação a causar maior segurança (jurídica às relações contratuais) é de apenas contratar o representante comercial que mantém de forma regular sua situação cadastral ativa junto ao órgão habilitador de Categoria, pois o texto da lei embora permita digressões, permite ainda o manejo responsável de Recursos aos Tribunais Superiores para que interpretem e apliquem a legislação federal. Nesse ponto vale mais a cautela do que a inovação.

Sobre os autores
Aarão Ghidoni do Prado Miranda

Advogado sócio do escritório Miranda advogados, professor de cursos de graduação e pós-graduação, especialista e mestre em direito. Autor de diversos artigos e livros jurídicos.

Antonio Carlos Sá Lopes

Advogado e pós-graduado em direito e autor de diversos artigos jurídicos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Aarão Ghidoni Prado Miranda; LOPES, Antonio Carlos Sá. O representante comercial em situação irregular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3259, 3 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21921. Acesso em: 25 nov. 2024.

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