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Morte: limites da Ciência

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Agenda 09/06/2012 às 08:49

Considerações finais

Além de tudo o que foi abordado, há um fator fundamental, e que se encaixa nos cuidados paliativos que mencionamos, que é o preparo psicológico de todos os envolvidos, especialmente do médico, como bem sopesou o médico Carlos Alberto Pessoa Rosa, em artigo intitulado “Mortalis: os médicos e a morte”:

Se alguém perguntar: estará um cidadão com uma doença incurável em condições psíquicas para decidir pela sua vida? Eu responderei, como médico, com outra pergunta: estará o profissional preparado para aceitar a sua impotência, e poupar sofrimento ao paciente?

(…)

O médico não pode ser técnico, juiz e executor. Muito menos Deus. Sua função tem que ser a de um conselheiro, de um cidadão conhecedor de seus deveres e direitos, de um cidadão que tem de aprender a respeitar os direitos alheios, mesmo que isso em algum momento vá frontalmente contra aos seus princípios e conhecimentos.[16]

Até mesmo porque, muito dependerá do médico, como bem concluiu a psicóloga Ingrid Esslinger, em “De quem é a vida, afinal?”:

Em termos de minha pesquisa, ficou evidenciado eu só pode haver dignidade no processo de morrer de cada paciente e de seus familiares se for dada a mesma dignidade à equipe de saúde que presta esses cuidados.[17]

E não poderia ser diferente. Em uma situação de morte iminente, familiares e equipe médica morrem um pouco também, não no sentido de acompanhar fisicamente quem se foi, mas no sentido de ver bem de perto a finitude da vida. Portanto, melhor se todos estiverem empenhados em fazer valer a dignidade.

Para termos noção da diferença que estas observações trazem para o tratamento de um paciente terminal, reproduzimos um diálogo dentre o já citado médico Carlos Alberto Pessoa Rosa e uma paciente que não queria ouvir a palavra “câncer”:

- Doutor, eu tenho uma condição para aceitar o senhor como meu médico.

- Qual é a condição? Perguntei-lhe.

- Doutor, se for câncer eu gostaria que o senhor não me dissesse.

- Agora a senhora me colocou numa situação difícil. Veja bem, qualquer coisa que eu lhe diga, a partir de agora, carregará o peso de uma mentira, mesmo não o sendo. Disse-lhe.

- Não faz mal doutor, basta que o senhor me trate, eu estou satisfeita.

Os exames confirmaram câncer de estômago com metástases disseminadas. No retorno tivemos o seguinte diálogo:

- O que eu tenho, doutor?

- A senhora tem uma doença para a qual a ajuda que eu posso lhe oferecer é muito limitada. Talvez quimioterapia e alívio da dor. Disse-lhe.

- Doutor, sendo assim eu quero ser tratada em casa. Gostaria de saber se o senhor me acompanharia.

Tentei explicar-lhe que em algum momento poderia precisar levá-la para o hospital para uma transfusão.

- Doutor, isso o senhor pode fazer em casa, não é? Assim poderei ficar com os meus.

Na época, já habituado a tratar pacientes em casa, e sem dúvida da qualidade de vida que esse tratamento trazia ao paciente, aceitei o que ela me pediu. Não tenham dúvidas de que a angústia que o profissional passa nessa situação, como já disse anteriormente, é muito maior do que a eu sentiria num ambiente hospitalar onde se dividem responsabilidades com outras pessoas, e somos menos acossados pelos parentes que na residência, mas estou convicto de que o paciente tem uma morte mais digna. Seu pudor não é violentado como nos hospitais, em seu ambiente ainda pode dar ordens, arrumar suas coisas, ouvir seu rádio ou ver seu programa de televisão predileto; enfim, ali continua a viver.

A paciente morreu em sua casa, sabendo estar com doença incurável, mas em nenhum momento ela me permitiu, ou se permitiu, a usar a palavra câncer.[18]

Que este tipo de diálogo possa ser repetido, tornando esta relação com a morte mais uma relação de vida com qualidade do que vida em quantidade. Afinal, manter a vida a qualquer custo, quando já se tentou todos os meios, é pagar os seus bons momentos com um sofrimento que de positivo nada mais poderá acrescentar.

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Bibliografia

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Notas

[1] Na França a eutanásia é ilegal, mas o Código Penal distingue entre a prática passiva (abstenção terapêutica ou não assistência a pessoa em perigo) e ativa (provocar a morte), que continua a ser vista como um homicídio.

Há países que não autorizam a eutanásia e nem o suicídio assistido, mas excluem a punibilidade de quem comete homicídio piedoso, como é o caso do Uruguai (Código Penal de 1934).

Comparando à situação uruguaia, podemos citar a Doutora Maria Helena Diniz, que em sua obra “O estado atual do biodireito” ensina que os Códigos Penais da Alemanha e da Itália encaixam a eutanásia no tipo de homicídio atenuado por motivo piedoso, não se admitindo absolvição nem perdão judicial.

Em Oregon, nos Estados Unidos da América, o suicídio assistido foi legalizado em 1997.

[2] Página 126 da obra citada.

[3] Como bem sintetizou André Mendes Espírito Santo, em “Ortotanásia e o direito à vida digna”, sua dissertação de Mestrado em Direito nesta Universidade, “eutanásia é a morte antes de seu tempo, a distanásia é, por sua vez, a morte depois do tempo, e ambas se contrapõem à ortotanásia: a morte no tempo certo.”.

[4] Página 203 da obra “Educação para a Morte: Temas e Reflexões”.

[5] Curiosamente, a sugestão inicial era para que a inclusão desta novidade se desse no artigo 121 do Código Penal, no Capítulo I, “Dos crimes contra a vida”, mas concluída a audiência pública, houve consenso de que melhor seria que o acréscimo se desse no Capítulo III, que trata “Da periclitação da vida e da saúde”.

O consenso foi gerado após a manifestação do Dr. Paulo Silveira, Presidente da União dos Juristas Católicos, para quem nos casos de ortotanásia não cabe falar em crime porque não se trataria de acelerar ou antecipar a morte, mas tão-somente de se evitar a adoção de determinados tratamentos extraordinários e desproporcionais que, com custos gravosos para o próprio paciente em estágio terminal e para a sua família, prolongariam artificialmente a vida. De nossa parte, entendemos que melhor seria a manutenção do texto original do projeto, inserindo a excludente de ilicitude no capítulo que trata dos crimes contra a vida, pois, por mais que a ortotanásia tenha motivos humanitários, a não manutenção da vida tem como resultado a morte e não simplesmente a exposição a perigo da vida ou da saúde do paciente: “Exclusão de ilicitude. § 6º Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão. § 7º A exclusão de ilicitude a que se refere o parágrafo anterior faz referência à renúncia ao excesso terapêutico, e não se aplica se houver omissão de meios terapêuticos ordinários ou dos cuidados normais devidos a um doente, com o fim de causar-lhe a morte.”.

[6] Artigo 1º, III, da Constituição Federal: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III - a dignidade da pessoa humana.”.

Artigo 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

[7] Página 204 de “Limites da Ciência”, de Maria Garcia.

[8] Página 205 da mesma obra.

[9] Página 34 do artigo “Mercantilização do corpo humano, mercado de órgãos, sangue, fetos barriga de aluguel. Aspectos ético-jurídicos”, constante dos Cadernos do IFAN nº 10, 1995.

[10] Escolhe-se a região supraespinhal em vez da infraespinhal porque mesmo em caso de morte encefálica pode haver reflexo osteotendinoso, cutâneo abdominal, cutâneo plantar em flexão ou extensão, ereção peniana, arrepio e reflexo pela retirada dos membros, entre outros.

[11] Diante da falta de consenso, a Resolução não regulamentou a detecção da morte encefálica em prematuros e crianças com menos de sete dias de vida.

[12] O Eletroencefalograma é realizado através da colocação de eletrodos no couro cabeludo, com auxílio de uma pasta condutora que, além de fixá-los, permite a aquisição adequada dos sinais elétricos que constituem a atividade elétrica cerebral. Inicialmente é feito um registro espontâneo da atividade elétrica cerebral durante a vigília (paciente acordado). Se possível, essa atividade é registrada também durante a sonolência e o sono. O registro em todos esses estados aumenta a sensibilidade do método na detecção de diversas anormalidades.

[13] A Espectroscopia por RM permite a detecção da atividade metabólica cerebral através do espectro de atividade de substâncias como N-acetil-aspartato (NAA), considerado um marcador da atividade neuronal normal. A Ressonância Magnética Funcional (RMF) permite o mapeamento do fluxo sangüíneo cerebral regional durante o repouso e durante ativação, com alta resolução de imagens que esse método proporciona. Duas outras modalidades de estudo de imagem permitem a avaliação funcional cerebral: Tomografia por Emissão de Fóton Único (SPECT) - permitem a quantificação indireta do metabolismo cerebral através da mensuração do fluxo sangüíneo regional, possibilitando a realização de estudos seriados, importantes na monitorização evolutiva da doença; e Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) - detecta a utilização metabólica cerebral regional da glicose e do oxigênio através da captação da atividade de radiofármacos (Carbono, Nitrogênio, flúor e Oxigênio). Sua aplicação prática, no entanto, é ainda restrita por seu alto custo operacional.

[14] Ausência de trânsito de sangue no cérebro detectada por meio de técnicas como a tomografia.

[15] Página 195 da obra “Educação para a Morte: Temas e Reflexões”.

[16] Página 82 do periódico “Temas de Bioética”, Cadernos do IFAN nº 10, 1995.

[17] Página 231 da obra citada.

[18] Páginas 83 e 84 do mesmo periódico.

Sobre a autora
Renata Cassia de Santana

Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica em São Paulo. Pós-graduada (especialista) em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica em São Paulo (2006). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2002). Advogada. Aluna do Curso de Teoria Geral do Direito do IBET (2009/2010). Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários (APET). Sócia responsável pela área tributária de Almeida Alvarenga e Advogados Associados desde 2005.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Renata Cassia. Morte: limites da Ciência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3265, 9 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21963. Acesso em: 24 nov. 2024.

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