Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Considerações acerca do conceito material de delito

Exibindo página 2 de 2
Agenda 14/06/2012 às 08:09

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista todas as ideias concatenadas neste estudo, faz-se possível sustentar, à guisa de conclusão, que o Direito constitui um instrumento de controle social. E, ainda que não seja o único, é o mais radical de todos, pois as sanções dele oriundas atingem os cidadãos em um de seus valores mais caros, qual seja, a liberdade, direito fundamental a todos garantido e que constitui reflexo da dignidade da pessoa humana.

Logo, ainda que não se possa negar a importância do Direito Penal para a existência social pacífica, um olhar crítico acerca desse instrumento de controle social não permite deixar de apontar para as mazelas que o circundam, pelo que sua incidência, para ser legitimada, deve ser mínima e estritamente voltada à consecução de seus fins sociais, pois somente assim é possível compatibilizar a aparente antinomia existente entre o ius puniendi e o ius libertatis, na medida em que a restrição da liberdade individual ditada pelas sanções penais só encontra espaço em razão da necessidade de proteção, contra grave lesão ou sua ameaça, de valores de igual relevância social.

Desta feita, tem-se que o conceito analítico de delito ditado pela dogmática penal clássica, seja em sua estrutura bipartida, seja em sua estrutura tripartida, não contempla em sua essência a ofensividade necessária à legitimação do Direito Penal inserido no âmbito do Estado Democrático de Direito, uma vez que, para essa concepção formalista, para a existência de uma infração penal seria suficiente a constatação de um juízo positivo de tipicidade formal, concebida apenas como a perfeita subsunção da conduta praticada a um tipo penal incriminador, aspecto que, por si só, constituiria a tipicidade penal.

De todos os princípios constitucionais penais, ao lado da dignidade da pessoa humana, valor fundamental do Estado Democrático de Direito e da República Federativa do Brasil, e do qual derivam todos os outros princípios e garantias fundamentais, encontra-se em posição de destaque o princípio da ofensividade, exigência constitucional e legítima em um Estado Democrático de Direito a determinar a imprescindibilidade da existência de grave lesão ou, ao menos, risco concreto de lesão, de forma a limitar a incidência do Direito Penal na sociedade.

Destarte, em razão da ofensividade, não se pode considerar infração penal a mera transgressão à norma incriminadora, senão quando esteja transgressão dotada de indiscutível aspecto ofensivo, estando apta a lesionar ou, ao menos, expor a risco concreto de lesão, o bem jurídico penalmente tutelado. O juízo de tipicidade penal necessário à configuração de um crime, por conseguinte, não constitui apenas a subsunção da conduta ao tipo penal incriminador (tipicidade formal), mas, sobretudo, não pode prescindir da ocorrência de lesão (ou perigo concreto de lesão) ao bem objeto da proteção penal (tipicidade material).

A orientação conferida pelo Estado Democrático de Direito, desta feita, determina que só pode ser reputada legítima e justificável a incidência do Direito Penal no seio social quando estiver ela voltada ao desempenho de sua missão primordial, revelada pela proteção, fragmentária e subsidiária, dos valores mais importantes para a convivência comum pacífica, os quais são, por essa razão, dotados de dignidade penal e, portanto, merecedores da tutela penal.

A inclusão da tipicidade material no conceito analítico de crime é exigência oriunda do próprio Estado Democrático de Direito e dos princípios que o orienta, uma vez que, para se conferir respeito aos valores da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais, frontalmente atacados pelas sanções penais e pelos efeitos secundários por elas determinados, não se pode desvincular o Direito Penal da primordial missão social que o legitima e o justifica: a proteção de bens jurídicos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIANCHINI, Alice; MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Direito penal. Introdução e princípios fundamentais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Coleção Ciência Criminais, v.1.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, vol. 1. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral, vol. 1. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Norma e bem jurídico no direito penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. Série “As Ciências Criminais no Século XXI – v. 5”.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito penal. Parte geral. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Coleção Ciência Criminais, v.2.

GRECO, Rogério. Código penal comentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2009.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

______________. Direito penal do equilíbrio: uma visão minimalista do direito penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

QUEIROZ, Paulo. Funções do direito penal: legitimação versus deslegitimação do sistema penal. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do direito penal. Org. e Trad. André Luís Callegari e Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SICA, Leonardo. Direito penal de emergência e alternativas à prisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral, vol. 1. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007.

BULOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 387/398.

CANTERJI, Rafael Braude. Política criminal e direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogad, 2008.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de direito constitucional. 4. ed. Bahia: Jus Podivm, 2010.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 28. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

D'AVILA, Fabio Roberto. Ofensividade em direito penal: escritos sobre a teoria do crime como ofensa a bens jurídicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Coleção Justiça e Direito.

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005.

ROBERTI, Maura. A intervenção mínima como princípio no direito penal brasileiro. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.

SMANIO, Gianpaolo Poggio; FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao direito penal: criminogolia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2010.

TAIAR, Rogério. A dignidade da pessoa humana e o direito penal: a tutela penal dos direitos fundamentais. São Paulo, SRS Editora, 2008.

Sobre o autor
Vinícius Barbosa Scolanzi

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Norte do Paraná; - Advogado inscrito nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná (licenciado); - Assessor Nível II no Ministério Público Federal/Procuradoria da República no Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCOLANZI, Vinícius Barbosa. Considerações acerca do conceito material de delito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3270, 14 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22002. Acesso em: 2 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!