Entro no meu assunto sem demonstrar a sua importância. Perguntar-me-ão se sou legislador ou príncipe, para escrever sobre política. Respondo que não, e por isso escrevo sobre ela; a ser eu príncipe ou legislador acaso perderia tempo em indicar o que se deve fazer?Haveria de fazê-lo ou calar-me
Nasci cidadão de um Estado livre, e membro do Soberano; e apesar de ser fraca a influência de minha voz nas matérias políticas, o direito de nelas votar impõe-me o direito de as aprender. Sinto-me feliz todas as vezes que medito nos governos, por descobrir sempre novas razões de amar o da minha Pátria.
Jean-Jacques Rousseau
RESUMO
O tema penas alternativas, recentemente, tem sido alvo de calorosas discussões político-jurídicas, uma vez que se verifica a decadência da pena de prisão, ou privativa de liberdade. A pena de prisão, presente no ordenamento jurídico brasileiro desde a vigência das Ordenações Afonsinas, ainda nos tempos do Brasil Colônia, não vem cumprindo com a finalidade que lhe é destinada. A pena privativa de liberdade tem por objetivo recolher o infrator considerado perigoso ao convívio social e, nas instituições penitenciárias, realizar nesse indivíduo um trabalho de ressocialização, de modo a reinseri-lo à sociedade. Porém, com a falência do sistema penal brasileiro, o legislador estabeleceu penas substitutivas à prisão, denominadas de penas restritivas de direitos, ou alternativas. As penas alternativas, objeto de estudo desta pesquisa, compreendem cinco espécies, e tem como função, além de evitar a pena de prisão, reeducar o preso para que este não pratique novos delitos. Desta forma, este trabalho pretende demonstrar a eficácia das penas alternativas e romper o paradigma de que essas penas só foram instituídas em nosso Direito Penal para garantir a impunidade. Espera-se comprovar, de acordo com o trabalho realizado nas varas especializadas, como por exemplo, na Vara de penas alternativas no Estado do Ceará, a primeira a ser implantada no Brasil, que as penas alternativas têm obtido resultado. E, por fim, deve-se conscientizar a sociedade de que o Brasil precisa de instrumentos mais modernos e eficazes, como as penas alternativas, para que, futuramente, não haja o esgotamento da máquina judiciária.
Palavras-chave: Direito Penal. Penas privativas de liberdade. Penas alternativas. Ressocialização.Vara de penas alternativas no Estado do Ceará.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 DAS PENAS. 1.1 Origem e evolução. 1.1.1 Períodos primitivo e antigo. 1.1.2 Período medieval.1.1.3 Período contemporâneo ou humanitário. 1.2 Teorias da pena. 1.2.1 Teorias absolutas. 1.2.2 Teorias relativas.1.2.3 Teoria mista. 2 AS PENAS E O DIREITO PENAL BRASILEIRO. 2.1 Breve histórico do Direito Penal Brasileiro. 2.2 O Código Penal de 1940 e a reforma penal da Lei nº 7.209/84. 3 DAS PENAS ALTERNATIVAS. 3.1 Evolução das penas alternativas mediante a Lei nº 9.714/98. 3.2 Dos requisitos necessários à substituição. 3.3 Espécies de penas alternativas. 3.3.1 Prestação pecuniária. 3.3 Espécies de penas alternativas. 3.3.1 Prestação pecuniária. 3.3.2 Perda de bens e valores. 3.3.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas. 3.3.4 Interdição temporária de direitos. 3.3.5 Limitação de fim de semana. 4 A APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS NO ESTADO DO CEARÁ. 4.1 A atuação da Vara de Execução de Penas Alternativas. 4.2 As dimensões ressocializadoras da pena de prestação de serviços comunitários. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O Brasil vem enfrentado inúmeras crises relacionadas à questão do sistema carcerário. Atualmente, o que se vê em nosso cotidiano é o aumento da violência, isso nos leva a questionar se não estamos retornando aos tempos primitivos, em que eram cometidas as barbáries. A violência, que antes predominava apenas nos subúrbios, assola agora os principais centros urbanos, não fazendo mais distinções étnicas ou de classes.
O surgimento do capitalismo é um dos grandes responsáveis pelo avanço da criminalidade. Podemos inclusive mencionar, como afirmam alguns estudiosos, que o surgimento do capitalismo tenha sido o mal dos séculos. O capitalismo, que tem por base o acúmulo de capital nas mãos de uma minoria, gera como resultado a exclusão social da maioria da população, elevando o grau de pobreza, desemprego e violência.
O papel do Estado no combate à criminalidade é de suma importância, porém, pelo que temos observado recentemente, este não tem cumprido com suas obrigações. Os órgãos estatais deveriam realizar um controle preventivo no combate à marginalização, entretanto, só o fazem de forma repressiva, acarretando, como conseqüência, a superlotação carcerária.
A superlotação dos presídios nos faz questionar alguns problemas. Um deles, de extrema relevância, refere-se ao princípio da dignidade do ser humano. Nos estabelecimentos carcerários, o preso é tratado de forma desumana, em situação de miséria, tendo, muitas vezes, que sujeitar-se a situações que expõem sua vida em risco, como, por exemplo, rebeliões, exposição à doenças, e, até mesmo, à própria morte. No Brasil, a lei penal é falha e, embora existam diversas normas e princípios que garantam a integridade física e moral de um detento, na prática elas não são efetivadas.
Com a falência do sistema prisional brasileiro e das penas privativas de liberdade, nasce a necessidade de se aplicarem outras sanções, levando em consideração o caráter sócio-educativo da pena e a pessoa do infrator. Merecem destaque as penas alternativas ou penas restritivas de direitos. As penas alternativas são exemplos de sanções modernas, de caráter substitutivo e que vêm sendo aplicadas, efetivamente, desde o advento da Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, que as normatizam.
Outra questão a ser suscitada, e que poderia ser solucionada mediante a aplicação das penas alternativas, refere-se aos gastos empreendidos pelo Estado para manter um preso encarcerado. É por meio dos impostos pagos pela população que o governo sustenta a massa carcerária. Cada presidiário custa ao Estado, em média, seiscentos e vinte reais mensais, portanto, manter encarcerado um preso, que não é perigoso, é deixar de aplicar o dinheiro público em outras áreas, como educação e saúde, por exemplo.
Necessário se faz, portanto, conscientizar a sociedade da importância da aplicação das penas alternativas e de que não se trata de uma pena que vai garantir a impunidade de certos infratores.
Nessa perspectiva, no decorrer deste trabalho monográfico, buscaremos responder aos seguintes questionamentos: Em quais situações é cabível a substituição da pena privativa de liberdade pela pena alternativa? Quais as vantagens da aplicação das penas alternativas e como sua aplicação favorece na ressocialização do preso? Como funciona a Vara de Execuções de Penas e Medidas Alternativas do Estado do Ceará?
Dentre as inúmeras pessoas que praticam delitos, a maioria é encaminhada a estabelecimentos prisionais e, conforme dados estatísticos, são jovens, de 16 a 23 anos, e que iniciam sua vida no crime cometendo delitos de menor potencial ofensivo – são os considerados primários. Ao serem encarcerados, esses jovens passam a ter contato com infratores de alta perigosidade, praticantes de crimes extremamente graves como, por exemplo, homicidas, estupradores, seqüestradores etc. Com a convivência, e até que sejam julgados, tendo em vista a morosidade da justiça, os infratores primários tornam-se mais violentos e, ao saírem dos presídios, já estão experientes na arte do crime. Por essas razões, é comum taxarmos os presídios de “escolas do crime”.
As penas alternativas vêm então como um meio de desafogar a quantidade de presos recolhidos nos estabelecimentos prisionais e ressocializar o delinqüente, para que este tenha condições de voltar ao convívio social, sem adentrar novamente do mundo da marginalidade, evitando, assim, a reincidência.
A justificativa para este trabalho é atual situação de falência em que se encontra nosso sistema criminal. Com a decadência do sistema carcerário brasileiro, os tribunais têm enfatizado rotineiramente a aplicação das penas alternativas. Na maioria dos Estados brasileiros já existem varas, ou centrais, específicas responsáveis pela aplicação das medidas alternativas. E, dentre essas varas ou centrais, merece destaque a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas do Estado do Ceará, que foi a primeira vara especializada a ser implantada no Brasil.
Tem-se, como objetivo geral, analisar a aplicação das penas alternativas, verificando de que forma isso contribui para o apenado e para a sociedade. Os objetivos específicos são: verificar em quais situações ocorre a aplicação das penas alternativas; avaliar quais as vantagens e desvantagens da aplicação das penas alternativas; e entender como funciona a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas do Estado do Ceará.
Em relação aos aspectos metodológicos, no que tange à tipologia da pesquisa, as hipóteses foram investigadas por meio de pesquisa bibliográfica. Quanto à utilização dos resultados, pura, visto que objetiva apenas ampliar o conhecimento, sem transformação da realidade. Segundo a abordagem, é qualitativa, à medida que se aprofundará na compreensão das ações e relações humanas e nas condições e frequências de determinadas situações sociais. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, pois buscará descrever, explicar, classificar, esclarecer e interpretar o fenômeno observado, e exploratória, já que objetiva aprimorar as ideias mediante de informações sobre o tema em foco.
Para fins didáticos, a presente monografia divide-se em quatro capítulos, distribuídos na forma explicitada a seguir.
No primeiro capítulo, foi traçado um esboço sobre a origem e a evolução das penas, compreendendo os vários períodos históricos, e analisando a contribuição de grandes filósofos na formação da teoria penal. No segundo capítulo, apresenta-se um estudo em torno do surgimento e da aplicação da pena no Brasil, desde a época colonial aos dias atuais. Adiante, no terceiro capítulo, a abordagem se deu em torno das penas alternativas, verificando a sua origem, a lei que as instituiu, como são aplicadas e quais as suas espécies. E, finalmente, o quarto e último capítulo adentra na parte prática das penas alternativas, realizando um estudo acerca de como funciona a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas do Estado do Ceará.
O ponto principal deste trabalho é, pois, apresentar a presteza das penas alternativas, de modo a conscientizar toda a sociedade da importância das referidas penas.
1 DAS PENAS
A lei não pode forçar os homens a serem bons; mas pode impedi-los de serem maus.
(Anônimo)
O Direito Penal é uma ciência que surgiu com o objetivo de suprir as necessidades em dirimir possíveis conflitos entre os homens. É por meio da pena, ou sanção penal – objeto de estudo deste capítulo –, que o Estado vai realizar um controle social, de modo a regular as condutas, ações e comportamentos da sociedade considerados diferentes, ou ilícitos.
De acordo com Antônio de Paula, a palavra pena é definida, juridicamente, como:
É a punição imposta pelo Estado ao delinqüente ou contraventor, em processo judicial de instrução contraditória, por causa de crime ou contravenção que tenham cometido, com o fim de exemplá-los e evitar a prática de novas infrações.[1]
Entretanto, quanto ao seu significado etimológico, a palavra pena deriva do termo “penitência”, utilizado pela Igreja Católica como forma de castigar os sacerdotes que infringiam as leis do Direito Canônico. Conforme afirma Cezar Roberto Bitencourt “o castigo era aplicado por delegação divina, pelos sacerdotes, com penas cruéis, desumanas e degradantes, cuja finalidade maior era a intimidação.”[2] As sanções penais, a princípio, estavam intrinsecamente ligadas a dogmas religiosos.
Com o decorrer do tempo, o conceito de pena e seu modo de aplicação evoluíram, sendo objeto de estudo de muitos filósofos e juristas. Dentre os períodos históricos que influenciaram de forma direta a evolução penal merece destaque o período Iluminista. A partir daí as penas começaram a perder seu caráter repressivo por meio de castigos cruéis e desumanos, e começaram a adquirir um caráter preventivo, visando à correção do infrator.
Nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, dispõe de alguns princípios que favorecem a figura do preso, como: o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da humanização das penas, princípio da individualização das penas, entre outros.
Alguns estudiosos de Direito Penal, ao fazerem uma abordagem histórica sobre as penas, costumam dividi-las por períodos, dentre eles: primitivo, antigo, medieval, moderno e contemporâneo. Feito esses breves comentários, serão abordados, a seguir, cada um desses períodos e como eles influenciaram a evolução punitiva.
1.1 Origem e evolução
Não existem relatos informando com exatidão onde e em que época surgiram as primeiras punições. O que se sabe é que as primeiras penas começaram a ser aplicadas nos tempos primitivos, entre os primeiros grupos sociais. A partir do momento em que o homem passou a conviver em grupos, nasceram as primeiras disputas, conflitos de interesses. Em muitas ocasiões o indivíduo ia além dos seus direitos, utilizando-se de meios ilícitos para violar os direitos de um terceiro.
Os períodos primitivo e antigo caracterizaram-se pela evolução da vingança penal. Esta dividia-se em três fases, tais como: da vingança privada, da vingança divina e da vingança pública. Essas três fases estiveram interligadas umas às outras. Muitos autores têm posições diferentes quanto à ordem cronológica dessas fases. Para Bitencourt a fase da vingança divina antecedeu à fase da vingança privada, enquanto que para o autor Marcelo Valdir Monteiro a fase da vingança privada foi anterior à divina.
1.1.1 Períodos Primitivo e Antigo
No período primitivo, logo no início, as sanções penais relacionavam-se diretamente à religião, tendo vista que todos os grupos (tribos) tinham por costume o culto a deuses. Todo e qualquer fenômeno natural inexplicável, fosse ele bom ou ruim, era atribuído aos totens[3]. Fenômenos naturais como a seca, enchentes, raios e trovões, que, de alguma forma, prejudicavam a coletividade, eram considerados castigos advindos dos deuses. Para conter a ira divina punia-se o infrator desobediente. Era realizado um ritual, em que, obrigatoriamente, todo o grupo participava, inclusive na escolha do castigo do infrator. Na maioria das vezes punia-se o infrator por meio da perda da paz, em que o indivíduo era expulso da tribo, e deveria isolar-se dela até a sua morte. Em outros casos, excepcionalmente, o castigo era reparado com a morte do indivíduo, sendo a sua alma ofertada em sacrifício.
Porém, quando se tratava do infrator ser oriundo de outro grupo, a sanção imposta, costumeiramente, era a “vingança de sangue”, travando-se assim uma batalha infindável entre as tribos, causando, muitas vezes, a eliminação total destes. Na fase da vingança privada (ou vingança de sangue) não havia nenhuma fiscalização para conter os conflitos entre os grupos. Um membro de uma família podia matar o outro, e vice-versa. As penas aplicadas eram desproporcionais e ilimitadas, o que caracterizou essa fase. Segundo Mirabete, “cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção à ofensa, atingindo não só o ofensor, como também todo o seu grupo.”[4]
Com todas essas disputas inter tribos e o enfraquecimento na estrutura das comunidades a religião foi exercendo mais influência entre as civilizações. A vingança, que antes era privada, agora tranformava-se, gradualmente, em divina, representada pelos sacerdotes. Na fase da vingança divina é estabelecida a máxima que os deuses eram os ofendidos pelas práticas delituosas realizadas pelo ser humano, e que somente por meio da repressão haveria a satisfação da divindade. As punições, nessa fase, tornaram-se bem mais severas, pois os castigos deveriam estar de acordo com a grandeza do deus ofendido.[5] O crime começava a ser confundido com pecado e o corpo era o principal objeto das punições, pois, conforme os ditames religiosos, era neste onde os demônios alojavam-se. Os sacerdotes encarregavam-se das punições, já que eram considerados mandatários dos deuses.
A própria Bíblia, em seu texto, descreve severas punições, como no livro de Números, capítulo XXXV, versos 20 a 21, que diz: “se um homem derrubar outro por ódio, ou lhe atirar qualquer coisa premeditadamente, causando-lhe a morte, ou se o ferir com a mão por inimizade, e ele morrer, o que feriu será punido de morte, porque é um assassino: o vingador do sangue o matará logo que o encontrar.”[6] A Bíblia ainda relata com clareza a distinção de classes que havia em Roma, ilustrando que os patrícios eram decapitados e os plebeus crucificados.
Para minimizar a crueldade das penas e conter a dizimação das comunidades, surgem os institutos do talião e, em seguida, da composição. Esses dois institutos garantiram às penas uma certa proporcionalidade e personalidade. Ou seja, a partir de agora, a pena atingiria somente a pessoa do infrator, e de acordo com a ofensa causada seria a sua pena. Com a aplicação da pena de talião – ou Lei de Talião[7] – era aplicada ao infrator uma sanção de igual intensidade ao crime por ele cometido. Aquele que matasse o filho de outrem, teria seu filho morto, ou, aquele que roubasse um objeto de alguém teria a sua mão decepada – olho por olho, dente por dente. Muitos códigos adotaram o instituto do talião como exemplo, como é o caso do Código de Hamurábi, a Bíblia, a Lei da XII Tábuas.
Já no instituto da composição, ou composição pecuniária – considerada um avanço no ramo do Direito Civil, já que originou as primeiras indenizações cíveis –, as penas, de acordo com sua intensidade, podiam ser substituídas pelo pagamento ou reparação do dano, onde o Estado passa a atuar como intermediário entre vítima e ofensor. A compositio consistia em um meio de conciliação entre as partes.
As penas perdem então seu caráter religioso e passam a ser impostas e controladas pelo Estado, dando vez à fase da vingança pública. Nesta fase, o Estado vai assumir o papel de intermediário entre vítima e ofensor, e a função precípua de assegurar a ordem e a paz social. Podemos, inclusive, traçar um paralelo entre o advento da fase da vingança penal pública ao contrato social de Rousseau, em que a partir do momento que o Estado passa a vigorar como soberano e a garantir a segurança social do povo, este, em contrapartida, se propõe a seguir as normas imposta pelo soberano, sob o risco de ser penalizado.
As penas, nesse período, adquiriram um papel intimidatório, e como bem explica Bitencourt, “nesta fase, o objetivo da repressão criminal é a segurança do soberano ou monarca pela sanção penal, que mantém as características da crueldade e da severidade, com o mesmo objetivo intimidatório.”[8] A pena de morte foi amplamente difunda, e, em grande maioria dos casos, aplicadas em situações que, atualmente, são consideradas insignificantes. Penas como mutilações e confisco de bens também foram bastante utilizadas.
Pode-se observar que, durante todo o período primitivo e antigo, o que se destacou foi a evolução da vingança penal, a pena de prisão praticamente inexistia, o principal meio de punição era via corpolis, por meio de torturas, mutilações e execuções. As principais cidades que contribuíram para a criação das penas de prisão foram Roma, com a edição da Lei das XII Tábuas, e Grécia, por meio de seus filósofos Aristóteles e Platão. A grande contribuição dos gregos foram os pensamentos de Aristóteles e Platão sobre os fundamentos do direito de punir e as finalidades das penas. O livro “As Leis” de Platão já propunha o estabelecimento da pena de prisão, inclusive, qualificando-a em três tipos: a prisão que serviria de custódia, localizada na praça do mercado; a que serviria de correção – chamada de sofonisterium – que permaneceria dentro da cidade; e, por fim, a terceira, que se destinaria ao suplício, com a finalidade de amedrontar, e deveria localizar-se longe da cidade e num local ermo.[9]
1.1.2 Período Medieval
Sob a forte influência da filosofia greco-romana a respeito da evolução jurídico-penal e com a queda do Império Romano, após a invasão dos povos bárbaros, dá-se início à Idade Média. Os Direitos Canônico e Germânico predominaram durante tal período.
A pena, mesmo com o advento da Idade Média, mantinha ainda resquícios do período antigo, com traços de abruptalidade e o caráter vingativo e intimidador. O Soberano (rei, príncipe ou monarca) além de exercer sua função política, também mantinha a figura de ser um “encarregado de Deus” e possuía estreitas relações com a Igreja Católica. A tortura foi amplamente utilizada, tanto nas punições para as infrações comuns quanto contra os hereges, obtendo assim todo o apoio da Igreja, tendo em vista que o Direito Canônico visava à reconciliação do indivíduo com Deus, por meio da tortura.[10] Esta se dava por meio de esmagamento de ossos, ser queimado vivo, ter as partes do corpo retiradas, dentre outras formas.
Enquanto o infrator aguardava sua sentença, ou seja, como este seria torturado, ele era mantido preso em celas bem semelhantes com as que eras mantidos os clérigos faltosos. Estas celas ou mosteiros – como costumavam chamar os religiosos – serviam de prisão, ou recolhimento, para os sacerdotes que desafiassem a lei divina, sendo mantidos nestas celas, como forma de penitência, para se arrepender do erro cometido, surgindo daí o nome “penitenciária”. Já os presos comuns permaneciam nas prisões-custódias, que eram as prisões do estado, onde ele apenas aguardava sua tortura ou execução. Não havia aí a finalidade do arrependimento do infrator.
A característica mais marcante do período medieval, como afirma Ney Moura Teles, “foi o fato de o direito ser aplicado sem possibilidade de o acusado defender-se por meio de um processo em que a tortura era meio legítimo para a obtenção da verdade.”[11] Contestando, então, o meio de aplicação das penas e o regime adotado nas prisões, alguns filósofos como Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino vieram, a por meio de seus pensamentos, contrapor as idéias penais da época.
Santo Agostinho afirmava que a retribuição penal deveria ser proporcional ao mal praticado pelo infrator, e a pena deveria não visar à morte do condenado, mas sim o seu arrependimento e sua reabilitação, enquanto Santo Tomás de Aquino pregava justiça penal retributiva e comutativa, devendo haver proporcionalidade penal.[12]
Observa-se que os primeiros ideais de correção e reabilitação começaram a ser formulados na Idade Média, inclusive, sendo a grande contribuição do Direito Canônico para o Direito Comum, vindo mais tarde, no período humanitário, a ser discutida por autores como Beccaria, Rousseau, Kant e outros.
1.1.3 Período Contemporâneo ou Humanitário
O período contemporâneo ou humanitário eclodiu após o renascimento intelectual da Europa, época de muitas descobertas científicas e tornou-se conhecido como Iluminismo – ou Século das Luzes. Essa época caracterizou-se por surgirem movimentos com modos de pensar diferentes do convencional e que tinham um único sentimento em comum: a reforma do sistema punitivo. O Iluminismo atingiu seu apogeu na Revolução Francesa e abriu portas para debates relacionados às ciências políticas, discutindo assuntos como a pena de morte, os fins da pena, e outros. Grandes foram as discussões a respeito da natureza e finalidade do Direito Natural. A corrente de pensamento desse período afirma que as leis naturais regulam as relações sociais e considera os homens naturalmente bons e iguais entre si, onde quem os corrompe é a sociedade.
Os pensadores iluministas, em geral, defendiam uma ampla reforma do ensino, criticavam duramente Igreja e a intervenção do Estado na economia. Em seus escritos fundamentaram uma nova ideologia, o pensamento moderno, que repercutiria até mesmo na aplicação da justiça. Dentre os principais escritores desse período merecem destaque Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Beccaria, Bentham, Howard e Kant.
Os filósofos franceses Montesquieu, Voltaire e Rousseau criticaram severamente os excessos e brutalidades existentes na legislação penal, propondo a proporcionalidade das penas, levando-se em consideração, quando imposta, as circunstâncias pessoais do delinqüente, seu grau de malícia e, sobretudo, produzir a impressão de ser eficaz sobre o espírito dos homens, sendo, ao mesmo tempo, a menos cruel para o corpo do delinqüente.[13]
Defendendo os ideais de liberdade, igualdade e justiça pregados por Montesquieu, Voltaire e Rousseau, fizeram coro a esse movimento Beccaria, Howard e Bentham. Estes foram considerados os três autores mais expressivos na seara político-criminal, deixando para o ramo do Direito Penal grandes contribuições. A seguir, será apresentada uma breve síntese sobre cada um desses autores.
a) Beccaria
César Bonessana – mais conhecido como o Marquês de Beccaria – é considerado por muitos autores o mais importante escritor iluminista da época, o incentivador da Escola Penal Clássica. Sua obra Dei Delitti e delle Pene, publicada em Milão, em 1764, representou um avanço para o direito penal. “Dos Delitos e das Penas” foi inspirado, basicamente, nas idéias defendidas por Montesquieu, Voltaire e Rousseau. Seu livro foi amplamente difundido por ser considerado de fácil leitura e por surgir numa época em que, na Europa, muitos costumes e tradições modificavam-se, impulsionando, assim, uma preparação e amadurecimento para a reforma penal que estava por vir.
Em sua obra, Beccaria menciona claramente o contrato social pregado por Rousseau, no qual “os homens, devendo viver em sociedade, condição da sua existência, perceberam ser essencial que cada um cedesse uma pequena parcela da sua liberdade, para preservação da segurança e tranqüilidade gerais, sob a égide da soberania da nação, que se constituiria com a soma das concessões parciais de liberdade.”[14]
A obra “Dos Delitos e das Penas” chama atenção para as vantagens sociais, demonstrando que estas devem ser igualmente distribuídas, e sustenta que só às leis cabe cominar penas e somente o legislador pode elaborá-las. Beccaria denuncia o uso da lei em favor de minorias autoritárias.
Beccaria, assim como os outros iluministas, defendia a proporcionalidade da pena e a sua humanização. Para ele a pena deveria ter um caráter preventivo, celebrizando a máxima de que “é melhor prevenir delitos que castigá-los”. Combate com vigor o uso da tortura, a aplicação da pena de morte e a atrocidade das penas, afirmando que a pena deve ser aplicada de modo que o infrator não volte a delinqüir. Em sua obra ele expôs também algumas idéias sobre a prisão, afirmando a importância da finalidade reformadora da pena privativa de liberdade, porém, não descartando o sentido punitivo e sancionador adotado.
Em síntese, pode-se afirmar que a obra, Dos Delitos e das Penas, ressalta a necessidade de se fazer leis mais claras, simples e de fácil compreensão, que possam favorecer igualmente a todos.
Os ideais pregados por Beccaria em sua obra influenciaram diretamente as legislações seguintes, como é o caso da Rússia, em 1965, na época de Catarina II, que inspirou-se em “Dos Delitos e Das Penas” para formular suas leis, um ano após a publicação da célebre obra. Seus pensamentos também repercutiram na elaboração da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, traduzida em vários idiomas e aceitos por inúmeros códigos, vindo a consagrar os fundamentais direitos do homem.
b) Howard
Após ser encarcerado na prisão de Brest e visitado alguns estabelecimentos prisionais da Europa, John Howard motivou sua preocupação para com os problemas penitenciários. Foi mediante da sua obra The State of Prisions in England ans Walles, escrita em 1777, que Howard manifestou seu descontentamento com as atuais penitenciárias, criticando veemente as condições em que se encontravam as penitenciárias inglesas. Afirma-se que Howard encontrou as prisões inglesas em estado deplorável, porque, com o desenvolvimento econômico que o país já havia alcançado, era desnecessário que a prisão cumprisse com a finalidade econômica e social, a que era destinada.[15]
John Howard teve especial importância no processo de humanização e racionalização das penas. Ele inspirou uma corrente penitenciarista preocupada em construir estabelecimentos apropriados para o cumprimento da pena privativa de liberdade, de forma a proporcionar ao apenado condições dignas de sobrevivência, garantindo-lhe alimentação, higiene, assistência médica.
Howard é considerado por alguns autores o pai do penitenciarismo. Sua obra destacou-se por marcar o início de uma luta interminável para alcançar a humanização das prisões e a ressocialiazação do infrator. Bitencourt, em sua obra, afirma que Howard foi o primeiro estudioso do direito a fazer uma classificação das pessoas submetidas ao encarceramento divido-as em três classes:
a) os processados, que deveriam ter um regime especial, já que a prisão só servia como meio assecuratório e não como castigo; b) os condenados, que seriam sancionados de acordo com a sentença condenatória imposta; e c) os devedores.[16]
Além de classificar os infratores, Howard também propunha a necessidade de que as mulheres ficassem separadas dos homens e os criminosos jovens, dos delinqüentes maduros.
Outra crítica importante feita por Howard é que os carcereiros precisavam ser pessoas honradas e humanas, e que o Estado deveria investir na fiscalização carcerária, destinando aos magistrados tal competência. Esse magistrado seria responsável para acompanhar a execução da pena, e é o que hoje podemos comparar à figura do Juiz das Execuções Criminais.
c) Bentham
Jeremias Bentham foi um dos primeiros autores que contribuíram no campo da Penologia, apesar das inúmeras críticas ao ramo do Direito Penal. Ele foi responsável pelo uso de algumas expressões como prevenção geral e prevenção especial, e foi o idealizador do modelo “panóptico”.[17] Bentham realizou seu trabalho sempre visando à prevenção do crime e a reforma do infrator, para que este pudesse voltar ao seio social. Ele sempre procurou um sistema de controle social, um método de comportamento humano de acordo com o princípio ético de que o que proporciona prazer a alguns, pode não proporcionar a outros, desigualando, assim, os conceitos de prazer. Considerando que o homem sempre busca o prazer e foge da dor, Bentham fundamentou, assim, a sua teoria penal.[18]
Bentham era a favor da pena, mas considerava esta um mal que não devia exceder o dano produzido pelo delito. Para ele, o objetivo principal da pena era prevenir delitos – o que ele denominava de finalidade preventivo-geral. Ele afirmava que:
a pena é um mal tanto para o indivíduo, que a ela é submetido, quanto para a sociedade, que se vê privada de um elemento que lhe pertence, mas que se justifica pela utilidade. O fim da pena é a prevenção geral, quando intimida todos os componentes da sociedade, e de prevenção particular, ao impedir que o delinqüente pratique novos crimes, intimidando-o e corrigindo-o.[19]
Como percebemos, era extremamente interessado pelo problema das prisões e suas condições físicas. Para Bentham, as prisões, com as condições inadequadas em que se achavam, só serviam para deteriorar a alma do ser humano e criar homens tiranos, destinados a saírem desses estabelecimentos prontos para delinqüir novamente – subcultura carcerária.[20]
Porém, a grande contribuição de Bentham foi a concepção do modelo “panóptico”, em que ele retrata alguns problemas existentes nas penitenciárias, enfatizando problemas como a falta de segurança e de controle nos estabelecimentos penais. O “panóptico” idealizado por Bentham era uma prisão onde os detentos podiam ser observados, sem o observador ser visto.
Bitencourt, em seu Tratado de Direito Penal, descreve o modelo proposto por Bentham:
[...]Uma casa de Penitência, segundo o plano que lhes proponho, deveria ser um edifício circular, ou melhor dizendo, dois edifícios encaixados um no outro, os quartos dos presos formariam o edifício da circunferência com seis andares e podemos imaginar esses quartos com umas pequenas celas abertas pela parte interna, porque uma grade de ferro bastante larga os deixa inteiramente à vista. Uma galeria em cada andar serve para a comunicação e cada pequena cela tem uma porta que se abre para a galeria. Uma torre ocupa o centro e esta é o lugar dos inspetores: mas a torre não está dividida em mais do que três andares, porque está disposta de forma que cada um domine plenamente dois andares de cela. A torre de inspeção está também rodeada de uma galeria coberta com uma gelosia transparente que permite ao inspetor registrar todas as celas sem ser visto. Com uma simples olhada vê um terço dos presos, e movimentando-se em um pequeno espaço pode ver a todos em um minuto. Embora ausente a sensação da sua presença é tão eficaz como se estivesse presente[...]. Todo o edifício é como uma colméia, cujas pequenas cavidades podem ser vistas todas desde um ponto central. O inspetor invisível reina como um espírito.[21]
Por este projeto, Bentham foi o primeiro autor a destacar-se no ramo da arquitetura penitenciária e esforçou-se muito para ver seu projeto materializado, apesar de alguns fracassos. Apenas em Millbank – na Inglaterra –, nos Estados Unidos, e na Costa Rica, o seu modelo de prisão ideal foi implantado, tornando-se mais conhecido como “Penitenciária Central”.
Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, narra a história da violência nas prisões e destina ao panoptismo – assim retratado por ele – um capítulo próprio. Nesse capítulo, Michel Foucault relata as medidas que se faziam necessárias quando se declarava a peste em uma cidade, e compara algumas dessas medidas, com medidas a serem aplicadas em um modelo prisional, como é o caso, por exemplo, de medidas como o isolamento total dos indivíduos em um recinto fechado, sob pena de morte, aplicadas a ambos os casos. Em um tópico à parte, Foucault cita Bentham e faz algumas considerações ao “panóptico” idealizado por este. Foucault ainda afirma que o efeito mais importante do panóptico é “induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder.”[22]
Muitas são as considerações feitas por Foucault ao modelo criado por Bentham. Compara-o a uma espécie de laboratório de poder, afirmando que o “panóptico” tem a eficácia e a capacidade de penetrar no comportamento do indivíduo. Senão vejamos:
[...] o Panóptico pode ser utilizado como máquina de fazer experiências, modificar o comportamento, treinar ou retreinar os indivíduos. Experimentar remédios e verificar seus efeitos. Tentar diversas punições sobre os prisioneiros, segundo seus crimes e temperamento, e procurar as mais eficazes. Ensinar simultaneamente diversas técnicas aos operários, estabelecer qual é a melhor. Tentar experiências pedagógicas – e particularmente abordar o famoso problema da educação reclusa, usando crianças encontradas; ver-se-ia o que acontece quando aos dezesseis ou dezoito anos rapazes e moças se encontram[...]. O Panóptico é um local privilegiado para tornar possível a experiência com homens e para analisar com toda certeza as transformações que se pode obter neles. [...] O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder.[23]
Assim, como pode ser entendido, Foucault compara o “panóptico” a um zoológico real, onde o animal é substituído pelo homem.
1.2 Teorias da pena
Como observamos anteriormente, muitos foram – e são até hoje – os questionamentos a respeito da pena. Por que punir alguém? Qual sua finalidade? Como devem ser aplicadas? Essas são indagações importantíssimas, com respostas até hoje não satisfatórias. Os estudiosos do direito, constantemente, dedicam-se ao estudo da pena – ou teoria penal, sempre em busca dos interesses da coletividade para que a norma não seja estigmatizada, esteja sempre atualizada e pronta para atender ao anseio social.
Muitos foram os autores que trataram a respeito deste assusto, dentre os quais destacaram-se Kant, Hegel, Carrara, Feurbach, Von Liszt e Claus Roxin. Estes autores, por meio de seus escritos, criaram algumas teorias penais, analisando sua natureza jurídica, seus fundamentos e objetivos, servindo, assim, de base para os atuais estudiosos.
Na maioria das obras jurídicas, costumam-se dividir as teorias sobre a função da pena em três: absolutas, relativas e mistas. Façamos agora um breve comentário acerca de cada uma dessas teorias.
1.2.1 Teorias absolutas
As teorias absolutas podem também ser denominadas de teorias retributivas ou retribucionistas. Esse caráter retributivo da pena deve-se ao fato de a pena ser uma conseqüência jurídica da existência do crime, ou seja, o crime é pressuposto fundamental para a aplicação penal.
Analisando a teoria do contrato social podemos observar na prática sua aplicação, adotada pelos Estados absolutistas. O Estado, tendo como objetivo político a teoria do contrato social, converte suas atividades e normas jurídicas em lei, a fim de que os indivíduos permaneçam em estado de paz social e evitando que pratiquem delitos, sob pena de punição. Quando o indivíduo contrariava esse contrato, não cumprindo o compromisso de manter a ordem, era ele tachado de traidor, passando a ser considerado como um rebelde cuja culpa podia ser retribuída com uma pena.[24]
Kant e Hegel foram os principais representantes das teorias absolutas, porém, a grande diferença existente entre eles eram as definições e elementos da natureza do crime. Kant considera o crime como uma infração de ordem moral, devendo então ser a punição de cunho moral; enquanto que para Hegel o crime e sua compensação eram jurídicos. A tese de Hegel resume-se em sua célebre frase: “a pena é a negação da negação do Direito”.[25] Já Kant também defendia que uma das obrigações do soberano era a de castigar impiedosamente aquele que descumpriu a lei.
Outro grande jurista defensor das teorias absolutas foi Carrara. Sua concepção penal aproxima-se muito da defendida por Hegel, principalmente quando ele afirma que “o fim primário da pena é o restabelecimento da ordem externa da sociedade”.[26] Na visão de Carrara, o delito só tende a prejudicar a sociedade e seus cidadãos, já que ao ser cometido diminui neles o sentimento de segurança, de forma que para evitar novas ofensas por parte do delinqüente, a pena deve ser aplicada com o intuito de reparar o dano e restabelecer a ordem.
Na lição de Cezar Roberto Bitencourt, a finalidade exclusiva da pena é a de realizar a Justiça.
A pena tem como fim fazer justiça, nada mais. A culpa do autor deve ser compensada com a imposição de um mal, que é a pena, e o fundamento da sanção estatal está no questionável livre-arbítrio, entendido como a capacidade de decisão do homem para distinguir entre o justo e o injusto. [27]
Como se vê, as teorias absolutas ou retributivas traduzem-se na necessidade de retribuir o mal causado – o crime – por outro mal, a pena, com a finalidade, exclusivamente, de realizar a justiça.
1.2.2 Teorias relativas
Quanto às teorias relativas, estas são também conhecidas como preventivas e contrapõem-se às absolutas, tendo em vista a finalidade preventiva das penas. Conforme as teorias preventivas, aplicam-se as penas para que o infrator não volte a delinqüir.
Dentre os principais defensores da teoria preventiva merecem destaque: Beccaria, Bentham (já citados anteriormente), Feurbach, Von Liszt e Claus Roxin. Estes foram os responsáveis por classificar e dividir a função preventiva da pena em duas espécies: as teorias da prevenção geral, defendidas por Feurbach; e as teorias da prevenção especial defendidas por Von Liszt e Claus Roxin.
a) Prevenção geral
A teoria da prevenção geral compreende a ameaça da imposição da pena, seja ela abstrata ou concreta, como meio de intimidação geral dos indivíduos. Essa teoria da intimidação, pode-se assim dizer, defendia a necessidade em se dar uma maior publicidade aos atos relacionados à execução da pena, para que toda a sociedade tomasse conhecimento do sofrimento dos condenados e, assim, não cometesse delitos.
O grande defensor de teoria da prevenção geral foi Feuerbach. Este foi o pai da “teoria da coação psicológica”, de extrema relevância ao estudo do Direito Penal. De acordo com a teoria formulada por Feuerbach, seria o ramo do Direito Penal o responsável pelo estudo e combate à criminalidade. O Direito Penal teria duas funções precípuas: a de cominar penas, ou seja, por meio de normas penais incriminadoras seria estabelecido o que seria ou não lícito; e a função de aplicar penas, exteriorizando as normas penais.[28]
Rogério Greco, em sua obra Curso de Direito Penal, no que trata da teoria da prevenção geral, divide-a em positiva e negativa. A teoria da prevenção geral negativa é denominada, por ele, de prevenção por intimidação, já para tratar sobre a teoria da prevenção geral positiva, este utiliza-se da expressão prevenção integradora. Na prevenção por intimidação ele afirma que a pena aplicada ao autor da infração penal tende a refletir na sociedade, evitando, assim, que as demais pessoas, mirando-se no exemplo dos condenados, reflitam antes de cometer algum delito. Quanto à prevenção integradora, esta tem como finalidade promover a integração social, demonstrando à sociedade a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando fidelidade ao direito, e trabalhando, além dos valores jurídicos, os valores morais do indivíduo.[29]
Enfim, como verificamos, o fim da pena para todas as teorias da prevenção geral é a intimidação da sociedade como forma de impedimento à ocorrência de novos crimes.
b) Prevenção especial
A teoria da prevenção especial procura evitar a prática do delito dirigindo-se, exclusivamente, ao delinqüente, tendo como objetivo a não reincidência. Diferente do que prega a teoria da prevenção geral, a teoria da prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, mas, sim, que o indivíduo que já delinqüiu não volte a transgredir as normas penais novamente.
A limitação da pena, de acordo com os fundamentos da teoria da prevenção especial, é um dos questionamentos alvo de muitas críticas e discussões. Conforme esta teoria, tendo o indivíduo cometido um crime, este cumprirá a pena por tempo determinado, até que plenamente corrigido, ou reeducado, saia em liberdade. Eis então as seguintes indagações: Quanto tempo seria suficiente para reformar um infrator? Quais medidas deveriam ser utilizadas para corrigir um apenado? E no caso de infratores incorrigíveis? Algumas dessas importantes indagações essas teorias não respondem, e também algumas respostas não são aceitas, desta forma, não sendo utilizadas essas teorias.
Para Von Liszt, a pena não se destina a alcançar apenas um fim, mas vários. Para ele, além da finalidade de prevenção geral a pena também deve exercer a função ressocializadora. A tese de Von Liszt tornou-se conhecida por ser sintetizada em três palavras: intimidação, correção e inocuização.[30]
1.2.3 Teoria mista
A teoria mista – conhecida também pelo termo teoria unificadora – tenta agrupar em um conceito único os fins da pena. A doutrina unificadora defende que a retribuição e a prevenção, geral e especial, são distintos aspectos de um mesmo fenômeno que é a pena. A teoria unificadora da pena é a adotada pelo nosso Código Penal Brasileiro, em seu artigo 59, conforme se vê abaixo:
Art. 59 O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV – a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível. [31]
Portanto, pode-se concluir que o legislador ao elaborar o texto do artigo 59 do Código Penal realizou uma fusão das teorias absoluta e relativa, já que ele faz menção a duas condições necessárias à aplicação da pena, que são a reprovação e a prevenção do crime, seguindo, assim, a classificação de Claus Roxin.
Agora que ficou esclarecido como se deu a origem e a evolução das penas, iremos analisar no próximo capítulo como a pena foi difundida em nosso Direito Penal Brasileiro.