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A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará

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Agenda 16/06/2012 às 10:55

2 AS PENAS E O DIREITO PENAL BRASILEIRO

Nos povos menos ilustrados, as contribuições mais liberais servem freqüentemente para oprimir os bons, anistiar ou absolver os maus. (Marquês de Maricá)

Antes de se adentrar nas espécies penais atualmente dispostas em nosso Código Penal, é necessário que se faça alguns comentários no que tange à parte histórica e à evolução das penas em nosso ordenamento jurídico. Como se sabe, nosso país foi descoberto no ano de 1500 pelos portugueses, sendo colonizado por estes a partir de então, até sua independência, em 1822. Com o advento da família real de Portugal muitas foram as mudanças em nossa sociedade. Sob forte influência lusitana, alguns aspectos foram incrementados ao nosso cotidiano, como a cultura, a política, e, conseqüentemente, as leis. A primeira legislação brasileira foi herdada, quase em sua maioria, do Direito Lusitano. A partir de agora faremos uma síntese da história do Direito Penal Brasileiro, analisando as leis dentro de cada uma dos períodos históricos do Brasil. 

2.1 Breve histórico do Direito Penal Brasileiro

Como já foi aludido anteriormente, nossa legislação sofreu forte influência de Portugal. Entretanto, antes de o país ser colonizado pelos lusitanos, não haveria nenhum ordenamento jurídico, ou seja, não haviam leis que regessem os habitantes locais, no caso, os indígenas ou silvícolas. Entre os índios, as práticas penais eram exercidas como meio de se punir os que desobedecessem as regras instituídas pelo chefe da tribo – pajé. Algumas das práticas penais indígenas podiam ser comparadas às aplicadas nas sociedades primitivas, como é o caso dos rituais de sacrifícios humanos. Portanto, ao analisarmos as primeiras sanções utilizadas em nosso território, observamos que as técnicas utilizadas para se punir eram primárias, severas e desproporcionais, tais quais as existentes em outros grupos.

René Ariel Dotti, em seu Curso de Direito Penal, em relação aos silvícolas no Brasil ao tempo da descoberta, afirma que, para certos delitos, a privação da liberdade já era utilizada. Ele narra que “a privação da liberdade era imposta para se deter os inimigos em seguida à captura ou nas horas que precediam de imediato o seu sacrifício.”[32]

a) Brasil Colônia

Com a chegada dos portugueses no Brasil, eclodiram várias lutas entre os índios e estrangeiros. Achava-se esse território em uma época de terror e extrema desordem. Os métodos de luta empregados pelos portugueses eram de tamanha brutalidade, devido ao uso de armas, ocasionando a morte de milhares de silvícolas. Após a posse efetiva das terras e, em seguida, com a vinda da família real portuguesa, instituiu-se no Brasil uma legislação com o intuito de reger a conduta dos indivíduos e evitar delitos – as Ordenações Afonsinas.

As Ordenações Afonsinas foram trazidas de Portugal e de imediato introduzidas em nosso país. Trazia em seu conteúdo textos inspirados nos Direitos Romano e Canônico e em normas consuetudinárias (costumeiras). As Ordenações Afonsinas dividiam-se em cinco livros, e o Livro V tratava da matéria penal e processual penal.[33]

As penas contidas neste ordenamento destacavam-se pela sua crueldade e desproporcionalidade, e tinham como intenção impor o terror como meio de evitar a incidência de delitos, nos remetendo à teoria da prevenção geral defendida por Feurbach (abordada no capítulo anterior). Assim como as penas, as prisões também tinham um caráter preventivo e também com a finalidade de conter as fugas dos infratores até que estes fossem julgados.[34]

Basicamente, as Ordenações Afonsinas, no Livro V, regulamentavam no tocante às penas, adotando, inclusive, as penas pecuniárias. Dotti afirma que “a prisão também era aplicada no regime das Ordenações Afonsinas como um meio de coerção para obrigar o autor ao pagamento da pena pecuniária.”[35] Contudo, tais normas não tiveram muita aplicação em nosso território e, em 1521, foram revogadas, sendo substituídas pelas Ordenações Manuelinas, elaboradas por Dom Manoel I.

As Ordenações Manuelinas, assim como as Afonsinas, eram distribuídas em cinco livros, cujo último dispunha também das matérias criminais. D. Manuel I, ao elaborar essas normas, pretendia compilar toda a legislação vigente, não havendo, desta forma, diferenças substanciais entre esse ordenamento e o anterior.[36] A servidão penal, em que se submetia o infrator à situação de cativeiro, continuava sem aparecer como pena, e a prisão é tratada como medida de coerção pessoal até o julgamento e condenação do infrator.[37]

Porém, a reforma normativa a que aspirava D. Manuel I não logrou êxito, inclusive pela adoção do regime de capitanias hereditárias, em que cada donatário regia a sua capitania de acordo com o que lhe achava direito, atuando, muitas vezes, como juiz, interpretando e executando a lei. À pedido de D. Manoel, todos os exemplares das Ordenações Manuelinas foram destruídos e se propôs uma nova reforma penal, feita nos mesmos moldes da vigente anteriormente.

Elaborado o novo texto legal das Ordenações Manuelinas, estas vigoraram até a data de 11 de janeiro de 1603, sendo sucedidas pelas Ordenações Filipinas, durante a regência do Rei Felipe II, da Espanha.[38]

As Ordenações Filipinas, assim como as Manuelinas, não trazia em seu texto legal muitas divergências em relação ao texto contido nas Ordenações Afonsinas. As penas mantinham seu caráter cruel, sendo cada vez mais aplicados os açoites, os suplícios e a pena de galés[39], além da pena capital – ou pena de morte, como sanção principal. Marcelo Valdir Monteiro esclarece que as penas de morte se procediam em três formas, conforme cita abaixo:

[...] 1.ª – morte cruel (a vida era lentamente tirada em meio aos suplícios); 2.ª – morte atroz (a eliminação era agravada com especiais circunstâncias, como a queima do cadáver, o esquartejamento etc); 3.ª – morte simples (limitada à supressão da vida sem rituais diversos e aplicada através da degolação ou do enforcamento, modalidade esta reservada às classes inferiores por traduzir a infamação).[40]

Como observamos, nas Ordenações Filipinas, as penas eram impiedosas, totalmente desprovidas dos princípios da legalidade e proporcionalidade, ficando a critério do juiz o tipo de pena que deveria ser aplicada. Uma outra sanção que predominava durante tal período era a morte civil, acarretando a perda dos direitos de cidadania do indivíduo, contudo essas sanções eram aplicadas para delitos menos gravosos.

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Monteiro, em seu livro Penas Restritivas de Direitos, cita a condenação de Tiradentes como o exemplo mais conhecido da aplicação das Ordenações Filipinas. Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira, foi processado e condenado à morte, tendo seus membros expostos em diversos cantos da cidade de Vila Rica, em Minas Gerais, além da pena de infâmia imposta a seus descendentes.[41]

b) Brasil Império

Após a proclamação da Independência do Brasil, em 1822, pelo então Imperador D. Pedro I, muitas medidas foram adotadas, dentre elas, destaca-se a elaboração da primeira Constituição Brasileira, em 1824. A Carta Magna de 1824 representou um avanço jurídico em termos de legislação, incorporando, inclusive, alguns princípios inspirados nos ideais iluministas da época, advindos dos pensadores europeus. Tais princípios tornaram-se tão importantes, que vigoram até os dias atuais em nosso ordenamento, como é o caso do princípio da igualdade, da irretroatividade da lei penal, da individualização da pena etc. Dentre as modificações realizadas com o advento da Constituição de 1824, podemos citar a abolição da tortura e das penas cruéis, como os açoites, da marca de ferro quente, entre outros; a criação de direitos e garantias individuais e a elaboração de uma legislação criminal e processual – o Código Criminal do Império.[42]

O Código Criminal do Império foi sancionado pelo Imperador D. Pedro I no dia 16 de dezembro de 1830 e trazia consigo muitas diferenças das Ordenações Filipinas, reduzindo em três as infrações que impunham como condenação a pena capital. Dotti elenca as hipóteses que cominavam a pena de morte como sendo “insurreição de escravos, homicídio agravado e latrocínio.”[43]

No que tange às penas, estas foram as grandes novidades instituídas pelo Código Imperial, que as dividia em onze classes. Dentre as várias classes previstas, merecem destaque: as penas de prisão com trabalho (art. 46), prisão simples (art. 47), de multa (art. 55), e a pena de perda do emprego (art. 59).[44] Algumas dessas penas estão dispostas em nossa legislação penal atual, como é o caso da pena de multa, instituída através de dias-multa; e a pena de perda do emprego, incluída no rol das penas restritivas de direitos.

A pena de prisão simples consistia em manter o apenado recluso em prisões públicas até que este cumprisse o tempo determinado pela sentença condenatória. Já a pena de prisão com trabalho é interessante, pois ainda hoje é mantida, e consiste em obrigar os apenados a realizarem trabalhos diários dentro das próprias prisões onde estão encarcerados, de acordo com a sentença estabelecida e com os regulamentos dos estabelecimentos penais. Podemos, inclusive, traçar um paralelo entre a pena de prisão com trabalho, instituída pelo Código Criminal do Império, e o disposto no artigo 31, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que institui a Lei de Execução Penal (LEP). Veja abaixo:

Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidades.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.[45]

A LEP estabelece os critérios de como o trabalho interno deve ser executado pelos presos. Em contrapartida, o Código Penal brasileiro, dispõe do instituto da remição[46] para compensar a atividade laboral realizada pelo apenado. O artigo 126, § 1º, da Lei de Execução Penal dispõe que um dia de pena equivale a três dias de trabalho.

Quanto à pena de multa, presente tanto no Código Criminal do Império quanto no atual Código Penal, foi instituída para atingir o patrimônio do condenado. Atualmente, a pena de multa é aplicada de forma cumulada ou alternada com a reclusão ou detenção – penas privativas de liberdade – e conforme explica Celso Delmanto, a pena de multa “consiste na imposição ao condenado da obrigação de pagar ao fundo penitenciário determinada quantia em dinheiro, calculada na forma de dias-multa.”[47] A pena de multa foi uma das grandes, senão a maior das inovações,  instituídas pelo Código Imperial.

Finalmente, temos a pena de perda do emprego que também merece comentários, tendo em vista que esta pena ainda permanece em nossa atual legislação, incluída no rol das penas restritivas de direitos, ou alternativas – objeto de estudo deste trabalho. Aliás, vale salientar que o Código Imperial introduziu, em seu texto, como afirma René Ariel Dotti, três notáveis alternativas à pena privativa de liberdade: a multa, a suspensão do emprego e a perda do emprego.[48] Dessas, a suspensão do emprego é a única que não mais permanece no atual ordenamento jurídico. A pena de perda do emprego,  no Código vigente, é classificada como uma interdição temporária de direitos e está disposta no artigo 47, incisos I e II.

Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são:

I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

[...].[49]

Enfim, como  se verifica, o Código Criminal do Império teve significativa importância para o Direito Penal brasileiro, em especial, no tocante às penas. Embora tenha sido criado em um período considerado como a fase negra do Brasil, trata-se de um Código bem elaborado. Alguns autores afirmam que tão grande foi a importância deste documento, que este  foi objeto de inspiração em alguns ordenamentos jurídicos de diversos países, como é o caso do Código Penal espanhol e português.[50]    

c) Brasil República

O período republicano no Brasil foi de profundas mudanças políticas, econômicas, sociais e jurídicas. Após a abolição dos escravos, em 1888, e a proclamação da República, no ano seguinte, muito se discutiu sobre as leis. Com o aumento populacional e as disparidades sociais que surgiam, o país clamava por novas reformas. O Código Criminal do Império, ainda vigente, já estava defasado, tamanha era a severidade de suas penas. Entre os juristas brasileiros predominavam os ideais de humanização das penas, pregados por filósofos como Rousseau e Beccaria, advindos da Europa. Desta sorte, em 1890, antes mesmo da elaboração da Constituição de 1891, criou-se uma nova lei penal, projetada por Baptista Pereira.

O novo Código Penal – também chamado de Código Republicano – trouxe grandes avanços penais, como a abolição de algumas penas, entre elas, a pena de morte e a de galés. Antes mesmo da nova legislação entrar em vigor, a pena de galés já havia sido decretada extinta, mas somente após a lei, o fim da pena de galés adquiriu eficácia.  Foram aplicados às penas os princípios da individualização e da proporcionalidade da pena. A partir de 1890, o limite para a aplicação das penas privativas de liberdade foi estabelecido em no máximo 30 anos, e foi também estabelecido o instituto da prescrição penal. O novo Código passou a tratar também da aplicação das penas para indivíduos com enfermidades mentais – hoje definida como medidas de segurança - , entre outros avanços.[51]

De acordo com a lição doutrinária de René Ariel Dotti, as penas privativas de liberdade previstas no Código da República eram:

a) prisão celular, aplicável para quase todos os crimes e algumas contravenções, constituindo a base do sistema penitenciário. Caracterizava-se pelo isolamento celular com obrigação de trabalho, a ser cumprida em ‘estabelecimento especial’ (art. 45); b) reclusão, executada em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares (art. 47); e c) prisão com trabalho obrigatório, cominada para os vadios e capoeiras a serem recolhidos às penitenciárias agrícolas para tal fim destinadas ou aos presídios militares (art. 48); d) prisão disciplinar, destinada aos menores até a idade de 21 anos, para ser executada em estabelecimentos industriais especiais (art. 49).[52]

Dentre essas penas privativas de liberdade, o elenco de sanções também dispunha de penas como o banimento – abolido logo em seguida, pela Constituição de 1891; a interdição, a suspensão e a perda de emprego público, e, a pena de multa. Como se vê, algumas dessas sanções já estavam incluídas no rol de penas do ordenamento anterior.

Entretanto, para muitos juristas da época o Código Penal de 1890 apresentava graves defeitos e algumas deficiências – as chamadas lacunas. Para suprir essas deficiências, começaram a ser formuladas leis extravagantes, que tiveram por conseqüência transformar o código em uma colcha de retalhos. Então, com o intuito de compilar todas as normas em um único ordenamento, muitos projetos foram criados tendo por finalidade, substituí-lo.

Em 1927, sob a autoria de Virgílio de Sá Pereira, foi divulgado o projeto de reforma do Código Penal que propunha duas espécies de pena: as penas principais e as acessórias. Contudo, tal projeto não vingou. Apenas em 1934, após a Assembléia Nacional Constituinte que promulgaria a nova Carta Magna, é que se discutiriam os novos rumos penais. A Constituição de 1934 integrou em seu texto princípios e garantias de Direito Penal e Processual Penal, como por exemplo, o habeas corpus, o foro privilegiado, a fiança.[53]

No ano seguinte, em 1935, sob forte influência positivista, o mesmo projeto de Virgílio de Sá Pereira, elaborado em 1927, foi rediscutido. Toda a classe jurídica manifestou-se, principalmente nas faculdades do curso de Direito. Além das penas, foram debatidos temas como as medidas de seguranças, o sursis, e a custódia doméstica – atualmente denominada de prisão domiciliar. Após chegar ao Senado, em 1937, o projeto foi barrado, devido aos recentes acontecimentos políticos que se alastravam pelo país.

No mesmo ano, era instituído o Estado Novo e uma nova Constituição é outorgada. A nova Constituição de 1937 teve como característica maior o autoritarismo, marca do regime político da época. Durante esse período, Getúlio Vargas, com a intenção de atender aos anseios da sociedade, confere à Alcântara Machado a tarefa de elaborar um novo Código Penal. Feito o projeto, este é submetido ao trabalho de uma comissão revisora, composta por Nelson Hungria, Vieira Braga, Narcélio de Queiroz e Roberto Lira, e, em 1940, é sancionada. A matéria trazida pelo novo Código Penal foi discutida por muitos estudiosos, haja vista o conteúdo liberal adotado, contrariando o regime ditatorial em que se encontrava o país.

2.2 O Código Penal de 1940 e reforma penal da Lei nº 7.209/84

O Código Penal Brasileiro, instituído pelo Decreto-lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, foi elaborado sob a influência das escolas penais clássica e positiva, e trouxe consigo o que havia de melhor nas legislações modernas de países como a Itália, Suíça etc, e, embora tenha sido alvo de constantes reformas, permanece em vigor até os dias atuais. De fato, nossa legislação chamou atenção, diante dos modernos e democráticos princípios nela implantados, representando, assim, um grande progresso no que se refere ao tema criminal no Brasil.

No tocante às penas, foi adotada pelo novo sistema penal, a proposta elaborada por Virgílio de Sá Pereira, dividindo-as em duas espécies: as principais e as acessórias. As penas principais abrangiam as penas privativas de liberdade – reclusão e detenção – e a pena de multa – ou pecuniária. Quanto às acessórias, eram previstas as penas de perda de função pública, de interdição de direitos e a publicação da sentença. No entanto, poucos eram os casos em que a pena de prisão era convertida em multa, pois legislador ainda primava pela aplicação da pena de prisão.[54]

Quanto as espécies de penas privativas de liberdade, como já tivemos oportunidade de ver, dividiam-se em reclusão e detenção, e, para as duas espécies, o novo Código estabeleceu limites temporais. À pena de reclusão poderia ser cominada no máximo trinta anos, enquanto à de detenção, em no máximo três anos, ambas cumpridas em regime fechado. [55]

Outro aspecto relevante do Código Penal de 1940 diz respeito às medidas de segurança, retratadas no Título VI, Capítulos I e II.  René Ariel Dotti salienta que “se a pena é essencialmente repressiva (devendo ser aplicada e sentida, primacialmente, como castigo ou expiação), a medida de segurança é essencialmente preventiva (segregação hospitalar, assistência, tratamento, custódia, reeducação vigilância).”[56]

O Código Penal de 1940, em seu texto original, ao discorrer sobre as medidas de segurança, as dividiu em medidas de segurança patrimoniais e pessoais. As medidas patrimoniais incidiam sobre bens, como o nome mesmo diz, sobre o patrimônio do infrator; enquanto as pessoais recaíam sobre a pessoa física do infrator, que, de alguma forma, era considerado incapaz, podendo este ser internado em manicômios, colônias agrícolas ou centros de recuperação. A norma penal, nestes casos, utilizava o sistema-duplo binário, competindo ao magistrado aplicar cumulativamente a pena e a medida de segurança.

Contudo, em meio a tantas modificações, estas não foram suficientes para dar fim aos problemas relacionados à criminalidade. As penas privativas de liberdade não estavam cumprindo com o seu objetivo ressocializador, havia um aumento da população carcerária, as políticas governamentais penitenciárias não estavam surtindo os efeitos desejados. Dessa forma, iniciou-se uma série de tentativas para encontrar alternativas às penas privativas de liberdade. Novamente a legislação penal foi alvo de várias reformas.

Dentre as várias reformas que tinham por finalidade alterar o texto legal do Código Penal de 1940, merece destaque a Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, que instituiu uma nova parte geral do Código Penal Brasileiro.

Após a reforma de 1984, foram extintas as penas acessórias, que eram aplicadas cumulativamente com as privativas de liberdade; e, tratando-se das medidas de segurança, foi extinto o sistema duplo-binário, substituído pelo vicariante, cujo legislador poderia optar pela aplicação ou da pena criminal ou da medida de segurança, diferentemente do sistema anterior. Em relação às penas principais, estas também foram abolidas. 

Com o advento da Lei nº 7.209/84, o rol do artigo 32 elencou as espécies penais em privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa. As penas privativas de liberdade foram mantidas em reclusão e detenção, porém, quanto aos regimes de cumprimento da pena, estes foram alterados. O legislador também foi criterioso ao estabelecer o sistema de progressão da pena, por meio da criação dos regimes fechado, semi-aberto e aberto, e de novos institutos como o livramento condicional e a suspensão condicional da pena – o chamado sursis.

A nova redação do artigo 33 do Código Penal estipulou que “a pena de reclusão pode ser cumprida em qualquer dos regimes, enquanto que a de detenção, no regime semi-aberto ou aberto, tudo, porém conforme o tempo da pena e a circunstância pessoal do condenado, se reincidente ou não.”[57]

A pena de multa, após a reforma de 1984, foi mantida, sendo modificado apenas os seus critérios de fixação. Permaneceu o sistema de dias-multa, cominado juntamente à pena privativa de liberdade, porém foi limitado um mínimo de 10 (dez) e um máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias.

Por fim, obstante às modernas reformas, temos ainda as penas restritivas de direitos, ou alternativas – por se tratarem de alternativas à pena de prisão. Elencadas no rol das penas principais, as penas restritivas de direitos foram adotadas pelo legislador como tentativa de evitar a pena de prisão, e substituir, quando possível, as penas de reclusão e detenção. 

Conforme o artigo 43, com redação da Lei nº 7.209/84, três eram as espécies de penas alternativas: prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.[58] Essas três espécies de penas restritivas de direitos ainda permanecem na legislação brasileira, acrescidas de outras duas penas, instituídas pela Lei nº 9.714/98 – objeto de estudo do capítulo seguinte – a saber: prestação pecuniária e perda de bens e valores.

Comparadas às legislações vigentes em outros países, as penas alternativas brasileiras representam um dos melhores elencos de alternativas à prisão, no entanto por questões políticas, não têm estrutura suficiente para que haja aplicação efetiva.

A partir do capítulo seguinte, abordaremos a questão das penas alternativas, analisando as alterações instituídas pela Lei nº 9.714/98, suas peculiaridades, modalidades, bem como seus requisitos para aplicação.

Sobre a autora
Talita de Castro Tobaruela

Advogada em Fortaleza (CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOBARUELA, Talita Castro. A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3272, 16 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22018. Acesso em: 22 dez. 2024.

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