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A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará

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16/06/2012 às 10:55
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3 DAS PENAS ALTERNATIVAS

É, pois, necessário escolher penas e modos de inflingi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu.

 (Beccaria)

Visando atender aos anseios da sociedade, o legislador instituiu penas substitutivas à prisão, as quais foram intituladas de penas restritivas de direitos. Entretanto, alguns juristas, como Cezar Roberto Bitencourt e Damásio Evangelista de Jesus, afirmam haver um equívoco quanto ao emprego do termo “restritivas de direitos”.

Damásio, em sua obra Direito Penal, além de utilizar a terminologia “medidas alternativas” para tratar das penas restritivas de direitos, as classifica em três modalidades: penas restritivas de liberdade, restritivas de direitos e pecuniárias.[59] As penas restritivas de liberdade abrangem a limitação de fim de semana; as restritivas de direitos, as interdições provisórias de direitos; e, por fim, as pecuniárias, englobando a pena de multa e prestação pecuniária.

Porém, de acordo com Bitencourt, que faz algumas críticas à posição defendida por Damásio, a classificação mais correta das penas alternativas seria:

[...] privativas de liberdade (reclusão e detenção), restritivas de liberdade (prisão domiciliar, limitação de fim de semana e prestação de serviços à comunidade); restritivas de direitos (compreendendo somente as efetivas interdições e proibições) e pecuniárias (multa, prestações pecuniárias e perda de bens e valores).[60]

Portanto, no que tange às penas substitutivas à prisão, antes adentrarmos nos tópicos seguintes, será questionado a denominação mais adequada a ser empregada sobre os termos penas alternativas ou substitutivas.

No Brasil, as penas  foram instituídas pela Lei nº 7.209/84 – abordada no capítulo anterior – que reformou toda a parte geral do Código Penal. Em seguida, com a entrada em vigor da Lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, as penas alternativas tiveram seus dispositivos alterados.

3.1 Evolução das penas alternativas mediante a Lei nº 9.714/98

As penas alternativas, ou substitutivas, foram introduzidas em nosso ordenamento inspiradas nas penas correcionais européias e em resposta às deficiências penais existentes, como a falência da pena privativa de liberdade e do sistema carcerário.

Michel Foucault, em sua obra Vigiar e Punir, ao questionar se a pena privativa de liberdade fracassou, responde negativamente, explicando que a pena privativa cumpriu com a finalidade que lhe era destinada – estigmatizar, segregar e separar os delinqüentes.[61] Contudo,  há um equívoco na explicação de Foucault, que esqueceu de abordar a pena sob o aspecto ressocializador. 

As primeiras penas alternativas surgiram na Rússia, em 1926, mediante da substituição das penas que acarretavam a prisão por penas de prestação de serviços à coletividade. A partir de 1960 as penas alternativas começaram a ser chamadas pelos russos de penas de trabalhos correcionais, abrangendo outras espécies, como a prisão de fim de semana.

As penas corretivas russas obtiveram enorme sucesso, notado através da redução nos índices de reincidência entre os infratores. Por conseguinte, em um curto período de tempo, as penas alternativas já haviam sido introduzidas nos ordenamentos jurídicos de diversos países, como a Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, Canadá, México, Brasil etc.

Na Alemanha as penas alternativas não obtiveram tanto êxito quanto na Rússia. A matéria que disciplinava as medidas alternativas em substituição às privativas de liberdade foi pouco ousada. A Inglaterra, no entanto, destacou-se por aplicar o mais bem sucedido exemplo de trabalho comunitário, chamado de Community Service Order, implantado pelos ingleses após a reforma de 1982.[62]

Traçando um paralelo entre as medidas alternativas de alguns dos países citados acima, podemos dividi-los em dois grupos: os que aplicam as penas alternativas em substituição a outras penas e os que aplicam as penas alternativas de modo independente.

No Brasil, as penas alternativas foram implantadas como substitutos penais à prisão, assim como ocorre na Espanha, Portugal, Itália, México e Paraguai. Nesses países, a pena substitutiva surgiu para evitar ao máximo a aplicação das penas privativas de liberdade (reclusão e detenção), onde o legislador estabeleceu uma série de requisitos a serem cumpridos, para em seguida verificar a possibilidade em se dar a substituição. Na Espanha e na Itália, inclusive, a substituição ultrapassa a pena de prisão, incidindo até sobre as penas pecuniárias, como a pena de multa.[63]

Nos países Canadá, Inglaterra e França as penas alternativas são penas autônomas, ou seja, não têm caráter substitutivo e independem da cominação de outra pena. De acordo com o delito, e a pena prevista por este, de imediato já é estabelecida a medida alternativa a ser cumprida, exceto pelo não consentimento do infrator que opte por cumprir a pena em regime normal, na prisão. A questão do consentimento do infrator é outra característica importante das penas alternativas desse grupo de países. Conclui-se, então, que a legislação desses países sofreu a influência dos entendimentos formulados pelos adeptos da escola penal clássica, que apregoa que o homem é dotado de livre-arbítrio.

No Brasil, como já foi mencionado, as penas alternativas foram estabelecidas sob a égide da Lei nº 7.209/84, que além de regular as espécies penais e dispor dos requisitos e das situações em que poderá haver a substituição, dá competência ao magistrado para, de acordo com a personalidade do infrator, escolher a sanção mais adequada.

A redação da Lei de 1984, em seu artigo 44, estabeleceu que só seria cabível a substituição quando a pena privativa de liberdade fosse inferior a 1(um) ano, exceto quando se tratasse de infração culposa. Conforme abaixo o texto original do artigo 44:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena de liberdade inferior a 1 (um) ano ou se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.

Parágrafo único. Nos crimes culposos, a pena privativa de liberdade aplicada, igual ou superior a 1 (um) ano, pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas restritivas de direitos, exeqüíveis simultaneamente.[64]

Em verdade, podemos afirmar que as penas substitutivas são penas seletas, já que não se aplicam a todo e qualquer infrator. Caso não sejam atendidos a pelo menos um dos requisitos legais, não poderá ocorrer a substituição. O legislador, ao elaborar esses dispositivos, também teve a preocupação de prever possíveis casos de descumprimento das medidas alternativas, o qual ele intitula de conversão. A conversão consiste no descumprimento injustificado da restrição imposta e, caso ocorra, a medida alternativa é convertida em privativa de liberdade.

Desta sorte, que no que tange às penas alternativas, essas foram as grandes inovações incrementadas ao nosso ordenamento a partir da Lei nº 7.209. Entretanto, com o objetivo de ampliar a aplicação das penas substitutivas, em 25 de novembro de 1998, entrou em vigor a Lei nº 9.714.

A Lei nº 9.714/98 alterou significativamente os dispositivos do Código Penal que regulava a matéria concernente às penas restritivas de direitos. Além de elencar mais duas modalidades de pena ao rol do artigo 43 – prestação pecuniária e perda de bens e valores –, ampliou a substitutividade das penas alternativas. No que se refere à pena de prestação de serviços à comunidade, esta teve sua aplicação estendida às entidades públicas.[65]

A partir da nova Lei, eis os casos em que as penas alternativas podem ser substituídas: nos casos de condenados em crimes dolosos, cuja pena não supere 4 (quatro) anos; nos delitos que não tenham sido praticados com violência ou grave ameaça; e nos crimes culposos, em que  a substituição independe da pena.[66] Nesse sentido, verifica-se que o limite temporal, que antes era de 1 (um) ano, com a nova redação foi elevado para 4 (quatro) anos, salvo os casos de crimes culposos. Outra exigência não prevista anteriormente, foi a de que o crime não fosse praticado com o uso de violência ou grave ameaça à pessoa.

Um aspecto que também merece comentários, refere-se à substituição em se tratando de condenados reincidentes. O § 3º do artigo 44 do Código Penal dispõe que se o condenado for reincidente, antes de aplicar a substituição, o juiz deverá analisar duas condições: a primeira, que a substituição seja socialmente recomendável, em face da condenação anterior; e a segunda, que a condenação não seja pelo mesmo tipo de crime.

Muitos doutrinadores discutem quanto a essa questão da reincidência, tendo em vista que o texto normativo trata de duas espécies de reincidência, a genérica e a específica, de acordo com a natureza do delito – doloso ou culposo. Celso Delmanto, em seu Código Penal Comentado, argumenta que “para a reincidência genérica em crime doloso, a substituição é cabível, uma vez presentes os requisitos legais, enquanto que para a reincidência específica em crime doloso ela não é permitida.”[67]

Nesse sentido, observa-se que a reincidência dolosa, em regra, continua como causa impeditiva da substituição, salvo quando a substituição mostrar-se socialmente recomendável e a reincidência não tenha acontecido em virtude da prática do mesmo crime.

Diante de todo o exposto, no tópico a seguir iremos adentrar no estudo das condições de aplicação das penas alternativas, discorrendo sobre cada um dos requisitos necessários à substituição.

3.2 Dos requisitos necessários à substituição

Segundo o artigo 44 do Código Penal, as penas alternativas são aplicáveis para substituir as penas privativas de liberdade. No mesmo dispositivo, o legislador também elenca, a seguir,  uma série de condições exigíveis à substituição;

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;

II – o réu não for reincidente em crime doloso;

III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. [68]

Assim, três foram os pressupostos estabelecidos para que haja a substituição. Cezar Roberto Bitencourt, em sua obra Novas Penas Alternativas, ao tratar desses pressupostos, ou requisitos, os qualifica em objetivos e subjetivos.[69]

Segundo Bitencourt, o inciso I, do artigo 44, dispõe dos pressupostos objetivos, que são: a quantidade de pena aplicada, a natureza do crime cometido e a modalidade de execução.[70] O primeiro requisito necessário à substituição refere-se a cominação da pena, donde a pena deve ser de reclusão ou detenção e não inferior a quatro anos. Portanto, analisando esse pressuposto, deduzimos que exclui-se, de imediato, a substituição das penas alternativas pela pena de multa.

Ao se mencionar a pena de multa, vale ressaltar, a diferença entre a pena de multa, de natureza pecuniária, da multa substitutiva, de natureza alternativa. A multa substitutiva está prevista no § 2º, do artigo 60, e destina-se a substituir as condenações com pena não superior a 6 (seis) meses.

Já em relação à natureza do crime, segundo pressuposto objetivo, refere-se aos crimes dolosos ou culposos. Os delitos de conduta culposa, como se observa, gozam de alguns privilégios no que concerne à quantidade de pena aplicada e à reincidência. Enquanto nos crimes dolosos o limite de pena aplicada deve não ser superior a quatro anos, nos crimes culposos não há limite temporal. E, quanto à reincidência, não há restrições para crimes culposos.

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Para os delitos de conduta dolosa, com pena superior a um ano de prisão, a lei determina a sua substituição por uma pena alternativa, combinada à pena de multa, ou então por duas penas alternativas, desde que estas possam ser cumpridas simultaneamente. Quando a pena privativa de liberdade for superior a seis meses, mas igual ou inferior a um ano, será substituída por uma medida alternativa ou por multa. E, por fim, quando a pena de prisão for inferior ou igual a seis meses, será aplicada uma multa substitutiva.

E, finalmente, o terceiro requisito objetivo à substituição, refere-se à modalidade de execução, ou seja, se houver o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, exclui-se a hipótese de substituição.

Quanto aos requisitos subjetivos, Bitencourt os qualifica como sendo os dispostos nos incisos II e III, do artigo 44 do Código Penal. O primeiro trata da reincidência e o segundo dos critérios pessoais e morais atinentes ao acusado – denominada popularmente de “vida pregressa do acusado”.[71]

O primeiro pressuposto subjetivo para que se aplique a substituição é de que, em regra, o condenado não seja reincidente em crime doloso, silenciando o legislador quanto às condutas culposas. A exceção à regra, do inciso II, está expressa no § 3º, do mesmo artigo. De acordo com o exposto abaixo:

Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:

[...]

§ 3º. Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face da condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.[72]

Ante o exposto, convêm traçarmos algumas ponderações. Conforme reza o parágrafo supracitado, a reincidência em crime doloso não é mais impedimento para substituição, pois caso a medida seja socialmente recomendável – isso fica a critério do magistrado – e não tenha se dado pela prática do mesmo crime, a medida alternativa poderá ser aplicada.[73]

Por fim, o segundo requisito subjetivo, refere-se aos critérios pessoais do apenado, dentre eles os antecedentes, a conduta social, a personalidade e os motivos que o levaram a cometer tal delito.  

Desta forma, convém afirmar que os pressupostos subjetivos ficam a critério do juiz, quando da aplicação da medida alternativa. O juiz, ao prolatar a sentença deve, primeiramente, estabelecer a pena privativa de liberdade para em seguida substituí-la pela medida alternativa. Desse modo, estabelecida a pena inicial, o juiz, em um segundo momento, vai analisar, diante dos pressupostos do artigo 44, se é cabível ou não a substituição. Caso seja possível, na própria sentença, o magistrado, por escrito, substitui a pena, fundamenta os motivos pelos quais está aplicando a substituição e indica a pena alternativa a ser cumprida. Em seguida, determina que seja expedida a carta de guia do apenado para a Vara de Execuções de Penas Alternativas, ou, não havendo vara específica, para a Vara de Execuções Criminais.

Vale ressaltar a importância do trabalho desempenhado pelas Centrais ou Varas de Execuções de Penas Alternativas, que por meio de convênios firmados com diversas entidades, e com o trabalho de assistentes sociais e psicólogas, monitoram o apenado desde a sentença até o cumprimento da pena. Em relação à pena de prestação de serviços à comunidade, são nessas varas especializadas que se estabelece em qual entidade será prestado o serviço.    

Assim, concluímos que o legislador, ao normatizar a matéria relativa às penas substitutivas, teve um grande cuidado em não elaborar uma lei que fosse sinônima de impunidade. Não devemos esquecer que a função das penas alternativas também é a punição, porém, com a tentativa de evitar ao máximo o encarceramento.

Após o estudo de como as penas alternativas evoluíram, e dos requisitos imprescindíveis à sua aplicação, analisaremos, no próximo tópico, cada uma de suas espécies, verificando em que consistem, a que tipo de condenados se aplicam etc.

3.3 Espécies de penas alternativas

Nosso Código Penal Brasileiro, em seu dispositivo 43, estabelece as cinco espécies de penas alternativas, o qual denomina de penas restritivas de direitos. Vejamos:

Art. 43. As penas restritivas de direitos são:

I – prestação pecuniária;

II – perda de bens e valores;

III – VETADO;

IV – prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;

V – interdição temporária de direitos;

VI – limitação de fim de semana. [74]

Celso Delmanto, ao tratar das medidas alternativas, faz uma classificação quanto ao âmbito de sua aplicação. Para o autor, as penas alternativas podem ser divididas em duas espécies: genéricas e específicas. As genéricas são as penas aplicáveis em qualquer substituição, salvo se houver restrição específica; enquanto as específicas, só serão aplicáveis em substituição à pena por crimes praticados no exercício de determinadas atividades. Dentre as cinco modalidades de penas alternativas, somente a pena de interdição temporária de direitos tem caráter específico.[75]

O inciso III, do artigo 43, atualmente vetado, dispunha da pena de recolhimento domiciliar, entretanto, sob a justificativa de que não seria uma pena rígida o suficiente para evitar o acometimento de novos delitos, foi alvo de veto presidencial.[76]

Após essa breve introdução, adentraremos agora no estudo a cada uma das espécies de penas alternativas.

3.3.1 Prestação pecuniária

Dentre as cinco espécies de penas alternativas elencadas pelo legislador no artigo 43 do Código Penal, a primeira trata da pena de prestação pecuniária. A pena da prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus beneficiários ou à entidade público ou privada com destinação social, mediante um valor fixado pelo juiz na sentença condenatória, entre um e 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos.[77] Senão vejamos o disposto no artigo 45, § 1º, do Código Penal:

Art. 45. Na aplicação da substituição prevista no artigo anterior, proceder-se-á na forma deste e dos artigos 46, 47, 48.

§ 1º A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários.

§ 2º No caso do parágrafo anterior, se houver aceitação do beneficiário, a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza. [78]

Diante do exposto, pode-se observar que a finalidade essencial desta sanção é a reparação do dano causado por meio da infração penal. Tanto é verdade, que o texto legal estabelece que o valor a ser pago, deverá ser deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil, se coincidentes os beneficiários, ou dependentes.

Alguns autores fazem menção quanto a essa questão do beneficiário, já que a lei não fala em sucessores. Subtende-se, então, que se, por ocasião da sentença, a vítima tiver morrido sem deixar dependentes, a prestação pecuniária será paga à entidade pública ou privada, como explicitado na norma.

Nesse sentido, Cezar Roberto Bitencourt afirma que só em duas hipóteses o resultado da condenação em prestação pecuniária poderá ter outro destinatário:

(a) se não houver dano a reparar ou (b) se não houver vítima imediata ou seus dependentes. Nestes casos, e, somente nestes casos, o montante da condenação destinar-se-á a ‘entidade pública ou privada com destinação social’.[79]

Outra ponderação a ser feita é que, caso a vítima, seus dependentes, ou a entidade beneficiária concordarem, o pagamento em dinheiro poderá ser substituído por prestação de outra natureza, como, por exemplo, serviços, bens e outros valores, mediante a autorização do juiz responsável pela execução da pena. O Código silencia quanto à forma de pagamento, porém, segundo o entendimento doutrinário, é cabível parcelamento, uma vez que se tratando de reparação, a transação é possível em qualquer momento.[80]

Vale salientar ainda, algumas críticas feitas a essa modalidade de pena alternativa, como a adoção da utilização do sistema de dias-multa para a fixação da prestação pecuniária, e não a fixação por meio de salários mínimos, tendo em vista, em alguns casos, a inviabilidade de se processar a reparação.

Faz-se necessário, também, diferenciar a prestação pecuniária da pena de multa. Apesar da natureza penal de ambas, a prestação pecuniária destina-se à vítima, a seus descendentes ou a entidades públicas ou privadas com fim social, por meio da reparação do dano; enquanto que a pena de multa destina-se sempre ao Estado.

3.3.2 Perda de bens e valores

A perda de bens e valores, incluída no rol de penas alternativas, assim como a prestação pecuniária, por meio da Lei nº 9.714/98 está disciplinada, em particular, no parágrafo terceiro do artigo 45. Está também prevista no artigo 5º, inciso XLVI, alínea “b”, da Constituição Federal de 1988.

A pena de perda de bens e valores consiste na transmissão de bens e valores pertencentes ao condenado, para o patrimônio do Fundo Penitenciário Nacional, para suprir o prejuízo causado ou o proveito obtido pelo agente ou por terceiro, decorrente da prática de eventual crime.

Marcelo Valdir Monteiro esclarece que a pena de perda de bens e valores é destinada aos chamados “criminosos de colarinho branco”.[81] Em verdade, podemos afirmar que essa espécie de pena alternativa, no Brasil, tem alcance maior entre indivíduos vinculados ao Estado, por meio de seus servidores públicos, agentes políticos etc.

A perda de bens e valores é uma pena de natureza econômica e jamais aplicável à terceira pessoa, mas sempre à pessoa do condenado. Dessa forma, caso ocorra a morte do infrator, é necessário que sejam verificados dois aspectos: se já houve o trânsito em julgado da sentença penal condenatória que determina a execução da medida, ou não. Havendo a morte do infrator antes do trânsito em julgado, o juiz deverá decretar a extinção da punibilidade, devendo a ação penal ser arquivada. Porém, se a morte ocorrer após o trânsito, os efeitos da sentença penal recairá sobre os sucessores e contra eles deverá ser executada.[82] Esta espécie penal atinge tanto os bens móveis quanto os imóveis, e a valores, como títulos de crédito, ações etc.

Bitencourt, ao discorrer sobre a pena de perda de bens e valores, faz alusão a pena de confisco, que foi largamente usada na Antigüidade, privando os infratores de seus bens e em favor do Estado.[83] Entretanto, o confisco só é cabível para objetos provenientes do crime, diferentemente da medida alternativa que determina a perda de bens e valores, donde a pena recai sobre todos os bens econômicos do condenado.    

3.3.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas

A terceira pena alternativa a ser estudada, refere-se à pena de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, disciplinada em nosso ordenamento no artigo 46. Conforme exposto abaixo:

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação de liberdade.

§ 1º A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.

§ 2º A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários e estatais.

§ 3º As tarefas a que se refere o § 1º serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

§ 4º Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (artigo 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada.[84]

A pena de prestação de serviços comunitários consiste no dever de o condenado prestar, gratuitamente, certa quantidade de horas de trabalho em prol de determinada comunidade ou entidade. Entre as cinco espécies de medidas alternativas, talvez seja a pena de prestação de serviços comunitários a considerada mais importante.

Prevista no Código Penal desde 1984, a pena de prestação de serviços à comunidade e à entidades públicas aplica-se às condenações superiores a seis meses de pena de prisão. Caso a condenação da pena privativa de liberdade seja igual ou inferior a seis meses, não caberá a substituição pela pena de prestação de serviços comunitários, sendo aplicada, então a multa substitutiva.

O legislador, ao estabelecer essa modalidade de pena alternativa, entendeu que a realização de serviços em comunidades, em sua maioria carentes, geraria uma série de benefícios, tanto para a comunidade quanto para  o próprio apenado, sensibilizando-o para os problemas sociais.

A partir da Lei nº 9.714/98, a pena de prestação de serviços comunitários foi estendida às entidades públicas, seja da Administração direta, quanto da indireta, e também às empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias, enfim, entidades vinculadas ao Poder Público.[85] Ou seja, o legislador garantiu o afastamento de qualquer entidade privada que visasse lucro.

Os serviços poderão ser realizados em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos, organizações não governamentais (ONGS), e em programas comunitários. O trabalho prestado pelo apenado deverá ser cumprido de acordo com suas aptidões e sua personalidade. Cada uma hora de serviço prestado equivale a um dia de condenação. O legislador, ao impor esta condição, no § 3º, do artigo 46, do Código, teve a intenção de não prejudicar a jornada de trabalho normal, caso o condenado exerça alguma atividade laboral ou estude.

Walter Rodrigues da Cruz ressalta ainda, no tocante à execução da pena de prestação de serviços a comunidades e a entidades públicas, que não é necessário que o serviço seja executado somente durante os dias da semana, podendo ser realizados nos fins de semana e, inclusive, nos feriados.[86]

Vale ressaltar, que para essa espécie de pena alternativa, a pena é aplicada pelo juiz que julga o processo, e aplicada e fiscalizada pelo juiz da execução, ou de vara especializada. Por isso, vem ganhando destaque o papel desempenhado pelas Varas ou Centrais de Penas Alternativas, já que o magistrado responsável, por esta, tem a competência de designar em qual comunidade, ou entidade, o serviço será prestado.

O Estado do Ceará foi o primeiro a criar uma vara especializada em penas alternativas. Em seguida, o modelo desenvolvido na Comarca Alencarina foi expandido para os diversos Estados do Brasil. O juiz titular da vara especial é competente para, além de executar e fiscalizar o cumprimento das medidas impostas, firmar convênios entre entidades e o juízo especializado na aplicação das penas alternativas.

 Outra questão a ser suscitada é quanto ao descumprimento na execução dos serviços prestados pelo condenado. Ocorrendo a inexecução injustificada da prestação de serviços comunitários, a entidade beneficiada pelo serviço deverá comunicar ao juiz da vara de execução ou vara especializada, para que este converta a pena alternativa em privativa de liberdade. Embora se saiba que, na realidade, caso o apenado descumpra as obrigações, pela primeira vez, é concedida a ele uma nova oportunidade, antes que seja operada a conversão.  

3.3.4 Interdição temporária de direitos

As penas de interdição temporárias de direitos, conforme preconiza o artigo 47 do Código Penal, são:

Art. 47. As penas de interdição temporária de direitos são:

I – proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;

II – proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;

III – suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo;

IV – proibição de freqüentar determinados lugares.[87]

A pena de interdição temporária de direitos consiste em algumas proibições impostas ao condenado, durante o período determinado na sentença que decretou a pena privativa de liberdade. Durante esse período, o indivíduo é impedido de exercer certas atividades, bem como freqüentar determinados locais. O inciso IV, do artigo 47, que trata justamente sobre a proibição de freqüentar certos lugares, foi introduzido em nosso ordenamento, após a redação da Lei nº 9.714/98.

Como se observa, o artigo 47 do Código Penal dispõe de quatro modalidades de interdições, a serem estudadas a partir de agora.

a) Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo

A primeira espécie de pena interditiva abrange o exercício de cargo, função ou atividade pública. Ou seja, o legislador procurou incluir, nesse rol, toda e qualquer atividade desenvolvida por quem goze da condição de servidor público.

Entretanto, a lei faz uma objeção ao mencionar que a pessoa investida no cargo de servidor deve estar no exercício efetivo do cargo. O servidor público condenado à pena de interdição de direitos será temporariamente suspenso, e o período de suspensão será equivalente ao cominado pela pena de prisão. Vale ressaltar que não há a perda de função, se tratando, apenas, de um afastamento temporário.

Walter Rodrigues da Cruz, em sua obra As Penas Alternativas no Direito Pátrio, afirma que a proibição de cargo, função ou atividade pública ou mandato eletivo não atinge somente aos agentes públicos em exercício, porém destina-se, também, àqueles que estão na iminência de ingressar no serviço público, independente do título, função ou cargo que forem assumir.[88]

b) Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público

A segunda modalidade de interdição refere-se à proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público. Assim como na primeira espécie, a proibição não é definitiva, apenas temporária. Expirado o prazo de proibição, o apenado pode voltar ao exercício normal de suas atividades.

A doutrina, quanto a essa espécie de interdição, afirma ainda que, caso o apenado realize outras atividades, ou tenha um outro emprego, a lei não impede o seu exercício, podendo o apenado, até mesmo, prestar concursos públicos.[89]

Para esta modalidade de interdição, pressupõe-se que a ação criminosa tenha sido realizada com abuso de poder. Compete ao juiz de execução determinar a apreensão dos documentos que permitam o exercício da profissão, devendo, em seguida, oficiar ao órgão fiscalizador da atividade.[90]

c) Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo

A penúltima modalidade de pena interditiva de direitos regulamenta no tocante à suspensão de autorização, e habilitação para dirigir veículo. Essa modalidade só pode ser aplicada aos crimes culposos de trânsito, sendo inaplicável a interdição quanto a veículos de propulsão humana e tração animal. Outra condição para a aplicação da suspensão de autorização, ou habilitação para dirigir, é que o réu possua autorização ou habilitação na data do fato delituoso.  

No caso de prática de crime doloso, conforme preconiza o inciso III, artigo 92, do Código Penal, a inabilitação para dirigir veículo já é efeito da condenação, não sendo aplicável esta modalidade de pena alternativa.

O motorista infrator terá sua licença ou habilitação suspensa. Em se tratando de motorista de veículo automotor terá sua habilitação apreendida até que se esgote o período de suspensão.

d) Proibição de freqüentar determinados lugares

E, finalmente, a última pena alternativa de interdição é a proibição de freqüentar determinados lugares, disposto no inciso IV, do artigo 47. Como já relatado anteriormente, esta proibição foi uma das novidades instituídas pela redação da Lei nº 9.714/98.

A lei da proibição de freqüentar determinados lugares consiste na proibição do apenado de estar presente em determinados locais determinados pelo juiz, e que guardam relação com o delito praticado, a fim de evitar a reincidência.

Assim como as outras modalidades da pena de interdição temporária de direitos, a proibição de freqüentar determinados locais será temporária, e o período corresponderá ao mesmo período delimitado pela sentença de pena privativa de liberdade.

3.3.5 Limitação de fim de semana

A reforma penal de 1984 criou, como uma das espécies de penas alternativas, a limitação de fim de semana, também chamada de prisão de fim de semana. Por meio dessa medida, cumprida uma série de condições, o condenado é obrigado a permanecer, durante o final de semana, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.

A pena alternativa de limitação de fim de semana é disciplinada pelo artigo 48 do Código Penal Brasileiro:

Art. 48. A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado.

Parágrafo único. Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas.[91]

Ante o exposto, verifica-se que o caput do artigo 48 estabelece algumas condições para o cumprimento desta medida alternativa, dentre elas que a limitação de fim de semana deve ser aos finais de semana, pelo período de 5 (cinco) horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Assim, podemos concluir que, o legislador não fez menção quanto aos feriados, obrigando à sua exclusão; e, subentende-se que o lapso temporal máximo a ser cumprido por final de semana é de 10 (dez) horas, porém, a serem distribuídas entre o sábado e o domingo.  

Contudo, o que se observa é que essa medida alternativa, em comparação às outras espécies, é a menos utilizada. Dentre os fatores que contribuem para esse fracasso podemos mencionar a falta – ou inexistência – de casas de albergado, e a falta de verbas para construí-las. Alguns doutrinadores afirmam que a limitação de fim de semana é uma pena não condizente com a realidade.

A duração da pena de limitação de fim de semana é a mesma da cominada pela pena privativa de liberdade, entretanto ela só poderá ser cumprida aos sábados e domingos, podendo-se, inclusive, traçar a proporção de dois dias de limitação de fim de semana para cada sete de privativa de liberdade.

Quanto à execução, compete ao juiz da sentença a substituição da prisão pela medida de limitação de fim de semana, entretanto, competirá ao juiz da execução, ou da vara especializada em penas alternativas, a aplicação e fiscalização da medida alternativa.

Na casa de albergado ou outro estabelecimento que o condenado venha a cumprir a medida, deverão ser implantadas palestras, mini-cursos, atividades educativas, para que seja atingido o objetivo ressocializador da pena. O juiz, juntamente com o estabelecimento onde o apenado está cumprindo a pena alternativa, por meio de relatórios, irão fiscalizar mensalmente se o indivíduo está cumprindo corretamente a pena.[92]

Desta forma, concluímos que, embora a pena alternativa de limitação de fim de semana seja praticamente inutilizável, a finalidade a que ela se propõe é de suma importância, tendo em vista que o condenado não é prejudicado em sua rotina semanal, já que este só é obrigado a sujeitar-se a 10 (dez) horas nos finais de semana, além de realizar atividades sócio-educativas, e, principalmente, evitando-se o encarceramento.   

No próximo capítulo iremos abordar a parte prática do tema a ser estudado, verificando como ocorre a aplicação das penas alternativas no Estado do Ceará, que foi pioneiro na execução e fiscalização das penas alternativas no Brasil.

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Sobre a autora
Talita de Castro Tobaruela

Advogada em Fortaleza (CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOBARUELA, Talita Castro. A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3272, 16 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22018. Acesso em: 19 abr. 2024.

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