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A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará

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16/06/2012 às 10:55
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4 A APLICAÇÃO DAS PENAS ALTERNATIVAS NO ESTADO DO CEARÁ

O que diminui a criminalidade não é o tamanho da pena, mas a certeza de punição. (Beccaria)

Como já verificamos nos capítulos anteriores, as penas alternativas foram criadas com o intuito maior de evitar o encarceramento e desafogar a população carcerária já existente. Alguns dados são importantes na análise da substituição das penas de prisão por medidas alternativas.

O Brasil tem, em média, uma população carcerária de 300.000 (trezentos mil) presos. Dentre esses 300.000 presos 95% são homens; 70% possuem menos de 30 (trinta) anos; 65% são negros e mulatos; 95% são pobres ou miseráveis; 12% são analfabetos; e, por fim, apenas 8% dos condenados têm sua pena substituída por uma pena alternativa. Cada preso custa ao Estado, em média, R$ 700,00 (setecentos) reais mensais.[93]

Desta forma, como podemos observar, em nosso país, o perfil do preso tem raça e classe econômica, e isso nos remete a uma série de discussões sociais. Os índices de substituição da pena de prisão pela pena alternativa são mínimos. Muitos dos indivíduos que se encontram encarcerados poderiam ter suas penas substituídas por medidas alternativas. Porém, no Brasil, as medidas alternativas ainda são vistas como penas insuficientes, tidas pela sociedade como penas sinônimas de impunidade.

Há de se entender que as penas alternativas não são aplicáveis a criminosos de alta periculosidade. Ao contrário, tratam-se de penas seletas, aplicáveis a determinados infratores, e que visam, justamente, evitar que esses infratores primários possam conviver com delinqüentes de toda espécie. Aplicar uma pena alternativa não significa dizer que o indivíduo não vá ser punido, pois haverá sim a punição, entretanto, esta será imposta sem retirar o indivíduo do convívio social, mantendo-o no seio de sua família.

A substituição das penas alternativas pela pena de prisão apresenta vantagens e desvantagens. Em relação às vantagens, estas beneficiam tanto o apenado quanto à sociedade. Além da diminuição carcerária, podemos elencar como pontos positivos referentes às penas substitutivas: a diminuição dos gastos do Estado para com cada indivíduo preso, ficando disponível para que sejam aplicados em outros investimentos; a diminuição nos índices de reincidência, acarretando, como conseqüência, a diminuição da criminalidade, propiciando mais segurança à sociedade; e, por fim, a possibilidade ao apenado de reintegração social, tendo em vista que a pena de prisão, além de não ressocializar, reforça a exclusão social.[94]

Já em relação aos aspectos negativos das penas alternativas, Flávio Augusto Fontes de Lima, Juiz da Comarca de Pernambuco, cita: o abrandamento da lei penal; a falta de fiscalização no cumprimento dessas leis; a não diminuição do número de presos, tendo em vista que o alcance das penas alternativas é mínimo, entre outros.[95] Ele inclusive afirma que em muitos Estados, há de fato a impunidade, uma vez que se condena alguém a uma pena de prisão, converte-se essa pena em alternativa, e ao chegar à vara de execuções, devido à falta de fiscalização, o condenado permanece solto, sem acompanhamento.

Assim, verificamos que há grande resistência por parte dos magistrados em aplicar as penas substitutivas. Os juízes das Varas Criminais ao decretarem a sentença, esquecem dos preceitos do artigo 44 do Código Penal, que dispõe das condições de substituição da pena privativa de liberdade pela alternativa, e limitam-se a conceder outros benefícios, como o sursis, e o cumprimento da pena no regime aberto. Por isso, é crescente o surgimento de varas especializadas nas execuções de penas alternativas.

O Ceará foi o primeiro Estado a incrementar em sua organização judiciária uma vara especializada em penas alternativas. Logo em seguida outros Estados aderiram ao modelo cearense. Em algumas capitais, os juízos competentes para tratar da execução e fiscalização das penas alternativas são denominados de Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas, entretanto, em outros Estados, são intitulados de Centrais de Penas Alternativas.

Luiz Flávio Gomes, em entrevista a revista Datavênia, ao ser questionado sobre a atuação das varas de penas alternativas no Brasil, cita as capitais Fortaleza e Curitiba como referência, afirmando que nessas capitais há uma integração muito grande entre juízes e comunidades.[96]

Desta sorte, faremos uma breve análise a respeito de como funciona a Vara de Execução de Penas e Medidas Alternativas no Estado do Ceará.                    

4.1 A atuação da Vara de Execução de Penas Alternativas

No que tange à matéria de penas alternativas, o Estado do Ceará foi pioneiro. Por meio da Lei Estadual n° 12.862, de 25 de novembro de 1998, foi instituída na Comarca de Fortaleza uma vara especializada na execução das penas alternativas.

Dentre as disposições impostas pela Lei Estadual nº 12.862/98, o artigo 121 restringiu a competência do juízo da Vara de Execução de Penas Alternativas (VEPA) tão somente para executar e fiscalizar as penas alternativas, excluindo, desta forma, a competência do juiz da sentença, que, anteriormente, era responsável pela substituição, execução e fiscalização.  Vejamos o disposto no artigo 121:

Art. 121. Ao Juiz da Vara de Execução de Penas Alternativas compete:

I – promover a execução e fiscalização das penas restritivas de direitos e decidir sobre os respectivos incidentes, inclusive das penas impostas a réus, residentes na Comarca de Fortaleza, que foram processados e julgados em outras unidades judiciárias;

II – cadastrar e credenciar entidades públicas ou com elas conveniar sobre programas comunitários, com vista à aplicação da pena restritiva de direitos de prestação de serviços à comunidade;

III – instituir e supervisionar programas comunitários para os fins previstos no inciso anterior;

IV – fiscalizar o cumprimento das penas de interdição temporárias de direitos e de limitação de fim de semana.[97]

Diante do exposto, observamos que o artigo 121 estabelece todas as funções a serem desempenhadas pelo magistrado. Além das atividades de execução e fiscalização merece destaque a função de firmar convênios com comunidades e entidades públicas, visando à aplicação da pena de prestação de serviços comunitários.

O juiz da VEPA, ao receber a Carta de Guia do apenado, juntamente com a cópia da sentença prolatada pelo juiz da Vara Criminal, autuará esta documentação e dará início a um novo processo, inclusive com uma nova numeração. Após a autuação o processo será apreciado pelo representante do Ministério Público e, em seguida, pelo juiz, para que verifiquem se este está apto a ter sua pena substituída por uma medida alternativa. Caso o processo esteja regular, o sentenciado será intimado para o cumprimento da pena.[98]

 Após a intimação, o apenado será submetido a uma entrevista realizada por uma psicóloga e uma assistente social, onde, mediante os resultados obtidos nessa avaliação, será decidida qual a instituição mais adequada para o cumprimento da prestação de serviço. Feita a escolha da comunidade, ou entidade, onde o serviço irá ser executado, o sentenciado será intimado para uma audiência com o juiz da VEPA, onde lavrar-se-á um termo determinando todas as condições a serem cumpridas. Caso a VEPA verifique que o apenado não está cumprindo com as condições estabelecidas no termo, será marcada uma nova audiência, denominada de audiência de advertência, na qual este explicará os motivos do descumprimento, sob pena de conversão da pena alternativa em pena privativa de liberdade.[99]

Na Comarca de Fortaleza, a VEPA mantém convênio com aproximadamente 200 (duzentas) entidades recebedoras de prestadores de serviços, dentre elas instituições como hospitais, escolas, creches, asilos etc. O objetivo precípuo da Vara de Execução de Penas Alternativas é a reeducação e reabilitação, buscando dar uma nova vida ao apenado, de modo que este não venha delinqüir novamente.

A VEPA também realiza programas sociais de qualificação profissional para aqueles que estão um busca de algum emprego; de escolarização, para pessoas analfabetas; e, por fim, realiza programas de tratamentos psiquiátricos, para pessoas com problemas mentais e dependentes químicos.

A Vara de Execução de Penas Alternativas da Comarca de Fortaleza, devida a sua excelente estrutura, é referência para muitos outros Estados. A VEPA conta com um suporte de uma equipe técnica formada por psicólogos, assistentes sociais, juiz, promotor, defensor público, analistas e técnicos judiciários, oficiais de justiça e estagiários.

O papel desempenhado pelos psicólogos e assistentes sociais é de extrema importância, já que antes de cumprirem a pena, os apenados passam por uma avaliação psicológica a fim de auxiliar na escolha da espécie de entidade a qual serão encaminhados.  

Dentre as espécies de penas alternativas mais aplicadas pela VEPA de Fortaleza, destaca-se a pena de limitação de fim de semana e a pena de prestação de serviços a comunidades ou a entidades públicas.

4.2 As dimensões ressocializadoras da pena de prestação de serviços comunitários

Como observamos no tópico anterior, uma da penas alternativas de maior aplicação na Vara de Execuções de Penas Alternativas do Estado do Ceará, é a pena de prestação de serviços comunitários.

Os convênios firmados entre as varas especializadas em penas alternativas e as entidades só tendem a gerar benefícios, tanto para o apenado quanto para as entidades conveniadas. Dentre os inúmeros benefícios que as penas substitutivas propiciam aos apenados, vale mencionar: permitir que o condenado exerça uma ocupação lícita; evitar o contato deste com pessoas marginalizadas; e, não deixar no condenado o estigma de ex-presidiário, que talvez seja o maior mal que ele vá carregar pelo resto da vida. Entretanto, no que tange às entidades, ou comunidades, estas também são favorecidas, tendo em vista que obtêm mão-de-obra gratuita possibilitando a estas um melhor desempenho de suas atividades.[100]

Nas instituições conveniadas são desenvolvidas atividades como segurança, porteiro, auxiliar de serviços gerais, zelador, maqueiro em hospitais, almoxarifado, pintor, atendimento ao público etc.

Atualmente, a VEPA, no Estado do Ceará, conta com quase duzentas entidades conveniadas, abrangendo hospitais, escolas, creches, asilos etc. Dentre elas, destacam-se algumas como Instituto José Frota (IJF), o Hospital Albert Sabin, a Santa Casa de Misericórdia, a Casa do Menino Jesus, além de creches e escolas municipais e estaduais.

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Um dos benefícios da pena de prestação de serviços comunitários é criar um vínculo entre o apenado e a entidade. Em alguns casos, ocorre de o apenado, ao fim do cumprimento da sua pena, ser efetivado e fazer parte do quadro de funcionários da entidade.

Diante do exposto, concluímos que o trabalho realizado pela VEPA na Comarca de Fortaleza é de extrema importância, tendo em vista que esta está sempre buscando ampliar a execução das penas alternativas, por meio da criação de programas que favoreçam na ressocialização do apenado. Com a falência no nosso sistema penitenciário, é necessário que a sociedade se conscientize da importância das penas alternativas, tendo em vista que a pena de prisão, comprovadamente, é incapaz de reeducar um indivíduo; ao contrário, só faz brotar no preso sentimentos de ódio e vingança.     


CONCLUSÃO

No decorrer desta pesquisa observamos como se deu a evolução das penas até os dias atuais. Verificamos que, diante da falência da pena privativa de liberdade, há a necessidade de se criar novas sanções, a fim de evitar o encarceramento, e, conseqüentemente, a degradação do ser humano. Desta forma, demonstramos que as penas substitutivas surgiram, justamente, como uma alternativa à prisão. 

Averiguamos, ainda, que, embora as penas alternativas representem modernas e eficazes sanções, sua aplicação ainda é restrita. Assim, ressaltamos os aspectos negativos em se utilizar as penas privativas de liberdade, e as vantagens em se aplicar as medidas alternativas, bem como seus requisitos, suas espécies e sua execução.

Esperamos ter respondido de forma satisfatória às indagações realizadas no início deste trabalho monográfico. Nesse sentido, enfocamos, mediante posições doutrinárias e de alguns dados, a atual situação carcerária do Brasil, e como as penas alternativas colaboram na redução de alguns índices alarmantes.

Embora muitos magistrados se posicionem contra a aplicação das penas alternativas, utilizando-se de outros institutos, verificamos que tais penas, ao serem adotadas, representam medidas eficazes no trabalho de ressocialização do apenado. Tamanhos são seus benefícios, que grande maioria dos Estados brasileiros já dispõem de varas especializadas na execução das penas e medidas alternativas.

Dessa forma, por meio do excepcional trabalho desenvolvido pela Vara de Execução de Penas Alternativas (VEPA) do Estado do Ceará, primeira vara especializada do Brasil, os demais Estados aderiram ao modelo desenvolvido na Comarca de Fortaleza, cujas funções, como vimos, não se resumem apenas em executar e fiscalizar a aplicação das medidas alternativas, entretanto, em firmar convênios com entidades, ministrar palestras, criar programas de apoio ao apenado, dentre outras.

Constatamos, inclusive, que, dentre as cinco modalidades de penas alternativas, a pena de prestação de serviços comunitários é a mais eficaz. Muitos apenados, após cumprirem essas penas alternativas, voltam a estudar, largam seus vícios, aprendem a ter mais respeito com o próximo e se reintegram ao trabalho, família e sociedade, retomando sua auto-estima e o prazer de viver. Por sua vez, as entidades também são beneficiadas, já que irão dispor de mão de obra qualificada, sem despender recursos.

Finalmente, concluímos que é necessário que a sociedade seja conscientizada da importância das penas alternativas, pondo fim à idéia de que somente a prisão resolverá o problema dos presos. A questão da criminalidade não será resolvida apenas transformando os presídios em verdadeiros depósitos humanos, pois em um determinado momento estes condenados irão voltar ao convívio social, porém, muito mais violentos.


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Sobre a autora
Talita de Castro Tobaruela

Advogada em Fortaleza (CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOBARUELA, Talita Castro. A função ressocializadora da pena alternativa no estado do Ceará. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3272, 16 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22018. Acesso em: 22 nov. 2024.

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