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Antecipação da tutela recursal no Direito Processual do Trabalho

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Agenda 09/07/2012 às 09:44

A antecipação da tutela recursal é um importante instituto de garantia da efetividade jurisdicional ainda pouco empregado no Direito Processual do Trabalho. Talvez a frequente confusão com as medidas cautelares e a adoção pelos Tribunais deste último modelo como procedimento adequado para se obter efeito suspensivo a recurso sejam as principais causas do tímido emprego da tutela antecipada nos Tribunais.

1   Introdução.

Vivemos em uma época em que o Direito e a experiência jurídica são discutidos por um novo ângulo. Os grandes temas ligados à filosofia do Direito como as proposições do jusnaturalismo e do realismo; o normativismo kelseniano; o empirismo jurídico de Pedro Lessa; o apriorismo de Del Vecchio e Stammler; a completude do tridimensionalismo de Reale, entre outras escolas do pensamento jurídico, constituem, nos tempos contemporâneos, registros históricos revolvidos apenas em sede acadêmica. O Direito e suas grandes questões deixaram de ocupar o centro do debate jurídico e deram lugar ao problema da entrega efetiva da prestação jurisdicional. Sai o Direito e entra a jurisdição como problema central.

E o problema de fato existe. Ações judiciais que duram anos, não poucas vezes superam uma década, um volume de ações que torna impossível uma atividade jurisdicional de qualidade e um crescente número de novas demandas a cada ano, são apenas alguns dos fatores que contribuem para minar a percepção de justiça do cidadão, contribuindo para uma ainda maior conflituosidade na sociedade.

A atividade jurisdicional, com sua função pacificadora, deve trazer à sociedade a certeza de que o justo (conforme o Direito) foi praticado. Este sentimento de certeza na distribuição da Justiça, que chamamos de segurança jurídica, reclama a observação de certos pilares, como o exercício do contraditório, da ampla defesa, do uso dos meios de provas lícitos, do uso dos recursos previstos no ordenamento.

Somente após todas estas etapas é que o magistrado pode dispor de um juízo definitivo acerca dos fatos e do Direito envolvido na demanda e, assim, proferir uma decisão que traduza em concretude a esperada segurança jurídica.

Este modelo de atividade judicial não é nada recente, tendo sido discutido já na Summa Theologica de São Tomás de Aquino. A partir da Revolução de 1789 o paradigma da segurança jurídica conduziu ao mito da completude do Código e transformou o Direito em um intrincado sistema normativo do qual o juiz não poderia se afastar, tendo, com isso, sua atuação limitada à interpretação e aplicação da lei.

Gradualmente, o sistema jurídico foi deixando o padrão do Estado Liberal-Burguês para assimilar o Estado Social, que adota como fundamento a democracia participativa, a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social.

O direito a uma pronta prestação jurisdicional foi inserido no rol de Direitos Fundamentais do Homem, como se obseva no art. 8º, I, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), de 22.11.1969.[1]

A noção de uma Justiça que adote como valor fundamental a segurança jurídica, ainda que em prejuízo da celeridade, foi substituída pela noção de que ambos os conceitos – celeridade e segurança – devam constituir o objetivo final da atividade jurisdicional.

Como conciliar uma prestação jurisdicional pronta, apta a atender de forma imediata a uma situação de urgência ou de relevância, seja do ponto de vista econômico, social ou mesmo individual, com as garantias inalienáveis do contraditório e da ampla defesa?

Como fazer repousar na mesma relação jurídico-processual as duas garantias fundamentais?

O desenvolvimento de um sistema de tutelas de urgência pelo qual o juiz pode “cindir” sua prestação jurisdicional, entregando parte dela a título precário e a partir de uma cognição sumária e a outra parte após a cognição exaustiva da causa, foi a solução encontrada para o problema.

O sistema de provimentos liminares, medidas cautelares especiais e gerais e, mais recentemente, de antecipações de tutela, não é capaz, por si, de resolver os problemas atuais que a jurisdição enfrenta. Todavia, tais mecanismos são capazes de resolver situações específicas nas quais a intervenção imediata do Poder Judiciário é necessária para atender a uma situação de urgência, de dano iminente, para preservação de coisas e pessoas, ou mesmo para responder a uma conduta protelatória do adversário.

Tais mecanismos são ainda pouco empregados na Justiça do Trabalho. A tradição conciliatória e a concentração dos atos processuais em uma única audiência, faz com que o magistrado opte, muita vezes, por antecipar uma sessão já designada e imediatamente proferir uma decisão final a deferir uma medida antecipatória requerida.

Há, no entanto, um espaço ainda pouco explorado que as medidas antecipatórias, o objeto do presente estudo, podem preencher com vistas a dar efetividade à prestação jurisdicional: a antecipação da tutela em fase recursal.

A atribuição de efeito suspensivo a recurso para prevenir que a parte sucumbente sofra dano de difícil reparação em uma execução provisória patrocinada pelo até então vencedor; a atribuição de efeito ativo a recurso para prevenir dano irreparável não protegido na instância anterior; a cassação de efeito suspensivo a recurso dotado desse atributo em razão de má-fé do recorrente, são alguns exemplos que justificam a antecipação da tutela em sede recursal e evidenciam a importância do tema para os operadores do Direito.

Sem a pretensão de exaurir este cativante tema, o presente trabalho objetiva apresentar em linhas gerais o instituto da antecipação da tutela recursal no Direito Processual do Trabalho vigente.


2   O sistema brasileiro e a evolução dos provimentos liminares.

O Código de Processo Civil de 1939 (Decreto-Lei 1.608, de 18.09.1939) previa, ao lado das medidas liminares típicas originadas no Direito Romano, como a nunciação de obra nova e as ações possessórias, um poder geral de cautela pelo qual o juiz poderia “determinar providências para acautelar o interesse das partes” com vistas a prevenir violência entre os litigantes ou lesão a direito de difícil reparação ou ainda para viabilizar a produção de uma prova (art. 675)[2].

Tal poder, no entanto, era limitado pela forma de seu exercício. O artigo 676 do Código de Processo Civil antigo apresentava um rol de “medidas preventivas” que poderiam ser adotadas, o qual para muitos era exaustivo, não permitindo extensões por parte do juiz[3].

No Código de Processo Civil anterior não havia qualquer cláusula de antecipação da tutela.

O atual Código de Processo Civil (1973) inovou quanto ao poder geral de cautela. Enquanto seu antecessor previa uma “clausula fechada”, isto é, definindo os provimentos que poderiam ser expedidos e as hipóteses que os autorizavam, em uma lista que para muitos não poderia ser ampliada, o novo código processual trouxe o poder geral de cautela como uma “cláusula aberta”.

O Código de Processo Civil atual, assim como o anterior, estabelece hipóteses nas quais é possível a concessão de um provimento jurisdicional imediato, sem a necessidade de uma cognição completa. Dentre as hipóteses tratadas na lei, pode-se apontar o arresto, a exibição de documentos, os alimentos provisórios e a reintegração de posse liminar em caso de esbulho recente.

Ao lado destas hipóteses expressamente previstas, as chamadas “medidas cautelares típicas ou nominadas”, o Código de Processo Civil atribui ao juiz o chamado “poder geral de cautela” pelo qual o magistrado pode, in verbis, “determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação” (art. 798).

Há, como se observa, uma sensível evolução na regulamentação dos procedimentos acautelatórios. Enquanto o legislador de 1939 parece ter propositalmente limitado a atuação sumária do juiz, o seu sucessor optou por dar amplo espaço para o juiz tomar as medidas que reputar adequadas em qualquer caso, exigindo apenas que se verifique a presença de fundado receio de dano ou lesão grave.

A evolução, porém, limitou-se a este ponto. O Código de Processo Civil de 1973 admitia apenas os procedimentos cautelares, sejam aqueles expressamente previstos no ordenamento ou aqueles decorrentes do poder geral atribuído aos juízes.

Vinte anos após, a Lei nº 8.952, de 13.12.1994, deu um grande passo na reforma do Código de Processo Civil. Referida norma introduziu o “poder geral de antecipação” na lei processual civil, dando aos juízes o apoio que necessitavam para concederem medidas com vistas a acelerar a prestação jurisdicional final.

Evidente, contudo, que não há uma total discricionariedade por parte do magistrado, o que resulta do controle procedido pela própria lei que define os requisitos necessários para a concessão de tais provimentos.

Antes de iniciar o estudo da antecipação da tutela propriamente dita, convêm traçar as distinções entre as várias medidas de garantia da efetividade da tutela jurisdicional previstas no atual ordenamento jurídico brasileiro.

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3   Medidas liminares, provimentos cautelares e antecipação da tutela. Distinções.

Com o advento da Lei nº 8.952, de 13.12.1994, as medidas cautelares recuperaram sua natureza essencial de salvaguarda do objeto da lide principal, sepultando, por inocuidade, o debate a respeito da possibilidade de concessão de medida acautelatória de natureza satisfativa.

Formou-se, assim, uma nítida divisão entre medidas cautelares, medidas liminares típicas e medidas antecipatórias da tutela jurisdicional.

As medidas cautelares constituem “medidas de apoio a um processo”, com vistas a garantir que este alcance seu resultado útil esperado ou possível. Confinam-se no universo do processo não atingindo a pessoa dos litigantes de modo direto, razão pela qual não são medidas de cunho satisfativas.

De modo inverso, as antecipações de tutela “projetam efeitos para fora do processo e atingem a vida dos sujeitos litigantes em suas relações recíprocas e em suas relações com o bem da vida – caracterizando-se por isso como medidas de tutela direta às pessoas e não ao processo”[4].

Teori Albino Zavascki sistematiza a diferença entre as medidas acautelatórias e as antecipatórias na frase “cautelar é garantia, antecipação é satisfação”[5].

Adotar a repetida lição de que a medida cautelar garante, enquanto a antecipação da tutela satisfaz, é bastante útil como ponto de partida para a distinção dos institutos. No entanto, uma análise detida de cada caso pode gerar uma confusão no operador a respeito da natureza da medida pretendida, se satisfativa ou se acautelatória.

Daniel Amorim Assumpção Neves aponta como responsável por estas confusões o fato de que nas duas espécies de tutela encontram-se presentes os elementos “garantia” e “satisfação”, sendo necessário distinguir o que é o objeto da medida e quais são suas consequências. Para aquele autor, a tutela cautelar visa garantir o resultado útil do processo, o que permite dizer que, em uma análise mais ampla, sua função final é preservar o direito para sua futura satisfação. Sendo ferramenta que permite a satisfação do direito, pode-se dizer que a cautelar também visa satisfação[6].

De outro lado, a antecipação da tutela põe imediatamente à disposição da parte a medida final, com caráter satisfativo e assim o faz para prevenir que o resultado final seja útil à parte vencedora na ação. Daniel Amorim Assumpção Neves encerra o estudo da relação objeto/efeitos aplicando a máxima “a tutela cautelar garante para satisfazer e a tutela antecipada satisfaz para garantir”[7].

A síntese destas proposições é muito bem feita por Ernane Fidélis dos Santos e Ivana Fidélis Silveira, na seguinte passagem: “a cautela [...] é de natureza instrumental e não se identifica com a medida satisfativa solicitada no processo acautelado; apreende-se o bem, por exemplo, para evitar sua danificação, não para entregá-lo antecipadamente a quem o reivindica. Já a medida antecipada tem, qualitativamente, reflexos do mesmo conteúdo do que se pretende no pedido, por meio do julgamento definitivo”[8].

Outra distinção a se fazer diz respeito às chamadas medidas liminares típicas.

O termo “liminar” assume no Direito um sentido duplo, equívoco, referindo-se tanto à ordem cronológica do provimento quanto à sua espécie.

Liminar, do latim limen, liminaris, designa algo que ocorre inicialmente, no começo do processo. Por esta definição temporal, o conceito de provimento liminar estaria relacionado apenas ao momento em que a decisão foi expedida. Liminar seria a ordem judicial proferida no início da ação.

Por esta acepção, o termo “liminar” designaria desde as antecipações de tutela deferidas no início da ação até as medidas de urgência deferidas em ações mandamentais ou cautelares.

O termo “liminar”, contudo, tem um segundo sentido. Como recorda Daniel Amorim Assumpção Neves, antes da introdução da cláusula geral de antecipação de tutela do Direito Processual Civil brasileiro, ocorrida em 13.12.1994, a expressão “liminar" se referia, também, a uma espécie de provimento jurisdicional de urgência dotado de natureza satisfativa e que era previsto de forma esparsa para determinadas ações, como por exemplo, na ação de reintegração de possa nova[9]-[10].

O artigo 928 do Código de Processo Civil ainda mantém a mesma redação. Dispõe que o juiz deferirá, sem a oitiva do réu, mandado liminar de reintegração ao possuidor esbulhado, bastando que a petição esteja “devidamente instruída”. Esta “instrução da inicial” está regulada no artigo 927 da Lei Civil Adjetiva, que obriga ao autor apenas provar a sua posse, o esbulho praticado pelo réu e sua data e a perda efetiva da posse[11].

Observa-se que o autor da ação de reintegração de posse não necessita comprovar existir um fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou mesmo um periculum in mora para ser reintegrado liminarmente. Basta fundamentar seu pedido na liminar típica prevista no artigo 928 do Código de Processo Civil e comprovar os requisitos exigidos no artigo 927 da Lei Processual Civil.

As liminares típicas, portanto, recebem tratamento diferenciado em relação às medidas cautelares e antecipatórias de natureza geral, tanto no que concerne aos requisitos para sua concessão, como à forma de sua procedimentalização.

Essa especificidade torna, a nosso ver, as medidas liminares uma espécie de provimento jurisdicional dotado de natureza jurídica diversa da que se verifica nos outros provimentos de urgência. Enquanto as medidas cautelares e medidas antecipatórias possuem como fundamento comum a prevenção a um dano, assumindo uma natureza jurídica de cautelaridade lato sensu, as medidas liminares típicas não possuem, necessariamente, fundamento preventivo in concreto, dado que sua concessão, como ocorre na reintegração de posse, pode prescindir da prova de risco de dano. Embora possa ter natureza de cautelaridade, como na ação de nunciação de obra nova, as medidas liminares típicas podem não ser dotadas desta natureza.

Para Cândido Rangel Dinamarco, as medidas liminares típicas têm natureza jurídica de antecipação da tutela. Aquele autor afirma que “com a edição do vigente art. 273 do Código de Processo Civil tornou-se possível a percepção de que as liminares tipificadas em vários tópicos do direito positivo não são outra coisa senão casos específicos de antecipação da tutela jurisdicional”[12]. As medidas liminares típicas seriam, portanto, medidas antecipatórias nominadas, tal como ocorre com as medidas cautelares que a lei distribuiu entre nominadas e inominadas.

Assumindo a natureza de antecipação da pretensão da lide, as medidas liminares típicas se distinguiriam das medidas antecipatórias pelo fato de serem explicitamente tipificadas no ordenamento e não apoiadas no poder geral do art. 273 do Código de Processo Civil.

De se ressaltar que, independentemente da natureza que se atribua às liminares típicas – antecipações de tutela nominadas ou de provimento de urgência específico e autônomo – o operador do Direito deve ter o cuidado de observar que onde a lei expressamente prevê medida liminar específica não há que se falar em antecipação de tutela, como ocorre, por exemplo, no mandado de segurança e na ação direta de inconstitucionalidade. Desse modo, a pretensão deve ser fundamentada no dispositivo legal específico e observados os requisitos previstos em lei para a concessão do provimento almejado.

Para efeitos meramente distintivos, classificamos os provimentos de urgência em:

(i) medidas liminares típicas. Diferem-se das ações cautelares e das medidas antecipatórias por possuírem expressa previsão legal para a sua concessão, não se apoiando no poder geral de cautela ou antecipação. Podem ter natureza satisfativa ou de cautelaridade. Exemplos de medidas liminares típicas podem ser dados citando a reintegração liminar do possuidor esbulhado (CPC, art. 928), na fixação de alimentos provisórios (Lei 5.478/68, art. 4º) e na reintegração liminar do dirigente sindical (CLT, art. 659, X).

(ii) medidas cautelares. São medidas de apoio ao processo, que, como tal, visam assegurar seu resultado útil, mediante a preservação do objeto do litígio, da salvaguarda de pessoas ou de provas essenciais. Não possuem natureza satisfativa, posto que seu objeto não se confunde com o objeto da ação principal.

(iii) antecipação da tutela. São medidas de natureza satisfativa que projetam os efeitos da provável decisão final para o início ou meio da ação.

Estas várias espécies de provimentos jurisdicionais recebem várias denominações na doutrina. Medidas de urgência, medidas de evidência, medidas aceleratórias da prestação jurisdicional são apenas exemplos.

A doutrina italiana, que gera forte influência no Direito brasileiro, adota a expressão “medidas de urgência” para descrever o gênero no qual se encontram as medidas cautelares, as medidas liminares e as antecipações de tutela. Para Cândido Rangel Dinamarco, esta classificação não é precisa, uma vez que alguns provimentos antecipatórios, como a antecipação-sanção e a antecipação por incontrovérsia não exigem um estado de urgência para serem concedidos. Aquele autor prefere falar em “medidas aceleratórias da tutela jurisdicional”[13].

Considerando que os provimentos cautelares não visam acelerar a tutela jurisdicional, mas sim garanti-la, preferimos, por isso, adotar a expressão “medidas de garantia da efetividade da tutela jurisdicional” para designar o grupo no qual estão incluídas as medidas cautelares, as antecipações de tutela e as medidas liminares típicas.


4   Antecipação de tutela.

A antecipação da tutela é o mecanismo pelo qual o juiz, a requerimento da parte, concede total ou parcialmente a pretensão deduzida na ação antes da cognição completa e/ou a atuação dos juízos revisores, com natureza satisfativa e em caráter provisório, quando verificar fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou quando houver conduta protelatória de uma das partes ou ainda quando parte da pretensão se tornar incontroversa no curso da lide.

Uma indagação frequente diz respeito à natureza da decisão que antecipa a tutela jurisdicional, especificamente se constitui uma decisão de cunho discricionário ou vinculado.

Eduardo Arruda Alvim enfrentou o problema inicialmente traçando a distinção entre a discricionariedade do Direito Administrativo e a atividade do juiz na análise dos pressupostos necessários para a concessão de uma tutela jurisdicional específica. Aquele autor recorda que discricionariedade em matéria administrativa diz respeito aos critérios de conveniência e oportunidade que orientam o agente administrativo na tomada de decisões, os quais, ante sua natureza subjetiva, estão imunes de controle jurisdicional, salvo uma possível revisão sob a ótica da legalidade. Ao judiciário seria vedado discutir o ato discricionário pelo vértice dos motivos que o ensejaram [14].

Para Eduardo Arruda Alvim, não se pode falar em discricionariedade na atividade do juiz quando analisa se concede ou não um pedido de antecipação de tutela, pois esta somente estaria presente se a decisão do juiz estivesse calcada exclusivamente em critérios de conveniência e oportunidade, o que tornaria válida tanto a sentença que concedeu como a que indefere o pedido, sem a possibilidade de revisão. Para aquele autor ”não é isso, evidentemente, o que ocorre. Presentes os pressupostos necessários à antecipação, deve o juiz concedê-la; ausentes tais requisitos, deve denegá-la”[15]-[16].

Em sentido contrário, o Tribunal Superior do Trabalho consolidou entendimento que abraça a tese de que a concessão de medida antecipatória é ato discricionário do magistrado. Neste sentido é a Súmula de Jurisprudência nº 418 que afirma que “a concessão de liminar ou a homologação de acordo constituem faculdade do juiz, inexistindo direito líquido e certo tutelável pela via do mandado de segurança”.

A posição do Tribunal Superior do Trabalho parece ser reconhecer que o ato de concessão da antecipação de tutela é discricionário do juiz, a quem cabe, unicamente, decidir sobre a conveniência e oportunidade de seu deferimento.

De todo modo, os critérios que o juiz adota ao conceder ou negar o pedido de tutela antecipada são indeterminados, imprecisos e vagos, impondo que a decisão, em qualquer caso, seja devidamente fundamentada. Contra a decisão, que concede ou nega, o Processo Civil autoriza a interposição de agravo de instrumento, o qual devolverá ao Tribunal a análise destes elementos e o poder de confirmar ou reformar a decisão.

No Processo do Trabalho, diante do princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, não há recurso específico previsto para a decisão que concede ou denega a antecipação da tutela. A jurisprudência admite a oposição de mandado de segurança contra a decisão que concede a medida antecipatória, mas não permite que a mesma medida seja empregada em caso de decisão que indefere o pedido, por reputar, neste caso, que não há direito líquido e certo tutelável[17].

Essa posição parece resultar do raciocínio que o jurisdicionado tem direito a uma cognição exauriente, de modo que somente depois de esgotado o exercício do contraditório da ampla defesa pode ver uma decisão ser constituída contra si. Desse modo, a decisão que antecipa a tutela contrariaria um direito líquido e certo, sujeitando-se a controle pela via mandamental. De outro lado, a decisão que indefere a antecipação da tutela não afrontaria um direito líquido e certo, dado que esta característica, como dito, pertence à decisão final da lide.

A doutrina classifica os provimentos antecipatórios em (i) antecipação-remédio; (ii) antecipação-sanção; e, (iii) antecipação por incontrovérsia.

A lei dá tratamento diferenciado a cada espécie de provimento, empolgando o estudo individualizado de cada.

4.1  Antecipação-remédio.

A antecipação-remédio tem como objetivo prevenir que a parte sofra dano irreparável ou de difícil reparação que potencialmente possa a ocorrer no curso natural do processo.

Seu fundamento legal está estampado no artigo 273, inciso I, do Código de Processo Civil, que determina que “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e [...] haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.

José Roberto dos Santos Bedaque esclarece que nesta espécie de tutela antecipada “é a urgência que justifica a antecipação do provimento final”, pois a natureza da medida é preventiva, para evitar os danos processuais, e não a mera intenção de acelerar a prestação jurisdicional[18].

A antecipação-remédio decorre do poder geral de antecipação do juiz. Tal poder, como já dito, não pertence à absoluta discricionariedade do magistrado, na medida em que a norma prevê as hipóteses que autorizam o juiz a conceder a medida. Depurando-se a norma contida no artigo 273, I, do Código de Processo Civil, extrai-se os seguintes elementos necessários à antecipação da tutela:

Prova inequívoca. A doutrina muito tratou a respeito dos requisitos para a concessão dos provimentos antecipatórios, notadamente a exigência de prova inequívoca e da verossimilhança nas alegações autorais. Prova inequívoca, em uma interpretação literal, poderia ser considerada como prova certa, precisa, sem possibilidade de erro ou engano, irrefutável, indiscutível que se traduziria em um juízo de certeza ao magistrado. De outro lado, verossimilhança representa uma probabilidade de ser, uma plausibilidade. Neste sentido, a expressão “existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação” encerraria uma contradição, dado que se há um juízo de certeza, não haveria porque o juiz se convencer de forma apenas razoável (verossímil), em um juízo de probabilidade das alegações do autor. Não bastasse, o juízo de certeza, ou seja, a prova irrefutável do fato ou do direito somente pode ser atingido após a cognição exauriente, o que não é próprio dos provimentos antecipatórios, que são concedidos a partir de uma cognição sumária.

A doutrina, com vistas a essas deformações interpretativas, passou a atribuir à expressão “prova inequívoca” um sentido menos amplo do que a primeira leitura da norma sugere. De fato, a prova incontestável somente é alcançada no provimento jurisdicional final, após amplo contraditório e adequada dilação probatória. Não há, realmente, como se definir “prova inequívoca” como um juízo de certeza, daí porque Nelson Nery Junior afirmar que deve-se ter em conta um juízo de probabilidade, que é mais forte que a verossimilhança, porém inferior à prova inequívoca.

Com um interessante argumento, Jorge Luiz Souto Maior afirma que o expressão inequívoca que consta no art. 273 do Código de Processo Civil não significa que a prova não possa futuramente vir ser desconstituída por outro elemento probatório mais sólido, mas sim que naquele momento, em que o pedido foi formulado, a prova se apresenta como segura, idônea, clara[19].

Para Teori Albino Zavaski, a “prova inequívoca” é a “relativa certeza quanto aos fatos” narrados pela parte. Relativa porque limitada a um juízo preliminar, que pode, no curso da ação, ser contrariado por outros elementos de prova[20].

Assim, a “prova inequívoca” se refere aos fatos articulados pela parte, devendo ser interpretada não no sentido de absolutismo da prova, mas sim no sentido de demonstração clara, naquele momento, dos fatos articulados. O juiz, na cognição preliminar que faz, deve considerar o fato alegado pelo autor o mais próximo da verdade possível.

Verossimilhança da alegação. Um fato verossímil é aquele que se acredita ser mais verdadeiro do que falso. A verossimilhança, em um exercício linguístico, é a semelhança com a verdade. Para alguns autores, a “verossimilhança” está ligada aos fatos evolvidos na lide, mais precisamente com a alegação do autor. Assim, o legislador teria exigido que a alegação não apenas se pareça com a verdade, mas que tenha suporte em alguma “prova inequívoca”. Essa linha não nos parece a mais precisa, dado que um elemento de suma importância ficaria à margem, que é o que diz respeito ao direito envolvido.

No nosso sentir, não basta que os fatos sejam robustamente provados, pois destes pode não decorrer qualquer direito. É necessário que os fatos que foram objeto da “prova inequívoca” resultem em um direito tutelável, o qual vai ser o objeto da medida antecipatória e do provimento final. Assim, pretende-se que os fatos sejam claramente demonstrados com suporte em elementos probatórios (a “prova inequívoca”) e que destes fatos evidenciados resultem um direito verossímil, isto é, provável, potencial (a verossimilhança). Com efeito, a verossimilhança não residiria no campo fático, mas sim no espectro jurídico da causa, tal como o fumus boni juris, requisito para a concessão da cautelar.

O Superior Tribunal de Justiça tem precedente no sentido de que “não existe a verossimilhança necessária para a concessão de tutela antecipada se a tese que dá suporte ao pedido diverge da orientação jurisprudencial dominante”[21], o que demonstra a adesão à tese de que a verossimilhança envolve a tese jurídica da causa e não aos aspectos fáticos da demanda

Fundado receceio de dano irreparável ou de difícil reparação. O inciso I do artigo 273 do Código de Processo Civil exige, para o deferimento da antecipação-remédio, que exista um “fundado receceio de dano irreparável ou de difícil reparação”. Para Candido Rangel Dinamarco, não há qualquer diferença com o periculum in mora exigido para o deferimento das medidas cautelares, devendo haver uma unidade no trato de ambos os elementos[22].

O autor do pedido antecipatório deverá comprovar, além da “prova inequívoca” e da verossimilhança da alegação, que o tempo de duração do processo até a prestação jurisdicional definitiva potencialmente causará o perecimento do direito ou, pelo menos, pode lhe causar um prejuízo de difícil ou improvável reparação. Evidentemente que a prova de um evento futuro e, portanto, quase sempre incerto, é impossível. Daí porque a lei emprega a expressão “fundado receio”, o que indica que o autor deve comprovar a existência de um temor baseado em elementos sérios, reais, iminentes, não servindo alegações genéricas ou conjecturas infundadas.

O juiz, a partir da alegação da parte, quase sempre emprega as regras de experiência comum e da observação do que ordinariamente acontece para confirmar a presença do fundado temor de dano, transportando-se para a situação da parte. Exemplo é a causa em que se discute a cobertura de uma intervenção cirúrgica de emergência pelo plano de saúde; o risco de dano irreparável é notório.

4.1.1  Um ponto de equilíbrio.

Cândido Rangel Dinamarco postula a observação de um ponto de equilíbrio entre os requisitos necessários à concessão dos provimentos antecipatórios e cautelar. Aquele autor defende que o fumus boni juris (ou a “prova inequívoca” e a verossimilhança) e o periculum in mora (ou o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação) não são requisitos estanques que devam ser observados individualmente. O juiz, ao contrário, deve associar os dois requisitos em um raciocínio integrado, “que alcance resultados equilibrados e proporcionais”.[23]

Assim, se a probabilidade de existência do direito não for muito grande, porém a gravidade do dano temido é alta, o juiz deve “enfrentar o risco do erro” e conceder a medida. De outro lado, se o perigo não for tão grande, mas a probabilidade do direito for muito forte, o juiz deve, igualmente, conceder a antecipação.[24]

Deve haver, como se observa, um ponto de equilíbrio entre os dois requisitos, ladeados com a ponderação dos direitos envolvidos (o juízo do direito mais forte) e os efeitos da concessão ou denegação da medida no âmbito das partes (o juízo do mal maior).[25]

4.2  Antecipação-sanção.

A antecipação-sanção está prevista no artigo 273, caput, combinado com o inciso II, do Código de Processo Civil, que autoriza ao juiz “a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e [...] fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu”.

É fácil identificar as diferenças entre a antecipação-remédio e antecipação-sanção. A primeira visa defender o bem da vida contra os efeitos da demora na entrega completa da prestação jurisdicional, evitando-se, assim, a ocorrência de um dano irreparável ou de difícil reparação. A antecipação-sanção visa responder à conduta da parte que abusa do seu direito de defesa ou emprega medidas nitidamente protelatórias para retardar a satisfação da tutela.

A importância da classificação reside no fato de que a antecipação-sanção não exige a demonstração de temor de dano irreparável ou de difícil reparação, exigindo apenas que de demonstre (“prova inequívoca” que resulte em verossimilhança) o propósito protelatório ou o manifesto abuso do direito de defesa.

4.3  Antecipação por incontrovérsia.

A antecipação por incontrovérsia está no § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil, que afirma que “a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Nesta modalidade, não se exige a “prova inequívoca’ dos fatos e verossimilhança nas alegações, tampouco demonstração de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. Basta que um ou mais pedidos, ou uma parcela dos pedidos, se mostrem incontroversos para que o juiz, desde logo, conceda a tutela jurisdicional.

A antecipação por incontrovérsia não tem lugar quando todos os pedidos, nos termos postulados, se apresentarem incontroversos, pois, neste caso, não será a hipótese de antecipação de tutela, mas sim de julgamento antecipado da lide.

A incontrovérsia reside no reconhecimento do pedido pelo réu, por meio da concordância com os termos da petição inicial. Esta concordância pode ser expressa, manifestada no reconhecimento em resposta da pretensão objeto da lide, ou tácita, a partir da ausência de contestação de pedido ou parte dele.

Alguns doutrinadores sustentam que, para efeito de antecipação de tutela, deve se considerar como incontroverso o pedido que se baseie em fatos e fundamentos sobre os quais não haja mais dúvidas, ou seja, já tenham sido objeto de uma cognição exauriente.

No nosso sentir, não se pode considerar que o fato de o juiz formar um juízo de valor definitivo sobre a causa transforma a pretensão em incontroversa, dado que a parte contrária pode não concordar com a decisão proferida e impugná-la. Assim, preferimos a posição que defende que a cognição exauriente empolga a sentença de mérito e não a antecipação da tutela em sua modalidade ora em estudo, a qual só teria assento nas pretensões não resistidas.

Sobre o autor
Claudimir Supioni Junior

Advogado, especialista e mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUPIONI JUNIOR, Claudimir. Antecipação da tutela recursal no Direito Processual do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3295, 9 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22173. Acesso em: 19 dez. 2024.

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