3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É de suma importância, na organização do formalismo de um modelo de processo civil inspirado na colaboração, que se leve em consideração os pontos de vistas expostos pelas partes durante o procedimento no quando da decisão da causa. É uma exigência calcada na necessidade de participação de todos que tomam parte no processo para o alcance da justa solução do caso concreto, tendo o dialogo um papel relevante nessa estrutura, do contrario, não se pode falar em cooperação dentro do processo.
O formalismo do processo deve adequar-se às peculiaridades dos direitos, pretensões e ações do plano do direito material e às suas respectivas tutelas (tutela certificatória, tutela modificatória, tutela inibitória, tutela reintegratória e tutela ressarcitória) a fim de outorgar com justiça proteção efetiva ao direito material.[41] Daí a razão pela qual às posições jurídicas subjetivas e às tutelas do plano do direito material correspondem tutelas processuais (declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva lato sensu), prestadas pelos provimentos judiciais como resultado do exercício da jurisdição à vista de um processo justo.
Algumas decisões judiciais, uma vez prolatadas, são suficientes para satisfazer o demandante. São as sentenças, ou decisões, auto-suficientes[42]. Assim é que quem afirma direito à declaração de inexistência de determinada relação jurídico-tributária, pedido de tutela certificatória, de certeza, satisfaz-se com a prolação do provimento jurisdicional que presta tutela declaratória. Quem afirma direito à desconstituição de determinado ato administrativo, pedindo tutela modificatória, satisfaz-se com a prolação da decisão judicial que presta tutela desconstitutiva. Nesses casos, em que há auto-suficiência dos provimentos jurisdicionais, não há qualquer necessidade de concretizar essas decisões para satisfazer-se o demandado.[43]
Entretanto, outras decisões devem ser concretizadas para outorgar satisfação ao demandante. Tais sentenças são não auto-suficientes, porquanto necessitam da pratica de atos materiais posteriores às suas prolações para outorgarem satisfação àqueles que pedem proteções jurisdicionais.
O direito recursal, fértil de exigências formais, é campo em que a idéia de processo civil cooperativo pode funcionar com notável ganho para os fins de justiça do processo. Parte-se do pressuposto que o processo, como ato de três pessoas, deve ser conduzido dialogalmente de modo a que se alcance a justiça do caso levado à apreciação judicial, não se admitindo que venha de soçobrar o direito por imperativos ligados ao “fetichismo da forma”.[44]
Consagrada lição doutrinaria afirma que os recursos estão submetidos ao juízo de admissibilidade bem como de mérito condicionando aqueles o conhecimento da irresignação recursal. Tal juízo tem funcionamento como uma questão preliminar de enfrentamento de mérito do recurso.
Vale ressaltar que a doutrina brasileira tem ratificado o entendimento de não haver razão para decretar-se qualquer inviabilidade processual caso não seja demonstrado o prejuízo atendível aos interesses das partes. Na disposição legal, na seara recursal, essa orientação encontra-se expressamente disposta no art. 515, § 4º, CPC.
Acerca desta temática, conclui Daniel Mitidiero que fora nosso intento propor a organização de um modelo de formalismo processual pautado pela cooperação entre todos aqueles do processo, fazendo-o a partir do marco teórico do formalismo-valorativo, método próprio do direito processual civil no quadro do Estado Constitucional.
Assim sendo, o direito processual civil participa da cultura de determinado povo historicamente situado. Daí a possibilidade de marchas e contramarchas no construção do formalismo processual. Parte, ainda, da pressuposição de que o Estado Constitucional brasileiro não se confunde com o modelo de supremacia do direito do Rule of Law (sem e com codificação) do Rechtsstaat e do État de Droit. Especificamente, um modelo de processo civil cooperativo pressupõe a verificação de determinadas condições sociais, lógicas e éticas para a sua construção e desenvolvimento. Essas condições são capazes de afastá-lo, a propósito, de outros possíveis modelos para repartição do trabalho judiciário entre as partes e o juiz no processo, notadamente dos modelos paritário e assimétrico.
Tornando o processo um autêntico ambiente cooperativo, asseverou-se que o dialogo deve ser uma pauta constante na marcha procedimental, com influência significativa desde a propositura da demanda até a preclusão das vias recursais. Assim é que, em tema de formação e estabilização do litigioso do processo, têm as partes e o órgão jurisdicional de debater para aquilatamento ótimo da controvérsia, revendo-se inclusive a eficácia material da revelia, que deve conduzir à ficta contestatio das alegações postas à inicial, fins de mantença da paridade de armas ao longo do processo. No que tange a estabilização do processo, propôs-se de lege ferenda a flexibilização do regime de preclusões, possibilitando-se, sempre à vista do dialogo no processo, a alteração do objeto litigioso.
Continua afirmando Daniel Mitidiero que em termos de organização do processo, tanto a dimensão retrospectiva prospectiva dessa pautam-se pela colaboração. Na primeira vertente, a pré-exclusão de vícios processuais e eventual decretação de invalidades no processo devem ser precedidas de amplo debate judicial, bem como eventual resolução do processo sem resolução de mérito deve ser a mais dialogada possível, afim de que as partes possam influir sobre o convencimento do juiz num e noutro caso. Na segunda, a delimitação do tema e do objeto da prova, a distribuição do ônus de provar e a admissibilidade das provas devem levar em consideração todos os pontos de vistas atendíveis no processo, haja vista o caráter plural e democrático da experiência processual civil contemporânea.
Também se manifesta o matiz cooperativo na decisão da causa, devendo ser prolatada de maneira que não surpreenda as partes, devendo conter uma efetiva ponderação dos argumentos produzidos ao longo do processo a fim de convencer o órgão jurisdicional dessa ou daquela versão jurídica para as alegações do processo.
A propósito da obtenção tutela jurisdicional, a cooperação também desempenha papel de relevo, na medida em que obriga a parte a colaborar com a pronta realização da decisão da causa, ainda que para tanto tenha que ser estimulada por multas coercitivas e, muitas vezes, ameaçada de sanções para, voluntariamente, observar a conduta dela esperada.
A fase recursal igualmente se apresenta prenhe de deveres de cooperação. Aponta-se como exemplo a vedação ao não-conhecimento de recursos por questões de ordem formal, ligadas ao cabimento, à regularidade da peça recursal e ao preparo. Nesses casos, a colaboração impõe uma postura dialogal e aberta ao órgão jurisdicional, comprometida mais com, o desiderato de acudir-se ao justo no processo do que ao prestígio do fetichismo da forma pela forma.
Buscando apresentar uma nova visão da garantia do contraditório prevista no inciso LV do art. 5º da Constituição para o Estado democrático de Direito, doutrinadores têm se manifestado em favor da efetivação da participação dos litigantes sobre todas as questões de fato e de direito que são objeto de apreciação pelo magistrado, em especial no que concerne ao conhecimento das denominadas matérias de ordem publica. No intuito de atingir tal finalidade, utilizou-se do postulado da cooperação, que é reconhecido de forma expressa pela legislação infraconstitucional de países do continente europeu, de modo a que sejam revistos os papéis de todos os agentes processuais, com o escopo de uma solução mais justa, democrática e eficaz das lides submetidas ao Poder Judiciário.
Assim sendo, efetuada à análise, faz-se necessária uma nova interpretação de alguns dos dispositivos do Código de Processo Civil, em especial do §3º do artigo 267, a fim de adequá-lo a nova visão da garantia do contraditório, de modo a que seja concedida oportunidade às partes para que se manifestem previamente sobre a questão de ordem pública não suscitada, mormente quando o efeito do reconhecimento desta levar a extinção do processo. Prestigia-se a garantia do contraditório em seu aspecto material, como direito à efetiva participação dos litigantes na formação do convencimento do magistrado.
REFERÊNCIAS
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NOTAS
[1] Durval Ângelo. Conselhos de Cidadania Exercício de Democracia. Cit... p. 18.
[2] Durval Ângelo. Conselhos de Cidadania Exercício de Democracia. Um por todos, todos por um. Cit... p. 19.
[3] Durval Ângelo. Educação e Democarcia em Debates. Cit... p. 18.
[4] Durval Ângelo. Educação e Democracia em Debates. Cit... p. 20.
[5] Luiz Guilherme Marinoni. Teoria Geral do Processo. Bases para um novo Conceito de Processo..., Cit.,p.397.
[6] O principio da cooperação processual e a nova redação do art. 265 do CPP.
[7]Texto: O principio da cooperação. Origem e aplicação no direito comparado. Conceito. Deveres essenciais. O dever de colaboração.
[8] Esse direito incide sobre o legislador, obrigando-o a instituir procedimentos idôneos, assim como sobre o juiz, especialmente em razão das normas processuais abertas, que dão à parte o poder de estruturar o procedimento segundo as necessidades do direito material e do caso concreto. Ou seja, a legitimidade da jurisdição, inclusive para que lhe seja possível tutelar os direitos, exige a compreensão de que o processo deve se mostrar apto à tutela do direito material. O processo nessa perspectiva exige mais um plus em relação à fria e neutra concepção de relação jurídica processual.
[9] No estado liberal cabia ao juiz dizer apenas as palavras da lei. Para o desenvolvimento da sociedade, aspirava-se a um direito previsível ou à chamada “certeza do direito”. Desejava-se uma lei abstrata, que pudesse albergar quaisquer situações concretas futuras, e assim eliminasse a necessidade da edição de novas leis, e especialmente a possibilidade de o juiz, ao aplicá-la, ser levado a tomar em conta especificidades próprias e características de uma determinada situação.
[10] Luiz Guilherme Marinoni. Teoria Geral do Processo. Cit..., p. 403.
[11] JUNIOR, Fredie Didier. Revista de Processo.
[12] 2006. p. 75. http://www.webartigos.com/articles/9236/1/O-Principio-Processual-Da-Cooperacao/pagina1.html#ixzz0r50SPVib
[13] VILLEY, op.cit., p. 588
[14] Com efeito, a obra de BULOW, La teoria..., é tida como a “certidão de nascimento do direito processual civil” (DINAMARCO, Instituições..., v. 1, p. 258).
[15] NORR, Knut Wolfgang. Alcuni moment della storiografia del dirittoprocessuale. Tradução Rosaria Giordano. Revista di Diritto Processuale, Padova, 2004, p. 2.
[16] TARELLO, Giovanni. Quattro buoni giuristi per uma cattiva azione. In: GUASTINI, R.;REBUFFA., G. Dottrine del processo civil: studi storici sulla formazione del diritto processuale civile. Bologna: II Mulino, 1989, p. 243-246
[17] MONCADA, O processo..., v. 2, p. 172.
[18] BULOW, La teoria...,, p. 1-4.
[19] . COUTURE, Eduardo Juan. Fundamentos del derecho Procesal civil. 3. ed.. Buenos Aires: Depalma, 1969, p. 57.
[20] DINAMARCO, A instrumentalidade ..., p. 153-154.
[21] DINAMAR, A instrumentalidade..., p. 168-176.
[22] Ibidem, p. 209-218.
[23] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de . Poderes do Juiz e Visão Cooperativa do Processo. In: Revista da AJURIS. v. 30, n. 90. 2003, p. 56. (c)
[24] OLIVEIRACarlos Alberto Alvaro de. op. cit. p. 253. (b)
[25] Idem. op. cit. p. 234. (a)
[26] LOPES, João Batista. Os Poderes do Juiz e o Aprimoramento da Prestação Jurisdicional. In: Revista de Processo. N. 35.1984, p. 63.
[27] BADUQUE, José Roberto dos Santos. Os Elementos Objetivos da Demanda Examinados à Luz do Contraditório. In: José Rogério Cruz e Tucci e José Roberto dos Santos Bedaque (Coordenadores). 2002, p. 21.
[28] CALASSO, Francesco. Médio evo del diritto. Milano: Giuffrè, 1954, v. 1, p. 275.
[29] IWEACK, História..., p. 49.
[30] GOUVEIA, Lúcio Grassi de. Cognição Processual Civil: Atividade Dialética e Cooperação Intersubjetiva na Busca da Verdade Real. In: Fredie Didier Jr. (Org.). Leituras Complementares de Processo Civil. 2007, p. 183.
[31] Lúcio Grassi de Gouvea. op. cit. p. 183.
[32] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, p. 356.
[33] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de, op. cit.,p. 367. (d)
[34] Idem. Ibidem, p. 368.
[35] VERDADE, Profili..., v. 1, p. 99.
[36] BARBOSA MOREIRA, Jose Carlos. Saneamento do p. e a. p. In: TEMAS de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 105-144.
[37] MITIDIERO, Elementos..., p. 138-145.
[38] FERRAND, Le Príncipe..., p. 347.
[39] ALVARO DE OLIVEIRA, Efetividade..., p. 255
[40] ALVARO DE OLIVEIRA, Efetividade..., p. 255.
[41] ALVARO DE OLIVEIRA, p. 50-51.
[42] MARINONI, Técnica..., p. 149-151
[43] BAPTISTA DA SILVA, Curso..., v. 1, p. 163 e p. 183.
[44] ALVARO DE OLIVEIRA, Do formalismo..., p. 207.