5 CONCLUSÕES
Dadas as considerações e, mais do que isso, dadas as premissas adotadas e os argumentos que a partir delas foram construídos, nos parece que, por implicação lógica, chegamos às seguintes conclusões:
1. A regra matriz de incidência tributária de cada espécie, além de sujeitar-se aos enunciados conotativos estruturais aplicáveis a todos tributos, deve “sobreviver” ao cotejo em face de um molde normativo específico, formado por enunciados conotativos estruturais aplicáveis somente a ela;
2. A construção do molde normativo dos impostos discriminados na CRFB da República deve ser iniciada a partir da materialidade lançada em seu texto, na qual fora abstraída uma classe de fatos jurídicos de ocorrência futura e possível, sintetizáveis, individualmente, na conjunção de um verbo e um complemento, a qual estará jungido o legislador complementar no exercício de criação do “fato gerador” de determinado imposto;
3. Os enunciados conotativos estruturais constantes dos artigos 29, 31, 32 e 34 do CTN e, de resto, os enunciados que neles se fundam, não se amoldam aos parâmetros de segundo grau, constantes dos moldes normativos específicos do IPTU e do ITR;
4. A tributação isolada da posse e do domínio útil através do IPTU e do ITR é atípica e carente de requisitos exigidos pelos moldes normativos específicos destes impostos;
5. O conceito de propriedade constante dos artigos 153, inciso VI e 156, inciso I, da CRFB da República foi utilizado em sua acepção técnico-jurídica;
6. O postulado da interpretação segundo o critério econômico não se presta a cumprir a função de parâmetro interpretativo da CRFB, por não estar nela previsto.
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Notas
[1] Art. 32, CTN: O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.
[2] Art. 29, CTN: O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localização fora da zona urbana do Município.
[3]Aliomar Baleeiro, às folhas 321 a 327 de sua notável obra Uma Introdução à Ciência das Finanças (2006) faz uma excelente apresentação dos aspectos histórico, técnico e econômico do ITR, informando, inclusive, que suas raízes podem ser encontradas na Roma antiga.
[4] A despeito de o CTN tratar, indiscriminadamente, o evento do mudo fenomênico e sua abstração em enunciados prescritivos sob a alcunha “fato gerador”, utilizaremos neste trabalho, por questões práticas, os termos hipótese de incidência tributária, trazido por Geraldo Ataliba (2006) e fato jurídico tributário, trazido por Paulo de Barros Carvalho (2007).
[5]O termo “enunciados extraíveis” deve ser interpretado cum grano salis, uma vez que, em verdade, o exegeta não extrai o sentido preexistente de um texto pois a eles adiciona elementos informativos decorrentes de sua pré-compreensão, de seu exercício intelectivo e do discurso no contexto do qual a interpretação se realize, chegando Eros Grau a destacar o caráter alográfico do direito (2009).
[6]Por questões práticas, trataremos, de forma direta, apenas dos artigos 29 e 32 do CTN, ou seja, das hipóteses de incidência. É certo, no entanto, que, considerando que o CTN, em seu artigo 121, parágrafo único, inciso I, define que o contribuinte é aquele que tem relação pessoal e direta com o “fato gerador”, ao tratarmos das hipóteses de incidência constantes dos artigos 29 e 32, estamos, indiretamente, a também tratar dos artigos 31 e 34, que seguirão a mesma sorte daqueles.
[7]O termo regra matriz de incidência tributária será usado por diversas vezes neste trabalho, sendo certo que este representa um método que propicia mais clareza na composição do conjunto de normas através das quais se “tributa” determinados eventos. Para aqueles que não reputem útil o manejo de tal conceito, basta, neste trabalho, entender por regra matriz de incidência tributária o recém mencionado conjunto de normas.
[8] Acreditamos ser adequada a classificação das normas trazida por Humberto Ávila (2009), segundo o qual regras “são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”, princípios “são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” e postulados “são normas imediatamente metódicas que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica de relações entre elementos com base em critérios”.
[9] Segundo Paulo de Barros Carvalho eventos são os “fatos da chamada realidade social, enquanto não forem constituídos na linguagem jurídica própria” (apud. DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. “Norma, Evento, Relação Jurídica, Fontes e Validade no Direito”. in Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 26.
[10]Construímos tais conceitos a partir dos ensinamentos de Paulo de Barros Carvalho, segundo o qual enunciados conotativos são aqueles que se projetam “para o futuro, selecionando marcas, pontos de vista, linhas, traços, caracteres, que não se refiram a um acontecimento isolado, mas que se prestem a um número indeterminado de situações”, as normas de comportamento “estão diretamente voltadas para a conduta das pessoas” e as normas de estrutura referem-se aos “comportamentos relacionados à produção de novas unidades deôntico-jurídicas” (CARVALHO, 2007, p. 146). Norberto Bobbio também segue esta linha, ao diferenciar normas de conduta de normas de estrutura ou competência, definindo esta últimas como as que “prescrevem as condições e os procedimentos por meio dos quais são são emanadas normas de conduta válidas” (BOBBIO, 2008, p. 186).
[11]Segundo Paulo de Barros Carvalho “regra jurídica alguma ingressa no sistema do direito positivo sem que seja introduzida por outra norma, que chamaremos, daqui avante, de “veículo introdutor de normas”” (CARVALHO, 2008, p. 393). Acerca deste conceito, Tárek Moysés Moussalem afirma “todos esses termos (emendas Constitucionais, leis complementares, etc) também são denotações, da equivocada palavra-de-classe, fontes formais do direito. Equivocada porque gera embaraço na compreensão do fenômeno: as “fontes formais” não são criadoras de normas. Basta relembrarmos a lição de Lourival Vilanova: as normas não são extraídas de outras normas por inferência-dedutiva. Daí Paulo de Barros Carvalho cunhar precisamente a expressão “instrumentos introdutórios de normas” ou “veículos introdutores de normas” em detrimento da voz “fontes formais” para designar as fórmulas que a ordem jurídica estipula para introduzir regra no sistema”. (MOUSSALEM, 2006, p.124).
[12]Há exceções a esta regra, uma vez que, nos termos do artigo 154, inciso I da CRFB da República, os chamados impostos residuais terão seus enunciados conotativos estruturais introduzidos no sistema através de lei complementar.
[13]Segundo o artigo 146, inciso III da CRFB, as “normas gerais de direito tributário” que aqui definimos como enunciados conotativos estruturais, serão introduzidos no sistema através de lei complementar.
[14] Utilizamos aqui um termo alcunhado por Gregorio Robles para definir as decisões (atos de fala capazes de gerar texto novo) produtoras de novo texto jurídico, diferentes da decisão extra-sistêmica ou constituinte que cria ou constitui o ordenamento, sem a qual não há CRFB (ROBLES, 2005).
[15]Segundo Inocêncio Mártires Coelho “se o legislador real é racional – inclusive e, sobretudo, o constituinte – não se podendo duvidar dessa premissa, nem submetê-la a testes de refutação, impõe-se a conclusão lógico-descritiva de que o ordenamento jurídico, que ele institui à sua imagem e semelhança, também ostenta esse predicado, com todas as suas benéficas consequências” (COELHO, 2007, p. 99).
[16]Geraldo Ataliba ensina que o aspecto material de uma hipótese de incidência (que, conforme sustentamos, tem seu perfil definido já no texto constitucional) é “a imagem abstrata de um fato jurídico:propriedade imobiliária, patrimônio, renda, produção, consumo de bens, prestação de serviços” (ATALIBA, 2006, p. 107).
[17] Por todos, verificar a obra de Gustavo da Silva Amaral, ISS – Materialidade de sua Incidência. in Curso de Especialização em Direito Tributário: Estudos Analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Coordenação: Eurico Marcos Diniz de Santi. Rio de Janeiro, Forense, 2007, pp. 483-498).
[18] No caso do ITR deve se tratar de lei federal, a incidência se dará em todo território nacional e o sujeito passivo será a União, caso esta exerça a competência administrativa tributária, ou o município, caso este exerça as atividades inerentes a esta competência.
[19] Considerando que contribuinte é um conceito cuja definição da essência é norma geral de direito tributário e, por conseguinte, será introduzida no sistema através de lei complementar, faz-se necessário concluir, nos termos do artigo 121, inciso “I” do CTN, que é contribuinte aquele que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.
[20]Artigo 114, CTN: Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.
[21] Se é possível que o aspecto material da hipótese de incidência seja a posse de um imóvel, dado o fato de que, na prática, aquela possui relação com este e existe previsão em lei complementar; é também possível que o aspecto material da hipótese de incidência seja a implosão de um imóvel, pois, na prática, aquela também se relaciona com este, desde que exista previsão em lei de igual envergadura.
[22]De forma semelhante ao que sustentamos, mas com muito mais propriedade, Robert Alexy esboça regra argumentativa segundo a qual “Todo falante que aplique a um predicado F a um objeto A deve estar disposto a aplicar F também a qualquer objeto igual a A em todos os aspectos relevantes” (2008, pp. 191-192).
[23] “Examinando-se o art. 34 do CTN, pode-se ter uma errônea ideia, por apontar o artigo como contribuinte o possuidor a qualquer título” “O certo é que somente contribui para o IPTU o possuidor que tenha animus domini” “Assim, jamais poderá ser chamado como contribuinte do IPTU o locatário ou comodatário” (STJ, 2ª Turma, REsp 325.489/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 24/02/2003”; “A posse tributável é a que exterioriza o domínio, não aquela exercida pelo locatário ou pelo comodatário, meros titulares de direitos pessoais limitados em relação à coisa. Gozando a proprietária de imunidade tributária, não se pode transferir ao locatário a responsabilidade do pagamento do IPTU” (STJ, 1ª Turma, Resp 40.240-9-SP, 1993) Nos parece que o último julgado favorece a nossa tese, uma vez que, caso fosse possível tributar a posse, a questão da imunidade do proprietário seria irrelevante.
[24]Se refere à Constituição de 1967.
[25]“Isso permite a perfeita compreensão de que princípios gerais de direito – princípios implícitos, existentes no direito pressuposto – não são resgatados fora do ordenamento jurídico, porém descobertos no seu interior” (GRAU, 2009. p. 47).
[26]José Afonso da Silva, tratando das leis complementares, afirma que a sua “função é de mera complementaridade, disso não podem desbordar. Nem se há de servir delas para interpretar a CRFB ou qualquer de suas normas.” (SILVA, 2008, p. 245).
[27]Acerca destes princípios, ver BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da CRFB. 6 ed. 4 Tiragem. São Paulo, Saraiva, 2008; COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional, 3 ed. São Paulo, Saraiva, 2007 e HESSE, Konrad. A Força Normativa da CRFB. Porto Alegre, Sergio Fabris, 1991.
[28] Becker, na obra mencionada neste artigo, faz severas críticas ao que chama de “doutrina hermenêutica da realidade econômica”, sobretudo no §2º, Capítulo “III”, segunda parte.