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Crítica à teoria da modernidade múltipla

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Agenda 16/08/2012 às 17:09

As modernidades que aparecem em interpretações heterodoxas, de fundo multicultural, configuram poliopia, porque tratam como fenômenos diferentes manifestações de um único fenômeno.

RESUMO: São cada vez mais comuns, nas ciências sociais, teses que se estruturam sobre a pluralização da modernidade.  Nesse ensaio, problematizo essa estratégia hermenêutica por meio da recuperação do conceito e do substrato histórico-filosófico a que se refere. A modernidade nasce orientada para o universal e reivindica a posição de farol cultural hegemônico para organização de todas as civilizações. Retirar da modernidade essa referência ao universal ou postular modernidades paralelas é como negá-la. As modernidades que aparecem em interpretações heterodoxas, de fundo multicultural, configuram poliopia, porque tratam como fenômenos diferentes manifestações de um único fenômeno.


I. Introdução

O debate acadêmico atual sobre modernidade opõe aqueles cujo raciocínio teórico é, em linguagem simplificada, um prolongamento do pensamento clássico, bem representado por Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber,que veem a modernidade como um processo histórico unívoco e aqueles que vêm a modernidade como processo equívoco.

No último grupo, há os que negam a linearidade do processo modernizante e os que admitem essa linearidade, mas advogam a existência de múltiplas linhas simultâneas de evolução, difíceis de catalogar.

Recentemente, ganharam impulso nas ciências sociais analises que rejeitam esse caráter universal da modernidade. Peter Wagner, por exemplo, afirma que o estudo das múltiplas formas de modernidade hoje existentes é o maior desafio da teoria política e social de sociologia histórico-comparativa e da sociologia política (2010, p. 53).

Sustentar que modernidade tem múltiplas formas é o mesmo que sustentar que existem várias modernidades. E sustentar que existem várias modernidades, é o mesmo que sustentar que não há a modernidade.

Nesse ensaio discuto ideia de modernidade plural a partir do recente texto MultipleTrajectoriesofModernity: Why Social TheoryNeedsHistoricalSociology, de Peter Wagner. Recapitulo a ideia de modernidade como foi primeiramente esboçada na sociologia clássica para, em seguida, problematizar a pluralização da modernidade, e tento provar que a pluralização da modernidade configura ilusão polióptica.


II. Modernidade desdobrada

Peter Wagner desdobra a modernidade instrinsecamente e extrinsecamente:

(…)the major transformations in Europe at theend of the 18th and the beginning of the 19th century, which are often seen as the onset of modernity, were not confined to socio-economic and politicoinstitutional matters, in the form of the industrial revolution and the democratic revolution, but were also a cultural-intellectual revolution leading to a novel understanding of social life (idem, p. 56)[1].

O desdobramento intrínseco consisteem configurar a modernidade em múltiplas dimensões (social, econômica, política, institucional, cultural). Nesse aspecto, Peter Wagner não discrepa do pensamento social clássico. A modernidade é quase sempre descrita como processo complexo e multifacetado.

Já o desdobramento extrínseco decorre da transposição da modernidade para meios históricos e culturais específicos. Peter Wagner assimila a acepção de modernidades múltiplas de Shmuel Eisenstadt, que decompõe o conceito em função da diversidade cultural e de abertura hermenêutica.

As múltiplas modernidades seriam resultado de reprocessamento em meios culturais específicos ou deveriam ser apreendidas a partir de auto-representações produzidas pelas diversas sociedades. Basicamente, permite-se às diferentes sociedades customizarem a modernidade à sua imagem e semelhança.

O próprio filósofo social aponta que essa perspectiva teoria tem pontos fracos, dos quais destaca dois. Primeiramente, infere que a ideia de programa cultural, com que Eisenstadt opera, confere certa estabilidade a qualquer forma de modernidade, quando a tendência mais contemporânea seria raciocinar em termos de civilizações.

As a consequence, considerable limitations to theapplicability of the approach are introduced, as it is difficult to conceive of, say, South Africa, Brazil or even Russia, the USA or Australia in terms of deep-rooted, rather stable cultural programmes that merely unfold in the encounter with novel situations (idem, idem)[2].

O segundo ponto fraco seria a ancoragem teórica da abordagem em duas ideias principais: as qualidades características (comuns e inevitáveis) da modernidade, de um lado, e a grande variedade dos programas culturais, do outro.Essa dicotomia limitaria a possibilidade de comparação porque todas as diferenças entre modernidades precisariam ser explicadas em função do programa cultural específico nelas subjacente (idem, idem).

De qualquer forma, Peter Wagner avalia que, mesmo com pontos fracos, abordagem tem insumo para uma verdadeira sociologia comparativa inovadora das sociedades contemporâneas e de suas trajetórias históricas. O autor se limita a aplicar pequenos corretivos a essa linha teórica.

Ele propõe flexibilizar-se a ideia de programas culturais, para se admitir que a auto-representação das sociedades variam no tempo. O fio condutor da análise não seria o programa cultural subjacente, mas o processo contínuo de interpretação da própria situação à luz de experiências cruciais do passado. Em outras palavras, Peter Wagner adere à ideia de sucessivas modernidades de Johann Arnason (idem, idem).

Além disso, sugere que, em vez de se separar cultura dos suportes institucionais da modernidade, é preciso demonstrar como as reinterpretações da auto-representação de uma sociedade tem impacto na mudança institucional, ou como transformações culturais no campo da interpretação se correlacional com as mudanças sócio-políticas (idem, idem). Em suma, Peter Wagner adapta o modelo de Eisenstadt e faz o acento analítico recair sobre a hermenêutica, em vez de sobre a cultura.


III. Modernidade singular nos clássicos

O que as correntes de pensamento que pluralizam a modernidade ganham em termos políticos, no que democratizam o conceito, perdem em termos de precisão científica.

Em primeiro lugar, porque não se altera a substância da coisa por força do discurso. O melhor meio para se combater eventual substrato de imperialismo que exista na ideia de modernidade não é a ressignificação do respectivo conceito. Ao contrário, esse tipo de artifício teórico pode fortalecer a instituição que quer desfazer, porque meras reelaborações não tem o condão de alterar as coisas a que se referem.  

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Em segundo lugar, segmentar a modernidade é o mesmo que negar a modernidade. Em outras palavras, o termo múltiplas modernidades encerra uma contradição entre seus próprios termos.

O fato é que, apesar das disputas em torno do conceito, a modernidade é uma construção do Liberalismo. Em si, contém a ideia de sociedade universal, de progresso, de esclarecimento, de negação do passado, de otimismo com o presente e com o futuro.

O que estrutura o conceito de modernidade é a ideia de sociedade universal. A modernidade não é mais que a manifestação do espírito de uma época, e a época que concebeu a ideia de modernidade e a outorgou ao mundo foi a do apogeu do Liberalismo, que nasceu como doutrina com pretensão de alcance universal. É com isso que estamos lidando.

A tríade clássica da Sociologia, Durkheim, Marx e Weber, apesar das profundas divergências de pensamento, é uníssona em afirmar a orientação para o universal como razão de ser da modernidade.

Para Marx, o sistema de produção e as relações de produção a ele correspondente “condicionam o processo da vida social, política e intelectual em geral”. (1983, p. 77, pé de página).

É intrínseca ao capitalismo, segundo Marx, a tendência à expansão. O princípio que ordena o sistema é a mais-valia, que é a apropriação de parte do trabalho alheio. Se Tocqueville estava certo, se é impossível curar no homem o gosto pelas riquezas (Tocqueville, 1969, p. 179); e se Marx não estiver errado no que assume que só o trabalho produz riquezas, a maneira mais eficiente para se enriquecer, considerando-se que a capacidade física do ser humano é limitada, é explorar o trabalho alheio.

O capitalismo é a generalização desse princípio da exploração a partir, sobretudo, da Revolução Industrial, que assinalou o advento do reino da mercadoria.

A universalização do sistema capitalista promoveria, por si, a irradiação da superestrutura social que lhe convém. A modernidade corresponderia ao estágio da história em que são hegemônicos o modo de produção capitalista e a racionalidade do capital. E se a razão orientada para o lucro tende à universalização, também a modernidade marxista.

Durkheim postula que a religião é a matriz das demais instituições sociais(1983b, p. 224). O que caracterizaria a modernidade seria a racionalização das instituições que estruturam a vida social, a substituição da religião pela ciência como principal norteador do imaginário social.

A grande contribuição de Durkheim para a construção do conceito de modernidade foi rejeitar a decantada antinomia entre religião e ciência (1983b, p. 244). Longe de serem incompatíveis, haveria entre ambas uma relação genética: a primeira seria a matriz da segunda. O aspecto que une religião e ciência é o referencial. Ambas, como expressão da razão prática e da razão especulativa, respectivamente, “são orientadas para o universal”.

O agir em consonância com a moral religiosa é “conduzir-se segundo máximas que possam, sem contradição, ser estendidas à universalidade das vontades”. Por outro lado, “pensar racionalmente é pensar segundo leis que se impõem à universalidade dos seres racionais”.

Assim, para Durkheim, a religião já nasceu como instituição com um projeto de universalização. A modernidade, como reino da razão, também estaria orientada para o universal.

O autor não desenvolve seu argumento nessa linha, a razão secularizada, que define a modernidade, é mais orientada para o universal que sua antecessora, porque, há muitas religiões, e uma só ciência. Enquanto as diferentes religiões lutavam entre si para provar a universalidade de seus credos, a ciência reina sozinha.

A modernidade, em seu sentido hegemônico, aparece refletida na seguinte pergunta Max Weber:

(...) quelenchaînement de circonstances a conduit à ce que l’Occidentprécisément, et luiseul, ait vu apparaîtresurson sol desphénomènesculturelsquisontinscritsdans une direction de développementqui a revêtu – dumoinsaimons-nous à lepenser – une signification e une validitéuniverselles[3](Weber, 1996, p. 489).

Daqui se deduz que 1) a modernidade é um conjunto de fenômenos intrinsecamente culturais, 2) surge no Ocidente, 3) é decorrência de um processo de evolução; 4) tem projeção universal.

A tendência à universalização subjaz à modernidade. A geografia tem a ver apenas com sua gênese, e não com sua natureza.  A pergunta de Weber é, basicamente, quais são as condições que favoreceram o advento da modernidade no Ocidente, e não em outro lugar. Essas condições são espacialmente localizadas, mas a modernidade em si não, porque sua razão de ser é a universalização.

Os processos históricos que levaram à modernidade consistiram, basicamente, no aperfeiçoamento dos esquemas de dominação. É possível rastrear, a partir de Weber, múltiplas trajetórias de sistemas de dominação política, que concorreriam entre si, basicamente por meio da guerra.

Os grandes sistemas de dominação que foram se estabelecendo, o ocidental e os orientais, por diversas vezes entraram em choque. O sistema ocidental formou-se, basicamente, a partir da teoria política dos gregos, das instituições jurídicas dos romanos e da religião cristã, assimilada dos judeus. Um dos sistemas de dominação mais importantes do Oriente estrutura-se a partir da religião islâmica. O choque de civilizações mais importante na contemporaneidade é o que se verifica entre a civilização ocidental e a civilização islâmica.

A dominação, em linguagem weberiana, seria uma situação de fato, em que uma vontade manifesta do dominador influencia, em grau socialmente relevante, o comportamento dos dominados (Weber, 1984, p. 184).

E o poder seria a capacidade de exercer tal influência (Weber, 1984, p. 175).  Weber fala de dominação como uma forma de poder, mas deduz-se de sua própria definição que se trata, na verdade, de um consectário do poder.

A sociedade pode ser descrita a partir de Weber como o encadeamento de ações sociais. A ação social é aquela cujo sentido intentado pelo agente está sempre referido ao comportamento de outros (Weber, 2009, p. 21). Explica a coordenação dos indivíduos no interior da sociedade. Essa coordenação, com muita freqüência, tem como motivo um fator de poder:

A "dominação", como conceito mais geral e sem referência a algum conteúdo concreto, é um dos elementos mais importantes da ação social. Sem dúvida, nem toda ação social apresenta uma estrutura que implica dominação. Mas, na maioria de suas formas, a dominação desempenha um papel considerável, mesmo naquelas em que não se supõe isto à primeira vista (Weber, 2004, p. 187).

Nenhuma ordem social surge naturalmente. É o resultado da adesão consciente de indivíduos racionais. O que impulsiona essa adesão é, sobretudo, os processos de dominação. As pessoas coordenam suas ações com referência a um determinado ordenamento porque recebem certa influência nesse sentido.

Weber aponta, com fundamento em Hobbes, que,no mundo primitivo, a violência eraa fonte de integraçãosocial por excelência:

A ação social violenta é, evidentemente, algo primitivo sem mais: desde a comunidade doméstica até o partido político, toda comunidade recorre, desde sempre, à coação física quando pode ou tem que fazê-lo para defender os interesses dos participantes (Weber, 2004, pp. 157-158).

Se a ação social violenta é primitiva, qual seria a equivalente evoluída? Durkheim já observara que “as tréguas impostas pela violência são sempre provisórias e não pacificam o espírito” (1983a, p. 4).

Os grupos sociais organizados com fundamento no pavor, sempre foram muito sujeitos a instabilidade. Hobbes raciocina que a insegurança inerente à violência é que levou as pessoas a abrir mão da própria liberdade em favor de um poder central soberano (2003).

A evolução da sociedade consistiu, de modo geral, na monopolização do uso legítimo da violência pelas associações territoriais políticas. A generalização desse processo de racionalização do uso da força, sobretudo imbricado com a universalização das instituições políticas liberais, que tem substrato racional, corresponde à dimensão político-institucional da modernidade.

A modernidade, como situação complexa, é a racionalização das diversas dimensões da vida social, é advento da ação socialorientada a fins materiais como princípio organizador do mundo.O controle racional do poder também é um dos elementos da modernidade.

Weber propõe o controle desse poder pela racionalização do Estado (Abellán, 2008, p. 38); Kelsen, pelo racionalização do direito, que, no fim, leva à superação do próprio Estado; Schmitt pela racionalização da política (Habermas, 2008, p. xviii); Klein, pela racionalização do conhecimento (Kates, 2005, p. 194) Habermas pela racionalização da comunicação (1987).

Em todos esses autores, há atrelamento entre modernidade e algum tipo de racionalização, de forma que se pode dizer que a racionalidade, em sua perspectiva, é constitutiva da modernidade.


IV.  Conclusão: Modernização, benchmarking e variantes

A tendência de universalização que caracteriza a modernidade, no fundo, não tem a ver apenas com suas premissas ideológicas, com o programa de dominação que ela embute. A racionalização das várias dimensões da vida social, inclusive da economia e dos recursos de guerra, exerceu influência para fora dos confins da Europa.

A ocidentalização do Japão e mais recentemente de outros países asiáticos, inclusive a China, processo que integra a chamada globalização, explica-se por aí.

A modernidade não somente se impõe, como é também recepcionada livremente em razão do fascínio que exerce ou, por benchmarking, em razão da necessidade de sobrevivência. Weber apreende essa verdade da experiência do próprio Estado alemão, premido por guerras e cuja salvação estaria em completar o processo de modernização (Weber, 2008, pp. 67-282).

A crítica à teoria hegemônica da modernidade, a meu ver, não passa pelo desdobramento do conceito, mas de considerações históricas, como a origem mais recuada na história das condições que propiciaram o surgimento da modernidade, a exemploda helenização e das posteriores cristianização e juridicização promovidas pelo Império Romano.Gillespie, aliás, já reportou a origem medieval e religiosa das ideias essenciais da modernidade (1999).

Outra questão que deve ser problematizada é a assunção, que decorre do pensamento de Weber, segundo a qual a modernidade é fenômeno ocidental. Na verdade, o Ocidente se apropriou de elementos da cultura oriental, que até certo ponto da história, era, indiscutivelmente, muito mais evoluída.

O exemplo mais claro é a religião monoteísta, tomada de empréstimo dos judeus. O politeísmo grego e romano eram por demais confusos para servir de base para uma ordem jurídica unificada e racional. Muitos deuses era sinônimo de muitos e contraditórios estatutos.

Por fim, a modernidade por ser contestada na chave de Heidegger e Voegelin (2001), que a associaram ao declínio da compreensão da realidade, e não o contrário, como postularam seus patrocinadores.

A teoria das múltiplas trajetórias, de modernidades sucessivas, de modernidade plural, enfim, não encontram ressonância nas abordagens clássicas e acabam por distorcer o conceito de modernidade.

A ideia de uma comunidade global não é nada nova, mas a confluência dos vários fluxos que criaram as condições para seu estabelecimento verifica-se com mais intensidade a partir do Século XVI. Essa confluência, a que Weber se refere na pergunta fundamental que destaquei acima, configura a modernidade.

Norbert Elias frisou a estruturante relação entre indivíduo e sociedade, e colocou em evidência a relação dialética de interdependência entre as duas instâncias. O indivíduo, que hoje configura e é configurado pela sociedade moderna, aparece no Século XVII, quando aparece “a distinção – possivelmente, primeiro entre os puritanos ingleses – entre o que era feito individualmente e o que era feito coletivamente” (Elias, 1994, p. 134).

Obviamente, a relação entre indivíduo e sociedade que constituiu a modernidade é dinâmica. Elias aponta uma progressiva mutação para uma integração baseada em referenciais nacionais para outra, baseada em referenciais globais (Op. cit., p. 189).

Esse processo, entretanto, não significa, por si, superação da modernidade, porque esta já surge orientada para o universal. As categorias econômicas, institucionais e culturais que propulsionam a globalização ou um sistema de integração social global foram criações da modernidade.

Acertada, a meu ver, é a estratégia de José Maurício Domingues (2001), que em vez de cindir a modernidade recupera seu processo evolutivo e o segmenta em fases.

O fato de haver sistemas intermediários e concorrentes não significa que há outras “modernidades”, mas que a modernidade é um fenômeno complexo, articulado e, para usar a expressão de Bauman (2001), fluido.

Como bem ressalta Ellen Meiksins Wood (1996, p. 26), a modernidade identifica-se com o capitalismo. O que acontece na história do capitalismo não é mudança estrutural, mas evolução. O capitalismo pode assumir formas diferentes, por necessidade de adaptação, em civilizações diferentes, mesmo assim continua sendo capitalismo. E essa plasticidade temporal e cultural aplica-se igualmente à modernidade.

Goffman destaca que a modernidade caracteriza-se pela abstração, ambiguidade, estrangeiros anônimos se relacionando uns com os outros (Platt, 2004, p. 370).

A modernidade implica, aparentemente, a divisão do mundo em duas civilizações, que não se apartam, necessariamente pelo critério geográfico, mas, sobretudo, pelo econômico. Essa bifurcação do mundo já foi apontada por Solomon, Sagasti e Sachs-Jeantet (1993, pp. 27-28), que deduziram do “crescente abismo” entre os países industrializados e os em desenvolvimento a estruturação do mundo duas civilizações e não em várias.

Jessé Souza (1997) aponta problemas de uma racionalidade unilateral, que tem efeitos sobre a visão singular de modernidade aqui defendido, que tem como fio condutor um único modo de produção em articulação com uma só racionalidade.

Como bem raciocina Fábio Wanderley Reis, a racionalidade weberiana, que na chave de Souza é função de cada indivíduo, revela-se “incapaz de estender-se às diversas dimensões da vida humana” (1999, p. 178).

O risco de babelização da razão, que pode ser identificado na análise de Jessé Souza, é eliminado, porém, por meio do tratamento discursivo de Habermas ou do recurso à fusão de horizontes, de que fala Gadamer (1999).

A livre-concorrência no mercado da razão, em vez de enfraquecê-la, tem o condão de reforçá-la, porque ela se adensa por meio do teste e reteste e se consolida por meio do convencimento.

A razão, como já apontava Durkheim (1983), é atrelada à verdade como crença, e não à verdade como algo absoluto, que é, até onde se sabe, está fora do alcance da razão humana.

Sobre o autor
Edvaldo Fernandes da Silva

Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, da Universidade Cândido Mendes (IUPERJ-UCAM), especialista em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (UCB), bacharel em Direito e em Comunicação Social-Jornalismo, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor de Direito Tributário em nível de graduação e pós-graduação no Centro Universitário de Brasília (UniCeub); e de Pós-Graduação em Ciência Política no Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) e advogado do Senado Federal (de carreira).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edvaldo Fernandes. Crítica à teoria da modernidade múltipla. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3333, 16 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22411. Acesso em: 23 dez. 2024.

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