Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil

Exibindo página 3 de 4
Agenda 15/08/2012 às 14:55

4 RECURSOS

4.1 Considerações iniciais

O vocábulo “recurso”, segundo nos ensina Fernando Orotavo Neto e Joaquim Pedro Rohr[64], provém do latim “recurrere” e significa “tornar a correr, a percorrer”.

Tal significado indica que os recursos são instrumentos processuais aptos a permitir que o processo “continue a correr”, ou seja, quando da insatisfação quanto a uma decisão, o interessado pode impugná-la, a fim de que o entendimento que não lhe favorece seja modificado.

Esse é o primeiro conceito de recurso, dentre outros quatro conceitos de recurso que o professor Antônio Cláudio da Costa Machado indica em sua obra “Código de Processo Civil Interpretado”.

Segundo ele, recurso também pode ser conceituado como um

“direito subjetivo da processual que a parte tem de impugnar decisões. É ainda a palavra que identifica cada um dos recursos em espécie. E, por fim, é o instituto jurídico-processual que torna concreto o princípio do duplo grau de jurisdição”[65].

Dos conceitos acima indicados, pode-se aferir a finalidade dos recursos, qual seja, a possibilidade de revisão de determinada decisão judicial[66], ou em outras palavras, a reforma, invalidação, esclarecimento ou integraçãoda decisão impugnada ou parte dela[67].

Os recursos estão previstos no Título X do Código de Processo Civil. O legislador tratou de especificar as diferentes espécies de recursos admitidos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como as características e pressupostos de cada um deles.

Neste trabalho monográfico será estudado de forma pontual os recursos de apelação e agravo de instrumento, por serem eles os possíveis instrumentos de impugnação das decisões parciais de mérito do §6° do art. 273 do CPC, segundo aponta a doutrina.

Antes disso, convém mencionar acerca dos efeitos dos recursos e dos principais princípios informadores do sistema recursal brasileiro.

4.2 Efeitos recursais

A doutrina aponta a existência de diversos efeitos recursais, sendo os principais deles, o devolutivo e o suspensivo.

O efeito devolutivo diz respeito à transferência ao órgão ad quem do conhecimento de matérias que já tenham sido objeto de decisão no juízo a quo[68], isto é, “consiste na devolução, ao órgão competente para o julgamento do recurso, de toda a matéria impugnada para a sua reapreciação”[69].

Este efeito se estende a todos os recursos, com maior ou menor amplitude. Importa mencionar, a título de curiosidade,que existe opinião minoritária contrária no sentido de que só haveriaa devolutividade recursal se a apreciação se dirigisse a órgão diferente daquele que prolatou a decisão recorrida[70].

Por sua vez, o efeito suspensivo refere-se à impossibilidade de a decisão impugnada gerar efeitos enquanto não for julgado o recurso interposto[71].Para Wambier[72], este efeito tem o condão de não suspender, mas de obstar o início da execução.

O efeito devolutivo não encontra previsão legal em todas as espécies recursais. No entanto, dá conta a moderna doutrina que o referido efeito pode ser obtido no caso concreto a requerimento da parte, a partir do preenchimento de determinados requisitos.Quando previsto em lei, o efeito suspensivo recebe o nome de efeito suspensivo próprio, enquanto o efeito suspensivo conferido no caso concreto recebe o nome de efeito suspensivo impróprio.[73]

4.3 Princípios recursais

4.3.1 Duplo grau de jurisdição

O Princípio do duplo grau de jurisdição diz respeito à possibilidade de toda decisão judicial ser reapreciada por outro órgão do Poder Judiciário. Segundo Wambier, este princípio indica uma garantia fundamental de boa justiça[74], porque permite que mais de um órgão jurisdicional aprecie o caso, pressupondo assim uma maior possibilidade de se fazer justiça.

Este princípio, entretanto, não é absoluto, o que significa que pode sofrer limitações, a exemplo de certos recursos extraordinários, cujas fundamentações são vinculadas a determinadas matérias de direito, limitando, portanto, a recorribilidade para outro órgão do Poder Judiciário[75].

4.3.2 Unicidade

O Princípio da Unicidade, também denominado,Princípio da Singularidade ou da Unirrecorribilidade, refere-se ao fato de que para cada decisão judicial deve caber apenasum recurso por vez. Em outras palavras, este princípio admite tão somente uma espécie recursal como meio de impugnação de cada decisão judicial.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Consideração importante faz o professor Daniel Neves[76] ao ressaltar que até se admite a existência concomitante de mais de um recurso contra a mesma decisão, desde que tenham a mesma natureza jurídica. Exemplifica o sábio professor:

Marina litiga contra João e Olga, que participam do processo como litisconsortes passivos com patronos diferentes. Sendo julgado parcialmente procedente o pedido, são interpostas três apelações contra a sentença, considerando-se que Marina, João e Olga sucumbiram parcialmente. Apesar da existência de três recursos contra a mesma decisão, o princípio da unicidade é preservado porqueos recursos tem a mesma natureza jurídica.

Este princípio também guarda exceções. A mais notória delas refere-se à interposição concomitante de recurso especial e recurso extraordinário em face de uma mesma decisão, sob pena de preclusão[77].

4.3.3 Taxatividade

O Princípio da taxatividade ou da legalidade indica que as espécies recursais devem estar previstas em lei. Ou seja, as partes não podem criar novas modalidades de recursos por sua mera deliberação. Tal matéria está afeta a órbita da legislação federal, haja vista ser competência da União Federal legislar sobre Direito Processual, conforme determina o art. 22, I, da Constituição Federal.

Assim, os recursos devem estar previstos em lei federal, a exemplo do art. 496, do CPC e do art. 41, da Lei n° 9.099/95.

4.3.4 Fungibilidade

O Princípio da fungibilidade recursal vinha consagrado no art. 810 do Código de Processo Civil de 1939[78]. No entanto, tal princípio não recebeu o mesmo tratamento no atual Códex, muito em decorrência da expectativa de que as disposições legais quanto aos recursos não mais causassem dúvidas acerca do recurso adequado para impugnar determinada decisão. A despeito disso, doutrina e jurisprudência são pacíficas quanto à sua aplicabilidade, uma vez que, apesar das tentativas em sentido contrário, ainda pairam certas dúvidas quanto à espécie recursal a ser utilizada para impugnar determinada, necessitando a aplicação da fungibilidade recursal.

Em suma, o Princípio da fungibilidade recursal representa a possibilidade de, havendo fundada dúvida razoável acerca do recurso adequado para determinado caso, o recurso interposto erroneamente deve ser recebido pela autoridade jurisdicional como se correto fosse.

A doutrina elege certos requisitos para a aplicação no caso concreto da fungibilidade recursal, dentre os quais, a dúvida razoável e a temporaneidade.

A dúvida razoável pode serentendida como a situação em que a própria lei emprega termos duvidosos ou equivocados para caracterizar a natureza da decisãohostilizada[79]; quando a própria dúvida parte da doutrina ou jurisprudência quanto ao recurso adequado a determinado ato judicial.

A temporaneidade refere-se ao fato de que o recurso interposto erroneamente deve ser interposto no prazo que caberia ao recurso correto, sob pena de preclusão.

Lembra o professor Daniel Neves que tal princípio decorre da noção de instrumentalidade das formas, segundo a qual “o desvio da forma legal sem a geração do prejuízo não deve gerar a nulidade do ato processual”[80]. Tal noção se estreita com a atual perspectiva processual brasileira de priorizar a instrumentalidade em detrimento de formalismo arraigado que só destoa das ideias de economia processual, celeridade e efetividade na prestação jurisdicional.

4.4 Recursos em espécie

Tratar-se-á a seguir apenas dos recursos de agravo de instrumento e apelação, por serem essas duas espécies recursais as que maiores divergências suscitam quando se estuda as decisões parciais de mérito. Ambas as espécies recursais encontram-se previstas no art. 496 do CPC.

4.4.1 Apelação

A apelação é o recurso cabível contra sentença que decide ou não o mérito da demanda.

Segundo Orione Neto[81], de forma mais ampla, o recurso de apelação pode ser conceituado, com base nos arts. 162, §1°, c/c o art. 513, do CPC, como o:

“meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação ou a reforma da sentença que extingue o procedimento de primeiro grau, que tenha ou não resolvido o mérito da causa”.

Deste conceito pode-se extrair a ideia de que o recurso de apelação é o “recurso ordinário por excelência e o de maior amplitude”[82], uma vez que tem cabimento quando da prolação de sentença judicial que decide ou não o mérito da causa, caminho natural que todo processo deve percorrer.

O recurso de apelação, como já adiantado, está previsto no art. 496, do CPC e regulado de maneira mais específica a partir do art. 513, deste mesmo código.

O prazo de interposição da apelação é de quinze dias, contados a partir da intimação da sentença, a qual poderá ser feita em audiência de instrução e julgamento, ou através do Diário Oficial[83].

São requisitos para a interposição do recurso de apelação, conforme prescreve o art. 514, do CPC: petição escrita, a qual deverá conter os nomes e qualificação das partes; os fundamentos de fato e de direito; e o pedido de nova decisão[84].

Além do efeito devolutivo, produz a apelação, em regra, efeito suspensivo. Excepcionalmente, só será recebida no efeito devolutivo, dentre outras situações legais previstas fora do Código de Processo Civil, quando o recurso for interposto em face de sentença que homologar a divisão ou demarcação; que condena à prestação de alimentos; que decide o processo cautelar; que rejeita preliminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes; que julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem; que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela[85].

O recurso de apelação será formado por duas peças distintas: a peça de interposição, a qual é dirigida ao juiz de primeira instância por meio do qual corre o processo (art. 514, CPC), e as razões de apelação, que serão dirigidas ao tribunal, segunda instância.

Em suma,depois da recebida a apelação pelo juízo a quo, este confere prazo de quinze dias para apresentação das contrarrazões pelo apelado. Apresentadas as contrarrazões, os autos serão reenviados ao juízo a quo para que este proceda a mais uma análise da admissibilidade recursal. Verificando a sua admissibilidade, remete os autos do recurso ao juízo ad quem. Lá chegando, será sorteado um desembargador relator, o qual poderá rejeitar liminarmente o recurso, observadas as hipóteses de lei para tanto, ou dar seguimento à apelação. Os autos serão então remetidos ao desembargador revisor e, logo após, será incluído na pauta para julgamento de mérito pelo órgão colegiado competente[86].

4.4.2 Agravo de instrumento

O recurso de agravo encontra previsão legal a partir do art. 522, do CPC. Esta espécie recursal está dividida em outras subespécies, compreendendo o agravo retido e o agravo de instrumento. O agravo retido não será objeto do nosso estudo, restringindo-se nossa apreciação ao agravo de instrumento.

O agravo de instrumento ocupa uma “posição de exceção”[87] na sistemática recursal, pois tem seu cabimento restrito às hipóteses de decisões interlocutóriasque causaremdano irreparável ou de difícil reparação à parte e que inadmitirem a apelação ou que deliberarem quanto aos efeitos em que a apelação é recebida.

O prazo recursal para a interposição de agravo instrumento é de dez dias, contados da decisão interlocutória que causar dano irreparável ou de difícil reparação ou inadmitir a apelação ou deliberar quanto aos efeitos em que é recebida.

O recurso de agravo, segundo dispõe a lei (art. 524, CPC), deve ser dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição, a qual deve conter os seguintes requisitos: exposição do fato e do direito; as razões do pedido de reforma da decisão; e o nome e o endereço completo dos advogados constantes do processo. Ela deverá ser instruída ainda com cópias da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados dos agravantes e dos agravados e outras peças que o agravante entender úteis (art.525, CPC).

Além do efeito devolutivo, o agravo de instrumento poderá, em determinados casos, apresentar o efeito suspensivo, no caso de requerido este efeito pelo agravante ao relator que o receber no tribunal, desde que verificados o fumus bom iuris e o periculum in mora, a fim de eliminar o risco de danos sérios e de reparação problemática[88].

Logo após encaminhar o recurso ao tribunal competente, o agravante deverá requerer, no prazo de três dias, a juntada aos autos do processo, da cópia da petição recursal, com a relação dos documentos que a instruíram, e, ainda, o comprovante de sua interposição (art.526, CPC).

Tal providência se deve ao fato de que esta espécie recursal contempla o juízo de retratação, isto é, possibilidade de o próprio juiz prolator da decisão recorrida retratar-se, tornando prejudicado com agravo (art.529, CPC).

Em não se retratando da decisão, o agravo segue o seu rito no tribunal. O agravo será distribuído e imediatamente concluso ao desembargador relator sorteado, o qual poderá indeferir liminarmente o recurso, deferir o seu processamento ou convertê-lo em agravo retido. Deferido o seu processamento, poderá conferir efeito suspensivo ao recurso, desde que haja requerimento nesse sentido.

Logo após, conferirá prazo de dez dias para que o agravado apresente contrarrazões do recurso (art.527, V, CPC). Em prazo não superior a trinta dias da intimação do agravado, o relator pedirá dias para julgamento.

Sobre a autora
Ana Carolina Amâncio de Araújo

Advogada em Teresina (PI). Especializanda em Advocacia e Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí - ESAPI em parceira com a Universidade Estadual do Piauí - UESPI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Ana Carolina Amâncio. A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3332, 15 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22418. Acesso em: 30 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!