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A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil

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Analisam-se as decisões parciais de mérito fundadas no §6° do art. 273 do CPC e sua recorribilidade como uma alternativa para a realização de um processo condizente com as noções de devido processo legal, efetividade da prestação jurisdicional e razoável duração do processo.

INTRODUÇÃO

O Direito é um campo do conhecimento em permanente expansão. A cada novo dia, surgem discussões, posicionamentos, decisões, produções legislativas e jurisprudenciais que constroem e descontroem assuntos que outrora se mostravam “pacíficos”.

Restringindo-se à área do Direito Processual, esta toada não é diferente. Magistrados, membros do Ministério Público, advogados e juristas, de um modo geral, parecem viver em busca de soluções e alternativas para o aperfeiçoamento e melhoria do processo no Brasil, motivados especialmente pelas disposições constitucionais que preceituam o devido processo legal e a razoável duração do processo.

Nesta perspectiva é que se propõe o estudo neste trabalho monográfico da questão da “recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6°, do Código de Processo Civil”.

As decisões parciais de mérito baseadas no artigo 273, §6°, do Código de Processo Civil, dispositivo inserido pela Lei n° 10.444, de 7 de maio de 2002, desperta o interesse dos doutrinadores processualistas, a despeito de passados quase dez anos de sua edição, devido a existência de divergência em seu entorno, seja quanto a sua natureza jurídica, seja quanto a sua recorribilidade.

Desse ponto, advém a sua importância para o aprimoramento do Direito Processual no Brasil, na medida em que incita a discussão acerca do instrumento recursal adequado para a recorribilidade das decisões parciais de mérito, as quais são vistas como medidas de concretização do Princípio da Efetividade da Prestação Jurisdicional e, de modo mais amplo, da justiça processual.

A metodologia empregada éa pesquisa bibliográfica em livros, revistas especializadas, artigos científicos, essencialmente cumulada com a pesquisa jurisprudencial em sítios de Tribunais.

A presente monografia está estruturada em quatro capítulos. O primeiro deles abordará a antecipação de tutela, seu conceito, espécies, requisitos e distinções com a medida cautelar. O segundo tratará de maneira específica da antecipação de tutela de parcela incontroversa da pretensão (art.278, §6°, do CPC) ou, simplesmente, decisão parcial de mérito. O terceiro capítulo, por sua vez, compreenderá uma explanação sobre as espécies de atos decisórios. No quarto capítulo far-se-á uma abordagem sobre os instrumentos recursais legais, seus princípios estruturantes, efeitos e principais espécies (apelação e agravo de instrumento). Por fim, noquinto capítulo, de forma específica, relacionar-se-á a decisão parcial de mérito com a possibilidade de impugnação via interposição de recurso.


1ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

1.1. Considerações iniciais

Não é recente a preocupação existente no seio da sociedade de que o processo seja um instrumento de resolução justa de conflitos. Para tanto, estudiosos do assunto debatem-se em busca de alternativas para que a prestação jurisdicional cumpra seu objetivo, que é declarar o direito, permitindo que esse mesmo direito seja exercitado a contento por quem o pleiteia.

O direito de acesso à Justiça, cuja previsão encontra-se no inciso XXXV do artigo 5° da Constituição Federal, preceitua que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”[1] Em outras palavras, essa norma constitucional assegura não apenas o acesso formal aos órgãos jurisdicionais, mas também o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação da Justiça e também o acesso à ordem jurídica justa[2].

Nointuito de permitir que o processo alcance a sua finalidade de exercitar a justiça no caso concreto, é que o instituto da antecipação de tutela foi introduzido no Código de Processo Civil, com a edição da Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994.

Esta lei, segundo Humberto Theodoro Júnior[3], mais do que conceber a antecipação da tutela, chamou para os responsáveis pela prestação jurisdicional o estímulo de conferir às partes litigantes um processo caracterizado pela ‘efetividade’ e ‘tempestividade da tutela’.

Kazuo Watanabe[4] ressalta que a sua edição não significou uma simples alteração procedimental de modo a agilizar o processo. Mais do que isso, inovou nos tipos de provimentos judiciais e conferiu aos juízes maiores poderes.

Dinamarco[5] sintetiza a ideia ao afirmar que a referida lei é uma expressão da preocupação do legislador em “neutralizar os males do decurso do tempo antes que os direitos hajam sido reconhecidos e satisfeitos”.

1.2. Conceito

A Lei n° 8.952 não cuida de conceituar o instituto da antecipação de tutela, cabendo aos doutrinadores tal tarefa.

Humberto Theodoro Júnior[6] conceitua a ‘tutela antecipada’ comoum direito subjetivo processual da parte de que o juiz possa lhe conceder “um provimento imediato que, provisoriamente, lhe assegure o bem jurídico a que se refere a prestação de direito material reclamada como objeto da relação jurídica envolvida no litígio”.

Para Cássio Scarpinella Bueno[7], “a chamada ‘tutela antecipada’ deve ser entendida como a possibilidade da precipitação da produção dos efeitos práticos da tutela jurisdicional, os quais, de outro modo, não seriam perceptíveis [...]”.

Na visão de Moacyr Amaral Santos[8],

consiste a tutela antecipada, portanto, na antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional almejada, ou seja, o objeto da antecipação é a própria tutela, que poderá ser antecipada total ou parcialmente, porém tem caráter provisório.

Em suma, a tutela antecipada por ser conceituada como uma tutela de urgência

em que se busca a satisfação antecipada do direito reclamado, sob pena de a prestação jurisdicional ao final da lide mostrar-se intempestiva e desnecessária.

1.3. Distinção entre tutela cautelar e tutela antecipada

Ponto sempre objeto de referência dentre os doutrinadores que se debruçam sobre o estudo da antecipação de tutela é a sua análise comparativa em face da tutela cautelar. Tal diferenciação muito se deve pelo fato de ambas serem qualificadas como tutelas de urgência. Dessa forma, neste trabalho monográfico serão indicados brevemente os principais pontos de distinção entre os dois institutos.

Quanto à natureza jurídica, a doutrina[9] costuma ensinar que “a tutela cautelar assegura o resultado útil do processo, enquanto a tutela antecipada satisfaz juridicamente o direito da parte”. No entanto, o professor Daniel Assumpção Amorim Neves[10] assevera que, a despeito de tal distinção ser suficiente para distinguir ambos os institutos, mais oportuno seria diferenciá-los quanto a seus efeitos práticos. Segundo o eminente professor, havendo coincidência entre os efeitos práticos que a tutela gera e os efeitos criados com o resultado final do processo, fala-se em tutela antecipada. Caso contrário, fala-se em tutela cautelar.

No que diz respeito aos requisitos para a concessão, tutela antecipada e tutela cautelar diferenciam-se essencialmente quanto à prova das alegações objeto da tutela de urgência. O próprio artigo 273, caput, do Código de Processo Civil, prevê a prova inequívoca da verossimilhança da alegação para a concessão da antecipação de tutela. Em outras palavras, exige-se que o fato alegado pelo requerente pareça verdadeiro e possa ser comprovado de maneira substancial, a fim de formar um convencimento mais robusto ao juiz.Já para a concessão da tutela cautelar, a doutrina aponta que suficiente seria o “fumus boni iuris” ou “fumaça do bom direito”, ou seja, a aparência de verossimilhança da alegação.[11]

Outra distinção ainda apontada pela doutrina entre tutela antecipada e tutela cautelar refere-se à possibilidade de o juiz conceder uma ou outra tutela de ofício.

Segundo o artigo 273, caput, do CPC, “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial [...]”. Da literalidade deste dispositivo, extrai-se que a tutela antecipada depende de pedido expresso da parte interessada para que possa vir a ser concedida pelo juiz.

Em outro dispositivo do Código de Processo Civil,a saber, o artigo 797, consagra-se o poder geral de cautela do juiz. Esse “poder” reveste-se, segundo nos ensina a doutrina[12], de certa liberalidade da atuação de ofício para a concessão, ainda que excepcional, de medidas cautelares, quando da verificação de situação de risco no perecimento do direito pleiteado pelas partes.

Logo, a tutela antecipada não compreenderia a atividade oficiosa do juiz, ao contrário da tutela cautelar.

Sintetiza Dinamarco[13],

São cautelares as medidas com que a ordem jurídica visa a evitar que o passar do tempo prive o processo de algum meio exterior que poderia ser útil ao correto exercício da jurisdição e consequente produção, no futuro, de resultados úteis e justos; e são antecipações de tutela aquelas que vão diretamente à vida das pessoas e, antes do julgamento final da causa, oferecem a algum dos sujeitos em litígio o próprio bem pelo qual ele pugna ou algum benefício que a obtenção do bem poderá proporcionar-lhe. As primeiras são medidas de apoio ao processo e as segundas, às pessoas.

Observa-se, portanto, que a despeito de os institutos da tutela antecipada e da tutela cautelar compreenderem ambos uma tutela de urgência, diferenças salutares existem entre eles, as quais não podem ser desprezadas.

1.4.  Espécies de tutela antecipada

Como mencionado alhures, a Lei n° 8.952, de 13 de dezembro de 1994 e a Lei n° 10.444/12, deram nova redação ao artigo 273 do Código de Processo Civil, passando este dispositivo a adotar a seguinte redação:

Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

I - haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 3o A execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

§ 4o A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 5o Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)

§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)

§ 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).[14]

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Da leitura deste artigo, pode-se aferir a existência de três espécies distintas de tutela antecipada[15]: a tutela antecipada de urgência, a tutela antecipada sancionatória e a antecipação de tutela de parcela incontroversa da pretensão. As duas primeiras serão qualificadas ainda neste tópico, enquanto a última será objeto de tópico específico, por configurar esta espécie de tutela o objeto específico do presente estudo monográfico.

A tutela antecipada de urgência é a espécie mais comum. Os requisitos para a sua concessão sãoa prova inequívoca da verossimilhança da alegação (Art.273, caput, do CPC) e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (Art. 273, I, do CPC).

A prova inequívoca da verossimilhança deverá compreender a alegação de fato que aparentemente seja verdadeiro, tomando-se por base para essa análise as “máximas de experiência”, bem como a exigência de uma prova que corrobore a alegação que já parece ser verdadeira[16].

Segundo Vanessa Rocha Ferreira[17], a prova inequívoca da verossimilhança é:

uma prova robusta, contundente, que dê maior margem de segurança possível para o magistrado sobre a existência ou inexistência de um fato. É aquela a respeito da qual não se admite qualquer discussão; ela é tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas. Embora o juiz não alcance a essência da verdade, ele está convicto dela.

Haverá dano irreparável sempre que os efeitos do dano forem irreversíveis e de difícil reparação, sempre que a tutela reparatória for abstratamente eficaz, mas mostrar-se improvável no caso concreto[18].

Por sua vez, a tutela antecipada sancionatória apresenta como requisitos a prova inequívoca da verossimilhança da alegação (Art. 273, caput, do CPC) e o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (Art. 273, II, do CPC).

O abuso do direito de defesa compreende os atos protelatórios praticados no processo,enquanto o manifesto propósito protelatório do réu engloba atos ou omissões praticados fora do processo, mas com ele relacionado[19].

Ressalta Vanessa Rocha Ferreiraque embora o artigo 5°, LV, da Constituição Federal, assegure a amplitude de defesa, esta não é ilimitada como se imagina. Segundo a autora, havendo um desvio de finalidade na amplitude da defesa, esta será abusiva e deverá ser excluída do processo[20].

Ambas as espécies de tutela antecipada configuram tutela provisória, concedida mediante cognição sumária (juízo de probabilidade).


2 ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DE PARCELA INCONTROVERSA DA PRETENSÃO (ART.273, §6°, DO CPC)

2.1 Considerações iniciais

A antecipação de tutela de parcela incontroversa da pretensão constitui inovação trazida pela Lei n° 10.444/02, a qual se inspirou na doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, quando da inserção do §6° ao artigo 273do Código de Processo Civil. Segundo este dispositivo legal, “a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”.

Do teor do referido dispositivo extrai-se inúmeras questões controvertidas, a exemplo da percepção primeira de saber se o instituto constitui mais uma espécie de tutela antecipada, ao lado da tutela antecipada de urgência e da tutela antecipada sancionatória, ou se trata-se de uma figura próxima do “julgamento antecipado da lide”. Há quem denomine, inclusive, esse instituto de “tutela antecipada para julgamento parcial da lide”[21] ou ainda de “julgamento antecipado da lide com efeitos imediatos”[22].

Existem doutrinadores que defendem que o instituto da antecipação da tutela de parcela incontroversa da pretensão configura verdadeiro julgamento antecipado parcial da lide e que deveria estar localizado em outra parte do Código de Processo Civil, mais precisamente em parágrafo do artigo 330, do referido código. Neste caso, a cognição do juiz ao decidir parcela da pretensão do autor, é exauriente, fundando-se a decisão num juízo de certeza[23].

Há quem ressalve que este instituto não se trata, contudo, de um “julgamento antecipado da lide” nos termos do artigo 330, do Código de Processo Civil.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno[24],

É que aquele instituto, para o Código de Processo Civil, não significa que os efeitos da decisão jurisdicional possam ser sentidos imediatamente. O “julgamento antecipado da lide” é técnica que permite, em determinadas hipóteses, a supressão da “fase instrutória”. A “tutela antecipada” nos casos do art.273, §6°, vai além: ela permite a produção imediata da decisão proferida pelo magistrado.

Para aqueles que defendem a natureza de tutela antecipatória da disposição constante no §6° do artigo 273 do Código de Processo Civil, apesar de o juízo de verossimilhança ser ainda mais robusto que nas outras espécies de tutela antecipada,é preciso destacar que o juiz não decide com base em cognição exauriente, sendo-lhe aplicável o §4° do artigo 273 do CPC, ou seja, ao final da demanda o juiz poderá reformular seu entendimento e revogar ou modificar a decisão concessiva de tutela antecipada.[25]

Em seu Manual de Direito Processual Civil, Daniel Amorim Assunção Neves defende que a conclusão acerca da natureza jurídica do instituto em comento decorre essencialmente de opção legislativa de tratar o fenômeno como espécie de tutela antecipada. Logo, aplica-se ao fenômeno descrito no §6° do artigo 273 do Código de Processo Civil, os §§ 4° e 5° do mesmo artigo.

Outro ponto que desperta muita discussão doutrinária, diz respeito à concessão da antecipação de tutela tantobaseado na técnica da não-contestação ou do reconhecimento parcial do pedido, quanto pela técnica do julgamento de parcela do pedido ou deum dos pedidos cumulados.[26]

Independente do método utilizado, verifica-se que o artigo 273, § 6°, do Código de Processo Civil pressupõe que a ação trate de pedido único, com parcela incontroversa, ou de cumulação de pedidos. Em ambos os casos poder-se-á falar em pedido incontroverso.

Dispõe o Código de Processo Civil em seu artigo 302 cumulado com os incisos I e II do artigo 334, que a parte demandada tem o dever de impugnar especificamente todos os fatos contra ela alegados, sob pena de incidência dos efeitos da revelia, especialmente, a presunção de veracidade dos fatos alegados. Dessa forma, compete ao demandado contestar todos os fatos a ele imputados.[27]

Na hipótese de não o fazer, o juiz poderá, verificando suficientes as provas dos autos, julgar desde logo o pedido (ou parte dele) não contestado, através de um juízo exauriente, continuando a instrução quanto àquele que carece de maior dilação probatória para a formação do convencimento do magistrado.

Durante a fase de impugnação específica dos fatos, a parte poderá também reconhecer parcialmente o pedido formulado pelo autor. Neste caso, o juiz deverá decidir desde logo,uma vez que sobre este pedido (ou parcela dele) não paira discussão. Trata-se, portanto, de mais um caso de antecipação de tutela parcial da demanda.

2.2 Pedido Incontroverso

O pedido incontroverso é aquele sob o qual não paira dúvida. “É aquele que não depende de prova complementar”[28].

Segundo Vanessa Rocha Ferreira[29],

Qualquer fato não impugnado pelo réu será presumido verdadeiro, tornando-se incontroverso. O mesmo ocorre no caso de transação ou renúncia parcial de direito e no caso de confissão quanto a pedido ou parcela dele. Uma vez incontroverso, desnecessária é a produção de provas com relação a ele, permitindo ao magistrado um juízo de certeza e um pronunciamento definitivo acerca dele.

Como mencionado alhures, para se falar de pedido incontroverso, necessária a lembrança dos institutos do reconhecimento jurídico do pedido e da ausência de impugnação[30]. Em ambos os casos, verifica-se a formação de suficiência de prova para a solução da lide quanto à matéria fática debatida, e, por conseguinte, o imperativo para que o processo seja resolvido neste ponto, garantindo-se, assim, a efetividade na prestação jurisdicional.

Interessante observar que, a despeito de falar-se em “pedido incontroverso”, na verdade o que é qualificado como incontroverso é a causa de pedir próxima do processo, isto é, a matéria fática. Os fatos sim são incontroversos e não os pedidos resultantes da narrativa fática.

Bueno[31] exemplifica esta diferença:

PC demanda APP pleiteando danos materiais e morais. Fundamenta seu pedido na existência de erro médico. Há dois pedidos – cumulação simples -, mas uma só causa de pedir. A culpa (em sentido amplo) do médico, é que causou os danos que agora PC pleiteia perante o Estado-juiz. Se APP contestar o fato – não houve erro médico, porque seu agir não foi culposo em nenhuma modalidade -, não há como incidir o §6°, ainda que APP, o réu, não impugne especificamente o pedido de dano moral.

Verifica-se, portanto, que não é propriamente o “pedido” que deve ficar incontroverso para a incidência do §6° do artigo 273, mas os fatos a ele relacionados.

Outra consideração pertinente sobre o pedido incontroverso diz respeito à possibilidade de uma interpretação sistemática da previsão do §6° do art. 273 do CPC para além do que nele está escrito, alcançando os pedidos compostos constantes na reconvenção ou ainda quando houver denunciação da lide ou chamamento do processo.

Dinamarco[32] defende que:

A parcial incontrovérsia a que ele (§6°, art.273, do CPC) alude pode ocorrer fora da mera hipótese dos pedidos cumulados pelo autor em sua demanda inicial, que aparentemente seria a única ali prevista. O objeto do processo será também composto, quando o réu houver deduzido uma reconvenção, sendo perfeitamente concebível a incontrovérsia suficiente para antecipar a tutela pretendida por uma das partes, prosseguindo-se na instrução com referência ao que a outra parte houver pedido.

Observa-se que a despeito da hipótese abrangida pelo §6° do art.273 do CPC, o importante será a existência da incontrovérsia, a fim de que sobre ela o juiz realize uma cognição exauriente.

2.3 Antecipação da parte incontroversa da demanda

A Lei 10.444, de 7 de maio de 2002, que introduziu o §6° ao artigo 273, do CPC, foi editada com o intuito de permitir que os pedidos incontroversos recebessem solução jurídica desde logo, a fim de garantir a efetividade processual, segundo pode-se aferir do teor da Exposição de Motivos do Projeto de lei 3.476[33]:

É acrescentado, como §6º, dispositivo sugerido por Luiz Guilherme Marinoni, que explicita a possibilidade de o juiz, nos casos em que uma parte do pedido ou dos pedidos se torne incontroversa, conceder desde logo a esse respeito a tutela antecipada. Esta sugestão apresenta-se consentânea com as preocupações de eficiência do novo processo civil.

Luiz Guilherme Marinoni, ao sugerir a inserção deste dispositivo no Código de Processo Civil, de acordo com as lições do professor José Henrique Mouta Araújo[34], não objetivava a criação de mais uma espécie de antecipação de tutela. Ao revés, visava a concretização de um verdadeiro julgamento antecipado da lide parcial, com base em cognição exauriente e através de uma decisão interlocutória de mérito.

Segundo Marinoni[35],

O juiz, quando decide com base em cognição sumária, não declara a existência ou a inexistência de um direito — o juízo sumário é de mera probabilidade. O juiz, quando afirma que um direito é provável, aceita, implicitamente, a possibilidade de que o direito, que foi reconhecido como provável, possa não ser declarado existente ao final do processo de conhecimento. Isto porque o desenvolvimento do contraditório, com a produção de novas provas, pode fazer com que o julgador chegue a uma conclusão diversa a respeito do direito que foi suposto provável. A revogação da tutela, assim, somente tem cabimento quando o direito ainda não foi declarado. No caso de tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado de um dos pedidos cumulados há juízo de cognição exauriente; a ela não se aplica, portanto, o §4º do art. 273. Na verdade, a referida norma deve ser lida da seguinte forma: ‘A tutela antecipada, quando fundada em cognição sumária, poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada’.

Em suma, Marinoni e boa parte da doutrina defendem que o fenômeno esboçado no artigo 273, §6°, do CPC, não é mais uma espécie de tutela antecipada, uma vez que diferentemente das outras duas espécies, esta não requer o preenchimento dos “requisitos ordinariamente exigidos (perigo de dano grave, prova inequívoca, etc.)”[36].Para a sua concessão, suficiente a incontrovérsia dos pedidos ou parte deles.

Humberto Theodoro Junior ainda complementa:

A incontrovérsia, na espécie, afasta o pedido não contestado do litígio. O reconhecimento dessa exclusão, embora o §6° do art.273 o situe no campo da tutela antecipada, representa, por sua extensão e profundidade, um verdadeiro e definitivo julgamento antecipado da lide, pelo que ficará sujeito às consequências da coisa julgada, pois o que de fato decorre do provimento na situação do novo §6° é um julgamento fracionado do mérito da causa.[37]

A partir deste dispositivo legal, também passou a admitir a divisibilidade da decisão judicial, em contraposição à máxima até então vigente, influenciada pelo princípio chiovendiano “dellaunità e unicitàdelladecisione”, segundo a qual o juiz só deveria proferir uma única decisão ao finaldo processo e após a colheita das provas.[38]

O fracionamento do julgamento de mérito por meio da admissibilidade de julgamento antecipado parcial da lide, com decisão fundada em cognição exauriente e apta a gerar coisa julgada material é uma realidade no sistema brasileiro, a despeito de discutível diante do sistema recursal atual.

Ciente da polêmica existente em torno da divisibilidade das decisões de mérito, o legislador pátrio, de acordo com o teor do art. 283 do Projeto de lei do Novo Código de Processo Civil (PLNCPC)[39], objetiva findar de uma vez por todas a discussão.

Este dispositivo prevê que

“as medidas conservam a sua eficácia na pendência do processo em que esteja vinculado o pedido principal, mas podem, a qualquer tempo, ser revogadas ou modificadas, em decisão fundamentada, exceto quando um ou mais dos pedidos cumulados ou parcela deles mostrar-se incontroversa, caso em que a solução será definitiva”.

Do dispositivo colacionado acima, depreende-se que o legislador preceituará expressamente o que já se defende com grande empenho nos dias atuais, ou seja, é definitiva a solução conferida pelo magistrado para processo que apresentar pedidos cumulados ou em que parcela deles mostrar-se incontroversa.

Observa-se, assim, que o fracionamento da decisão de mérito, muito mais que criação doutrinária, é uma realidade do processo brasileiro e que a inserção do §6° ao artigo 273 do CPC, permitiu que o magistrado, verificando a incontrovérsia de pedido ou parte dele, antecipe o direito, fragmentando, portanto, o julgamento que só seria emitido ao final do processo. Parece ser esse o entendimento que mais se coaduna com os princípios processuais modernos de efetivação na prestação jurisdicional.

2.4 Natureza da decisão antecipatória de pedido incontroverso

Considerar a natureza de julgamento antecipado parcial da lide, outra discussão surge no âmbito do instituto previsto no §6° do art. 273 do CPC, agora com relação à natureza da decisão que julga antecipadamente o pedido (ou parcela dele) incontroverso e, por conseguinte, no que diz respeito ao instrumento adequado para a sua impugnação.

Far-se-á neste tópico uma brevemenção à natureza da decisão antecipatória de pedido incontroverso para em momento posterior discorrer um pouco mais sobre os tipos de decisões existentes no ordenamento pátrio e, ao final, relacioná-la ao instrumento recursal adequado ao caso, objeto do presente estudo monográfico.

Como não poderia ser diferente, opiniões divergentes emergem na doutrina pátria. Há quem defenda que a decisão é interlocutória. Outros,que se trata de verdadeira sentença. Por fim, há ainda quem prefira adotar uma posição intermediária, defendendo que a decisão é interlocutória com força de sentença, uma vez que se trata formalmente de uma decisão interlocutória, mas substancialmente de uma sentença,pois ou tem conteúdo do art. 267, e/ou, mais provavelmente, conteúdo do art. 269do CPC[40].

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Sobre a autora
Ana Carolina Amâncio de Araújo

Advogada em Teresina (PI). Especializanda em Advocacia e Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí - ESAPI em parceira com a Universidade Estadual do Piauí - UESPI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Ana Carolina Amâncio. A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3332, 15 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22418. Acesso em: 21 nov. 2024.

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