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A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil

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3.ATOS DECISÓRIOS

3.1 Considerações iniciais

O artigo 162, do Código de Processo Civil, determina que os atos do juiz podem se revestir das formas de despachos, decisões interlocutórias e sentenças.

Os despachos, ou despachos de mero expediente, ou ainda despachos interlocutórios simples, são atos ordinatórios da marcha do procedimento, a exemplo o que ordena a citação do réu, o que defere o requerimento de juntada da contestação, o que manda se manifeste e a parte contrária sobre documento anexo aos autos, etc[41].

O artigo 162, em seu §3°, do CPC, conceitua os despachos como “todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a cujo respeito a lei não estabeleça outra forma”.[42]

As decisões interlocutórias, por sua vez, são os provimentos judiciais que, no curso do processo, resolvem um incidente (art.162, §2°, do CPC). Deste conceito, pode-se extrair as seguintes características das decisões interlocutórias: a) são proferidas no curso do processo; b) resolvem questões incidentes[43].

Por fim, as sentenças são os “atos do juiz que implicam alguma das situações previstas nos art. 267 e art. 269 desta lei (Código de Processo Civil)”.[44]

Em outras palavras, “por sentença deve-se entender, pois, o ato judicial que põe fim ao ofício judicial de julgar a causa, resolvendo ou não o objeto do processo, e determinando a extinção do módulo processual em que proferida”.[45]

Interessante pontuar que o conceito de sentença no Código de Processo Civil sofreu modificação com a Lei 11.232/05. Antes desta lei, a sentença era definida “como o ato que põe fim ao processo julgando ou não o mérito.”[46]

A lei 11.232/05 inovouno Código de Processo Civil, segundo Marinoni[47], ao prever no CPC a existência de sentenças de mérito que não extinguem o processo. No seu entender,

tal modificação deriva do novo sistema que a própria lei outorgou à execução de sentença que impõe o pagamento de quantia certa, dispensando a propositura de ação de execução e permitindo que a execução seja feita em uma fase do processo já instaurado, denominada de cumprimento de sentença.

Passada a abordagem inicial acerca das espécies de atos decisórios do juiz previstos no Código de Processo Civil, convém aprofundar a análise quanto ao ato decisório sentença, por ser essa a espécie de atos do juiz que mais causa discussão quando se fala de decisão do pedido incontroverso da demanda.

3.2 Sentença

3.2.1 Requisitos da sentença

O artigo 458, do Código de Processo Civil, colacionado a seguir, determina que os requisitos da sentença são o relatório, a fundamentação e o dispositivo.

São requisitos essenciais da sentença:

I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.

Antes de descrever de forma específica cada um dos mencionados requisitos, éinteressante notar observação feita pelo professor Daniel Amorim Assunção Neves[48].Segundo ele, melhor teria sido o legislador utilizar o termo “elementos” da sentença, considerando que o dispositivo legal descreve as partes que devem compor uma sentença genuína de mérito. As sentenças terminativas e as falsas sentenças de mérito não exigem a presença do formalismo previsto no referido dispositivo legal.

Analisa-se de forma individualizada cada um dos requisitos da sentença.

O relatório é a parte da sentença na qual o magistrado relata todos os acontecimentos e fatos relevantes que ocorreram no curso processual. Ele representa um sumário do processo, preparando-o para o julgamento da demanda[49].

No relatório, o juiz indicará as partes; uma breve suma do pedido; uma breve suma da defesa; e a descrição dos principais atos praticados no processo.

Lembra Neves[50] que a exigência do relatório se dá com o objetivo de demonstrar que o magistrado conhece plenamente a demanda que está julgando.

O segundo requisito da sentença é a fundamentação da decisão. Este requisito é essencial para o controle dos atos jurisdicionais, pois é na fundamentação que o juiz enfrenta todas as questões de fato e de direito que sejam relevantes para a resolução da demanda. Uma sentença sem fundamentação padece de nulidade absoluta[51].

Por fim, o último requisito da sentença é o dispositivo.É nesta parte da sentença que a resposta para o objeto do processo é emitida com toda a sua clareza. A ausência de dispositivo gera vício gravíssimo. Segundo o professor Neves[52], “uma decisão sem dispositivo não é propriamente uma decisão, porque nada decide. Trata-se de inexistência jurídica do ato judicial”.

3.2.2 Classificação da sentença

As sentenças são classificadas com base em diferentes critérios. Os mais comuns são o conteúdo do ato sentencial e a resolução ou não do mérito.

Quanto ao conteúdo do ato sentencial, as sentenças são classificadas em meramente declaratória, constitutiva ou condenatória. Há doutrina que ainda defende que além dessas, as sentenças podem ser executiva “lato sensu” e mandamental.

O conteúdo da sentença meramente declaratória é a declaração da existência, inexistência ou o modo de ser de uma relação jurídica de direito material[53].

O conteúdo da sentença constitutiva, como o próprio nome indica, é a constituição/criação (positiva), extinção (negativa) ou modificação (modificativa) de uma relação jurídica[54].

Já o conteúdo da sentença condenatória é “determinar que se realize e torne efetiva determinada sanção, isto é, que o vencido cumpra a prestação de dar, fazer ou não fazer, ou de abster-se de realizar certo fato, ou de desfazer o que realizou”.[55]

Como mencionado anteriormente, há doutrinadores, seguindo as lições de Pontes de Miranda, que ainda defendem a existência de duas espécies de sentença quanto ao seu conteúdo: sentença executiva “lato sensu” e a sentença mandamental.

A sentença executiva “lato sensu” ou apenas, sentença executiva, seria assim denominada devido a dispensa do processo de execução subsequente para ser satisfeita. Enquanto a sentença mandamental caracteriza-se pela existência de ordem do juiz dirigida à pessoa ou órgão para que faça ou deixe de fazer algo, não se limitando, portanto, à condenação do réu[56].

Quanto ao critério da resolução ou não do mérito, as sentenças podem ser classificadas em sentenças terminativas e sentenças definitivas.

As sentenças terminativas não resolvem o mérito da demanda, enquanto que as sentenças definitivas analisam o mérito da causa no todo ou em parte. As situações ensejadoras ou não da resolução do mérito estão previstas de forma expressa nos artigos 269 e 267, do Código de Processo Civil, respectivamente.

3.2.3 Sentença interlocutória?

Prosseguindo na análise da matéria sentença, convém observarmos o que dispõe o artigo 459, do CPC[57]:

Art. 459. O juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor. Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito, o juiz decidirá em forma concisa.

Parágrafo único. Quando o autor tiver formulado pedido certo, é vedado ao juiz proferir sentença ilíquida. (grifou-se)

Este artigo prevê que o juiz decidirá por meio de sentença o processo em que o pedido do autor é acolhido no todo ou em parte.

Relacionando esse dispositivo à determinação do §6° do art. 273 do CPC, segundo o qual “a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”, dúvidas surgem quanto à decisão que concede a antecipação da tutela do pedido incontroverso.Seria uma sentença? Decisão interlocutória? Ou sentença interlocutória?

Esta discussão divide a doutrina brasileira e sobre ela se tecerá alguns comentários a seguir.

Quando um pedido ou parcela dele é incontroverso, o magistrado deve, segundo os atuais preceitos de celeridade e efetividade da prestação jurisdicional e da própria determinação legal constante no Código de Processo Civil, antecipar a tutela, realizando um julgamento antecipado da pretensão vindicada que se mostra incontroversa.

Ao emitir seu posicionamento acerca da matéria incontroversa, o juiz o faz antes mesmo de findar o processo, uma vez que matéria controversa remanescente ainda será objeto de instrução processual. Concretiza-se, neste caso, a fragmentação do julgamento do processo.

Com a fragmentação do julgamento, muitas possibilidades emergem, dentre as quais a que ora se discute de antecipação da própria tutela parcial de mérito.

Nesta perspectiva, autores defendem que a decisão emitida pelo magistrado no julgamento parcial de mérito fundado no §6° do art. 273 do CPC, reveste-se sobre a forma de verdadeira sentença.

Argumentam que esta decisão se reveste sobre o conteúdo de uma sentença, já que aprecia o pedido e o acolhe nos termos do art. 269, I, do CPC.

Tal corrente doutrinária defende a congruência com o conceito sugerido pelo art. 162, §2°, do CPC, de que sentença nada mais é que o ato que declara o fim da etapa de cognição. Logo, realizando o magistrado uma cognição exauriente quando da apreciação de pedido cumulado, ou parte dele, incontroverso, lógico seria fazê-lo por meio de sentença.

Outra parte da doutrina, entretanto, defende que a decisão quando do julgamento de pedido incontroverso da demanda, reveste-se sobre a forma de decisão interlocutória de mérito.

Segundo eles, o conceito de decisão interlocutória de mérito não é uma novidade no direito processual brasileiro.

Menciona Araújo[58] que:

o conceito de decisão interlocutória de mérito também já existia no nosso direito processual, como, vg, nos casos de indeferimento da inicial da reconvenção ou da denunciação da lide em face da decadência, extinguindo o processo com julgamento de mérito (art. 269, IV c/c 295, IV).

Sobre o assunto vale mencionar os ensinamentos de Nery e Nery[59], para quem a decisão interlocutória de mérito é uma realidade:

Toda e qualquer decisão do juiz proferida no curso do processo, não sem extingui-lo, seja ou não sobre o mérito da causa, é interlocutória. Como, para classificar o pronunciamento judicial, o CPC não levou em conta seu conteúdo, mas sim sua finalidade, se o ato não extinguiu o processo, que continua, não pode ser sentença, mas sim decisão interlocutória. Pode haver, por exemplo, decisão interlocutória de mérito, se o juiz indefere parcialmente a inicial, pronunciando a decadência de um dos pedidos cumulados, e determina a citação quando ao outro pedido: o processo não se extinguiu, pois continua quanto ao pedido deferido, nada obstante tenha sido proferida decisão de mérito quando se reconheceu a decadência (CPC 269, IV).

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Assim, a decisão emitida pelo juiz no julgamento antecipado da tutela de pedido incontroverso seriadecisão interlocutória de mérito, uma vez que o processo ainda não chegou ao seu termo, e como tal, não haveria de se falar em sentença. Ademais, tal decisão seria meritória, uma vez que resolve, através de cognição exauriente, questão incontroversa na demanda, fazendo, assim, coisa julgada material.

Não custa lembrar que sentença, segundo Neves[60], é todo ato que encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição. Como o ato judicial proferido no caso mencionado não encerra o procedimento, haja vista a continuidade do processo no que diz respeito a parcela controversa da demanda, não há que se falar em sentença, mas sim em decisão interlocutória.

Segundo Araújo[61], trata-se de “decisão interlocutória, eis que o processo continuará atéjulgamento da parte controvertida da demanda, e de mérito, pois a decisão não serárevogável, mas sim definitiva, com força de coisa julgada”.

Bueno[62] ainda ressalta que

embora a decisão que aplica o art. 273, §6°, pudesse ser considerada substancialmente sentença – porque tem o conteúdo do art. 269, rente ao que exige o art. 162, §1° -, ela é formalmente decisão interlocutória, no sentido de fazer as vezes, ter a mesma função processual, de uma decisão interlocutória, porque, posto ter sido proferida, não significa que não haja, ainda, outras atividades jurisdicionais cognitivas a serem desenvolvidas no mesmo processo.

Compartilha deste entendimento o professor Alexandre Freitas Câmara[63], para quem a decisão antecipatória do §6°, do art. 273, é interlocutória.

Em suma, interessante registar que de acordo com pesquisa bibliográfica realizada na doutrina processualista, especialmente a mais moderna, prevalece a corrente de que a decisão antecipatória do mérito fundada no §6° do art. 273, é uma decisão interlocutória.

Nos Tribunais, há predominância do entendimento de que a mencionada decisão parcial de mérito trata-se de decisão interlocutória, vez que impugnável por agravo de instrumento. Para tanto, vide as ementas de julgados colacionados abaixo:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALEGACAO DE MATERIAS QUE REFOGEM AO AMBITO DO RECURSO - NAO CONHECIMENTO - AÇÃO DE REVISAO DE CONTRATO - ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA - PRESSUPOSTOS DEMONSTRADOS - DEPOSITO JUDICIAL DAS PARCELAS INCONTROVERSAS - INTELIGENCIA DO ARTIGO 273, § 6., DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. NAO SE CONHECE EM SEDE DE RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO DE ALEGACOES QUE REFOGEM AO AMBITO DE DISCUSSAO DA DECISAO RECORRIDA. 2. EVIDENCIADOS OS REQUISITOS PARA A ANTECIPACAO DOS EFEITOS DA TUTELA, O REQUERIMENTO NESTE SENTIDO DEVE SER DEFERIDO. 3. EXISTINDO VALORES INCONTROVERSOS E REQUERIMENTO PARA SEU DEPOSITO JUDICIAL, ESTE DEVE SER DETERMINADO, NOS TERMOS DO ART. 273, § 6., DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4. RECURSO CONHECIDO, EM PARTE, E PARCIALMENTE PROVIDO."

(TJPR., Agravo de Instrumento n.º 285263-5, Décima Sexta Câmara Cível, Relator Desembargador Guilherme Luiz Gomes, data do julgamento em 21/09/2005, Acórdão n.º 1491)"

AGRAVO DE INSTRUMENTO- Ação de cobrança de seguro agrícola - Pedido de tutela antecipada indeferida - Parte do pedido incontroverso - Hipótese do § 6o do artigo 273 do CPC presente - Decisão reformada - Agravo provido.§ 6o273CPC

(994093317578 SP , Relator: José Carlos Ferreira Alves, Data de Julgamento: 19/01/2010, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/01/2010)

Verificar-se-á adiante que o entendimento segundo o qual constitui decisão interlocutória a decisão parcial de mérito proferida em atençãoao art. 273, §6°, mostra-se o mais acertado às noções de efetividade e garantia do processo, quando se analisar o recurso adequado para impugná-la, o que se fará a seguir.

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Sobre a autora
Ana Carolina Amâncio de Araújo

Advogada em Teresina (PI). Especializanda em Advocacia e Direito Processual pela Escola Superior de Advocacia do Estado do Piauí - ESAPI em parceira com a Universidade Estadual do Piauí - UESPI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Ana Carolina Amâncio. A recorribilidade das decisões parciais de mérito fundadas no artigo 273, §6º, do Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3332, 15 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22418. Acesso em: 26 abr. 2024.

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