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Direito de superfície na Lei 10.257/2001

(uma primeira leitura)

Agenda 01/10/2001 às 00:00

1. INTRODUÇÃO

Após mais de dez anos de tramitação, foi sancionada pelo Presidente da República, a lei decorrente do projeto de lei nº 181, de 1989, embora com vetos.

O novo estatuto legal marca o reingresso do instituto no nosso ordenamento jurídico, extinto que se achava desde 1864, quando do advento da Lei 1.257.

Pelo menos expressamente, eis que doutrinadores há que sustentam que o Decreto-lei n 271, de 28 de fevereiro de 1967, consagrou, sem o referir, um verdadeiro direito de superfície.(1)

Assim, como tem ocorrido em outras searas do Direito Civil, o chamado "Estatuto das Cidades" inova em relação ao Projeto do Código Civil, como recebido pela Câmara após modificações levadas a efeito pelo então relator Senador Josaphat Marinho, ao determinar possa ser o direito instituído por tempo indeterminado.

Essa e outras inovações vêm a ser objeto desse breve estudo em derredor do instituto jurídico em face do comparativo entre a lei nova e o código por vir.


2. DEFINIÇÃO

A lei sob comento optou por explicitar no §1º do art.21 consistir o direito de superfície na faculdade de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.

Nisso apartou-se do projeto do código civil que preferiu defini-lo como sendo o direito de construir ou de plantar em terreno alheio, sem esclarecer, porque certamente afiançado pela doutrina clássica, que a propriedade do solo abrange a do subsolo e o espaço aéreo.

O conceito do instituto é, não obstante, mais complexo.

Tomo por empréstimo aquele traçado por Ricardo Lira, segundo o qual " é o direito real autônomo, temporário ou perpétuo, de fazer e manter construção ou plantação sobre ou sob terreno alheio; é a propriedade - separada do solo – dessa construção ou plantação, bem como é a propriedade decorrente da aquisição feita ao dono do solo de construção ou plantação nele já existente" (2)


3. MODOS DE CONSTITUIÇÃO

Nesse particular, optou o legislador em restringir a constituição do direito em estudo à forma contratual, silenciando sobre qualquer outra das maneiras, doutrinariamente admitidas, a saber, o testamento e a usucapião.

3.1.Por contrato:

Em razão de sua natureza de direito real, a constituição do direito de superfície por contrato, demanda forma solene, representada pela escritura pública para que produza os efeitos jurídicos pertinentes.

Essa circunstância não foi esquecida pelo legislador que, ao tratar do tema no mencionado artigo legal, estabeleceu que a concessão do direito se realizaria mediante escritura pública registrada no cartório de registro de imóveis (art.21) conforme igualmente previsto no Projeto em seu art.1.368.

3.2. Por testamento:

Silenciou o legislador em ambos os corpos normativos sobre a possibilidade de o proprietário conceder, mortis causa, o direito ou, ainda, sobre a hipótese de poder ser ele objeto de usucapião.

Parece-me que nada obsta a que o proprietário, por testamento, possa deixar a superfície de prédio seu para um legatário e a propriedade do solo a outro ou a seus herdeiros.

Essa hipótese, embora não expressamente admitida pela nova norma especial, coaduna-se, às inteiras, com o ordenamento jurídico pátrio que permite o estabelecimento, via de regra, de direitos reais por testamento, cuja natureza jurídica é a mesma do contrato, ou seja, negócio jurídico.

3.3. Por usucapião:

Igualmente presta-se à constituição do mencionado direito, o decurso do tempo quando aliado à posse mansa e pacífica desse direito que, passível de alienação, pode ser, em abstrato, objeto de usucapião.

Embora seja, à primeira vista, irrespondível a afirmação do Professor Roberto Lira de que não se possa "vislumbrar como possa o direito de superfície constituir-se pela via do usucapião" (3), em face da dificuldade de se conceber uma posse circunscrita à construção ou à plantação, sem considera-la abrangente do solo, certo é que o usucapiente pode, sabedor da existência de superficiário sem posse atual, tornar-se possuidor do direito de superfície, sem que tenha animus domini em relação ao solo propriamente dito.

Registro o exemplo do Prof. Mota Pinto, lembrado no artigo de Marcos Alcino Azevedo Torres : " ...pode perfeitamente um indivíduo exercer actos de posse sobre uma casa que está construída, e exerce-los com um animus, não de pleno proprietário, mas de superficiário porque, p.ex., lhe foi vendida por acto nulo a casa separada do solo."(4)

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Ademais, não se há de olvidar que o proprietário pode, por ato nulo, porquanto não observada a formalidade legal, instituir direito de superfície, seja verbalmente, seja por escrito particular. Ao fim de determinado tempo, é lícito ao possuidor adquirir o direito pelo meio referido.

Essa circunstância não é estranha ao direito comparado, eis que prevista no art.900 do Código Civil Alemão, cuja ocorrência se dá quando o direito de superfície tenha estado indevidamente inscrito durante 30 anos e o titular do direito haja possuído o imóvel durante esse tempo, a título de direito de superfície.


4. SISTEMATIZAÇÃO DO ESTATUTO

Há de ser louvada a melhor sistematização do direito de superfície na mencionada lei, quando em comparação com o código por vir.

Não somente porque restou inserido entre os meios de extinção do direito o descumprimento das obrigações contratuais assumidas pelo superficiário, fórmula que por sua natureza genérica, abrangeria, inclusive, a mudança na destinação do terreno. (v. art.23,II e art.24, §1º da Lei 10.257/2001), mas, também, porque explicitas as obrigações do superficiário, em relação aos tributos e encargos.

Com efeito, no projeto do código encontra-se assentado que essa responsabilidade abrange os encargos e tributos que incidem sobre o imóvel, sem uma clara divisão de ônus entre o proprietário e o titular do direito de superfície, de modo a levar a que, ao aplicar a norma, pudesse o intérprete considerar que todos os encargos e tributos que recaíssem sobre o imóvel, ainda que não dissessem respeito à utilidade do direito de superfície propriamente dita, fossem dever do superficiário. A nova norma declara, expressamente, que a este competirá tão somente o recolhimento dos encargos e tributos que incidirem sobre a superfície.

Caberá a ele, outrossim, apenas em adendo, e proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, o pagamento dos encargos e tributos que disserem respeito à área objeto de concessão do direito de superfície.


5. TERMO DE DURAÇÃO

Admitir possa ser o direito de superfície instituído para durar indefinidamente, embora pudesse parecer à primeira vista um retrocesso, na visão de tantos quantos acreditem que a propriedade deve ser sempre plena, e a instituição de direito real sobre ela uma exceção, foi antes de tudo uma demonstração de que a propriedade privada há de ser preservada sempre que estiver em consonância com sua função social. É dizer, não há qualquer inconveniente em que se constitua sem prazo certo o direito de superfície para que outrem plante ou construa em terreno alheio por ser forma de garantir a utilização econômica do bem.

Outrossim, convém lembrar que, a qualquer tempo, pode, em havendo alienação do direito, consolidar o proprietário o domínio em suas mãos, em preferência a terceiros nas mesmas condições, como o declara o art.22.

Assim, parece que também no particular, a edição do estatuto avançou em relação ao projeto, ao permitir a perpetuidade do direito sob comento.


6. CONCLUSÃO

A título de regulamentar os arts.182 e 183 da Constituição Federal, a Lei 10.257, de 10 de julho de 2001, introduz em nosso ordenamento jurídico, após mais de um século de sua extinção, o direito de superfície.

Atropela-se, mais uma vez, o combalido Projeto do Código Civil, mas deve ser louvada a iniciativa, não somente por permitir revigorar-se a utilidade econômica da propriedade, mas, também, por fazer realçar o interesse cada vez mais premente de que deva a propriedade, enquanto direito subjetivo, cumprir sua função social.


NOTAS

1. GORAIEB, Rima. O Direito de Superfície.Disponível em: < http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/catalog.htm. >. Acesso em 11 jul. 2001.

2. LIRA, Ricardo. O Moderno Direito de Superfície (Ensaio de uma teoria Geral). Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, vol.35, ano 1979, p.15.

3. LIRA, Roberto. Op.cit.,p.66

4. TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em <http://fdir.uerj/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html >. Acesso em 11 jul. 2001.


BIBLIOGRAFIA

1.BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts.182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 de jul. 2001.

2. GORAIEB, Rima. O Direito de Superfície.Disponível em: < http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/direito/catalog.htm. >. Acesso em 11 jul. 2001.

3. LIRA, Ricardo. O Moderno Direito de Superfície (Ensaio de uma teoria Geral). Revista de Direito da Procuradoria Geral do Rio de Janeiro, vol.35, ano 1979, p.15.

4. TORRES, Marcos Alcino Azevedo. Direito de Superfície. Disponível em <http://fdir.uerj/publicacoes/publicacoes/diversos/malcino.html >. Acesso em 11 jul. 2001

Sobre a autora
Mônica Castro

juíza federal, professora de Direito Civil da UFBa e doutoranda em Direito Civil pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Mônica. Direito de superfície na Lei 10.257/2001: (uma primeira leitura). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2244. Acesso em: 22 dez. 2024.

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