4. Políticas de saúde pública: a necessidade da adequação do modelo atual à realidade brasileira.
Segundo Aith, citando Winslow
A saúde pública é a ciência e a arte de prevenir as doenças, de prolongar a vida e de promover a saúde e a integridade física através de esforços coordenados da comunidade para a preservação do meio ambiente, o controle das infecções que podem atingir a população, a educação do indivíduo sobre os princípios de higiene pessoal, a organização dos serviços médicos e de saúde para o diagnóstico precoce, o tratamento preventivo de patologias, o desenvolvimento de dispositivos sociais que assegurem a cada um, nível de vida adequado para a manutenção da saúde (AITH, 1920, p.50)
A atuação e o alcance das políticas de saúde pública têm uma abrangência que não se restringe ao controle de epidemias e à higiene pública. Tampouco sua atuação depende somente da atividade estatal ou de seus representantes, sendo a responsabilidade por sua eficácia dividida com todos os membros da sociedade. As escolhas dos temas a serem tratados como questão de saúde pública são feitas em campo dinâmico e constantemente mutável, onde convivem interesses diversos e, em não raras vezes, contraditórios.
A decisão de prioridades e, consequentemente, a atuação concreta no campo de políticas públicas passa pela constatação de que a construção social do que é um caso de saúde pública é resultado da identificação de um problema que seja ao mesmo tempo de saúde pública e jurídico, o que se torna fundamental para o desenvolvimento social. O que inicialmente se mostra como uma questão social acaba por se tornar um problema médico, político, e, via de consequência, de saúde pública, para finalmente ser juridicamente encampada e analisada. Essa análise conjunta é necessária para que sejam propostas e executadas as políticas públicas de prevenção, tratamento e recuperação. O caráter multidisciplinar é um dos marcadores das questões atinentes à saúde: não se pode conceber um problema que atente isoladamente ao Direito Sanitário: uma questão de saúde envolve, sempre, outras condicionantes relacionadas à educação, à política, à economia.
As políticas públicas de saúde estão sujeitas ao ordenamento jurídico brasileiro e devem ser sempre resolvidas a partir da visão de atendimento às finalidades de interesse público. O sujeito ativo das políticas públicas, é sempre o Estado, seja através da Administração Direta, seja através da Administração Indireta, ou seja, ainda, através dos demais poderes estatais constituídos. Tal assertiva tem como fundamento a premissa de que a elaboração, implementação, execução e fiscalização das políticas públicas parte da autoridade estatal. A atuação do Estado é essencial e indispensável na elaboração e no planejamento das políticas públicas. É o Estado, através de seus poderes constituídos, que tem a competência constitucional para dar o impulso oficial à propositura e implementação das políticas públicas.
No modelo atual, pode-se constatar uma maior participação da sociedade civil, que atua juntamente ao Estado na concretização das Políticas Públicas propostas. Tem se tornado cada vez mais comum a existência de organizações sem fins lucrativos que executam ações e serviços públicos atuando na busca dos objetivos fixados pelas políticas públicas organizadas pelo Estado.
4.1. A concentração de recursos na resolução de morbidades pré-existentes: a necessidade de se mudar o paradigma para garantir o efetivo acesso de todos ao sistema sanitário brasileiro.
O mundo evoluiu e a redemocratização da década de 80 trouxe a Reforma Sanitária que se consolidou na Constituição Federal de 1988 com a criação de um sistema de saúde que estaria incluso dentre os mais avançados do mundo, o SUS. Entretanto, diversos são os obstáculos que impedem a realização plena de sua proposta de acesso universal ao direito à saúde: a cultura nacional arraigada que é centrada na doença e no tratamento em hospital, a formação de profissionais na área de saúde que são treinados para compreender o paciente apenas como ser biológico, e não como ser holístico que verdadeiramente é, o uso questionável do dinheiro público e, ainda, a dificuldade de se instituir políticas públicas voltadas à necessidade de cada região em um país diversificado e do enorme tamanho do Brasil.
Ao se proceder a análise de alguns poucos dados já se pode vislumbrar a necessidade de mudança de paradigmas para que o esforço humano e o investimento financeiro não se percam na implementação de medidas que poderiam ser evitadas ou minimizadas, garantindo um sistema sanitário mais abrangente, eficiente e eficaz.
Primeiramente, há uma necessidade premente da mudança do modelo: o sistema sanitário brasileiro ainda é guiado pela cultura da doença e do hospital, a despeito de várias tentativas de se inserir medicina preventiva no contexto da saúde do país. É fundamental que se estabeleça e organize redes de assistência integradas, priorizando a estratégia da atenção primária à saúde. Sem que se invista em prevenção, promoção de saúde e atenção primária não há como se falar em superação do predomínio das enfermidades crônicas, que superlotam hospitais e encarecem o custo do sistema público.
Indispensável ainda que se repense na mudança do modelo responsável pelo financiamento da saúde no Brasil. Para o especialista em saúde pública Gilson Carvalho,
o que é feito com o montante destinado ao SUS é “milagroso”. Segundo ele, os gastos públicos no setor chegam a R$ 127 bilhões por ano. Nos países desenvolvidos, esse montante é de, em média, R$ 679 bilhões. E a maior distorção é que aqui, grande parte desse dinheiro é gasto com procedimentos complexos, quando mais dinheiro deveria ser investido na prevenção e nos primeiros cuidados (CARVALHO, 2009)
Conclui-se A verba destinada à garantia de acesso à saúde hoje no país é de cerca menos de R$700,00 (setecentos reais) por habitante ao ano. Em países com sistema sanitário mais estruturado e amplo, o orçamento médio destinado ao tratamento de um paciente é de cerca de R$3.600,00 (três mil e seiscentos reais) anuais. A criação de novos impostos que financiem a saúde em um país como o Brasil, que sofre com uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo encontra resistência na sociedade, mas é urgente que o Poder Público busque readequar seu orçamento de modo a custear efetivamente os gastos necessários ao adequado funcionamento do sistema, garantindo o cumprimento de tudo o que ele se propõe a oferecer.
Cerca de 70% do total do orçamento da saúde no Brasil é destinado aos hospitais que tratam doenças preexistentes para as quais são necessários procedimentos complexos e dispendiosos. Em países que oferecem uma melhor condição de cuidados preventivos a seus cidadãos, esse percentual cai para 40%.
Embora a intenção da norma constitucional criadora do SUS fosse a adoção de um sistema que priorizasse a medicina preventiva, até o momento atual ainda não se conseguiu fazer a transição do modelo embasado na medicina curativa para aquele que tenha como fundamento à atenção primária.
4.2. Priorização dos projetos de prevenção de morbidades: um caminho na busca pela melhoria do sistema.
A exemplo da questão que se propõe, os gastos de saúde pública com acidentes acontecidos no trânsito poderiam ser, em grande parte, evitados com políticas preventivas de educação e conscientização dos cidadãos. Além disso, um sistema de fiscalização e punição mais rigídos tornariam a aplicação das leis mais eficientes e, com isso, reduziriam em muito os gastos do orçamento público na tentativa de devolver a integridade física e a saúde aos acidentados. No Brasil, os acidentes de trânsito estão entre as principais causas de gastos hospitalares, respondendo por 32,8% das ocorrências e 41,2% dos gastos. O SUS – Sistema Único de Saúde – gasta, em média, um valor em torno de R$2.000,00 com cada paciente acidentado. Nestes cálculos não estão incluídos os gastos com transportes de acompanhantes nem a perda de produtividade do paciente, por exemplo, o que aumentaria ainda mais o volume de recursos perdidos em políticas de recuperação de morbidades.
De acordo com um levantamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal, desde que a Lei Seca entrou em vigor (20/06/2008), o Brasil economizou R$ 48,4 milhões com a redução dos acidentes nas rodovias. Segundo dados do Ministério da Saúde, a Lei Seca diminuiu o volume de internações provocadas por acidentes de trânsito nas capitais brasileiras em 23% no primeiro semestre de sua aplicação.
Essa é uma clara demonstração de que políticas públicas multidisciplinares têm reflexo direto no sistema sanitário brasileiro, diminuindo o inchaço de suas frentes e seu custo final.
Priorizar políticas públicas como, por exemplo, as de saneamento básico, prevenção de epidemias, combate e conscientização sobre os prejuízos causados pelo consumo de drogas ilícitas e lícitas, educação sexual, conscientização ambiental, cidadania no trânsito são ações multidisciplinares que, uma vez implementadas pelo Poder Público teriam reflexos reais e consistentes na melhoria do atendimento pelo sistema público sanitário brasileiro.
Mais ainda. Atentar para as necessidades regionais, buscando entender a realidade cotidiana das tão diversas comunidades deste imenso país, propondo politicas de saúde pública que atendam aos anseios e fragilidades daquela população são medidas que não necessitam de aparato complexo nem grandes investimentos financeiros, e seguramente auxiliariam em muito na melhor adequação dos recursos destinados ao setor sanitário nacional, tornando o SUS um sistema mais forte, eficaz e mais apto a fazer jus à sua atribuição constitucional de oferecer acesso irrestrito ao direito fundamental à saúde.
5. Conclusão.
O objetivo do presente trabalho foi promover estudo crítico acerca do modelo de saúde pública adotado no Brasil, analisando o instituto através da expressão constitucional brasileira da saúde como um dos direitos fundamentais sociais que norteiam todo o nosso ordenamento jurídico. É indiscutível o avanço da saúde no Brasil desde a promulgação da Carta Constitucional de 1988, que garantiu o acesso universal e irrestrito à saúde através da criação do SUS – Sistema Único de Saúde. Entretanto, a instituição, ainda que tenha a obrigação de proporcionar atendimento sanitário universal, em muitos casos não consegue alcançar este objetivo, em razão de sobrecargas causadas pela inadequação de políticas públicas que priorizam o atendimento a doenças crônicas e morbidades preexistentes.
Diante das informações trazidas, buscou-se demonstrar a necessidade da mudança de paradigmas, adotando políticas de prevenção que minimizem os gastos públicos e possam atuar como mecanismos de melhoria na eficácia do atendimento e assistência à saúde previstos na Constitucional Federal brasileira.
6. Referências bibliográficas.
AITH, Fernando. Curso de Direito Sanitário: A proteção do Direito à Saúde no Brasil. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7. ed., São Paulo: Malheiros, 1997.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar: Manual Jurídico de Planos e Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006.
FIGUEIREDO, Mariana Filchner. Direito Fundamental à Saúde: parâmetros para sua eficácia e efetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
LEI SECA. Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/06/17/lei-seca-reduz-em-23-internacoes-por-acidentes-de-transito-756379389.asp> Acessado em 25 de março 2011.
LOCKE, JOHN. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo. Martin Claret, 2003.
MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Direito Constitucional: Curso de Direitos Fundamentais. 3ª Ed., revista e atualizada. São Paulo: Método, 2008.
MARANHÃO, Clayton. Tutela Jurisdicional do Direito à Saúde: Coleção Temas Atuais de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. Volume 7.
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 2ª ed., Atlas, São Paulo, 2009.
QUEIROZ, Cristina. Direitos Fundamentais: Funções, âmbito, conteúdo, questões interpretativas e problemas de justiciabilidade. Coimbra: Coimbra Editora, 2006.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais: Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
SILVA, Júlio César Ballerini Silva. Direito à Saúde: Aspectos práticos e doutrinários no direito público e no direito privado. Leme, Habermann Editora, 2009.