4.O CONCEITO DE NORMA JURÍDICA – Considerações conclusivas
Cabe-nos destacar que encontrar um conceito absoluto de norma jurídica é tarefa impossível e até indesejável para os fins científicos. Não é tarefa do jurista estabelecer conceitos fixos e absolutos, mas sim oferecer alternativas e caminhos para o progresso da Teoria Geral do Direito.Apesar disto, tentaremos demonstrar um conceito de norma jurídica através do estudo das diversas teorias expostas.
De acordo com a análise feita, principalmente nos textos de Kelsen, Tércio e Bobbio, a norma jurídica é aquela inserida em um sistema que se possa chamar de Direito. Este sistema é um complexo normativo no qual a execução de seus preceitos é garantida por sanções organizadas que estão previstas no próprio sistema. Desta maneira, a norma jurídica é a que está inserida em um sistema que contém outras normas que estabelecem órgãos capazes de, dado o seu grau de institucionalização, fazer valer os preceitos normativos através de uma sanção organizada.
Este é o conceito de norma jurídica a que chegamos acompanhando Norberto Bobbio, que se utiliza de elementos da teoria de Kelsen e da teoria da instituição.
Vê-se que o conceito de norma jurídica, na verdade, não pode ser encontrado na norma em si, eis que a pergunta: O que é norma jurídica? transmuda-se em O que é ordenamento jurídico. Ou seja, o elemento que identifica a norma como jurídica está presente no ordenamento jurídico.
Quando respondemos que a norma jurídica é aquela inserida em um sistema jurídico, estamos a afirmar que o elemento da juridicidade está presente, não na norma em si, mas no ordenamento em que ela está inserida. A sanção organizada e garantida pelo grau de institucionalização é uma característica do ordenamento jurídico.
Veja-se que, se ultrapassarmos nossa pesquisa sobre a característica que distingue a norma jurídica, e, portanto, o ordenamento jurídico, dos outros sistemas normativos incidentes na vida social, e partirmos para uma análise dogmática/formal do conceito de norma jurídica, teremos que, formalmente, a norma só é jurídica quando pertence a um ordenamento jurídico, ou seja, quando está validamente inserida em um ordenamento jurídico.
Ora, o ser válida, é estar dentro de um sistema considerado jurídico segundo as outras normas previstas no sistema, notadamente as que prescrevem o modo de produção de normas jurídicas. Portanto, se a norma está inserida no sistema de acordo com as regras previstas pelo próprio ordenamento, ela é considerada válida, e, portanto, jurídica. Desta maneira, se a norma, formalmente, não pode ser considerada jurídica isoladamente, está mais do que confirmada a impossibilidade de se definir um critério que distinga as normas jurídicas das demais normas de adaptação social, com uma análise da norma em si considerada.
Resta claro após a análise feita nas teorias encontradas que, a norma jurídica, por ser elemento de um sistema, só pode ser definida através de critérios constantes no próprio sistema. O critério identificador da norma jurídica, na verdade não pode ser encontrado na norma em si considerada, mas no ordenamento em que está inserida, justamente porque a norma não existe isoladamente, eis que o próprio caráter de validade e de juridicidade diz respeito à pertinencialidade da norma ao sistema. Assim sendo, a norma só é válida, e portanto só existe e é jurídica porque pertence a um ordenamento jurídico. Destarte, o critério do jurídico não pode ser encontrado na norma. O elemento caracterizador do jurídico só é encontrado no ordenamento, posto que é ele que confere juridicidade à norma.
Notas
1.BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. 10 ed. Brasília:Editora UNB. 1999.P 19.
2.Idem. P 19.
3.REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 21 ed. São Paulo:Saraiva. 1994. P 42.
4.KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Trad.Luis Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes. 1998. P 21.
5.BOBBIO, Norberto. Ob Cit. P 27.
6.Idem. P 18.
7.KELSEN, Hans. Ob Cit. P 21.
8.Idem. P 22.
9.Porém este tipo de ordenamento, segundo Kelsen, é raro na sociedade, de forma que, mesmo sem decretar sanções, a conduta dos indivíduos é sempre acompanhada por um julgamento de valor. Assim, o descumprimento da norma é sempre associado à reprovação dos pares. O que faz com que, mesmo este tipo de ordenamento apresente uma sanção, embora não inserida em suas próprias normas. Idem. P 22.
10.Idem. P 27.
11.BOBBIO, Norberto. Op cit. P 27.
12.As normas sancionadoras são as chamadas por Kelsen de normas primárias, dada a importância com que Kelsen trata a sanção no Direito. Outros autores, apesar de concordarem com a opinião de Kelsen de que a norma jurídica tem necessariamente uma estrutura bimembre, consideram que a norma primária é a que determina o comportamento e não a que define a sanção. A controvérsia segundo a qual Kelsen teria mudado seu entendimento e considerado como primária a norma que define o comportamento está muito bem esclarecida em nota de rodapé da obra do professor Marcos Bernardes de Mello, que não concorda que tenha havido uma retratação de Kelsen a esse respeito tendo em vista que a obra em que consta tal retratação é uma obra póstuma, o que retira credibilidade à mudança de entendimento expressa na obra de Kelsen. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência. P 29.
13.Idem. P 27.
14.Idem. P 32.
15. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2 ed. São Paulo:Atlas. 1994. P 111.
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