V CONCLUSÃO
O Direito Penal do Inimigo é um regramento que se funda na antecipação da pretensão punitiva estatal, na periculosidade do agente e na minoração/supressão de direitos e garantias asseguradas aos indivíduos. Dessa forma, constitui-se em um regramento de exceção e desenvolvido à margem da legislação que se ancora na dignidade da pessoa humana.
Pela teoria estudada, ao se verificar presente a periculosidade do agente, o Estado se vê legitimado a desconsiderar a sua condição de ser humano e a despi-lo de personalidade e, por conseguinte, de quaisquer direitos enquanto pessoa.
Todavia, a condição de ser humano antecede ao mencionado status de cidadão, que constitui uma das vigas da teoria. Ora, sabe-se que a partir da pura e simples qualidade de ser humano, o homem detém atributos que o valoram e, bem por isso, torna-se inconcebívelsimplesmenteeleger o agente como inimigo, a fim de se olvidar tais valores.
Demais disso, se o direito só pode decorrer do ordenamento constitucional e democrático do Estado, a ilação que se pode fazer é a de que “direito penal do cidadão” é mera redundância.
Nesta senda, as bases deste modelo idealizado por GUNTHER JAKOBS, não sustentam sua legitimidade. O Direito Penal do Inimigo nada mais é do que uma nova roupagem do direito penal do autor, porquanto visa punir o agente não pelo delito cometido, mas pelo que ele é. Restando, destarte, indiferente a sua culpabilidade.
O exemplo mais notório, e ao mesmo tempo trágico, deste tipo de ordenamento, foi a doutrina nazista, onde um direito excepcional antissemita legitimou todo o desiderato do Reich Alemão, tornando “legais” todos os massacres perpetrados contra aqueles que foram eleitos como inimigos.
Aliás, o Tenente-Coronel EICHMANN, por ocasião de seu julgamento em Jerusalém, declarou que os seus atos foram estritamente legais. Afirmou que teria sido um inabalável observador das leis alemãs. Isto porque as ordens perversas de Hitler ostentavam força de lei no Terceiro Reich. Dessa forma, forçoso é concluir que somente cumprira determinações “legalmente” estabelecidas.
Deste modo, aceitar a ideia de mitigar o valor do respeito à dignidade da pessoa humana e da própria vida, como propõe JAKOBS, é aceitar a mesma tese sustentadora do holocausto.
Vê-se, assim, que não é exatamente novo o desiderato do Estado lançar mão de instrumentos de coação que se divorciam da observância de valores fundamentais da sociedade.
Neste diapasão, o argumento de que a periculosidade do agente permite a supressão de seus direitos e garantias a fim de eliminá-lo, também se assemelha a doutrina do darwinismo social, vez que se baseia na ideia de que a sociedade deve simplesmente execrar os membros que ostentem características ou comportamentos incomuns.
Em verdade, o Direito Penal do Inimigo “legitima” legislações democráticas a autorizarem a prática de quaisquer ações, por mais cruéis e inconstitucionais que possam ser. Para tal, basta que, previamente, o infrator seja apontado como inimigo.
Aliás, como afirmou Zafarone, o Estado, num determinado momento, passou a dizer que vítima era ele. A partir daí, o que houve foi uma reprovável neutralização do indivíduo, verdadeira vítima dos delitos praticados.
Vale dizer, que em inúmeras circunstâncias em que se fez presente o direito penal em análise, o delinquente etiquetado como inimigo nem de longe conseguiu ou conseguiria representar verdadeiramente risco ao Estado e às suas instituições.
É bem verdade que, por vezes, aconteceram afrontas a bens jurídicos relevantes. Na maioria dos casos, entretanto, nada ocorrera que demandasse a adoção de medidas drásticas, como as que normalmente são levadas a cabo para fazer frente a necessidades imediatistas.
Afinal, a história já mostrou que o autoritarismo estatal e a intolerância conduzem a excessos e acabam por atacar a razoabilidade e a proporcionalidade, inquinando de morte o estado democrático de direito.
Não se pode olvidar, entretanto, que o aparato estatal deve intervir firmemente no fito de evitar danos aos bens jurídicos relevantes das pessoas, como a vida, a liberdade, o patrimônio, dentre tantos outros.
Todavia, a expressão maior do estado democrático de direito é o fato de o próprio Estado possuir limitações. Assim, a conclusão a que se pode chegar, é que o Estado que se norteia pelo Direito Penal do Inimigo trata-se, na verdade, de um falso Estado Democrático de Direito.
Enfim, o Direito Penal do Inimigo e sua intrínseca banalização da condição humana, não passam de uma tentativa sórdida de legitimação do mal, representando nada mais que uma escusa do Estado, face á sua ineficiência e inoperância.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1]HOBBES, Thomas. Leviatã (Capítulo XIV), p. 76-77
[2] ROUSSEAL, Jean-Jaques. O Contrato Social (livro II, capítulo v). p. 52.
[3]JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Porto Alegre: 2008.p. 25-26.
[4]HOBBES, Thomas. Leviatã (Capítulo XIV), p. 78.
[5] JAKOBS. Op cit., p. 49/50
[6]JAKOBS. Op cit., p. 30.
[7] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.Art. 1°
[8]JÚNIOR, Dirley da Cunha, Curso de Direito Constitucional, 3ª edição. Salvador: podivm 2009.
[9] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9ª Ed. ver. Atual.amp.,São Paulo: Malheiros, 2000, p. 63
[10]ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assembléia das Nações Unidas,1948.
[11] Organização dos Estados Americanos, Convenção Americana sobre Direitos Humanos, “Pacto de San Jose da Costa Rica, 22 de novembro de 1969.
[12] JAKOBS Gunther; MELIÁ, Manuel Cancio .Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
[13] JAKOBS, Gunther .Sociedade, Norma e Pessoa. Teoria de um Direito Funcional, São Paulo: Manole, Coleção Estudos de Direito Penal, v. 6, Tradução: Maurício Ribeiro Lopes, 2003, p. 30.
[14] JAKOBS Gunther; MELIÁ, Manuel Cancio .Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 49-50.
[15] ROCHA, Luiz Otávio de Oliveira. A Expansão do Direito Penal: aspectos da política criminal nas sociedades Pós-industriais, São Paulo: Revista dos Tribunais, V. 11. 2002.
[16]JAKOBS, Fundamentos do Direito Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, Trad. André Luís Callegari, 2003, p. 111.
[17]JAKOBS Gunther; MELIÁ, Manuel Cancio .Direito Penal do Inimigo: Noções e Críticas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 41.
[18]JAKOBS,Gunther. Ciência do Direito e Ciência do Direito Penal. São Paulo: Manole. Coleção Estudos do Direito Penal, v. 1, Trad. Maurício Antônio Ribeiro Lopes, 2003, p. 55.
[19]CAVALCANTE, Eduardo Medeiros. Crime e Sociedade Complexa. Campinas: LZN, 2005, p. 187.
[20]Ibid., p. 61.
[21]JAKOBS, Gunther. Ciência do Direito e Ciência do Direito penal. São Paulo: manole. Coleção Estudos de Direito Penal, v.1, Trad. Maurício Antonio Ribeiro Lopes, 2003, p.49.
[22] Ibid., p. 55.
[23]SÁNCHES, Jesus-Maria Silva, Eficiência e Direito Penal. São Paulo: Manole, Coleção Estudos do Direito Penal. V. 11, Tradução Maurício Antônio Ribeiro Lopes, 2004.