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Direito Penal do Inimigo: a legitimação do mal

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04/09/2012 às 14:38
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O Direito Penal do Inimigo é um regramento que se funda na antecipação da pretensão punitiva estatal, na periculosidade do agente e na minoração/supressão de direitos e garantias asseguradas aos indivíduos. Dessa forma, constitui-se em um regramento de exceção.

Resumo: A teoria do Direito Penal do Inimigo foi concebida pelo alemão GUNTHER JAKOBS, emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito e professor da Universidade de Bonn. Segundo JAKOBS, o inimigo é todo aquele que persistentemente comete delitos contra a entidade estatal ou que coloca em risco a própria existência do Estado. Com efeito, conforme preleciona o autor, existem duas vertentes distintas na aplicação do direito penal: a primeira dirigida ao cidadão, a quem se deve garantir a aplicação da norma positivada, respeitando todos os direitos dela decorrentes. A segunda, inerente ao inimigo, divorciada de qualquer desiderato senão a eliminação do perigo.Assim, entender as bases que sustentam a teoria em comento, estabelecer as características do Direito Penal do Inimigo em contraposição ao chamado Direito Penal do Cidadão e, por fim, analisar a teoria sob o crivo da sua legitimidade, é de que se ocupa o presente artigo.

Palavras-chave: Direito penal; inimigo; cidadão; dignidade; pessoa humana; garantias; constitucionalidade.


INTRODUÇÃO

 Na busca pela solução dos conflitos sociais, o direito tem se transmutado para atender às demandas da humanidade em função das várias faces com que se apresentaram ao longo da História.

Com efeito, desde que o homem se reuniu em sociedade, assinando o pacto intitulado de Contrato Social, o Estado exerce o controle do regramento que norteia os membros desta sociedade.

Para tanto, o Estado tomou para si a legitimidade da aplicação das reprimendas àqueles que viessem a atentar contra a teia moral/legal que limita a cada um e que sustenta a estrutura estatal.

Neste cenário, diante da crescente ascensão dos índices de crimes bem assim da abrangência do poderio de determinados seguimentos criminosos - vide os terroristas -, o Estado buscou maneiras de adequar a legislação penal ao novo patamar de ameaça que passou a o afligir.                                      

Neste intento, na busca pela eliminação do inimigo, em diversos momentos lançou mão de regras excepcionais, direcionadas, adstritas a determinadas pessoas ou parcela da sociedade.

Deste modo, tornou-se conveniente a elaboração de normas que não somente justificassem, mas que também legitimassem aquelas ações que se divorciavam de postulados basilares de sua própria ordem legal.

Assim, em face desta “legalização”, o Estado obteve ancoro para perpetrar ações que não passariam pelo crivo da dignidade da pessoa humana, do estado democrático de direito, de garantidas de ordem legal e processual, bem assim de outros tantos princípios assegurados pelo direito no mundo, rezados, inclusive, em diplomas supranacionais.

Eis que em dado momento essa nova face do ordenamento penal recebera o nome de Direito Penal do Inimigo, sendo desenvolvida como teoria pelo alemão GUNTHER JAKOBS e desde então, sua aceitação vem crescendo significativamente, de sorte que sua influencia é cada vez maior na legislação mundial.


I CONTEXTO HISTÓRICO

Impelidos pelo desejo de renunciar ao estado de natureza em que prosperava a guerra[1] e de galgar uma vida mais segura e harmoniosa, os homens convencionaram se reunir em sociedadee para isso instituíram o Estado.

Assim, na busca pela paz duradoura, o homem passou a viver em comunidades, uniram-se contra seus inimigos comuns e a renunciaram parcela de seus direitos para, assim, se submeterem à vontade do Estado.

Viu-se, com isso, que o homem não poderia mais viver sem a regência do ente estatal, e bem por isso, aquele que viesse a atentar de forma grave contra os preceitos fundamentais da sociedade deveria ser punido de maneira distinta, porquanto deixara de ser um membro para se tornar um inimigo.

Pensadores medievais, a pesar de nunca terem feito uso da expressão “Direito Penal do Inimigo”, já vislumbravam uma ação diferenciada do ente em desfavor daqueles que insurgissem gravemente contra a paz social.

ROUSSEAL, em sua célebre obra “O Contrato Social”, declarou queo indivíduo ao declarar guerra ao Estado torna-se traidor da pátria, portanto, deixa de ser membro do Estado, vez que rompeu o tratado social[2]”.

FICHE, entendia que “quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa a estar em um estado de ausência completa de direitos” [3].

Para HOBBES, o homem que rompe com o Estado retrocede ao estado de natureza, condição em que todo homem vive em estado de guerra. “Assim, onde não há estado não há lei, e aquele que não se submete à lei não é cidadão, mas sim inimigo” [4].

KANT defendia que[5]:

quem não participa na vida de um Estado Comunitário legal, deve retirar-se, o que significa que é expelido (ou impelido à custódia de segurança); em todo caso, não há que ser tratado como pessoa, mas pode ser tratado como um inimigo.

A Igreja, por seu turno, sob o manto do Santo Ofício, perpetrou um verdadeiro massacre contra milhões de pessoas das mais variadas classes sociais entre os séculos XIII e XVIII, motivada pelo fato de que tais indivíduos ostentavam formas de conhecimento ou de comportamento distintas dos padrões estatais orientados pela santa Igreja Católica.

O regime totalitário nazista também emplacou um regramento excepcional, aplicável à parcela distinta de pessoas. A dogmática alemã elegeu determinados grupos como inimigos, especialmente os judeus, retirando daí seu fundamento de legitimidade, para levar a cabo um verdadeiro holocausto contra seus adversários.

A expressão Direito Penal do Inimigo, no entanto, foi concebida pelo catedrático emérito de Direito Penal e Filosofia do Direito da Universidade alemã de Bonn, o professor GUNTHER JAKOBS, tendo sido utilizada pela primeira vez em 1985. Entretanto veio a desenvolvê-la como teoria a partir da década de 90, ganhando mais força a cada dia.

O genitor da teoria em estudo concebeu duas vertentes distintas na aplicação do direito penal. A primeira dirigida ao cidadão, a quem se deve garantir a aplicação da norma positivada respeitando todos os direitos dela decorrentes. A segunda, inerente ao inimigo, divorciada de qualquer desiderato senão a eliminação do perigo.

Segundo JAKOBS, o inimigo é todo aquele que persistentemente comete delitos contra a entidade estatal ou que coloca em risco a própria existência do Estado. Assim, “frente ao inimigo é só coação física, até chegar à guerra[6]”.

A completa concepção da teoria do Direito Penal do Inimigo se deu em três fases distintas, a saber:

1ª fase (1985): Foi apresentado o Direito Penal do Inimigo em uma palestra proferida num seminário de Direito Penal em Frankfurt. Entretanto, JAKOBS sustentava uma posição de reprovação acerca da nova dogmática, criticando o enrijecimento das leis que vinha ocorrendo nas últimas décadas na Alemanha.

2ª fase (1999): Como avançava a aceitação dessa teoria, passou-se a defender a necessidade de sua legitimação parcial como forma de deter o crescimento do próprio Direito Penal do Inimigo em sua concepção plena. Foi esta a nova posição firmada por JAKOBS em uma palestra proferida na Conferência do Milênio, em Berlim.

3ª fase (2003): ante o incidente terrorista arquitetado por Osama Bin Laden, deflagrado nos EUA em 11 de setembro de 2003, passou-se a defender o Direito Penal do Inimigo em sua plenitude.

Em março de 2005 houve um congresso bastante amplo sobre o tema na Alemanha. Nesta ocasião JAKOBS apareceu e reafirmou o Direito Penal do Inimigo com posturas radicais nos moldes como hoje ainda defende.


II O CHAMADO CIDADÃO

Nossa Carta Política exara logo em suas primeiras linhas que “a República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”...(...).[7]

Este pilar da nossa estrutura estatal, consoante a lição do constitucionalista DIRLEY DA CUNHA JÚNIOR[8]:

é um princípio fundamental que reúne os princípios do Estado de Direito e do Estado Democrático, não como reunião formal de seus respectivos elementos, tendo em vista que revela um conceito novo que os supera, mas como providência de transformação do status a quo e garantia de uma sociedade pluralista, livre, justa e solidária (...).

Ante a importância deste princípio, o Estado Democrático de direito tem suas bases firmadas no que, doutrinariamente, se concebe por Constituição Material, a qual é definida por BONAVIDES[9] como:

o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais e sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da Constitição.

Com efeito, esta viga tem por escopo ditar o funcionamento da ordem política sustentadora do Estado que, por conseguinte, deve observância e respeito à dignidade da pessoa humana, devendo elegê-la como um dos predicados basilares na órbita jurídica de um estado que se diga democrático e de direito.

Ressalte-se, que o Estado Democrático de Direito não vislumbra a existência de indivíduos aos quais não se assegure direitos e garantias fundamentais, sob pena de macular o inarredável princípio da isonomia.

Assim, a partir de tais pressupostos se constitui a base do ordenamento jurídico de um Estado democrático e de direito, a qual, inexoravelmente, se achará calcada na dignidade da pessoa humana, mormente no que se refere ao âmbito jurídico-penal.

Desta sorte, cometendo um ato ilícito, há de ser aplicada uma pena ao cidadão, caso reste provada a prática deste ato considerado criminoso pelo direito deste Estado.

Dita pena, todavia, deve ser prevista em lei e somente será aplicada após um severo crivo, que assegure o contraditório, a ampla defesa e observe o devido processo legal, sejam quais forem as denominações emprestadas a estes institutos no ordenamento jurídico de cada País.

Neste diapasão, a dignidade da pessoa humana, preconizada como fundamento no art. 1° de nossa Carta Cidadã, aparece rezada não só em quase todos os diplomas constitucionais do ocidente, como em regulamentos supranacionais, consoante se vê do preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão[10], e da Convenção Americana de Direitos Humanos, o chamado Pacto de São José da Costa Rica[11].

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Tem-se, assim, que o direito penal instituído num Estado que seja democrático e de direito, tem a dignidade da pessoa humana como o ponto fixo e ao mesmo tempo o ponto de partida de toda a sua órbita jurídica.

Sob o manto deste ordenamento jurídico estão todas as pessoas, inclusive aquelas que, não obstante terem atentado contra o regramento social, não o fizeram de maneira grave e/ou contumaz contra outras pessoas ou contra a própria entidade estatal e sua existência.

Dessa forma, o direito penal dirigido ao cidadão integrante deste Estado define os crimes e comina previamente as penas. Tais delitos é bem verdade, mesmo eventuais e não graves, representam um abuso das relações sociais em que se acha inserido o agente.

Entretanto, existe uma presunção de que o cidadão que praticou o crime oferece aquilo que JAKOBS denominou de “segurança cognitiva mínima” [12], a qual designa que o agente se submeterá ao ordenamento jurídico, de sorte a restaurar sua colocação político-social através do cumprimento da imposição punitiva.

Bem por isso, estes indivíduos continuam sendo considerados como “pessoas”,e segundo a definição de LUHMANN E JAKOBS[13]:

ser pessoa significa ter de representar um papel. Pessoa é a máscara, vale dizer, precisamente não é a expressão da subjetividade de seu portador, ao contrário é a representação de uma competência socialmente compreensível.

Assim, mantendo seu status de pessoa e, por conseguinte, de cidadão, permanecem aptos a serem sujeitos de direitos e garantias legais das mais variadas, em razão da manutenção de sua posição no contexto social.

Note-se, que o Direito Penal inerente ao chamado cidadão, tem como traço marcante o fato de que, uma vez atacada a regra legal ditada pelo ente, é oportunizada ao agente nova chance de recuperar a vigência desta norma.

E isto se deve ao fato de que o delinquente se submeteu à reprimenda advinda desse mesmo regramento, podendo, assim, não só permanecer em sociedade como ser protegido de abusos do próprio Estado e de vinganças de ordem privada.

Deste modo, o ente estatal vê o infrator não como um inimigo a ser destruído a qualquer custo e merecedor de penas desproporcionais. O vê, apenas, como alguém que atentou de forma remível contra a teia jurídico-social que limita a vida em sociedade.

Tem-se, assim, a observância de um ordenamento penal calcado numa concepção humanitária do direito; que preserva o cidadão e sua intangível dignidade humana; um direito que promove uma relação livre, igualitária, recíproca e de fidúcia. Tal relação, aliás, baseada não só na dignidade, mas também na autofinalidade do ser humano.

Nesta esteira, mesmo tendo cometido um ato criminoso, o agente não será execrado do seio da sociedade através de penas que não estejam previamente estabelecidas e que não possam ser aplicadas de maneira proporcional e geral.

Pelo contrário, o ordenamento jurídico reserva ao infrator/cidadão a aplicação de uma pena que seja anterior, razoável, proporcional e que se coadune com o primado da dignidade da pessoa humana e com tantos ou preceitos que se formam a partir dele.


III O INIMIGO

À luz da teoria de JAKOBS, a figura do inimigo se amolda ao indivíduo que reincide de maneira grave ou persistente na prática de delitos, ou que se disponha a cometer crimes que atentam contra o Estado e sua própria existência.

Assim, para o autor, quem por princípio se conduz de modo desviado, não oferece garantia de um comportamento pessoal. Por isso, não pode ser tratado como cidadão, mas deve ser combatido como inimigo[14].

Exemplos de inimigos, segundo esta teoria, seriam os delinquentes organizados; autores de crimes libidinosos; criminosos praticantes de crimes econômicos e, se destacando entre todos, a figura do terrorista.

Acerca do conceito de inimigo, em abono à teoria de JAKOBS, SANCHEZ assevera que[15]:

O inimigo é um indivíduo que, mediante seu comportamento, sua ocupação profissional ou, principalmente, mediante sua vinculação a uma organização abandonou o Direito de modo supostamente duradouro e não somente de maneira incidental. Em todo caso, é alguém que não garante mínima segurança cognitiva de seu comportamento pessoal e manifesta esse déficit por meio de sua conduta. (...). Se a característica do “inimigo” é o abandono duradouro do Direito e ausência da mínima segurança cognitiva em sua conduta, então seria plausível que o modo de afrontá-lo fosse com o emprego de meios de asseguramento cognitivo desprovido de penas.

Dessa forma, o inimigo torna-se um perigo iminente que se visa combater. Por isso, entende-se que há legitimidade a resguardar o Estado, caso use de toda a sua estrutura, para, inclusive, se antecipar ao cometimento do ato criminoso pretendido pelo inimigo, tendo em vista a periculosidade manifesta do malfeitor.

Assim, conforme JAKOBS[16], o autor não somente deve ser considerado como potencialmente perigoso para os bens da vítima, como deve ser definido também, de antemão, por seu direito a uma esfera isenta de controle; e será mostrado que do status de cidadão pode se derivar limites, até certo ponto firmes, para as antecipações de punibilidade.

A periculosidade do agente passa, então, a caracterizar o inimigo, distinguindo-o da figura do cidadão, uma vez que este, apesar do cometimento de um delito, presume-se que dará garantias de que regressará ao cumprimento do ordenamento jurídico, ao passo que aquele não oferece dita garantia.

Nesse contexto, o inimigo passa a ser punido a partir de sua periculosidade, tornando-se indiferente a sua culpabilidade.

A punibilidade, dessa forma, alcança os atos preparatórios, vislumbrando fatos futuros, no fito de evitá-los. Com isso o foco precípuo do ordenamento deixa de ser o dano praticado, passando a ser o fato futuro. E é este o âmbito de que se ocupa primordialmente o Direito Penal do Inimigo.

O inimigo deixa de ser sujeito processual, passando a não mais contar com garantias legais. Pois se o indivíduo tornou-se inimigo, passa a não merecer o mesmo tratamento dispensado a alguém que cometeu um delito comum aos olhos daquele ordenamento jurídico.

Deste modo, o inimigo representa uma ameaça à ordem político-estatal e ao próprio ordenamento jurídico, contrapondo-se ao criminoso “convencional”, cujo crime atingiria, no máximo, um grupo de pessoas, e a estas estariam adstritos os reflexos diretos de seu desiderato maléfico.

A partir destes postulados, o Estado ancora suas ações não mais no procedimento legal, sedimentado na dignidade da pessoa humana e dotado de direitos e garantias, como ocorre com o delinquente comum. A via eleita para a aplicação da reprimenda ao inimigo torna-se, na verdade, um verdadeiro procedimento de guerra[17], prevalecendo o entendimento de que o contrário poderia vulnerar a própria estrutura estatal.


IV DISTINÇÃO ENTRE O INIMIGO E O CIDADÃO

Segundo a maioria dos ordenamentos jurídicos pelo mundo, ao cometer um ato ilícito o agente estará resguardado por diversas garantias ditadas pela própria ordem jurídica, entre elas, a do devido processo legal. Assim, caso o delinquente reste condenado pelo ato praticado, lhe resultará a aplicação de uma pena como sanção.

Imperioso ressaltar que a pena a ser aplicada deverá ser proporcional, previamente cominada e, sobretudo, deverá irretocável observância à dignidade da pessoa humana.

Ao inimigo, entretanto, consoante a teoria em estudo, impõe-se procedimento distinto. A este será imposta uma sanção intitulada de Medida de Segurança. Importante mencionar que para aplicação desta contraprestação o Estado não se ancora no jus puniendi, mas na coação.

Para o Direito Penal do Inimigo, como o agente renunciou ao seu status de cidadão e, por corolário, também à condição de pessoa, deixa de ser considerado um sujeito processual, pois não oferece nenhuma segurança de que não voltará a delinquir.

Pelo que, deixa-se de atender ao procedimento legal, para se promover, como já dito alhures, um verdadeiro procedimento de guerra na busca pela eliminação do inimigo.

Neste cenário, JAKOBS[18] ilustra que:

“Além da certeza de que ninguém tem direito a matar, deve existir também a de que com um alto grau de probabilidade ninguém vá matar. Agora, não somente a norma precisa ter um fundamento cognitivo, mas também a pessoa. Aquele que pretende ser tratado como uma pessoa deve oferecer em troca certa garantia cognitiva de que vai se comportar como pessoa. Sem essa garantia, ou quando ela for negada expressamente, o Direito Penal deixa de ser uma reação da sociedade diante da conduta de um de seus membros e passa a ser uma reação contra um adversário.”

Assim, o Direito Penal aplicado ao inimigo se contrapõe em pontos cruciais ao direito que incidirá sobre aquele tipo por cidadão. Veja-se do adiantamento da punibilidade, das penas aplicadas - extremamente desproporcionais - e da relativização/desconsideração das garantias legais e processuais. Vejamos cada uma dessas características.

A antecipação do direito de punir preconizado pela teoria em estudo, é denominada pela doutrina alemã de “vorfeldkriminalisierung”[19] (criminalização no âmbito prévio). Com efeito, o Direito Penal passa a agir a partir de uma prospecção, diferentemente do ocorre com o chamado Direito Penal do cidadão, onde se pune por um fato já ocorrido, uma vez que o jus puniendi só encontra seu lugar através de uma retrospecção.

Neste diapasão, guardadas as peculiaridades existentes na legislação de cada país, o direito hodierno somente avança contra um fato ilícito definido como crime. Nesta esteira, em regra, tal delito passa a ser concebido somente depois de transcorrido o iter criminis, tornando-se, por conseguinte, um fato típico, ilícito, culpável e punível, a partir da execução.

Para JAKOBS[20], entretanto, a antecipação perpetrada pelo Direito Penal do Inimigo é um corolário necessário, tendo em vista que ele não intenta a garantia da vigência da norma geral e abstrata, mas sim a eliminação de um perigo para a entidade estatal. Assim, torna-se legítima a atuação do Estado no sentido de se punir o agente até mesmo diante de simples atos preparatórios de um possível crime.

Dessa forma, passa-se a considerar como criminosa não apenas a lesão consumada ou tentada contra o bem jurídico tutelado pela norma, mas também a mera ameaça de lesão, haja vista que, segundo o Direito Penal do Inimigo, a simples ameaça tem o condão de tolher a plenitude do exercício desse bem jurídico.

Tem-se, assim, conforme a teoria, não ser aceitável que o Estado e o cidadão convivam de maneira passiva com a iminente possibilidade de lesão a bens jurídicos, dentre os quais pode estar até mesmoa vida. Do contrário, usurpado o bem, restará ao Estado apenas a punição do agente.

A efetividade da lesão torna-se, destarte, indiferente no contexto legal, tendo em vista que a punição do agente se dá em razão de sua periculosidade e não de sua culpabilidade, conforme preleciona JAKOBS[21]:

A situação é outra no caso do efeito assegurado referente a atos futuros que deriva de fechar ao sujeito: não depende da culpabilidade que concorreria nos atos futuros nem da que concorreria nos passados, senão única e exclusivamente da periculosidade do indivíduo.

As penas aplicadas, por seu turno - chamadas no Direito Penal do Inimigo de Medidas de Segurança -, são exacerbadas e desproporcionais. Chegam, não raro, a alcançar punições não previstas na legislação do Estado.

E isto se deve ao fato de que a medida de segurança aplicada, também chamada por JAKOBS de “custódia de segurança” [22], não guarda nenhuma identidade com o delito, pois tem lastro, unicamente, na periculosidade do agente, sem considerar as circunstâncias subjetivas ou objetivas que possam, academicamente, permear o fato delituoso.

O terceiro e último aspecto robustamente confrontante com o chamado Direito Penal do Cidadão, diz respeito às garantias legais. É certo, como já dito, que aos chamados cidadãos são observadas diversas garantias que limitam a ação punitiva estatal sobre o indivíduo.

Entretanto, sendo o agente considerado inimigo, tais direitos são facilmente relativizados e até mesmo suprimidos, olvidando-se facilmente normas que representam verdadeiras vigas para o direito do Estado.

Sobre esta característica, aliás, SÁNCHEZ assevera que “nesses âmbitos em que a conduta delitiva não somente desestabiliza uma norma em concreto, senão todo o direito como tal, se pode discutir o incremento das penas de prisão concomitantemente à da relativização das garantias substantivas e processuais” [23]

Assim, em se tratando do inimigo, sem grandes escusas o Estado se acha legitimado a olvidar direitos e garantias asseguradas às pessoas, mesmo que insculpidos em normas de importância estrutural.

Por fim, calha, de maneira objetiva, elencar os mais importantes pontos em que se observa o antagonismo do direito penal do inimigo em relação ao direito penal do cidadão:

1 – O Direito Penal do Inimigo não vislumbra a vigência da norma penal, seu desiderato é erradicação de um perigo;

2 – O Direito Penal do Inimigo se norteia não apenas pela retrospecção, mas também pela prospecção, uma vez o inimigo é punido não só pelo ato que cometeu, mas pelo que ainda poderá cometer;

3 – Segundo a teoria, o inimigo não é tido como sujeito de direitos, uma vez que renunciou ao seu status de cidadão. Assim, as garantias processuais aplicadas ao inimigo são relativizadas ou mesmo suprimidas;

4 – o Inimigo é punido pela sua periculosidade, sendo indiferente a consideração da sua culpabilidade.

 Pelo exposto, pode-se vislumbrar que a larga distinção entre direito aplicado ao cidadão e o direito penal do inimigo, se ancora, basicamente, no objetivo de cada qual em relação ao criminoso, pois o primeiro visa a punição e a ressocialização daqueles que se mostram tendentes a tal. O segundo vislumbra eliminar, preferencialmente de maneira preventiva, aqueles que não se curvam ao direito e ao Estado, renunciando, assim, ao Contrato Social.

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Sobre o autor
Gustavo Antônio Elias Alves

Graduado em Direito pela UNIVERSO (Universidade Salgado de Oliveira) – Goiânia, em 2009/2; - Um dos três ganhadores do Prêmio Destaque Acadêmico (entre os mais de seiscentos formandos contemporâneos da universidade no semestre); - Aprovado no exame nacional da OAB, 2009/3; (OAB/GO 30.949) - possui Pós-graduação latu sensu, concluída em outubro/2011, em Direito Penal e Processual Penal pela UNIVERSO - (bolsista da Universidade devido ao desempenho na graduação); - Aprovado no concurso público para o cargo de Procurador Jurídico do Município de Bom Jesus – GO, cargo que atualmente ocupa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Gustavo Antônio Elias. Direito Penal do Inimigo: a legitimação do mal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3352, 4 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22553. Acesso em: 22 dez. 2024.

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