Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Ordem dos Advogados do Brasil: em busca de sua identidade jurídica

Exibindo página 1 de 5
Agenda 08/09/2012 às 14:20

A tese de que a OAB é uma instituição ímpar, formulada pelo STF, parece não ser a mais coerente e condizente com a realidade brasileira.

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo abordar o estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, comparativamente com outros conselhos profissionais, levando-se em consideração a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026, que modificou substancialmente o modo de se enquadrar a instituição. Entre o público e o privado, a Ordem foi denominada de sui generis por possuírem especificidades que não condizem com outros conselhos de classe. Acontece que a decisão supramencionada gera questionamentos de ordem técnica, pois assemelha o ente de defesa de classe dos advogados com as autarquias, instituições da Administração Pública. Exatamente nesta semelhança para com as autarquias que residem as maiores críticas, que serão expostas ao longo dos capítulos.

Palavras-chave: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL; NATUREZA JURÍDICA; CONSELHOS DE PROFISSÕES; AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.026; SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA; TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. AUTARQUIAS. 2.1. DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM GERAL. 2.2. DAS PECULIARIDADES DAS AUTARQUIAS. 2.2.1. Criação e Extinção. 2.2.2. Patrimônio. 2.2.3. Atos e contratos. 2.2.4. Regime de pessoal. 2.2.5. Nomeação e exoneração de servidores. 2.2.6. Controle e/ou relação com o ente estatal instituidor. 2.2.7. Juízo competente. 2.2.8. Privilégios processuais. 2.2.9. Imunidade tributária. 2.2.10. Responsabilidade civil. 2.3. AUTARQUIAS PROFISSIONAIS (CONSELHOS DE CLASSE). 3. O ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E SUAS PRERROGATIVAS. 3.1. BREVE COMENTÁRIO À HISTORIA DA CRIAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 3.2. ÓRGÃOS DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 3.3. DO PROCESSO ELEITORAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 3.4. RECEITA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 3.5. REGIME TRABALHISTA (Art. 79). 3.6. INDEPENDÊNCIA DA OAB E O NÃO-CONTROLE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS. 3.7. A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E O FORO FEDERAL. 3.8. PATRIMÔNIO E IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA OAB. 4. ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL: ENTRE O PÚBLICO, O PRIVADO E O SUI GENERIS. UM BREVE COMPARATIVO COM OS CONSELHOS DE CLASSE E A RESPOSTA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STF E STJ). 4.1. DOS CONSELHOS DE PROFISSÕES E A OAB. 4.2. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 3.026. 4.3. QUESTIONAMENTOS E CONSEQUÊNCIAS SOBRE A ADIN Nº 3.026. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1 INTRODUÇÃO

O trabalho em questão dedicou-se ao estudo da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) após a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 3.026 de 2003, que mudou a posição da instituição como integrante da Administração Pública, após ser decidido pelo seu caráter misto, como categoria sui generis.

Os aspectos estudados com maior profundidade, sem a intenção de esgotar o tema, foram os relativos às características das autarquias, a saber, o poder de polícia, o regime de servidores, a imunidade tributária, a necessidade de serviço público para ocupar seus cargos e as fontes de receitas. Estes assuntos foram introduzidos no primeiro capítulo, condizendo com características das autarquias, que fazem parte da Administração Pública Indireta. Após, através da mesma sistemática, foram colocados os aspectos importantes da Ordem dos Advogados do Brasil que carregam similitudes ou diferenças com as autarquias.

A grande questão que circunda o tema diz respeito a necessidade de se enquadrar a instituição de defesa dos advogados como ente de direito público, privado ou misto. O Supremo Tribunal Federal decidiu, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, pela natureza ímpar da OAB, porém, os questionamentos não pararam por aí, surgindo vários argumentos que contradizem o quão decidido.

O que gera tanto desconforto é saber que a Ordem, apesar de nomeada sui generis, possui características eminentemente autárquicas, como outro conselho de profissão qualquer, tendo como única diferença o fato de ser prevista em várias passagens do texto constitucional brasileiro. Possui prerrogativas de Administração Pública maquiada de entidade diferenciada.

A posição aqui defendida vai de encontro à decisão do Supremo Tribunal Federal, porém com argumentos trazidos que corroboram com o entendimento de alguns doutrinadores que julgam que a Ordem dos Advogados faz parte da estrutura da Administração Indireta. A exposição resumida diz respeito tanto aos temas abordados na ADIN supramencionada quanto os mais polêmicos, que não foram elencados nesta.

É exatamente nas matérias não decididas pelo STF que restam as maiores controvérsias quanto a natureza jurídica do conselho dos advogados.

A matéria explicitada neste trabalho, de forma despretensiosa, reforça a opinião de que é necessário se encontrar uma definição para a natureza jurídica da OAB, até porque sua caracterização no mundo jurídico depende da forma como se apresenta.

A celeuma em questão remonta a tempos passados, perpassando por vários Tribunais, começando inclusive com o extinto Tribunal Federal de Recursos em 1951, quando o citado Tribunal profere decisão que a OAB não está sujeita ao controle de suas contas pelos órgãos responsáveis. Essa mesma posição foi adotada pelo Tribunal de Contas da União, quando do julgamento no mês de novembro de 2003. Em sede de jurisprudência, os posicionamentos foram diversos: O Superior Tribunal de Justiça entendeu pela natureza autárquica da OAB, defendendo o foro federal para as suas causas, assim como protegeu a idéia de a instituição ser de natureza diversa. Pelo Supremo Tribunal Federal não foi diferente: Cite-se a ADIN 1.717 em que considerava a OAB como autarquia com todas as prerrogativas, em contraposição com a ADIN 3.026, que julgou pela adoção de regime híbrido da instituição.

É muito mais fácil adotar o posicionamento do STF, posto que se trata de um Tribunal que defende a Constituição em sua forma plena. No início deste estudo, ainda com o conhecimento muito incipiente, houve uma certa inclinação para responder ao assunto de forma condizente com o Tribunal maior, porém, ao longo deste trabalho, percebeu-se uma carga negativa que a resposta da ADIN 3.026 causaria para o ordenamento jurídico, assim como um cunho político carregado de apadrinhamento que permeava a mente dos eminentes Ministros. Por isso, o posicionamento adotado vai de encontro ao que está posto na jurisprudência maior, defendendo uma natureza jurídica de direito público, de autarquias, assim como os demais conselhos de profissões.

Necessários ao estudo do problema proposto, os conceitos e a formação da Administração Pública, juntamente com sua estrutura formal e material foram dispostas, com ênfase nas peculiaridades da Administração Pública Indireta, em particular, as autarquias. Ainda para adentrar ao assunto proposto, foi necessário elaborar um intróito na organização na Ordem dos Advogados do Brasil, demonstrando sua forma de se apresentar à sociedade, aos advogados e sua disposição na Constituição da República Federativa do Brasil

As fontes de pesquisas utilizadas foram diversas, a começar pelas doutrinas dos maiores estudiosos do Brasil como Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho, Fernanda Marinela, Paulo Luiz Netto Lôbo dentre outros; jurisprudências, a começar pela própria Ordem dos Advogados do Brasil, dos Tribunais Superiores como o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, contando também com decisão do Tribunal de Contas da União, artigos publicados na rede mundial de computadores e outros em revistas científicas e da Procuradoria da República, dissertações e teses.

Através destes instrumentos, a operacionalização ocorreu de forma que cada capítulo posterior pudesse complementar o anterior, sendo que no último já se pôde perceber o posicionamento do autor.

O primeiro capítulo abordou de forma sucinta o conceito, os princípios e as divisões da Administração Pública, estudando desta forma a desconcentração e descentralização, e com uma abordagem focada na autarquia, que é centro do embate. Dentro das peculiaridades foram estudados a forma de criação e extinção, o patrimônio, regime de pessoal, como se realizam os atos e contratos, nomeação e exoneração de servidores, a vinculação com o ente instituidor, o juízo competente para análise de suas causas, os privilégios processuais, a imunidade tributária e a responsabilidade civil das autarquias, fazendo uma breve introdução no estudo dos conselhos profissionais.

No segundo capítulo, adentrou-se na esfera da Ordem dos Advogados do Brasil, a começar pela criação da instituição, após passou-se a analisar a forma que dispõe o Estatuto, a eleição dos advogados, a receita da Ordem, o regime dos seus servidores, a questão reputada como uma das principais que consiste na independência da OAB e a não-vinculação com o Tribunal de Contas da União, o foro para dirimir os conflitos existentes quando a Ordem dos Advogados for parte na causa, o patrimônio e por fim, a imunidade tributária adquirida.

No último capítulo escreveu-se a história da celeuma gerado em torno da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, da dificuldade de definição acerca da publicidade da instituição, das supostas diferenças dos conselhos para com esta entidade, das jurisprudências discordantes acerca da identidade da OAB até o marco da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026, que deixou muitas dúvidas acerca de temas não discutidos neste pleito judicial.

A pesquisa aqui abordada tem um cunho sugestivo a respeito do tema, longe de ser conclusiva e de se achar que o melhor posicionamento foi o adotado. Apenas aborda uma discussão que já fora feita anteriormente e que nos dias atuais ainda gera angustia. O objetivo foi alcançado ao perceber que o posicionamento no decorrer da monografia foi um e na conclusão, outro diametralmente oposto.

Espera-se com esse trabalho produzido, que se possa ter trazido alguma contribuição para o tema e que possa servir para defender posicionamentos convergentes, no sentido de entender a Ordem dos Advogados do Brasil como uma instituição vinculada à Administração Pública, posto que se beneficia de todas as prerrogativas concedidas a esta. Ou até mesmo poderia servir também esse trabalho como ponto de partida para outros estudiosos do tema que discordam do ponto de vista abordado.


2 AUTARQUIAS

2.1 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM GERAL

Para se falar em Autarquias, é necessário começar tecendo comentários a respeito da formação e organização da Administração Pública, que é o conjunto de órgãos, serviços e agentes do Estado, que priorizam a satisfação das necessidades sociais, tais como a saúde, a segurança, a educação, dentre outros fatores, principalmente no concerne ao bem-estar da população em geral.

Em um melhor conceito do que consiste a Administração Pública, Hely Lopes Meirelles (2010, p.66) a identifica:

Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando a satisfação das necessidades coletivas.

A Administração Pública é regida por princípios, que são pilares que sustentam a formação do Estado em se tratando de prestações de serviços à comunidade como um todo, servindo aos administrados como meio de aferir o compromisso dos administradores para com a sociedade. Na visão de Fernanda Marinela (2007, p.24):

Princípios são proposições básicas, fundamentais, típicas que condicionam todas as estruturas e institutos subseqüentes de uma disciplina. São os alicerces, os fundamentos da ciência e surgem como parâmetros para a interpretação das demais normas jurídicas.

Os princípios da Administração Pública estão dispostos de forma explícita ou implícita na Constituição Federal. Os elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal são os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, por último, e não menos importante, o princípio da eficiência (acrescentado pela Emenda Constitucional 19/98), que são os denominados explícitos.

Ainda em se tratando de princípios explícitos, alguns não elencados a nível constitucional, colocam-se nessa exposição os dispostos no art. 2º da lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, a saber, princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.[1]

Para Hely Lopes Meirelles (2010, p.88), todos os atos e atividades de quem exerce o poder público deve se pautar nesses padrões. Neste sentido, para este autor, “constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, por outras palavras, os sustentáculos da atividade pública”.

Existem ainda no rol dos princípios, os não enumerados na Constituição ou em leis esparsas, chamados assim de princípios implícitos da Administração Pública, sendo o mais importante o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, considerado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.96) como o “princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência.” Podem ainda ser colocados nesse rol o princípio da indisponibilidade do interesse público, da continuidade, da autotutela, dentre outros.

Tamanha é a importância dos princípios que, em muitos julgados do Supremo Tribunal Federal, estes são elementos balizadores e norteadores das soluções propostas. [2]

Fala-se ainda em Administração Pública em sentidos amplo, estrito, objetivo e subjetivo.[3] Em sentido amplo, para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 18), Administração Pública “abrange os órgãos de governo, que exercem função política, e também os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função meramente administrativa”.

Ainda para o mesmo autor, que é um dos que fala em Administração em sentidos amplo e estrito, o referido doutrinador apresenta a seguinte visão:

Administração em sentido estrito só inclui os órgãos e pessoas jurídicas que exercem função meramente administrativa, de execução dos programas de governo. Ficam excluídos os órgãos políticos e as funções políticas, de elaboração das políticas públicas. (ALEXANDRINO; PAULO 2011, p. 18)

Em sentido objetivo:

A Administração Pública abrange as atividades exercidas pelas pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas; corresponde à função administrativa, atribuída preferencialmente aos órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, a Administração Pública abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público. (DI PIETRO, 2007, p.50)

Relacionando-se os sujeitos que exercem a atividade administrativa, tem-se a Administração Pública em seu sentido subjetivo. Para a mesma autora, em seu livro de Direito Administrativo:

Compõem a Administração Pública, em sentido subjetivo, todos os órgãos integrantes das pessoas jurídicas políticas (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), aos quais a lei confere o exercício de funções administrativas. São os órgãos da Administração Direta do Estado.Porém, não é só. Às vezes, a lei opta pela execução indireta da atividade administrativa, transferindo-a a pessoas jurídicas com personalidade de Direito Público ou Privado, que compõem a chamada Administração Indireta do Estado. (DI PIETRO, 2007, p.52)

Nos termos do Decreto-Lei 200 de 25.02.1967, a Administração Pública Federal foi dividida também em direta e indireta[4].

Em síntese, a “Administração direta é o conjunto dos órgãos integrados na estrutura administrativa da União e a Administração indireta é o conjunto dos entes(personalizados) que, vinculados a um Ministério, prestam serviços públicos ou de interesse público”.(MEIRELLES, 2010, p.779)

Em consonância com o referido Decreto-Lei, a Administração direta é a “que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios” (Art. 4º, I), e Administração Indireta “é a que compreende as seguintes categorias de entidades dotadas de personalidade jurídica própria: a)autarquias; b)Empresas Públicas; c)Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas.”

Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.155), em seu Curso de Direito Administrativo, a classificação adotada pelo Decreto-Lei 200/1967 foi a orgânica, também chamada subjetiva:

Com efeito, foram relacionadas à conta das entidades da Administração Indireta quaisquer sujeitos havidos como unidades integrantes da Administração Federal, pelo só fato de comporem dito aparelho, independentemente da natureza substancial da atividade que se lhes considere própria e independente do regime jurídico que lhes corresponda.

O entendimento doutrinário leva a crer que a Administração Direta ou centralizada são os serviços ligados à composição da Presidência, seus Ministérios e demais órgãos inferiores, no plano federal; as Governadorias, suas secretarias e demais órgãos, no plano estadual; e as Prefeituras, suas secretarias e respectivos órgãos, no âmbito municipal.

O presente trabalho não tem a intenção de se ater ao âmbito da Administração Direta, tendo em vista que se trata de um estudo sobre a natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo esta entidade dotada de características próprias, porém com grande afinidade com as Autarquias, estas inclusas no conceito de Administração Indireta.

Isto posto, necessário se faz o estudo da Administração Indireta, suas características e peculiaridades para se construir um paralelo entre as Autarquias e a Ordem dos Advogados do Brasil.

Primeiramente, em órbita constitucional, falou-se em entidades da Administração Direta e Indireta em vários dispositivos, sendo eles, o art. 37, caput, no art. 49, X, no art. 70, no art. 71, II, no art. 74, no art. 165, §5º, I e III e art. 169, §1º.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Para Fernanda Marinela (2007, p.71), a Administração Pública Indireta é “composta por entidades que possuem personalidade jurídica própria e são responsáveis pela execução de atividades administrativas que necessitam ser desenvolvidas de forma descentralizada.”

Descentralização é a distribuição de competências de uma para outra pessoa, seja essa física ou jurídica, ou seja, a prestação da atividade administrativa poderá ser desenvolvida por outros sujeitos. Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.149) faz uma consideração importante no que se refere à descentralização:

Nesta hipótese, ora o Estado transfere o exercício de atividades que lhe são pertinentes para particulares, ora cria pessoas auxiliares suas, para desempenhar os cometimentos dessarte descentralizados. Assim, diz-se que a atividade administrativa é descentralizada quando é exercida, em uma das formas mencionadas, por pessoa ou pessoas distintas do Estado. Diz-se que a atividade é centralizada quando é exercida pelo próprio Estado, ou seja, pelo conjunto orgânico que lhe compõe a intimidade.

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p.23) dizem que ocorre a descentralização quando “o Estado desempenha algumas de suas atribuições por meio de outras pessoas, e não pela sua administração direta.”

A descentralização faz supor a existência de uma pessoa diferente do Estado, investida de poderes da administração, executando atividade, seja ela pública ou de utilidade pública.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a descentralização pode ocorrer em duas modalidades: A descentralização territorial ou geográfica e a descentralização por serviços, funcional ou técnica.[5]

A descentralização territorial ou geográfica “é a que se verifica quando uma entidade local, geograficamente delimitada, é dotada de personalidade jurídica própria, de direito público, com capacidade administrativa genérica.”(DI PIETRO, 2007, p.381). Necessário ressaltar que esse tipo decorre de lei. Acontece esse tipo nos Estados unitários, a exemplo da França, Portugal, Itália, Espanha, Bélgica.

O segundo tipo de descentralização é a que se verifica quando “o poder público (União, Estados ou Municípios) cria uma pessoa jurídica de direito público ou privado e a ela atribui a titularidade e a execução de determinado serviço público.”(DI PIETRO, 2007, p.382). Importante complementar que este segundo tipo é feito por contrato ou ato unilateral. É o que ocorre no Brasil.

Diferentemente da descentralização, a desconcentração ocorre com distribuição interna de competência, ou melhor, distribuição dentro da mesma pessoa jurídica.

Na visão de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p.26), a desconcentração “ocorre quando uma pessoa política ou uma entidade da administração indireta distribui competências no âmbito de sua própria estrutura a fim de tornar mais ágil e eficiente a prestação dos serviços”.

Portanto, considerando a diversidade de atividades que necessitam ser desenvolvidas pela Administração Pública em geral, e também se levando em conta que o exercício da atividade pela Administração Pública conduziria à lentidão da execução, faz-se necessária a distribuição no interior das próprias Pessoas Jurídicas de Direito Público, para que estas prestem de forma mais célere, ajustando suas condutas com a necessidade social iminente.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.150) conceitua a desconcentração como o “fenômeno da distribuição de plexos de competências decisórias, agrupadas em unidades individualizadas.”

Para ele, essa divisão pode ser feita em razão da matéria (assunto), como acontece, v.g., nos Ministérios da Justiça, da Saúde, da Educação etc., em razão do grau (hierarquia), ou seja, “do nível de responsabilidade decisória conferido aos distintos escalões que corresponderão aos diversos patamares de autoridade”, por exemplo, diretor de departamento, diretor de divisão, chefe de seção, encarregado de setor. Outro tipo de desconcentração pode ser a geográfica ou territorial, por exemplo, Delegacia Regional da Saúde em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro etc. (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p.150)

Portanto, a distinção entre descentralização e desconcentração consiste no fato de que a primeira pressupõe pessoas jurídicas diversas e a segunda está sempre referida a uma só pessoa.

Para Hely Lopes Meirelles, existem outras técnicas de descongestionamento Administrativo ao lado da descentralização e da desconcentração, a saber, a “delegação (de execução de serviço ou de competência) e a execução indireta, as quais, ora se aproximam da descentralização, ora da desconcentração”. Necessário frisar que tal abordagem não é feita por outros autores.(2010)

Retomando à Administração Indireta, primordialmente, faz-se necessário elencar as entidades que compõem esse tipo de Administração, quais sejam, as autarquias, as fundações instituídas pelo poder público, as sociedades de economia mista, as empresas públicas e os consórcios públicos (surgidos com o advento da Lei 11.107/05).

Algumas características são inerentes a todos os entes que compõem este tipo de Administração.

A primeira característica decorre do fato de essas pessoas terem personalidade jurídica própria, significando que podem ser sujeitos de direitos e obrigações, podendo demandar ou serem demandadas em juízo.

A segunda característica é que as entidades da Administração Pública Indireta possuem patrimônio próprio, que são transferidos em parte pela entidade responsável pela sua criação, e que farão parte da nova unidade criada, facilitando e viabilizando a execução das atividades.

As pessoas jurídicas citadas possuem capacidade de auto-administração e receita própria, tendo autonomia administrativa. Quanto à receita, pode ser esta decorrente de sua própria atividade ou até mesmo de ajuda do ente criador.

Uma das mais importantes características definidoras das entidades da Administração Pública Indireta é que serão sempre criadas por lei, conforme se verifica da Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 37, inciso XIX:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]

XIX- somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Fernanda Marinela (2007, p.72) expõe uma notória observação acerca do tema:

É interessante apontar alguns aspectos do dispositivo acima. Inicialmente quanto à espécie normativa, a regra fala em “lei específica”, o que significa uma lei ordinária que terá como finalidade específica criar autarquias ou autorizar a criação das demais pessoas jurídicas. Porém, no caso da fundação, caberá a uma lei complementar a definição de suas áreas de atuação.

Portanto, importante frisar que a lei apenas irá criar as autarquias e autorizar a criação das demais pessoas jurídicas.

Em relação ao ato de criação, é necessário tão somente a edição da lei para que a autarquia esteja pronta para executar os serviços da Administração Pública. No caso das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, estas só existirão quando do registro dos seus atos constitutivos no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas, se possuírem natureza civil, ou com o registro na Junta Comercial, se quiserem auferir conteúdo econômico, ou seja, de natureza comercial.

Importante ressalva deve ser feita para as extinções destas pessoas jurídicas. Tendo em vista que sua criação é feita por meio de lei, e considerando a simetria das formas, a extinção das mesmas pessoas será feita através da edição de lei determinando seu fechamento.

Ainda para Fernanda Marinela (2007, p.73):

Ressalte-se, ainda que, se para criar, há dependência de lei, por paralelismo jurídico, para extinguir, de forma idêntica, se exige previsão legal, seja para extinguir efetivamente ou autorizar sua extinção, não se admitindo a possibilidade de fazê-lo via ato administrativo, porque se trata de ato de hierarquia inferior(o que a lei faz não poderá o ato administrativo desfazer).

Característica também bastante importante é que essas pessoas jurídicas não possuem fins lucrativos, buscando primordialmente a satisfação do interesse público, ainda que exerçam atividades econômicas.

Uma consideração importante deve ser feita sobre o que foi dito acima. Ainda que muitas vezes, como é sabido, as pessoas jurídicas aufiram bastante lucro com a execução dos seus serviços(empresas públicas que exerce atividade econômica e sociedades de economia mista), o fim pela qual foi criada não poderá ser, em hipótese alguma, voltado para o lucro. Ou seja, as pessoas jurídicas podem ter lucro, porém não pode ser criada para esse fim, devendo perseguir o interesse coletivo.

Destarte, obedecendo ao princípio da especialidade, as pessoas jurídicas criadas devem obedecer a um fim específico, vinculando-se a vontade especificada da lei.

As entidades exploradoras de atividades econômicas podem exclusivamente desenvolver as atividades apontadas pela Constituição Federal.

A questão do controle é outro caso que deverá ser considerado quando se fala em administração indireta, tendo em vista que a descentralização ocorre para que haja melhor prestação do serviço por parte da pessoa jurídica criada.

Esse controle é exercido de forma interna ou externa. A primeira diz respeito ao controle exercido dentro da própria pessoa jurídica. No que concerne a segunda modalidade, o controle poderá ser realizado por pessoas ou órgãos à sua estrutura.

Fernanda Marinela (2007, p.74), quem melhor explica sobre o controle das entidades da Administração Indireta, arrola de forma sintética os entes que podem fazer o controle externo das entidades da administração indireta:

O controle externo poderá ser feito pela entidade da Administração Direta que a criou; pelo Tribunal de Contas, enquanto órgão auxiliar do Poder Legislativo, que tem a competência para julgar contas; pelo poder Judiciário via inúmeras ações judiciais; ou até pelo cidadão por meio de alguns instrumentos constitucionais e legais de controle pelo povo como, por exemplo, a ação popular, a representação por ato de improbidade, a análise das contas municipais, com base no art. 31, §3º, da Constituição Federal.

Em relação ao controle feito pela Administração Direta, ele poderá ser pela mesma autora:

Um controle ordinário, referente a uma tutela ordinária, podendo ser de legitimidade, de mérito, preventivo ou repressivo, tudo conforme previsão legal; ou ainda, controle extraordinário, o qual ocorre em circunstâncias excepcionais, graves distorções e que independem de lei. Esse controle é feito via supervisão ministerial, sendo realizado pelo Ministério ao qual está ligada determinada pessoa jurídica. (MARINELA, 2007, p.74)

Portanto, essas são as principais características das pessoas jurídicas de direito público, criadas para executar determinadas atividades em nome do estado, devendo obedecer ao quanto disposto na ordem Constitucional atual.

Tendo em vista que este capítulo tem como escopo demonstrar as características unicamente das Autarquias, as demais pessoas jurídicas serão dispensadas de análise, já que em nada contribuirão para tentativa de elucidação da natureza jurídica da Ordem dos Advogados do Brasil,objetivo-mor dessa monografia.

2.2 DAS PECULIARIDADES DAS AUTARQUIAS

A primeira e mais comum das entidades da Administração Pública Indireta é a Autarquia. Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p.39), as autarquias são “entidades administrativas autônomas, criadas por lei específica, com personalidade jurídica de direito público, patrimônio próprio e atribuições estatais determinadas.”

Já Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 400) conceitua autarquia como “pessoa jurídica de direito público, criada por lei, com capacidade de auto-administração, para o desempenho de serviço público descentralizado, mediante controle administrativo exercido nos limites da lei.”

A autarquia é “forma de descentralização administrativa, através da personificação de um serviço retirado da Administração centralizada. Por essa razão, à autarquia só deve ser outorgado serviço público típico, e não atividades industriais ou econômicas.” (MEIRELLES, 2010, p.367)

Nos termos do Decreto-Lei 200/1967, em seu art. 5º, inciso I:

 Art. 5º, inciso I - Autarquia - serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p.160) caracteriza como “infeliz” o conceito dado pelo Decreto-Lei 200/1967, passando a entender as autarquias como “pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa”. Para ele, a “infelicidade” ocorre no momento em que não as define como pessoas de Direito Público, pois tendo esta descriminação é que podem ser titulares de interesses públicos.

Conforme dito alhures, as autarquias integram a administração indireta, representando uma forma de descentralização administrativa mediante a personificação de um serviço retirado da administração centralizada.

Desta forma, apenas os serviços públicos devem ser outorgados, não cabendo falar-se em atividades de natureza econômica, ainda que de interesse social.

Neste sentido, “a autarquia não age por delegação; age por direito próprio e com autoridade pública, na medida do jus imperii que lhe foi outorgado pela lei que a criou.” (MEIRELLES, 2010, p. 368)

Pelo fato de desempenharem atividades típicas da administração pública, também lhes são outorgadas privilégios e restrições, como exemplo vê-se a imunidade tributária concedida e os privilégios processuais da Fazenda Pública.

O controle das autarquias, que fica vinculada à entidade criadora, fica por conta desta última, de forma finalística, também denominado de tutela ou supervisão, exercidos nos termos e limites da lei. Apesar do exercício do controle pelas entidades criadoras, não possuem nenhum tipo de hierarquia com a pessoa jurídica criada.

É curial destacar, que hodiernamente, as autarquias estão subdivididas em autarquias comuns, autarquias sob regime especial, autarquias fundacionais e associações públicas. Não serão minuciosamente estudadas porque foge ao tema ao qual se propõe.

Para José dos Santos Carvalho Filho (2008, p.440), costumam-se distinguir, ainda, as autarquias em institucionais e territoriais. Para ele, as territoriais:

Correspondem a desmembramentos geográficos em certos países, normalmente com regime unitário (ou de centralização política), aos quais o poder central outorga algumas prerrogativas de ordem política e administrativa, permitindo-lhes uma relativa liberdade de ação.

Já as autarquias institucionais nascem, ainda para o mesmo autor:

Como pessoas jurídicas criadas pelo Estado para se desincumbirem de tarefas para as quais a lei as destinou. Contrariamente àquelas outras, não correspondem a áreas geográficas.(CARVALHO FILHO, 2008, p.440)

Portanto, estabelecendo os conceitos de autarquias para os principais doutrinadores, passa-se a apontar várias notas sobre seu regime jurídico, incluindo seus privilégios.

2.2.1 Criação e extinção

Nos termos do disposto na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 37, inciso XIX, “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.”

Depreende-se do texto constitucional que a criação e extinção das autarquias são feitas através de lei ordinária específica.

Essa exigência já era anterior à propositura da Lex Mater , tendo em vista que o Decreto-Lei nº 200/1967 já fazia constar no seu texto normativo

A iniciativa de lei em âmbito federal cabe ao Presidente da República, em face do disposto no art. 61, § 1º, II, “e”, da Carta Magna. A mesma regra se aplica aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal.

Necessário frisar, como coloca Hely Lopes Meirelles (2010, 369), que “a criação das autarquias independem de quaisquer registros públicos”.

De igual modo, por simetria ou paralelismo de formas, a extinção deverá ser feita da mesma maneira, através de lei específica, também de iniciativa do Chefe do Executivo pertinente.

Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2010, p.42) colocam uma ressalva no que pertine à criação das autarquias:

Impende ressalvar, todavia, a hipótese de criação ou extinção de uma autarquia vinculada ao Poder Legislativo, ou vinculada ao Poder Judiciário. Nesses casos, a iniciativa da lei respectiva não será, por óbvio, do chefe do Poder Executivo, mas, sim, do Poder correspondente, a que estiver vinculada a entidade.

Nesta senda, “a organização das autarquias é delineada através de ato administrativo, normalmente decreto do Chefe do Executivo. No ato da organização são fixadas as regras atinentes ao funcionamento da autarquia, aos órgãos competentes e à sua competência administrativa”.(CARVALHO FILHO, 2008, p.443)

2.2.2 Patrimônio

Conforme dispõe o art. 98 do Código Civil, “são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem”.

Ainda fazendo alusão ao novo Código Civil, dispõe o art. 41 que “São pessoas jurídicas de direito público interno: [...]IV - as autarquias, inclusive as associações públicas; (Redação dada pela Lei nº 11.107, de 2005)”.

Isto posto, conclui-se pelo caráter público dos bens das autarquias. Isto leva a crer que os bens das autarquias “abrigam os mesmos meios de proteção atribuídos aos bens públicos em geral, destacando-se entre eles a impenhorabilidade e a imprescritibilidade, como aliás já decidiu a mais alta corte”[6].(CARVALHO FILHO, 2008, p.452)

Na criação das autarquias, acontece da seguinte forma: Os bens das entidades criadoras das autarquias são transferidos para que os entes criados exerçam suas atividades de maneira mais célere e eficaz. Estes mesmos bens passam a pertencer às autarquias criadas. Extinguindo-se as autarquias, todo o seu patrimônio retorna ao ativo da pessoa política que pertencia.

Os bens das autarquias são considerados bens públicos, gozando dos mesmos privilégios atribuídos aos bens públicos em geral, como dito acima, a imprescritibilidade e a impenhorabilidade, em regra. A anotação mais importante que se faz da imprescritibilidade é que não poderá ser adquirido nenhum bem considerado público por usucapião. Sobre a impenhorabilidade, é necessário se dizer que não podem ser objeto de penhora e que a execução judicial está sujeita ao regime de precatórios, disposto no art. 100 da CF/88 com as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional Nº 62/99.

Existe uma ressalva disposta no art. 17 da Lei 8.666/93, alterado pela Lei 11.196/05 e pela Medida Provisória 335/06, que prevê a transferência dos bens em casos de retirada de sua destinação pública, autorização legislativa, avaliação prévia, demonstração de interesse público e licitação.

2.2.3 Atos e contratos

Os atos praticados são, em regra, atos administrativos, com as mesmas peculiaridades dos atos promanados da administração pública direta.

Estes atos são legítimos, desde que preencham os requisitos de validade, quais sejam, a competência, a finalidade, a forma, o motivo e o objeto. Ainda sobre sua legitimidade, também possuem presunção de legitimidade, imperatividade e autoexecutoriedade.

Conforme lição de Hely Lopes Meirelles (2010, pp. 370/371), os atos “devem observar os mesmos requisitos para sua expedição, com atendimento específico das normas regulamentares e estatutárias da instituição, sujeitando-se aos controles internos e ao exame de legalidade pelo Judiciário”.

Os contratos administrativos se sujeitam ao mesmo regime jurídico de direito público aplicável aos contratos administrativos firmados pela administração direta. A celebração deverá ser precedida de licitação, nos termos do art. 37, inciso XXI da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Quanto à necessidade de licitação para as autarquias, segue Ação Direta de Inconstitucionalidade nº1.864 do Supremo Tribunal Federal neste sentido:

A CF, no art. 37, XXI, determina a obrigatoriedade de obediência aos procedimentos licitatórios para a administração pública direta e indireta de qualquer um dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. A mesma regra não existe para as entidades privadas que atuam em colaboração com a administração pública, como é o caso do PARANAEDUCAÇÃO. (BRASIL, 2008, online)

Portanto, as principais considerações sobre atos e contratos foram tecidas, sendo que estes possuem as mesmas peculiaridades com os emanados da administração pública direta, obedecendo os mesmos critérios e requisitos.

2.2.4 Regime de pessoal

Houve certa confusão no tocante ao regime de pessoal, tendo em vista que a Constituição de 1988 trazia em sua redação original, no art. 39, caput que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deveriam instituir o Regime Jurídico Único para seus servidores da Administração Direta, das autarquias, e fundações públicas.

Acontece que sobreveio a Emenda Constitucional nº19/98, que alterou completamente a redação do caput do art. 39, excluindo a obrigatoriedade de adoção do regime jurídico único para servidores da administração direta, autarquias e fundações. Através da Emenda 19/98, os diversos entes tiveram a possibilidade de prever o regime jurídico do seu pessoal, nada impedindo que fosse estabelecido o regime estatutário para a administração direta e autarquias.

Após a alteração pela Emenda Constitucional, foi editada a Lei 9.962/2000, prevendo a possibilidade de contratação de pessoal sob regime de emprego público na administração direta, autárquica e fundacional federal, com vínculo funcional regido pela Consolidação das Leis do Trabalho(CLT).

Portanto, coexistiram no ordenamento jurídico, ambas as regras de regime de pessoal, possibilitando a admissão de agentes públicos estatutários e agentes públicos celetistas para a administração direta, autárquica e fundacional.

Em agosto de 2007, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da Emenda Constitucional 19/98, em virtude de a Câmara dos Deputados não ter observado a votação em dois turnos, conforme estabelecido no art. 60, §2º, da Constituição Federal. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.135, o STF decidiu que toda legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação da EC 19/1998, continuaria válida, assim como as respectivas contratações de pessoal. In verbis:

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, deferir parcialmente a medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação da Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, nos termos do voto do relator originário, Ministro Néri da Silveira. O tribunal assentou, também, que a decisão – como é próprio das medidas cautelares – terá efeitos ex nunc, subsistindo a legislação editada nos termos da emenda declarada suspensa. (BRASIL, 2007, online)

Portanto, a partir desta decisão, voltou a vigorar a redação original do caput do art. 39 da Constituição Federal, que exige a adoção do regime jurídico único aplicável a todos os servidores integrantes de sua administração direta, autarquias e fundações públicas.

Destarte, abrange as autarquias a regra constitucional de que se exige concurso público para adentrar ao quadro de servidores das autarquias.

2.2.5 Nomeação e exoneração de servidores

A lei instituidora poderá prever a forma de investidura dos dirigentes das autarquias.

Nas autarquias federais, a nomeação é privativa do Presidente da República, conforme o art. 84, XXV, da Constituição de 1988: “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei”.

A Constituição Federal, em alguns casos, impõe a aprovação pelo Senado Federal, como é o caso da aprovação para os cargos de presidente e diretores do Banco Central do Brasil e de Procurador-Geral da República:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:[...]

III - aprovar previamente, por voto secreto, após argüição pública, a escolha de:[...]

d) Presidente e diretores do banco central;

e) Procurador-Geral da República;

Em outros casos, a exigência de aprovação prévia pelo Senado consta somente de lei, com fundamento no art. 52, III, “f” da Carta política.

Quanto aos Estados, Distrito Federal e Municípios, o Supremo Tribunal Federal se consolidou no sentido da “validade de normas locais que subordinam a nomeação dos dirigentes de autarquias ou fundações públicas à prévia aprovação da Assembléia Legislativa.” (ADIMC 2.225/SC, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 29.06.2000).

Em contrapartida, para a exoneração de servidores, não se amolda à hipótese de aprovação legislativa, senão vejamos com Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo(2011, p. 47):

Não pode a lei estabelecer hipóteses de exigência de aprovação legislativa prévia para exoneração de dirigentes de entidades da administração indireta pelo chefe do Poder Executivo (não pode, tampouco, a lei prever que a exoneração seja efetuada diretamente pelo Poder Legislativo). A Constituição da República não confere tal competência ao Poder Legislativo, descabendo, portanto, também aos entes federados menores fazê-lo, invocando simetria com algum preceito constitucional.

Segundo o STF, a exigência de aprovação legislativa prévia para a exoneração de ocupantes de cargos do Poder Executivo, ou previsão de exoneração direta de tais servidores pelo próprio Poder Legislativo são inconstitucionais, conforme entendimento na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.949/RS, sob a relatoria do Min. Sepúlveda Pertence. (BRASIL, 2005, online)

2.2.6 Controle e/ou relação com o ente estatal instituidor

Recorde-se que não há hierarquia entre a União, os Estados, Distrito Federal e Municípios e suas respectivas autarquias, ou seja, não existe subordinação do ente criador para com o criado. A relação entre um ente político e uma autarquia é simplesmente de vinculação administrativa e não de subordinação.

Lembre-se do Instituto Nacional do Seguro Social, que atua na área da Seguridade Social e é a mais importante autarquia atuante no Brasil. Ela mantém vinculação com o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que é seu ente criador. O controle exercido pelo MPAS é denominado de controle finalístico ou tutela administrativa.

Esse controle é exercido da forma que está prevista em lei, esta que determinará os limites e instrumentos de controle.

Para Marcelo Alexandrino (2011, p.48):

Pode-se afirmar que, em linhas gerais, a supervisão, ou tutela, visa a assegurar que a entidade controlada esteja atuando em conformidade com os fins que a lei instituidora lhe impôs, esteja atuando segundo a finalidade para cuja persecução foi criada – por isso, controle finalístico. É um controle que deve se concentrar, essencialmente, na verificação do atingimento de resultados, pertinentes ao objeto da entidade.

Sobre o controle de desempenho, o mesmo autor coloca que:

Sem prejuízo desse controle finalístico, previsto em lei, as autarquias – bem como as demais entidades da administração indireta, e mesmo os órgãos da administração direta – tem a possibilidade de ampliar sua autonomia gerencial, orçamentária e financeira, mediante a celebração de contrato de gestão com o Poder Público, nos termos do §8º do art. 37 da Constituição Federal. Esses contratos de gestão tem por objeto a fixação de metas de desempenho para a entidade, a qual se compromete a cumpri-las, nos prazos estipulados, fazendo jus, em contrapartida, à mencionada ampliação de autonomia. O atingimento das metas estabelecidas será aferido pelo Poder Público segundo critérios objetivos de avaliação de desempenho descritos do próprio contrato de gestão. (ALEXANDRINO, 2011, p. 49)

É sabido que o Poder Judiciário poderá exercer o controle administrativo no que pertine à legalidade e legitimidade, desde que haja provocação por parte de algum legitima

2.2.7 Juízo competente

Nos litígios comuns, sendo autora, ré, assistentes ou opoentes as autarquias, têm suas causas processadas e julgadas na Justiça Federal, conforme determinado na Constituição Federal, art. 109, I. Os mandados de segurança contra ato coator praticado por agentes autárquicos federais também são processados e julgados na Justiça Federal (CF, art. 109, VIII), conforme se verifica na jurisprudência (CC 85217 PE 2007/0103186-1) firmada no Superior Tribunal de Justiça, abaixo:

EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA AUTORIDADE FEDERAL CHEFE DE FISCALIZAÇÃO DA AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO - ANP - LIMINAR CONCEDIDA POR JUÍZO ABSOLUTAMENTE INCOMPETENTE. ANULAÇÃO. COMPETÊNCIA PARA JULGAR O FEITO DE UMA DAS VARAS DA JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DE ALAGOAS.

1. Cuidam os autos de conflito de competência suscitado pelo TRF 5ª Região nos seguintes termos: O Juiz de Direito da Comarca de São Sebastião não tem competência para processar e julgar mandado de segurança impetrado contra ato de autoridade federal, pois tal hipótese não se encontra nas exceções previstas no § 3º do art. 109 da CF. O Tribunal de Justiça do Estado de Alagoas declarou-se incompetente para o julgamento do agravo de instrumento interposto, mas não declarou a nulidade do ato proferido pelo Juiz de Direito. Este Tribunal, por outro lado, não tem jurisdição sobre o Juízo Estadual, para declarar, por incompetência absoluta, a nulidade da decisão agravada. Em resumo: a) Compete ao Juízo Federal de Alagoas processar e julgar mandado de segurança contra ato de autoridade federal, , domiciliado em sua jurisdição - art. 109, VIII, CF; b) compete ao eg. Tribunal de Justiça de Alagoas decidir recurso interposto contra ato de Juiz de Direito não investido de competência delegada, ainda que para declarar a nulidade do ato recorrido. Diante do exposto, suscito o conflito de competência e determino a remessa dos autos ao Superior Tribunal de Justiça.

2. A competência para julgar mandado de segurança impetrado contra autoridade federal, in casu, o Chefe de Fiscalização da Agência Nacional do Petróleo e Gerente Regional de Administração Fazendária, é da Justiça Federal nos moldes do artigo 109, VIII, da Constituição Federal.

3. "A regra que confere competência à Justiça Federal para julgamento de mandado de segurança de autoridade federal não se submete à permissão constitucional de delegação à Justiça Estadual comum do art.109, § 3º da Constituição Federal de 1988, quando inexistir Vara Federal no local de domicílio do Autor, porque se trata de competência rationae personae de natureza absoluta e indelegável." 4. Este Superior Tribunal de Justiça por exercer jurisdição sobre as justiças estadual e federal possui autoridade para, ao examinar conflito de competência, anular decisão proferida por juiz absolutamente incompetente de qualquer dessas justiças. 5. Conflito conhecido para declarar nula a decisão proferida pelo Juízo estadual da Comarca de São Sebastião/AL e determinar a competência de uma das Varas de Justiça Federal/AL para apreciar e julgar o presente feito.

ACÓRDÃO:

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do conflito para declarar nula a decisão proferida pelo juízo estadual da Comarca de São Sebastião/AL e determinar a competência de uma das Varas da Justiça Federal de Alagoas-AL, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. A Sra. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros Francisco Falcão, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Humberto Martins e Herman Benjamin votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Denise Arruda.(BRASIL,2007, online)

Confira-se julgado do Supremo Tribunal Federal (RE 545.199-AgR), em que figura como parte o Instituto Nacional do Seguro Social, umas das mais importantes autarquias do Brasil:

“O STF firmou sua jurisprudência no sentido de que, quando o INSS figurar como parte ou tiver interesse na matéria, a competência é da Justiça Federal.” (BRASIL, 2009, online)

Nos casos de autarquias estaduais e municipais, não há regra imposta pela Constituição, devendo as causas em que participarem as autarquias serem julgadas na Justiça Estadual, assim como nos mandados de segurança.

Os servidores federais que possuem estatuto terão julgadas suas lides na Justiça Federal; caso sejam servidores estatutários estaduais ou municipais terão suas lides resolvidas na Justiça Estadual; se os envolvidos forem empregados públicos (submetidos à CLT), os litígios entre trabalhador e autarquia serão processados e julgados perante a Justiça do Trabalho.

É importante memorar que a admissão concomitante de servidores públicos estatutários e empregados públicos celetistas na administração direta não é mais possível. Isto se deu quando do julgamento da ADI 2.135, em 2007, em que o STF deferiu medida cautelar para suspender a eficácia do art. 39, caput, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998.

Portanto, conclui os professores de Direito Administrativo, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p.52) que:

A partir dessa decisão, voltou a vigorar a redação original do caput do art. 39 da Constituição, que exige a adoção, por parte de cada ente da Federação, de um só regime jurídico (regime jurídico único) aplicável a todos os servidores integrantes de sua administração direta, autarquias e fundações públicas

Nesta toada, é pacífico, tanto em seede doutrinária como jurisprudencial que o foro para dirimir conflitos quando as autarquias forem autoras, rés, assistentes ou opoentes é da Justiça Federal.

No tocante às questões processuais, este será deliberado no tópico posterior, em que se tentará abordar os principais privilégios auferidos por uma autarquia.

2.2.8 Privilégios processuais

As autarquias gozam do mesmo privilégio concedido à Fazenda Pública.

Em sede de execução, as autarquias se submetem a normas especiais. Desta forma, “é possível a instauração de execução contra a Fazenda Pública, quando fundada em título extrajudicial, segundo regras específicas do Código de Processo Civil, artigos 730 e 731”[7](MARINELA, 2007, p.80).

As autarquias cobram seus créditos através da execução fiscal, com a inserção dos valores na dívida ativa, conforme procedimento estabelecido pela Lei 6.830/80[8], aplicando subsidiariamente o Código de Processo Civil.

Aduzindo sobre a matéria, ainda Fernanda Marinela dispõe em sua doutrina que existem alguns entendimentos em sede doutrinária, mesmo que minoritariamente, de que não é cabível ação monitória para a cobrança de débitos da Fazenda Pública (arts. 1.102-a a 1.102-c, do CPC). Nesta toada:

Essa ação é adequada para aquele que quer a cobrança de uma importância ou a entrega de um determinado bem, com fundamento em prova escrita não dotada de eficácia executiva. Não se admite, primeiro porque o pagamento imediato contraria o regime de precatório e segundo, porque a conversão em mandato executivo levará à penhora de bens, violando a exigência de reexame necessário, sem contar que se trata de um direito indisponível, não se admitindo, em caso de revelia, os efeitos da confissão ficta, portanto não sendo possível a constituição desse título.(MARINELA, 2007, p.81)

Acontece que, ainda em 2007, o Superior Tribunal de Justiça sumulou sobre a questão, colocando um ponto final à discussão, quando decide que “é cabível ação monitória contra a Fazenda Pública”[9].

Outro privilégio processual diz respeito à representação por procuradores de carreira, quando na interposição de ação judicial, ficando dispensada, de acordo com a Súmula 644 do STF[10], a apresentação de mandato.

Quanto ao prazo das Autarquias, estes são garantidos em quádruplo para apresentação da contestação e em dobro para recorrer, quando a parte for a Fazenda Pública.

A Súmula 116 do STJ[11],faz saber que para interposição do agravo regimental neste órgão, o Ministério Público e a Fazenda Pública possuem o prazo em dobro, sendo que esse benefício não atinge as contra-razões de recurso.

Um privilégio autárquico de suma importância é o duplo grau de jurisdição obrigatória, que tem como escopo fazer com que a sentença não produza nenhum efeito até que seja confirmada no tribunal. Porém, esse direito não é absoluto, possuindo as ressalvas do art. 475, §2º, in verbis:

Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: [...]

§2ºNão se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

No que tange à rescisória, as autarquias serão dispensadas do depósito prévio sobre o valor da causa, exigido do autor, a título de multa, caso a ação seja julgada improcedente, conforme se vê nas linhas do art. 488[12], parágrafo único do Código de Processo Civil. No entanto, essa regra vale apenas para o INSS, que foi abrangida pela Súmula nº 175[13] do Superior Tribunal de Justiça.

Para o autor Marcelo Alexandrino (2011, p.53), existe ainda a “não sujeição a concurso de credores ou à habilitação em falência, liquidação, recuperação judicial, inventário ou arrolamento, para cobrança de seus créditos.”

 Importante salientar que as autarquias respondem por suas dívidas mediante o sistema de precatórios, previsto no art. 100 da Constituição Federal.

Por fim, cabe deixar consignado que a União pode intervir nas causas em que autarquias figurarem como autoras ou rés.

Portanto, estas foram as principais considerações a respeito dos privilégios processuais concedidos às autarquias. Mais a frente, esses privilégios serão estudados levando-se em consideração a Ordem dos Advogados do Brasil.

2.2.9 Imunidade tributária

Pelo entendimento de José Cretella Junior (2000, p.159), a imunidade tributária é:

Prerrogativa pública que impossibilita, originariamente, a incidência, em virtude de expressa vedação constitucional, configurando a impossibilidade do exercício do poder impositivo por parte da administração, relativamente a certos e determinados fatos e pessoas. A imunidade não se limita aos entes públicos “maiores”, porque, ultrapassando-os, atinge os entes públicos “menores”, como as entidades autárquicas, protegidas da incidência impositiva, em virtude da prerrogativa pública que as alcança, imunizando-as. Trata-se de adoção de princípio inerente à Federação e não mera liberalidade do Poder Constituinte, tendo o legislador procurado evitar a desarmonia entre os entes constitucionais e suas respectivas projeções.

A Constituição da República Federativa do Brasil no art. 150, VI, ”a” e §2º, veda a instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços das autarquias, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:[...]

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;[...]

§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

No entanto, o patrimônio, a renda e os serviços das autarquias devem estar vinculados as suas finalidades essenciais.[14] Conclui-se que, demais bens pertencentes a essas pessoas jurídicas que tiverem outra destinação, incidirão normalmente os respectivos impostos.

Confira-se julgado do Supremo Tribunal (RE 399.307-AgR) Federal neste sentido:

“É aplicável a imunidade tributária recíproca às autarquias e empresas públicas que prestem inequívoco serviço público, desde que, entre outros requisitos constitucionais e legais não distribuam lucros ou resultados direta ou indiretamente a particulares, ou tenham por objetivo principal conceder acréscimo patrimonial ao poder público (ausência de capacidade contributiva) e não desempenhem atividade econômica, de modo a conferir vantagem não extensível às empresas privadas (livre iniciativa e concorrência). O Serviço Autônomo de Água e Esgoto é imune à tributação por impostos (art. 150, VI, a e § 2º e § 3º da Constituição). A cobrança de tarifas, isoladamente considerada, não altera a conclusão.” (BRASIL, 2010, online)

Na voz de Marcelo Alexandrino (2011, p.54), “as autarquias gozam da imunidade tributária recíproca, que veda a instituição de impostos sobre o seu patrimônio, suas rendas e sobre os serviços que elas prestem, desde que estejam vinculados a suas finalidades essenciais, ou às que desta decorrem” (CF, art. 150, VI, “a” e §2º)”

Ou seja, a imunidade tributária só protege o patrimônio que tem sua finalidade interligada ao que foi definido em lei.

Conclui-se, portanto, que a imunidade tributária é um instituto de natureza constitucional, representando restrição ao exercício do poder impositivo do Estado, sendo que em relação a alguns entes da administração, não se pode instituir o imposto.

2.2.10 Responsabilidade civil

A autarquia, que exerce atividade de prestação de serviço público, é responsável pelos seus próprios atos e se submete a regra do art. 37, §6º da Constituição Federal, que estabelece a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica prestadora de serviço público pelos atos dos seus agentes

Reza o art. 37, §6º que:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[...]

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Essa responsabilidade é denominada de objetiva, tendo a autarquia de indenizar à parte os danos sofridos (patrimoniais e morais) que seus agentes, atuando nesta qualidade, causem a terceiros, independentemente de dolo ou culpa.

Confira-se julgado do Tribunal Regional Federal (AC45922 RS 2003.71.00.045922-1), quarta região, neste sentido:

EMENTA:AÇÃO ORDINÁRIA. DANOS MORAIS. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE À MAIOR INCAPAZ. CANCELAMENTO. ATO ILICITO. DEVER DE INDENIZAR. APELAÇÃO IMPROVIDA.

1. O Ente Estatal cancelou indevidamente o benefício previdenciário de dependente incapaz que completou a maioridade.

2. A responsabilidade civil do Estado, inclusive de suas autarquias, é objetiva.

3. No caso de responsabilidade objetiva, para caracterizar o dever de indenizar, devem estar presentes a ação ou omissão por parte do agente, a ocorrência de um dano e o nexo de causalidade.

4. In casu restaram preenchidos todos os elementos.

5. Apelação improvida.(BRASIL, 2008, online)

Doutrinariamente, concebe-se uma divergência no que tange à aplicação da regra. Para a corrente majoritária, “essa responsabilidade só será objetiva quando se tratar de atos comissivos e seguirá a teoria da responsabilidade subjetiva para as condutas omissivas.”(MARINELA, 2007, p.77)

Importante lembrar que a diferença entre as duas teorias é exatamente a necessidade da prova do dolo ou culpa. Na responsabilidade objetiva, o Estado responde independentemente de culpa ou dolo na conduta, em contraposição com a responsabilidade subjetiva, em que é indispensável à comprovação de tais elementos, ou pelo menos, de um deles.

Nesse ínterim, também é curial acrescentar que o Estado poderá ser responsabilizado por ato de autarquia. Tendo em vista que é o próprio Estado que descentraliza o serviço, ele não poderá escusar-se da responsabilidade quando a prestação causar danos aos administrados. Esse tipo de responsabilidade é denominada de subsidiária.

Retomando a responsabilidade pelas autarquias, existem ressalvas. A primeira é de que se a culpa for exclusivamente de quem sofreu o dano, poderá a autarquia se eximir do pagamento dos danos. A outra ressalva consiste no fato de que os danos podem ser causados por caso fortuito ou força maior (excludentes admitidas).

2.3 AUTARQUIAS PROFISSIONAIS (CONSELHOS DE CLASSE)

As corporações profissionais surgiram na história como “agrupamento de pessoas que exerciam o mesmo ofício a fim de organizar o mercado e a entrada de novos profissionais, por meio de uma regulamentação do acesso a conhecimento e habilidades.” (SANTOS, 2010, p.61)

Já na idade média, as corporações de ofício reuniam os artesãos que exerciam ofícios idênticos, organizados em mestre e aprendizes. Não havia divisão de trabalho e as áreas de cada ofício eram bem definidas.

Com as revoluções liberais, foram banidas as corporações de ofício através da individualização do trabalho. Passou-se a trabalhar de forma assalariada e especializada.

No século XX, volta a vigorar o Estado Social, no qual o Estado passa a ser o regulador e interventor da economia. Foi neste interregno que surgiu, em meados do governo de Getúlio Vargas, as corporações profissionais.

Aduz a autora do artigo “Conselhos profissionais ontem, hoje e amanhã”, Aline Sueli de Salles Santos, citando Vital Moreira (1997, p.414):

Este tipo de organização profissional, as associações públicas profissionais, como se refere Vital Moreira, “tem por via de regra, [...], uma dupla função: se por um lado, incumbe-lhes o desempenho de funções públicas de regulação; por outro lado, assumem funções de representação e defesa dos interesses colectivos de profissão”

No contexto atual, a maioria das corporações recebeu o nome de Conselhos, exceto a dos advogado e dos músicos, denominados Ordem. “Elas estão organizadas para defesa de interesses das classes e se reúnem no Fórum dos Conselhos Federais de Profissões Regulamentadas, o Conselhão.” (SANTOS, 2010, p.62)

Inicialmente, os conselhos profissionais possuíam natureza autárquica. Com o advento da Lei 9.649/98, no art. 58, passou-se a definir os fiscalizadores das profissões como de caráter privado, por delegação do Poder Público, mediante autorização legislativa. Foi estabelecido também com esta lei que os conselhos de classe teriam personalidade jurídica de direito privado, sem vínculo funcional ou hierárquico com os órgãos da Administração Pública.

A posição adotada por esta lei foi bastante criticada e foi alvo de várias ações perante o Supremo Tribunal Federal, indicando sua inconstitucionalidade, por ofensa aos artigos 5º, XIII (liberdade profissional, atendidas as qualificações que a lei estabelecer), 22, XVI (competência privativa da União para legislar sobre a organização nacional do sistema de emprego e condições para o exercício de profissões), 21, XXIV (competência da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho), 70, parágrafo único (dever de prestar contas em razão da arrecadação de dinheiro público), 149 (competência tributária) e art. 175 (dever do Estado pela prestação dos serviços públicos).

Quanto essas ações, se posicionou Fernanda Marinela (2007, p.86):

Essas ações concluíram pela indelegabilidade à entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até o exercício do poder de polícia, do poder de tributar e de punir, no que concerne às atividades profissionais regulamentadas, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil e dos demais conselhos de classe.

Por meio da ADIN nº 1717-DF, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a eficácia da lei supracitada, em sede de cautelar. Declarou a sua inconstitucionalidade, ficando, portanto, mantida a natureza de entidade autárquica federal, com a preservação do entendimento sufragado na súmula 66/STJ, que define a competência da Justiça Federal para o julgamento de suas ações, mais especificamente, as execuções fiscais.

Com referência às cobranças instituídas pelos conselhos fiscais, estas constituem espécies tributárias, submetendo-se ao princípio da reserva legal, só sendo possível sua imposição através de lei, sob o pretexto de se violar o quanto disposto no art. 150 da Constituição da República.

Veja-se jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.225301/RS):

Compete exclusivamente a União instituir contribuições sociais , de intervenção no domínio econômico e de interesses das categorias profissionais. A anuidade devida aos Conselhos Regionais que fiscalizam as categorias profissionais tem natureza de contribuição social e só pode ser fixada por lei. (BRASIL, 1999, online)

Ainda para o Superior Tribunal de Justiça, “conforme precedentes desta Corte Especial, as anuidades dos conselhos profissionais, à exceção da OAB, tem natureza tributária, somente podendo ser majoradas através de lei federal. (MC nº 7123/PE, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 22/03/2004)

Após breves considerações a respeito das autarquias, e em especial, as entidades de fiscalização de classe, passaremos ao estudo do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, espécie de conselho profissional que, ao longo dos anos, tem modificado seu regime e fazendo com que se desconheça com certa clareza sua natureza jurídica.

Sobre o autor
Basílio Acelino de Carvalho Neto

Advogado em Feira de Santana (BA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO NETO, Basílio Acelino. Ordem dos Advogados do Brasil: em busca de sua identidade jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3356, 8 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22570. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada ao Curso de graduação em Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Professor Agenor de Souza Santos Sampaio Neto.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!