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Responsabilidade contratual: a causalidade do dano (nexo de causalidade) é a mesma na responsabilidade contratual e na extracontratual?

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Agenda 25/09/2012 às 16:59

3. pressupostos da responsabilidade contratual

A responsabilidade contratual, com respaldo nos estudos acima apresentados, pode ser conceituada como o dever anexo de reparação dos danos decorrentes da violação ou inexecução de um contrato válido, firmado entre credor e devedor.

De uma maneira didática, decompondo-se esse conceito, chega-se aos três elementos que são denominados, por Sergio Cavalieri, como pressupostos da responsabilidade contratual, a saber: (i) existência de contrato válido, (ii) inexecução do contrato e (iii) dano e nexo de causalidade.

3.1. Contrato válido

O contrato pode ser conceituado como declaração de vontades ou uma convenção através da qual as partes fixam os comportamentos que devem por elas serem observados, impondo-se deveres e obrigações que, se descumpridos ou adimplidos parcialmente, ensejam a responsabilização da parte inadimplente.

Há, portanto, uma vinculação das partes aos termos pactuados no instrumento contratual, originário da vontade livre e consciente dos contraentes, que corresponde ao princípio tradicional da obrigatoriedade ou força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda)[44].

A validade do contrato nada mais representa do que uma qualificação que lhe é conferida na medida em que ele atenda aos requisitos ou elementos do negócio que as regras jurídicas lhe impõem, ou seja, enquanto está de acordo com as regras jurídicas, nos dizeres do professor Antônio Junqueira de Azevedo[45].

De acordo com o Código Civil de 2002, os requisitos para a validade de qualquer negócio jurídico – gênero ao qual pertencem os contratos – são agente capaz, objeto lícito, possível e determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei[46].

Por não serem objeto do presente estudo, não adentrarei na análise de cada um desses elementos, apenas saliento que os mesmos deverão estar presentes quando se for verificar, em um possível caso de responsabilidade civil contratual, a validade do contrato, já que a observância desses requisitos representa uma garantia tanto para os contratantes, quanto para terceiros.

Deste modo, se faltar ou falhar algum dos requisitos acima apontados o ato não será válido, o que implica dizer que o contrato não produzirá seus típicos efeitos, padecendo do vício da nulidade. E, em sendo um ato nulo, não há que se falar na violação de nenhum dever jurídico, haja vista que essa modalidade de ato não gera obrigação alguma, e, portanto, não pode ser utilizado por nenhuma das partes contratantes como causa ou base para um pedido de indenização, posto não gerar responsabilidade civil[47]. Este entendimento é esposado por Sergio Cavalieri[48].

É possível, contudo, que mesmo sendo o ato nulo, portanto, inválido, venha a produzir efeitos, ainda que não os típicos daquela modalidade contratual. São os designados “efeitos do nulo”, nas palavras do professor Antônio Junqueira[49].

Esse entendimento, que já poderia ser sustentado ante o Código Civil de 1916, com amparo em uma interpretação jurisprudencial e doutrinária, agora ganha contornos legais ante o princípio legalmente posto da boa-fé objetiva. Assim, ainda que seja declarado inválido ou nulo o contrato, o mesmo poderá gerar o efeito de obrigar a parte inadimplente, que argüiu a sua nulidade, a indenizar a parte lesada pelo desfazimento do negócio, na medida em que esta agiu sem culpa, confiando na declaração negocial, e efetuou, por exemplo, despesas na concretização do negócio.

Não há que se falar, portanto, em responsabilidade pelo fato ilícito, mas sim, pelo fato lícito na medida em que a parte que arguiu a nulidade, com base em ausência de algum dos requisitos legais impostos à validade do contrato, gerou prejuízos à outra parte contratante que, depositando confiança na força vinculante do negócio, se embrenhou em despesas para a sua concretização que, ao final, não se efetivou. Nos dizeres de Pontes de Miranda[50], trata-se de equidade, impondo “que sofra prejuízo quem deu causa a ele”.

Nessas hipóteses, entendo que não se pode falar em contrato válido, não obstante possa produzir efeitos. Por esse motivo, havendo a responsabilização da parte que se valeu da arguição de nulidade para dar fim à relação jurídica, vez que causou prejuízos à parte que com ela acreditou estar firmando um verdadeiro contrato, não será a mesma definida como contratual, posto que lastreda, tão somente, na culpa dita aquiliana, decorrente da não observância do dever jurídico geral de não lesar terceiro.

3.2. inexecução do contrato

Além do contrato válido, faz-se necessária para a concretização da responsabilidade contratual a ocorrência do dito ilícito contratual caracterizado quer pelo inadimplemento absoluto (a obrigação não foi cumprida e não poderá mais sê-lo, por culpa ou dolo do devedor ou, ainda, não possui mais utilidade econômico-social para o credor[51]), quer pelo inadimplemento relativo ou simplesmente mora (quando ainda resta a possibilidade de cumprimento da obrigação por parte do devedor, na medida em que ainda seja útil ao credor).

Como acima analisado, as partes devem guardar estrita observância aos termos e determinações pactuadas através do instrumento contratual, no tempo, modo e lugar avençados, sob pena de se concretizar a inexecução que dará lugar à nova obrigação (secundária) de reparação dos prejuízos dela advindos, em substituição, total ou parcial, à obrigação preexistente firmada contratualmente entre os contraentes[52].

Assim é que o artigo 475 do Código Civil dispõe que a parte lesada pelo inadimplemento poderá pleitear a resolução do contrato, caso não queira exigir seu cumprimento cabendo, em qualquer das hipóteses, o pedido de indenização pelos prejuízos decorrentes da inexecução.

No caso de mora (inadimplemento relativo ou inexecução temporária) pode-se afirmar que a indenização não substitui, necessariamente, a prestação, servindo apenas para minorar os problemas gerados pela inexecução defeituosa do contrato, mesmo porque, na hipótese de mora, persiste a possibilidade de purgação ou emenda da violação contratual. A ordem jurídica mantém a obrigação original (ainda útil), a ela acrescendo uma segunda obrigação: a de reparação dos danos advindos ao credor.

Já no caso de inadimplemento absoluto, pode-se afirmar que a indenização atua como um substitutivo da prestação contratada, visto que a mesma não se efetivou. Nesta hipótese é que se pode, corretamente, falar que há uma substituição de uma obrigação primária (decorrente do contrato e, portanto, querida pelas partes) por uma obrigação secundária, derivada da inexecução (absoluta), e que não foi desejada pela parte lesante (não é fruto da vontade).

Por fim, interessante relembrar que a mora poderá ser do devedor ou do credor. No primeiro caso a culpa é elemento integrante (requisito subjetivo) que deve estar presente para que se configure a mora, escusando-se o devedor caso demonstre a ocorrência de força maior ou caso fortuito[53]. Já para a mora do credor não há ligação com a culpa, sendo que o mesmo estará em mora quando se recusar a receber a prestação em tempo, lugar e forma pactuados[54].

3.2.1. Adimplemento substancial

Adentrando um pouco neste segundo pressuposto da responsabilidade contratual, devo me reportar à questão do adimplemento substancial ou substancial performance do Direito Inglês.

Essa doutrina teve origem na Inglaterra, no século XVIII, mediante uma relativização do princípio do estrito cumprimento dos contratos, a fim de que se pudesse fazer justiça entre as partes contraentes, evitando-se a resolução do contrato.

Na situação de adimplemento substancial vislumbra-se o cumprimento quase que integral do contrato. Há uma proximidade entre o que foi pactuado e o que foi efetivamente realizado, sendo certo que não se pode dizer que há uma real quebra no sinalagma contratual, na medida em que os interesses visados pelo credor serão alcançados com o adimplemento de parte substancial do avençado. Há a preservação dos interesses econômico-sociais do contrato, nos dizeres de Teresa Negreiros[55].

Por esse motivo a referida teoria, evitando o rompimento do contrato por ausência no adimplemento de parcela ínfima que não chega a afastar o proveito do credor, propugna que haja uma indenização pelos prejuízos advindos ao credor em virtude da parcela não adimplida[56].

O adimplemento substancial difere do inadimplemento absoluto, pois enquanto neste último caso há espaço para a cumulação do pedido de indenização ao de resolução do contrato, haja vista que o mesmo não foi cumprido, tornando-se sem utilidade para o credor a sua manutenção, naquela primeira situação houve o adimplemento da maior parte do contrato, ou parte essencial do mesmo, não cabendo sua resolução, sob pena de se configurar má-fé e enriquecimento ilícito por parte do contratante credor. Neste caso, contudo, torna-se imprescindível a indenização por perdas e danos referente à parcela não adimplida, de modo a não se configurar um desequilíbrio contratual.

No Brasil não há disposição específica a respeito da substancial performance. Contudo, em virtude do princípio social da boa-fé objetiva, agora positivado no Código Civil de 2002, é possível aplicar-se referida teoria justamente para que se evite uma atuação maliciosa por parte de um credor inescrupuloso, impondo-lhe freios no exercício do direito à resolução que lhe é assegurado, quer pela ordem jurídica, quer pelos próprios termos contratuais[57].

Judith Martins-Costa, ao tratar do tema da boa-fé objetiva como limite ao exercício de direitos, destaca que a doutrina do adimplemento substancial funciona como limitadora ou impediente do exercício do poder potestativo de pleitear a resolução contratual naquelas hipóteses em que a prestação não foi completamente, mas substancialmente cumprida[58].

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Remetendo-se expressamente a essa teoria, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “a extinção do contrato por inadimplemento do devedor somente se justifica quando a mora causa ao credor dano de tal envergadura que não lhe interessa o recebimento da prestação devida, pois a economia do contrato está afetada”. Assim, no caso do não pagamento diretamente à financeira da última parcela de contrato de alienação fiduciária, que, ainda mais, foi objeto de depósito judicial nos autos de ação de consignação em pagamento ajuizada pelo devedor em face daquela, não há que se falar em extinção do contrato por resolução, devendo o mesmo ser mantido, sob pena “de ofensa ao princípio do adimplemento substancial, admitido no Direito e consagrado pela Convenção de Viena de 1980” que, “no Brasil, impõe-se como exigência da boa-fé objetiva” [59].

Assim, nestes casos, o correto não é se falar em inexecução do contrato, mas, sim, em execução defeituosa, posto que não adimplida uma pequena parte ou, como pondera Regis Fichtner Pereira, citado por Teresa Negreiros[60], “por falta de cumprimento da prestação contrária [..] em parcela ínfima”. (grifei)

3.2.2. Cláusula de não indenizar

As partes podem, no caso da responsabilidade contratual, pactuar a exclusão da reparação de eventuais danos que advenham da relação jurídica entre elas formalizada no instrumento contratual, mediante a inserção de uma cláusula conhecida como cláusula de não indenizar[61].

Sergio Cavalieri ressalva a confusão que alguns autores fazem, denominando citada cláusula como exonerativa da responsabilidade ou, até mesmo, de irresponsabilidade. Contudo, como bem enfatiza, trata-se de uma impropriedade, na medida em que a cláusula de não indenizar “não exime a responsabilidade, não afasta o dever de indenizar, nem elide a obrigação; apenas, a indenização”[62]

Não podem as partes convencionar sobre a exclusão do dever de indenizar, já que a responsabilidade é matéria afeta à disposição legal (“emanação da ordem jurídica”), contrariamente à obrigação derivada da responsabilidade (a obrigação secundária que surge da violação do dever primário) representada pela reparação dos danos.

Referida cláusula é admitida pela doutrina e jurisprudência pátrias, apesar de ser vista com certa antipatia, com lastro nos princípios da autonomia da vontade e da liberdade de contratar, mas desde que não estejam em jogo interesses de ordem pública[63]. Mister ressaltar, apenas, que a sua inserção deve ser fruto da convenção entre as partes (bilateralidade do consentimento), do que se depreende que não deva ser admitida em contratos de adesão onde não houve a liberdade de ajuste contratual entre as partes.

Outra limitação diz com o campo de sua incidência. Dita cláusula não pode excluir a reparabilidade de danos advindos por dolo ou culpa grave, pois isso representaria a tolerância de ações danosas de alta gravidade. “A exoneração [da reparabilidade] do dolo representaria a impunidade da má-fé prevista de antemão”, ao passo que a exclusão da reparabilidade no caso de culpa grave atentaria contra a moral e a boa-fé, uma vez que aquela é modalidade de culpa assentada na “grosseira ausência de vigilância”, sendo certo, ainda, que já adentraríamos no campo da responsabilidade delitual cujos princípios são de ordem pública, “estabelecidos em favor do interesse geral e das exigências do bem comum”, como assevera Sergio Cavalieri[64].

Outrossim, a cláusula de não indenizar não pode versar sobre obrigações principais do contrato, mas, tão somente, a respeito de obrigações secundárias “cujo afastamento não o desfigura”, como aponta Sergio Cavalieri[65]. Por exemplo, em um contrato de depósito, onde a obrigação de guarda sobre a coisa depositada lhe é essencial, impraticável que haja uma cláusula que exclua a reparabilidade de danos advindos da ausência de cuidado e diligência na guarda e conservação do bem.

Há ainda outra limitação à aplicação da referida cláusula, qual seja, não se pode referir a danos ligados “diretamente à vida e à integridade física das pessoas naturais”, haja vista que tal situação afrontaria o “princípio maior do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, combinado com o art. 5º, caput, ambos da Constituição da República)”, nos dizeres do professor Antônio Junqueira de Azevedo[66].

Vê-se, portanto, que diferentemente do campo das relações de consumo, onde é vedada a cláusula de não indenizar[67], na seara dos contratos civis a citada cláusula pode ser estipulada pelas partes, desde que observados os limites acima apontados, em especial, o princípio da boa-fé objetiva, e que não haja vedação legal à sua utilização[68].

3.3. Dano

O conceito de dano para a responsabilidade contratual equivale ao conferido no campo da responsabilidade extracontratual, podendo ser expresso através das palavras de Sergio Cavalieri como a “diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima (honra, imagem etc.)”[69].

A classificação mais tradicional a respeito dos danos leva em consideração seus reflexos, como ensina Carlos Alberto Bittar, dividindo-os em danos patrimoniais ou materiais, com repercussão sobre o complexo pecuniário do lesado, e danos extrapatrimoniais (morais ou imateriais) que se esgotam na esfera pessoal, posto que despojados de qualquer conteúdo econômico imediato[70].

3.3.1. Dano patrimonial

No que tange ao dano patrimonial, que pode atingir tanto o patrimônio atual quanto o futuro do lesado, a extensão da reparação compreende as vulgarmente denominadas perdas e danos, correspondentes tanto ao dano emergente (ou positivo), caracterizado pelo que a vítima efetivamente perdeu, quanto ao lucro cessante (ou negativo) que pode ser conceituado como a perda de ganho esperável[71] ou na diminuição potencial do patrimônio do lesado, conforme leciona Sergio Cavalieri[72].

Neste aspecto, o Código Civil, em seu artigo 402, dispôs sobre o princípio da razoabilidade[73] como mecanismo de se apurar o lucro cessante (aquilo que razoavelmente se deixou de lucrar), querendo com isso afirmar que se deve buscar um critério razoável, de acordo com o caso concreto, para se alcançar o montante dessa parcela pecuniária que o lesado, provavelmente, teria acrescido ao seu patrimônio no transcurso normal dos fatos, caso não tivesse sofrido o prejuízo.

Em qualquer tipo de responsabilidade civil, quer contratual, quer extracontratual, para que se possa pleitear a indenização, mister se demonstre e prove a ocorrência do dano, visto ser a concretização do prejuízo a mola que compele o autor da demanda a pleitear a indenização.

Contudo, ainda que não se alegue prejuízo, em havendo o descumprimento de qualquer obrigação pactuada, deverá o julgador determinar o pagamento dos juros pela mora no seu adimplemento, nos termos do que dispõe o artigo 407 do Código Civil de 2002, a título de indenização mínima, nas palavras de Sergio Cavalieri[74]. É exceção que confirma a regra geral acima.

3.3.2. Dano moral

Relativamente ao dano moral, apesar de já estar positivado em nosso Direito a sua reparabilidade, seus limites são questionáveis nos casos de inadimplemento contratual, na medida em que para a configuração do dano moral é imprescindível que haja agressão, em última instância, à dignidade da pessoa humana[75], posto que o que importa “para a [sua] configuração não é o ilícito em si mesmo, mas sim a repercussão que ele possa ter” no sentimento íntimo do lesado[76].

Nesse sentido, os incômodos e dissabores decorrentes da inexecução contratual, a princípio, desde que adstritos aos aspectos da mora, inadimplemento ou prejuízo econômico não causam dano moral, salvo quando “exorbitarem o aborrecimento normalmente decorrente de uma perda patrimonial e também repercutirem na esfera da dignidade da vítima”[77].

Silvio Venosa doutrina que para a indenização dos danos morais “não há necessidade que se comprove intensa dor física: o desconforto anormal, que ocasiona transtornos à vida do indivíduo, por vezes, configura um dano indenizável” e, para ilustrar, menciona o exemplo de uma pessoa que sofre prejuízos decorrentes do atraso ou cancelamento de um voo[78].

Assim, a reparação de danos morais decorrentes de uma relação contratual torna-se matéria delicada que deverá ser bem analisada e ponderada no caso concreto, pelo julgador, de maneira a que não permita uma reparabilidade ínfima que seja irrelevante ao ofendido, muito menos uma indenização em valor exorbitante que ponha em risco a saúde econômica do ofensor. Qualquer um desses extremos cria transtornos sociais e gera descrédito nas soluções judiciais.

3.3.3. Prefixação de indenização

As partes contraentes podem estabelecer no instrumento contratual ou em apartado uma cláusula acessória (pacto acessório), denominada cláusula penal, através da qual prefixam o valor a ser pago a título de indenização nos casos de inadimplemento ou mora no cumprimento de alguma das obrigações convencionadas[79].

O valor estipulado na claúsula ou pacto supracitado pode ser pleiteado com base na simples demonstração de rompimento do pactuado, comprovado pelo não cumprimento de alguma cláusula contratual pela parte inadimplente. Não há que se demonstrar a ocorrência de prejuízo (dano)[80]. Os danos são presumidos como decorrência do mero inadimplemento.

Assim, pode-se vislumbrar duas funções para a citada cláusula. Uma, que no entender de Sérgio Cavalieri[81] é a principal, de liquidar antecipadamente as perdas e danos decorrentes de eventual inadimplemento contratual. E a compulsória, que no seu ponto de vista, visa a compelir o devedor ao adimplemento da obrigação, sob pena de ter que arcar com o valor pactuado acessoriamente (função de pena)[82].

De acordo com o disposto em nosso Código Civil de 2002[83], quando a cláusula penal for estipulada como alternativa ao credor em razão do total inadimplemento por parte do devedor, será ela denominada de cláusula penal compensatória, sendo sua finalidade a de “compensar a parte inocente pelos entraves do descumprimento”[84], nos dizeres de Silvio Venosa. Assim, pagando o devedor a multa, nada mais deverá a credor, posto que aquela valerá como indenização. Não poderá haver cumulação entre a multa e o cumprimento da obrigação por parte do devedor, haja vista que aquela substitui esta, muito menos entre a multa e um possível pedido de indenização[85].

No entanto, o artigo 416 do Código Civil traz uma inovação em seu parágrafo único que projeta discussão antiga. Dispõe que, não obstante ser desnecessária a arguição e prova de prejuízo para que o credor pleiteie o pagamento da cláusula penal, caso ele demonstre que houve esse prejuízo e em montante superior ao prefixado, só poderá pedir a diferença judicialmente caso haja previsão contratual a respeito.

Assim, “se o credor entender que seu prejuízo supera seu valor [da cláusula penal], somente poderá cobrar o excesso se o contrato assim o permitir expressamente e, nesse caso, quanto ao valor que sobejar, deve provar o prejuízo, seguindo, então, neste último aspecto, a regra geral de perdas e danos”, conforme esclarece Silvio Venosa[86].

Aqui interessante pensar-se nas hipóteses em que haja danos morais. O valor preestabelecido como cláusula penal engloba tão somente os possíveis danos patrimoniais, ou também danos morais? A doutrina não é explícita a esse respeito, uma vez que se refere apenas à indenização de um modo geral que, através da cláusula penal, já é prefixada.

Como visto acima, caso o lesado demonstre que os prejuízos sofridos superam o valor estabelecido na cláusula penal e, desde que haja previsão contratual a respeito, poderá o lesado pleitear, complementarmente, a título de verba indenizatória, a diferença entre o valor fixado e aquele calculado para os danos efetivamente sofridos e demonstrados.

Sendo os danos meramente morais, ou então, o valor excedente em relação ao pacto acessório correspondente apenas ao valor dos danos morais, entendo que é possível o pleito complementar, se ultrapassado o valor pactuado na cláusula penal, ainda que não haja cláusula contratual a respeito.

Essa posição decorre do entendimento doutrinário de que não há como se mensurar previamente os possíveis danos morais que a vítima tenha sofrido[87]. Assim, ainda que haja uma estipulação de cláusula penal e as partes não tenham convencionado sobre o eventual pleito suplementar indenizatório, entendo que, em havendo demonstração de prejuízos morais que superem o montante prefixado como cláusula penal pelo inadimplemento, haverá possibilidade de se pleitar sua reparabilidade pela diferença em relação ao que foi estipulado.

Diferentemente, no caso de cláusula penal moratória, onde a obrigação ainda poderá ser cumprida pelo devedor, posto que mantém sua utilidade ao credor, a multa poderá ser cumulada ou cominada juntamente ao adimplemento daquela obrigação inadimplida ou atrasada[88].

A exigibilidade da cláusula penal fica na dependência de se demonstrar ser o inadimplemento (absoluto ou relativo) decorrente de fato imputável ao devedor (por culpa ou dolo), independentemente de ser a obrigação indivisível ou solidária[89].

3.4. Nexo causal

Para que exista e se configure a obrigação de reparar, é imprescindível que entre o dano e a conduta ofensiva haja um liame, uma relação causal ou, simplesmente, um nexo de causalidade o qual deve ser provado na ação de indenização movida pelo lesado em face do lesante. Trata-se na feliz expressão de Jairo Gomes “de uma relação imputacional em que um resultado é imputado a uma pessoa, a qual deverá por ele responder para fins de ressarcimento de dano verificado” [90].

A conceituação e o estudo da causa “não se restringe ao Direito, tocando a todos os ramos da ciência”, nos dizeres do citado autor[91]. Contudo, o campo jurídico se vale das discussões a respeito do tema, já que as ideias sobre a causa se prestam a “explicitar a quem deve ser  imputado o dever de indenizar o dano”, conforme pondera o citado autor.

Ocorre que este elemento, que é pressuposto tanto da responsabilidade contratual quanto da extracontratual, é, nos dizeres de Caio Mário, “o mais delicado dos elementos da responsabilidade civil, e o mais difícil de ser determinado”[92].

Essa dificuldade é dividida, por Gisela Sampaio da Cruz, em duas frentes, relativas aos aspectos da prova e da identificação do fato que representa a verdadeira causa do prejuízo[93].

No que tange à questão da prova, tem havido uma certa flexibilização de maneira a se tentar proteger o maior número de vítimas possíveis. Assim, a questão da inversão do ônus probandi, nas situações de presunção de culpa (que ocorre nas hipóteses de responsabilidade contratual onde o contrato contém obrigações de resultado), é um exemplo típico dessa flexibilização, em que “a probabilidade substitui o elemento de necessariedade para se estabelecer a responsabilidade civil”[94].

Já na responsabilidade contratual que tem por base um contrato com obrigação de meio, o ônus da prova é distribuído nos exatos termos do que dispõe o artigo 333 do Código de Processo Civil, ou seja, caberá ao autor da ação – lesado – demonstrar que o lesante agiu com culpa.

Relativamente à identificação do fato que constitui a efetiva causa do dano, inúmeras teorias foram desenvolvidas[95]: a da equivalência das condições, da causa próxima, da condição mais eficiente, da preponderância e da causalidade adequada.

A teoria da equivalência das condições ou dos antecedentes causais ou simplesmente conditio sine qua non foi formulada no campo jurídico penal por Von Buri, em 1860, para a qual “todas as forças que cooperam para a produção do resultado são igualmente essenciais, não podendo ser desprezadas”, conforme salienta José Jairo[96].

Ocorre que seu maior inconveniente é que a ligação causal acaba sendo levada ao infinito (regressus ad infinitum) responsabilizando todos os envolvidos na cadeia de fatos, o que, na prática, é, no mínimo, injusto.

A teoria da causa próxima, desenvolvida pelo filósofo Francis Bacon, no século XVI, levava em consideração o fator temporal: seria causa aquele evento ou ato que se encontrasse mais próximo ao resultado final (proximate cause). Nos dizeres de Gisela Sampaio da Cruz, essa teoria influenciou os direitos francês e italiano e, de certo modo, o brasileiro que “limitaram a indenização devida aos danos que fossem conseqüência “direta e imediata”da inexecução[97].

O equívoco desta teoria é ater-se a um elemento só – o cronológico – sem levar em consideração a causa real que poderia ser anterior àquele evento último, ou mesmo, ser composta por concausas, o que também se mostrará muitas vezes injusto.

Já a teoria da condição ou causa mais eficiente, desenvolvida na Alemanha, entende por causa o “elemento ou ato que tivesse eficácia preponderante na produção do resultado”. O que importa é o acontecimento que “estabeleceu a relação causal de maior grau de eficiência no resultado”[98]. Haveria sempre um antecedente que em razão de algum intrínseco poder, qualitativa ou quantitativamente apurado, seria a verdadeira causa do evento

No que tange à teoria da preponderância ou da causalidade voluntária ou da causa preponderante, entende-se por causa tão somente aquele fato ou evento que rompe com o equilíbrio das forças ou fatores favoráveis (condições positivas) e adversos (condições negativas) à produção do resultado danoso. É necessário se identificar o ato que, rompendo com esse equilíbrio, anteriormente estabelecido, imprime direção decisiva para a produção do prejuízo.

A dificuldade das duas últimas teorias – da causa eficiente e da causa preponderante – encontra-se em poder se estabelecer, no caso concreto, qual das múltiplas causas seria a mais eficiente ou preponderante para ocasionar o dano. Por esse motivo, ambas caíram no desuso, estando ultrapassadas.

Por fim, a teoria da causalidade adequada formulada na Alemanha, em 1871, pelo filósofo Von Kries, tem um viés subjetivo, pois para se verificar a adequação da causa faz-se um “juízo retrospectivo de probabilidade”[99] questionando-se se a ação ou omissão que se analisa é, por si, apta ou adequada  para produzir normalmente aquele dano específico (a relação entre causa e efeito existe sempre em casos dessa natureza). A avaliação é feita, portanto, em abstrato, de acordo com as leis da natureza, com base na experiência de vida. “Considera-se como tal [causa] aquela que, de acordo com a experiência comum, for a mais idônea para gerar o evento”, conforme Sergio Cavalieri[100].

Como se vê pelas teorias acima destacadas, o problema maior gira em torno das hipóteses em que há múltiplas condições (por exemplo, o fenômeno da coautoria). Mas entendo que a questão da multiplicidade de causas é visível e destacada nas situações de responsabilidade civil extracontratual, na medida em que, nas hipóteses de responsabilidade contratual, exige-se estreita ligação entre a inexecução da obrigação e o dano (relação direta e imediata) nos exatos termos do que foi pactuado, sem adentrar no mérito de qual a teoria adequada para a análise da causa. Havendo violação do que foi convencionado entre as partes, e, gerado o dano, estar-se-á diante da concretização do dever secundário de reparar o prejuízo.

Essa reparabilidade necessária em razão de danos advindos da inexecução tem, em certa medida, respaldo no artigo 403 do Código Civil de 2002[101]. Contudo, esse dispositivo não guarda unicamente, ou melhor, primordialmente, ligação com o aspecto do nexo de causalidade, mas, acima de qualquer coisa, com o da limitação da indenização, apesar da maioria dos operadores do Direito o utilizarem como embasamento único para identificar qual a teoria sobre o nexo de causalidade que teve influência no direito positivo brasileiro[102].

Neste aspecto, perfeitamente adequado o entendimento manifestado pelo professor Antônio Junqueira de Azevedo em aula ministrada no curso de pós-graduação da Faculdade de Direito da USP, no 1º semestre de 2006, no sentido de que o disposto no artigo 403 do Código Civil de 2002 não se remete propriamente a uma questão de nexo causal, mas sim, de limitação da indenização, mais diretamente, de reparação dos lucros cessantes – somente serão indenizados aqueles direta e imediatamente produzidos em razão da inexecução.

De qualquer modo, não obstante o citado professor não ler nesse dispositivo legal a causalidade direta, entendo que os dois pontos se juntam: há elemento que nos leva a entender que no caso da responsabilidade contratual o que importa é o elo entre o dano e o inadimplemento do pactuado (nesta medida, há uma imputação lógica entre a conduta do inadimplente e o prejuízo advindo à parte lesada), mas há, sobremodo, o aspecto da limitação dos lucros cessantes que decorram direta e imediatamente da inexecução, restando os danos diretos a serem analisados de maneira ampla, mas sem deixar de ter, em certa medida, ligação direta com o inadimplemento.

Assim, como visto, no que se refere à responsabilidade extracontratual, várias teorias foram apresentadas na tentativa de elucidar a questão da causalidade múltipla, visto que quando o resultado decorre de um fato simples (como no caso de inadimplemento, parcial ou total, ou deficiente, de obrigação contratual), não há maior dificuldade, sendo a relação de causalidade estabelecida de modo direto e imediato, como já apontado.

Independentemente das diferentes vertentes adotadas através de cada uma das teorias, o que importa, em todos os casos de responsabilidade civil, “é estabelecer, em face do direito positivo, que houve uma violação de direito alheio e um dano, e que existe um nexo causal. Ao juiz cumpre decidir com base nas provas que ao demandane incumbe produzir”, vez que se trata de uma “quaestio facti”, nos dizeres de Caio Mário[103].

O artigo 403 do Código Civil de 2002 espelhou-se no artigo 1223 do Código Civil Italiano[104] (de 1942)[105], o qual dispõe que o ressarcimento do dano por inadimplemento ou pelo atraso deve compreender quer a perda sofrida pelo credor, quer o lucro não auferido, enquanto sejam deles consequência imediata e direta. Interpretando esse artigo, De Cupis[106] esclarece que, nesse sentido, os danos diretos e imediatos serão sempre indenizados posto suscitarem um nexo de condicionalidade.

Essa teoria desenvolvida por De Cupis, denominada da “Teoria da Regularidade Causal”, a qual segue, com poucas alterações, a mesma linha da “Teoria da Causalidade Adequada”, propugna como causa a condição que de modo regular concorre para a produção de efeitos.

No entanto, como esclarece Gisela Sampaio da Cruz[107], a citada teoria “não costuma ser tratada pela doutrina especializada com autonomia, pois é considerada apenas uma variante, ora da Teoria da Causalidade Adequada, ora da Teoria do Dano Direto e Imediato”, sendo que a própria jurista também entende que a causa regular se aproxima, ontologicamente, da causa adequada.

Gisela ressalta a confusão conceitual feita, no Brasil, entre essas teorias e a atribui à falta de um estudo doutrinário aprofundado a respeito do tema[108]. Para tanto, extrai trechos da obra já citada de Sergio Cavalieri, onde o autor aproxima as teorias da causa adequada e a do dano direto e imediato, sem levar em consideração suas diferenças, tal como a preocupação com a interrupção do nexo causal que é objeto de estudo da teoria do dano direto e imediato, mas não o é da causa adequada (esta teoria destaca a multiplicidade de fatores causais o que, no curso normal, provocaria o dano).

A teoria de De Cupis, na verdade, não é a que serviu de fundamento para a redação do artigo 403 do Código Civil[109] (correspondente ao antigo 1060 do Código Civil de 1916[110]), mas, antes, a teoria do dano direto e imediato (ou teoria da interrupção do nexo causal), assim entendida de acordo com grande parte de nossos doutrinadores, como afirma Gisela Sampaio da Cruz[111].

Várias subteorias ou escolas surgiram para tentar elucidar as dúvidas decorrentes da interpretação e/ou aplicação da citada teoria, tais como a escola da causalidade jurídica[112], a de Coviello[113] e a da necessariedade da causa. De qualquer modo, não foram novas teorias, mas apenas “variantes doutrinárias” da teoria do dano direto e imediato.

Das citadas escolas, a que ganhou mais projeção e teve o mérito de melhor esclarecer o sentido do dano direto e imediato foi a da necessariedade. Assim, o dano deve ser aquele necessariamente advindo do inadimplemento. Não se trata da causa mais próxima (não se leva em consideração o fator temporal), mas, sim, a que necessariamente causou o dano a ser reparado. Surgindo outra causa, esta romperá o nexo causal[114].

E não somente com a interposição da conduta de terceiro ou do credor é que se romperá a causa, mas também quando a “causa necessária for um fato natural”, na medida em que “o legislador, no art. 403 do Código Civil, se recusou a sujeitar o autor do dano a todas as nefastas consequências do seu ato, quando já não ligadas a ele diretamente”, nos dizeres de Gisela Sampaio da Cruz[115].

Como leciona a mesma autora, não obstante ser a citada subteoria da necessariedade da causa a que melhor explicita o sentido do artigo 403 do Código Civil de 2002, ela não chega a resolver todos os problemas, não servindo, por exemplo, quando há duas ou mais causas que, isoladas, explicariam o mesmo dano com exclusividade (causas concomitantes). Neste caso, imprescindível se valorar a preponderância de cada uma das causas, excluindo-se aquelas não tão eficazes para a produção do resultado. Em sendo impossível estipular-se qual a causa necessariamente preponderate, reparte-se o dever de indenizar com respaldo na culpa concorrente.

Através de um levantamento jurisprudencial[116], a citada autora conclui que a teoria do dano direto e imediato, lastreada na escola da necessariedade, é a que tem sido utilizada pelos nossos tribunais para o estabelecimento do nexo causal nas causas de responsabilidade civil, não obstante a confusão terminológica existente.

Sobre a autora
Andréa Silva Rasga Ueda

Advogada desde 1994, com atuação por cerca de 12 anos em escritórios e 13 anos em corporações, com grande experiência no consultivo e contencioso civil, comercial, societário, M&A, operações de finanças estruturadas e de mercado de capitais, bem como em transações imobiliárias e questões envolvendo governança corporativa e compliance. De 2007 até hoje criei e gerenciei departamentos jurídicos de empresas nacionais e transnacionais. Forte experiência no regulatório de energia (de 2007 a 2012 e 2019 em diante), de mercado de capitais e de construção de torres para suporte às antenas de empresas de telecomunicações (desde 2013). Professora da Escola Superior da Advocacia (ESA-SP), entre 2001 e 2002, na matéria de Prática em Processo Civil, bem como assistente de professor na matéria Direito Privado I e II, na Faculdade de Direito da USP, durante o ano de 2006, e professora colunista no IBijus desde maio de 2019. Graduada (1993), Mestre em Direito Civil (2009) e Doutora em Direito Civil (2015) pela USP, e Especialização em Administração de Empresas pela FGV/SP (2011). Meu site é: deaalex.wordpress.com. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/6450080476147839

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UEDA, Andréa Silva Rasga. Responsabilidade contratual: a causalidade do dano (nexo de causalidade) é a mesma na responsabilidade contratual e na extracontratual?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3373, 25 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22673. Acesso em: 23 dez. 2024.

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