4. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL
4.1. Noções introdutórias
É através dos princípios que ajudam a manter o sistema jurídico de forma mais clara e eficiente. Com isso trazemos a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello:
”Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo".[28]
Com isso como denotamos na primeira parte os princípios constitucionais, trazemos agora os princípios do direito penal tendo à função de orientar o legislador ordinário, limitando o poder estatal.
4.2. Princípios em espécie
4.2.1. Princípio da subsidiariedade
Devemos ter compreensão deste princípio como a sua atuação estará dependente de atuar apenas quando os outros ramos do direito penal se demonstrar de forma ineficiente para o controle da ordem pública.
Nas Palavras de Santiago Mir Puig:
O Direito penal deixa de ser necessário para proteger a sociedade quando isto se pode conseguir por outros meios, que serão preferíveis enquanto sejam menos lesivos para os direitos individuais. Trata-se de uma exigência de economia social coerente com a lógica do Estado social, que deve buscar o maior bem social com o menor custo social. O princípio da “máxima utilidade possível” para as possíveis vítimas deve combinar-se com o de “mínimo sofrimento necessário” para os delinquentes. Ele conduz a uma fundamentação utilitarista do direito penal no tendente à maior prevenção possível, senão ao mínimo da prevenção imprescindível. Entra em jogo assim o “princípio da subsidiariedade”, segundo o qual o direito penal há de ser a ultima ratio, o ultimo recurso a utilizar à falta de outros meios lesivos.[29]
Assim este princípio vem através do plano concreto atuar de forma prática se legitimando apenas quando os meios empregados se atuarem de forma ineficaz para proteger o bem jurídico.
4.2.2. Princípio da responsabilidade penal subjetiva
Com este princípio o resultado penalmente relevante deve ser atribuído a alguém pelo menos de forma dolosa ou culposa.
Assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça em um clássico julgamento:
O Direito Penal moderno é Direito Penal da culpa. Não se prescinde do elemento subjetivo. Intolerável a responsabilidade pelo fato de outrem. À sanção, medida político-jurídico de resposta ao delinquente, deve ajustar-se a conduta delituosa. Conduta é fenômeno ocorrente no plano da experiência. É fato. Fato não se presume. Existe, ou não existe.[30]
4.2.3. Princípio do ne bis in idem
Não se admite a dupla punição pelo mesmo fato.
Com isso temos editada a súmula 241 STJ: “A reincidência penal não pode ser considerada como circunstância agravante e, simultaneamente, como circunstância judicial”.
Com isso na visão do Superior Tribunal Federal:
A majoração da pena resultante da reincidência não configura violação ao princípio do ne bis in idem. Com base nesse entendimento e assentando a recepção, pela CF/88 , do inciso I do art. 61 do CP ("São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência;"), a Turma indeferiu habeas corpus em que condenado pela prática do crime de roubo, cuja pena fora majorada em razão da reincidência, e mantida pelo STJ, sustentava que a sua utilização, como causa obrigatória de agravamento de pena, conflitaria com o aludido princípio constitucional, porquanto estabeleceria como regra a punição a fato já punido.[31]
Por outro lado devemos destacar que o princípio do ne bis in idem não se aplicará quando tivermos duas ou mais ações penais em searas diversas, como se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça:
Não ofende o princípio do ne bis in idem o fato dos controladores de vôo estarem respondendo a processo na Justiça Militar e na Justiça comum pelo mesmo fato da vida, qual seja o acidente aéreo que ocasionou a queda do Boeing 737/800 da Gol Linhas Aéreas no Município de Peixoto de Azevedo, no Estado do Mato Grosso, com a morte de todos os seus ocupantes, uma vez que as imputações são distintas. Solução que se encontra, mutatis mutandis, no enunciado da Súmula 90/STJ: "Compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele."[32]
4.2.4. Princípio da Insignificância ou criminalidade de Bagatela
O surgimento do princípio da insignificância ou da criminalidade de bagatela tem os seus primórdios surgidos no direito civil, justamente com o brocardo jurídico minimus non curat praetor (o direito penal não deve se ocupar de assuntos irrelevantes, incapazes de lesar o bem jurídico).
A partir dos ensinamentos de Claus Roxin em meados da década de 70 é que tal princípio foi incorporado ao direito penal.
Ele aparece como causa de exclusão da tipicidade. De acordo com o Superior Tribunal Federal “a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem requisitos da ordem objetiva autorizadores da aplicação desse princípio”.[33]
O princípio da Insignificância aparece em qualquer espécie de delito, desde que com ele seja compatível, não só apenas aos crimes contra o patrimônio.
Por outro lado é importante frisar que tal princípio não tem cabimento em crimes praticados mediante violência ou grave ameaça, pois os seus resultados não se pode considerar como insignificantes. Com isso o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a respeito de um crime de roubo:
“Não há como aplicar, aos crimes de roubo, o princípio da insignificância, pois, tratando-se de delito complexo em que há ofensa a bens jurídicos diversos (o patrimônio e a integridade da pessoa), é inviável a afirmação do desinteresse estatal a sua repressão”.[34]
Em relação aos crimes regidos pela Lei 11.343/06 Lei de Drogas o Superior Tribunal Federal foi convicto no intuito de impedir a aplicação do princípio da insignificância:
“É pacífica a jurisprudência desta Corte Suprema no sentido de não ser aplicável o princípio da insignificância ou bagatela aos crimes relacionados a entorpecentes, seja qual for à qualidade do condenado”.[35]
Com efeito, o princípio da Insignificância é aplicado às infrações penais de menor potencial ofensivo (contravenções penais e crimes com pena máxima em abstrato igual ou inferior a dois anos, cumulada ou não com multa), tendo como exemplo o art. 155, caput, do CP.
Destacamos também o conceito doutrinário de infração Bagatelar sendo subdividida em:
Infração Bagatelar Própria – é a que já nasce irrelevante para o direito penal. Por que há desvalor da ação ou do resultado. Ex: arts. 258 e 264 do CP.
Infração Bagatelar Imprópria – O fato não nasce irrelevante para o direito penal. Pela análise do caso concreto se verifica que a aplicação da pena é totalmente desnecessária.
No que toca o delito de furto, onde a incidência de tal princípio é maior iremos distinguir a diferença entre o furto privilegiado e o princípio da insignificância. No furto privilegiado a coisa furtada é de pequeno valor (inferior a um salário mínimo) enquanto no princípio da insignificância aplicado o seu valor é irrelevante para o direito penal. Nisso temos o seguinte julgado:
no âmbito do furto, não há que se confundir bem de pequeno valor com o de valor insignificante. O primeiro pode caracterizar privilégio (art. 155, § 2º, do CP), com a previsão, pela lei penal, de pena mais branda compatível com a pequena gravidade da conduta. O segundo, necessariamente, exclui o crime diante da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado (principio da insignificância). No caso dos autos, houve o furto consumado de uma carteira contendo um talonário de cheques e sessenta reais em dinheiro, pelo que não há que se falar em irrelevância da conduta. A subtração de bens cujo valor é considerado ínfimo não é indiferente para o Direito Penal, visto que a opção por não reprimir tal conduta representaria incentivo a esses pequenos delitos que, juntos, trariam a desordem social. [36]
5. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE DAS PENAS
5.1. Noções introdutórias
Dentre as mais variadas doutrinas que podemos encontrar sobre o assunto temos destacados estes autores de grande renome como (Willis Santiago[37], Helenilson Cunha[38], Ricardo Aziz[39], entre outros), onde através de sua vasta experiência sobre tal princípio, destaca que a origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade encontram-se atrelado a gênese e desenvolvimento dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, ocorrida a partir do Estado de Direito na Europa.
Visto com isso podemos afirmar, em síntese, que a gênese do princípio da proporcionalidade emoldura-se entre os séculos XII e XVIII, quando a partir dai deu se o início na Europa, especialmente na Inglaterra onde se desprenderam às teorias jusnaturalistas propondo com isso ter os homens direitos inseparáveis a sua natureza e anteriores ao aparecimento do Estado, e, assim consequentemente ter o soberano o dever de respeitá-los.
O professor Willis Santiago destaca que se pode apontar como marco histórico para o surgimento desse tipo de formação política (Estado de Direito), a Magna Charta inglesa, de 1215, na qual aparece com toda a clareza manifestada a idéia supracitada, quando esclarece: “O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito”. Afirma, ainda, o professor Willis Santiago que essa espécie de contrato entre Coroa e os senhores feudais é a origem do Bill of Rights, de 1689 onde então adquirem força de lei os direitos frente à Coroa, estendidos aos súditos em seu conjunto.[40]
Os direitos humanos fundamentais foram reconhecidos, ainda, pela Declaration of Rights americana, de 1776, e pela Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen francesa, de 1789.
O professor Willis Santiago destaca ainda que: Foi Suarez, em 1791, em conferência proferida diante do Rei da Prússia, Friederich Wilhelmm, quem propôs como princípio fundamental do Direito Público que o Estado só esteja autorizado a limitar a liberdade dos indivíduos na medida em que for necessário, para que se mantenha a liberdade e segurança de todos, e daí deduzia o princípio fundamental do Direito de Polícia. Informa, ainda, que, em 1802, Von Berg emprega o termo “verhältnismässig” (proporcional), ao tratar da possibilidade de limitação da liberdade em virtude da atividade policial, referindo-o à indenização da vítima pelo prejuízo sofrido. Destaca, em seguida que foi Wolzendorff que, com apoio em Otto Mayer, denomina de “Grundsatz der Verhältnismässigkeit”, princípio da proporcionalidade, a proposição de validade geral que veda à força policial ir além do que for necessário e exigível para a consecução de sua finalidade.[41]
Em 1913, Walter Jellinek relacionou a proporcionalidade com o problema central do Direito Administrativo que é a discricionariedade.[42].
É a partir do trabalho desenvolvido por Walter Jellinek que se abre à possibilidade de aplicar-se o princípio da proporcionalidade nas mais diversas searas do direito. Essa transposição do princípio da proporcionalidade do campo do direito administrativo para o plano constitucional se deve em grande parte ao posicionamento assumido pelo Tribunal Constitucional, na Alemanha Ocidental, conforme destacado pelo professor Willis Santiago[43].
Ricardo Aziz em sua maestria destaca que o reconhecimento do princípio da proporcionalidade como princípio constitucional se deve à doutrina e à farta jurisprudência do Tribunal Constitucional no pós-2ª Guerra Mundial, constituindo marco de referência decisão proferida em 1971 sobre armazenagem de petróleo, em que o Tribunal Constitucional Alemão conceituou nos seguintes termos o princípio:
“O meio empregado pelo legislador deve ser adequado e necessário para alcançar o objetivo procurado. O meio é adequado quando com seu auxílio se pode alcançar o resultado desejado; é necessário, quando o legislador não poderia ter escolhido um outro meio, igualmente eficaz, mas que não limitasse ou limitasse da maneira menos sensível o direito fundamental”.[44]
O desenrolar do princípio da proporcionalidade na jurisprudência alemã aumentou demasiadamente a multiplicação de estudos em toda a Europa sobre o tema, possibilitando que através desses ideais outros países como Suíça, Áustria, França, Itália, Espanha e Portugal construíssem e se adaptassem a uma doutrina e jurisprudência relacionada sobre o princípio da proporcionalidade.
Na Suíça e na Áustria, o princípio da proporcionalidade percorreu caminho semelhante ao percorrido na Alemanha, isto é, o princípio em lume transmigrou do Direito Administrativo para o Direito Constitucional, na limitação do poder estatal frente aos direitos fundamentais do cidadão, conforme bem ressaltado pelos professores Paulo Bonavides[45], Ricardo Aziz[46] e Willis Santiago[47].
Na França, conforme salienta o professor Paulo Bonavides, o princípio da proporcionalidade se move no âmbito da jurisdição administrativa, manifestando-se, sobretudo, por via do “poder discricionário” (pouvoir discrétionnaire) que se limita pelo controle do “desvio de poder” (détournement du pouvoir). A aplicação do princípio da proporcionalidade na jurisdição constitucional francesa, é praticamente desconhecida.[48]
Em Portugal, segundo ensinamento do professor Ricardo Aziz, superado o período salazarista, e implantada a democracia, se inscreveu expressamente na Constituição de 1976, pactuada entre as várias correntes influentes após a Revolução de 1974, o princípio da proporcionalidade, nos arts. 18, n.º 2, e 266, n.º 2 (as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias fundamentais devem limitar-se ao necessário), verificando-se ainda sua presença, segundo Canotilho[49], no art. 19, n.º 4 (proporcionalidade na extensão e nos meios utilizados, quando da decretação do estado de emergência e do estado de sítio, nos limites do estritamente necessário ao restabelecimento da normalidade constitucional), no art. 272, n.º 1 (princípios da tipicidade e da necessidade das medidas de polícia: só as previstas em lei e nos lindes do necessário), bem assim no art. 266 (por obra da Lei de Revisão Constitucional n.º 1/89), em que a proporcionalidade é consagrada como princípio material constitutivo da administração pública.[50]
No Brasil, conforme leciona o professor Willis Santiago, o princípio da proporcionalidade ainda não mereceu acesso devido ao Direito Constitucional, ou mesmo ao Direito Administrativo, salienta que o momento atual se mostra extremamente propício à recepção do princípio da proporcionalidade pela doutrina e pela jurisprudência e que a ausência de uma referência explícita ao princípio no texto da nova Carta não representa nenhum obstáculo ao reconhecimento de sua existência positiva.[51]
Nos moldes atuais, foi desenvolvido inicialmente na Alemanha, sob inspiração de pensamentos jusnaturalistas e iluministas, com os quais se afirmaram as ideias de que a limitação da liberdade individual só se justifica para a concretização de interesses coletivos superiores.[52]
O princípio em estudo apresenta-se como uma das ideias fundantes da Constituição, com função de complementaridade em relação ao princípio da reserva legal (artigo 5º., II). Esta afirmação deve-se ao fato de que a ação do Poder Público deve ser conforme a lei formal, e que esta deve ter como parâmetro a proporcionalidade, pois o legislador não está liberto de limites quando elabora as normas, mormente quando estas tendem a reduzir a esfera de algum direito fundamental. Uma vez que o princípio da legalidade tem como um de seus aspectos complementares e essenciais à sua efetiva observação o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (artigo 5º., XXXV), mister é notar que este se aplica a qualquer ato praticado pelo poder público que seja considerado por aquele a quem prejudica como desproporcional ao objetivo almejado.[53]
Nossa Corte Suprema parece ter adotado a denominação clássica princípio da proporcionalidade, a qual vem sendo reiteradamente usada desde o primeiro acórdão proferido em sede de controle da constitucionalidade, que dele fez uso como argumento jurídico, em 1993. Trata-se de nosso leading case em matéria de proporcionalidade, quando o Supremo Tribunal Federal considerou que uma lei obrigando a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor no ato da compra e venda constituía “violação ao princípio de proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos”. [54]
Infere-se que o princípio da proporcionalidade é utilizado com crescente assiduidade para aferição da constitucionalidade dos atos do Estado, como instrumento de proteção dos direitos fundamentais. [55]
O princípio da proporcionalidade tem, portanto, papel indispensável na consecução de um dos principais objetivos do Estado brasileiro, qual seja, “reduzir as desigualdades sociais e regionais”, consoante letra do artigo 3º., III, de nossa magna Carta. A proporcionalidade é, por conseguinte, idéia ínsita à concepção de estado democrático de Direito.[56] (CRFB/88, artigo 1º., caput).
Alberto Silva Franco, dissertando sobre o princípio em tela, aduz:
“ O princípio da proporcionalidade exige que se faça um juízo de ponderação sobre a relação existente entre o bem que é lesionado ou posto em perigo (gravidade do fato) e o bem de que pode alguém ser privado (gravidade da pena). Toda vez que, nessa relação, houver um equilíbrio acentuado, estabelece-se, em consequência, inaceitável desproporção. O princípio da proporcionalidade rechaça, portanto, o estabelecimento de cominações legais (proporcionalidade em abstrato) e a imposição de penas (proporcionalidade em concreto) que careçam de relação valorativa com o fato cometido considerado em seu significado global. Tem em consequência, um duplo destinatário: o poder legislativo (que tem de estabelecer penas proporcionadas, em abstrato, à gravidade do delito) e o juiz (as penas que os juízes impõem ao autor do delito têm de ser proporcionadas à sua concreta gravidade).”[57]
5.2. Princípio da Proporcionalidade no Direito Processual Penal
O campo de atuação do princípio da proporcionalidade é polarizado. Tem-se admitido que ele deve ser tratado como “superprincípio”, talhando a estratégia de composição no aparente “conflito principiológico” (ex: proteção à intimidade versus quebra de sigilo). Por sua vez, deve ser visto também na sua faceta da proibição de excesso, limitando os arbítrios da atividade estatal, já que os fins da persecução penal nem sempre justificam os meios, vedando-se a atuação abusiva do Estado ao encampar a bandeira do combate ao crime. Deve-se destacar ainda, com Edilson Mougenot Bonfim, uma outra modalidade do princípio da proporcionalidade, que é a proibição de infraproteção ou proibição de proteção deficiente. O campo de proteção do cidadão deve ser visto de forma ampla. Existe a “proteção vertical”, contra os arbítrios do próprio Estado, evitando-se assim excessos, como visto acima, e a “proteção horizontal”, que é a garantia contra agressão de terceiros, “no qual o Estado atua como garante eficaz dos cidadãos, impedindo tais agressões”. Portanto, a atividade estatal protetiva não pode ser deficitária, o que pode desaguar em nulidade do ato. Cite-se como exemplo a súmula n.º 523 do STF, assegurando que a ausência de defesa implica na nulidade absoluta do processo, e a deficiência, em nulidade relativa.[58]
A origem do princípio da proporcionalidade tem origem nos Estados Unidos da América em relação à matéria probatória, devido à falta de regras na Constituição sobre a exclusão de provas consideradas ilícitas e as derivadas, o que se deu o surgimento da “teoria da exclusionary rule” e suas respectivas exceções, dentre elas “o princípio da proporcionalidade ou balancing test”,[59] assim explicitado por Walter Nunes da Silva Júnior, referindo-se no ponto, a estudo específico da Manuel da Costa Andrade:
Faz parte do Direito judicial americano a cláusula de exceção à regra da exclusionary rule identificada como balancing test, que corresponde à versão adaptada do princípio da proporcionalidade criado no sistema jurídico alemão. Para flexibilizar a rigidez da exclusionary rule, tem-se aceitado que o juiz, em cada caso concreto, faça a ponderação de valores assegurados pela Constituição, tendo em consideração a intensidade e quantidade da violação ao direito fundamental e o dano que poderá advir caso a prova não seja admitida. [...] O princípio da proporcionalidade foi construído na doutrina e jurisprudência alemãs, possuindo ampla aceitação no Direito europeu continental. [...] A proibição da valoração da prova adquirida de forma ilícita, sob a batuta do princípio da proporcionalidade, deve ser o resultado de apreciação judicial que tem de levar em consideração (1) o interesse concreto da persecução criminal, (2) a gravidade da lesão à norma, (3) o bem jurídico tutelado pela norma constitucional violada e (4) a carência de tutela do interesse lesado.[60]
Ainda cabe frisar que o princípio da proporcionalidade não pode ser invocado para se sobrepor a garantias e direitos individuais do acusado, especialmente no Brasil (país com histórico peculiar de violações aos direitos humanos), não obstante a Corte Suprema brasileira tenha admitido, no Habeas Corpus 80949/ RJ, a possibilidade remota de sua aplicação “em caso extremo de necessidade inadiável e incontornável, situação que deve ser considerada tendo em conta o caso concreto”.[61]
De todo modo, o seguinte trecho de decisão da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, do STF, ainda norteia a compreensão da incidência do princípio da proporcionalidade em matéria de prova ilícita:
Provas ilícitas: sua inadmissibilidade no processo (CF, art. 5º, LVI): considerações gerais. 2. Da explícita proscrição da prova ilícita, sem distinções quanto ao crime objeto do processo (CF, art. 5º, LVI), resulta a prevalência da garantia nela estabelecida sobre o interesse na busca, a qualquer custo, da verdade real no processo: consequente impertinência de apelar-se ao princípio da proporcionalidade – à luz de teorias estrangeiras inadequadas à ordem constitucional brasileira – para sobrepor, à vedação constitucional da admissão da prova ilícita, considerações sobre a gravidade da infração penal objeto da investigação ou da imputação.[62]
5.3. Princípio da Proporcionalidade no Direito Administrativo
Este princípio enuncia a ideia - singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada - de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que realmente seja demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujo conteúdo ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo que justifique o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam. Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público. Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente almejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. (...)[63]
Para José Roberto Pimenta Oliveira, em sua aprofundada e notável monografia sobre o princípio da razoabilidade e o da proporcionalidade, há uma fungibilidade entre eles. Anota como ás vezes o faz a doutrina, que: “É possível verificar que do mesmo modo em que o direito administrativo existente no âmbito da common Law desenvolveu historicamente a noção jurídica do razoável, enquanto standard, na sindicabilidade judicial da discrição administrativa nos quadros do rude of Law, os sistemas da família jurídica romano-germânica (civil-law) encontraram na noção da proporcionalidade equivalente instrumental axiológico para promover a contenção da arbitrariedade no exercício dos poderes administrativos no seio do Estado de Direito”.[64]
Sem nada contender esta indicação das origens de cada qual, estamos em que tais princípios não se confundem inteiramente. Parece-nos que o princípio da proporcionalidade não é senão uma faceta do princípio da razoabilidade. Merece um destaque próprio, uma referência especial, para ter-se maior visibilidade da fisionomia específica de um vício que pode surdir e entremostrar-se sob esta feição de desproporcionalidade do ato, salientando-se, destarte, a possibilidade de correção judicial arrimada neste fundamento. Costuma-se decompor o princípio da proporcionalidade em três elementos a serem observados nos casos concretos: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Conforme expressões de Canotilho, a adequação “impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deve ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes”; o princípio da necessidade ou da menor ingerência possível coloca a tônica na idéia de que “o cidadão tem direito à menor desvantagem possível” e o princípio da proporcionalidade em restrito é “entendido como princípio da justa medida”. Meios e fins são colocados em equação mediante juízo de ponderação, com o objetivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de “medida ou desmedida? para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim”.[65]
Posto que se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade. O conteúdo substancial desta, como visto, não predica a mera coincidência da conduta administrativa com a letra da lei, mas reclama adesão ao espírito dela, à finalidade que à anima. Assim, o respaldo do princípio da proporcionalidade não é outro senão o art. 37 da Lei Magna, conjuntamente com os arts. 5º, II, e 84, IV. O fato de se ter que buscá-lo pela trilha assinalada não o faz menos amparado, nem menos certo ou verdadeiro, pois tudo aquilo que se encontra implicado em um princípio é tão certo e verdadeiro quanto ele. “Disse Black que tanto faz parte da lei o que nela se encontra explícito quanto o que nela implicitamente se contém”.[66]
5.4. A Tríplice Dimensão do Princípio da Proporcionalidade: Adequação, Necessidade e Proporcionalidade em Sentido Estrito
A gênese do princípio da proporcionalidade voltada especificamente para a sua tríplice dimensão deve ser adequada, necessária e proporcional à proteção de um bem jurídico que seja, pelo menos, de igual valor, vez que, partindo do pressuposto de que liberdade é a regra, sua restrição, portanto, deve constituir exceção.
Tais regras – necessidade, adequação e proporcionalidade (em sentido estrito) trazem como denominação de subprincípios do princípio da proporcionalidade, cuja sua incidência traz um equilíbrio entre os valores e bens constitucionais. Surgindo nesse caso a proporção, é possível equilibrar as determinações entre o individual e a coletividade, trazendo um balanceio entre os direitos fundamentais.
Com isso temos que a partir desta formação da tríplice dimensão que se forma a origem do princípio da proporcionalidade na doutrina mais recente, isto é, através de um juízo de adequação da medida adotada, para que se possa obter o fim almejado; através da menor interferência possível sobre os direitos fundamentais individuais, diminuindo-se ao estritamente necessário para que com isso se possa atingir a finalidade que a complemente; e, através de uma justa medida de ponderação de interesses ao caso concreto.
Com isso temos que segundo ALEXY, necessidade, adequação e proporcionalidade são “parcelas” do princípio da proporcionalidade, onde necessidade implica dizer se um princípio tem mais ou menos peso em certa situação conforme as circunstâncias da situação tornem o valor que ele tutela ou promove mais ou menos necessário; adequação significa dizer que um princípio deve ser aplicado a uma situação quando é adequado para ela; e proporcionalidade em sentido estrito, onde “os ganhos devem superar as perdas”.[67]
Também conforme definição de Canotilho, obtemos que:
“o princípio da exigibilidade, também conhecido como o princípio da necessidade ou da menor ingerência possível coloca a tônica na idéia de que o cidadão tem o direito à menor desvantagem possível. Assim exigir-se-ia sempre a prova de que, para a obtenção de determinados fins, não era possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão”.[68]
Ainda o autor define adequação, como sendo o subprincípio que
“impõe que a medida adotada para a realização do interesse público deva ser apropriada à prossecução do fim ou fins a ele subjacentes. Consequentemente, a exigência de conformidade pressupõe a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos de sua adoção [...] Trata-se, pois, de controlar a relação de adequação medida-fim”.[69]
Com isso é ressaltado, para ALEXY, que através dos modelos de adequação e necessidade trazem a derivação dos princípios definidos como mitos de determinações de otimização com relação às possibilidades fáticas.
Na proporcionalidade em sentido estrito, quanto mais o Estado interfere na atuação de liberdade da atuação humana, mais cuidado deverão ser elencadas as razões para sua justificação. Conforme entendimento de ALEXY:
“na proporcionalidade, os ganhos devem superar as perdas. Existe uma conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade, e em caso de colisão, se requer ponderação, ou seja, a medida permitida de insatisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro.”[70]
ÁVILA traduz com objetividade os conceitos supracitados:
“O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove um fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca”.[71]