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A aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente nos litígios de guarda

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Agenda 10/10/2012 às 16:28

A proposta mais recente da doutrina é a defesa de uma presunção em benefício da figura primária de referência ou primary caretaker, ou seja, aquele que primordialmente cuidou do filho no dia a dia.

Resumo: O processo de relativização do pátrio poder – atual poder familiar –, que  elevou os filhos menores à condição de sujeitos de direito e os reconheceu como detentores de direitos especiais e fundamentais autônomos aos dos pais, percorreu árduo e longo caminho. Desta forma, o presente artigo busca analisar o sistema normativo global, que, em prol dos grupos vulneráveis, criou instrumentos específicos de proteção ao menor. O processo de especificação dos direitos da infanto-adolescência iniciou discussões sobre o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. Para a realização deste estudo, foram utilizadas revisões bibliográficas em doutrinas de Direito da Infância e juventude e da Família, legislações pátrias, Tratados Internacionais e jurisprudências. Para que fosse demonstrado o tratamento do Poder Judiciário em relação às lides que envolvem menores, este artigo valeu-se do HC 101985-RJ proferido pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio em relação ao menino Sean Goldman. O estudo demonstrou que a concretização do melhor interesse da criança depende de um trabalho interdisciplinar, sendo impossível sua efetivação mediante o olhar de apenas um magistrado. Conclui-se que todas as discussões e normatizações acerca do assunto devem ser retiradas do papel e praticadas primeiramente pelos pais, cabendo ao Poder Judiciário, na falta destes, devida intervenção.

Palavras-chave: Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente; processo de especificação do sujeito de direito; filhos menores, litígio de guarda.


1.INTRODUÇÃO

“Criança não tem querer!” Essa era a frase, perversa e fria, que representava a situação dos filhos menores submetidos ao pátrio poder até a década de 80.  Por meio da soberania extrema conferida pela legislação brasileira ao chefe de família, a prole era criada de acordo com a vontade – ou caprichos – e interesses do seu genitor ou responsável legal, sendo que nem mesmo a mãe tinha autoridade para cuidar ou educar seus filhos, e, a esses últimos, restava apenas, o estrito cumprimento da ordem do pai, chefe de família, cuja autoridade era incontestável.

Com o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, este domínio pleno do varão sobre a sua família foi mitigado pelo processo de especificação do sujeito de direito, que garantiu aos indivíduos, quaisquer que sejam, a igualdade e titularidade de direitos que assegurem uma vida digna. Desta forma, a criança e o adolescente, deixaram de representar objeto passivo e passam a ser sujeitos de direitos, recebendo o poder familiar moderação e limites pela referida Constituição, pelo Código Civil de 2002 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.

Nesse ínterim, consagra-se o principio do “melhor interesse da criança e do adolescente”, que vem resguardar os direitos do menor, priorizando-os, em relação aos dos pais. Tal princípio, atualmente, é pressuposto para qualquer discussão judicial que envolva menores de idade. É, na matéria, o princípio dos princípios.

O presente artigo irá discutir a respeito do melhor interesse da criança e suas atribuições, com escopo de alertar o Poder Judiciário para a importância de uma especial atenção às necessidades dos filhos inseridos em litígios de guarda, advindos da separação dos pais, e por fim, sugerir alternativa que promova a efetivação dos interesses da criança e do adolescente.


2 .O RECONHECIMENTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO PLANO INTERNACIONAL 

Os direitos humanos são históricos. Construídos gradativamente, configuram-se como resultado das inúmeras lutas sociais em favor de condições que proporcionassem melhor qualidade de vida para o ser humano.

Não obstante à existência precursora da Organização Internacional do Trabalho desde 1919 – que já garantia direitos sociais aos trabalhadores desde o pós-Primeira Guerra –, os direitos humanos somente iniciaram seu processo de desenvolvimento no plano internacional com o fim da Segunda Guerra Mundial e com o surgimento da Organização das Nações Unidas.

Entre 1939 e 1945, o mundo vivia grande desolação. A era Hitler trouxera a desvalorização e redução do ser humano a mero objeto de controle de um poder doentio e imoral. Em face destas atrocidades, no início do séc. XX nasce matéria que, de acordo com Mazzuoli, “visa à proteção dos direitos da pessoa humana independentemente de qualquer condição” [1], ganhando, deste modo, dupla proteção: a do Direito Interno Constitucional e outra do Direito Internacional público.

O International Human Rights Law foi precedido pelos Tratados de Paz de Westfália, de 1648, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos. De acordo com Mazzuoli[2], os precedentes históricos mais concretos deste sistema são o Direito Humanitário – cuja finalidade é estabelecer limites à atuação do Estado, com vistas a assegurar a observância e cumprimento dos direitos humanos; Liga das Nações – cuja finalidade era promover a cooperação, a paz e a segurança internacional por meio de regras genéricas relativas a direitos humanos; e a Organização Internacional do Trabalho – que estabelece critérios básicos de proteção ao trabalhador –, juntos, formam, para a maioria dos doutrinadores, a “arquitetura internacional dos direitos humanos”.

Para o autor esses três precedentes, de forma conjunta, “contribuíram para a ideia de que a proteção dos direitos humanos deve ultrapassar fronteiras estatais, transcendendo limites da soberania territorial dos Estados para alçar-se à categoria de matéria de ordem internacional”. [3]

Deste modo, Mazzuoli conclui que o Direito Internacional dos Direitos Humanos configura-se como:

Direito pós-guerra, nascido em decorrência dos horrores cometidos pelos nazistas durante o período de 1939 - 1945 que foi marcado por inúmeras violações de direitos humanos (...) o legado do holocausto para internacionalização dos direitos humanos, portanto, consistiu na preocupação que gerou na consciência coletiva mundial de que falta de uma arquitetura internacional de proteção de direitos, com vistas a impedir que a atrocidades daquela monta viessem a ocorrer novamente (...) viram-se os Estados obrigados a construir toda uma normatividade internacional eficaz em que o respeito aos direitos humanos encontrasse efetiva proteção. [4]

Entende-se, neste caso, que o Direito Internacional dos Direitos Humanos se manifesta, em todo o mundo, através de um conjunto de procedimentos, normas internacionais e instituições desenvolvidas com o escopo de inserir o respeito dos direitos humanos em cada país.

Assim, a internacionalização dos Direitos Humanos, relativizou a soberania – antes absoluta – dos Estados, que passaram a admitir a intervenção externa em favor da efetivação e manutenção do bem-estar da pessoa humana e da paz mundial. É neste momento, cristalizada sua proteção, que o indivíduo recebe a condição de sujeito de direito e recebe mecanismos processuais para resguardar seus direitos, agora protegidos, internacionalmente. 

2.1 A VISÃO CONTEMPORÂNEA DOS DIREITOS HUMANOS 

Flávia Piovesan[5] informa que no ano de 1945, surge a Organização das Nações Unidas e, já no ano de 1948, com 48 aprovações e 8 abstenções dos seus Estados Membros, a ONU adota a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ratifica um consenso mundial da universalidade (já que a condição de pessoa é requisito único para a titularidade desses direitos) e indivisibilidade (pois os direitos políticos, civis, sociais, econômicos e culturais são unos e interdependentes entre si.) dos Direito Humanos.

A Carta da ONU, de acordo com Mazzuoli, “contribuiu para o processo de asserção dos direitos humanos, na medida em que teve por princípio a manutenção da paz e da segurança internacionais e respeito aos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem distinção de raça, sexo, cor ou religião”. [6]

Deste modo, a Declaração define, mediante a união do conceito de liberdade e de igualdade, a concepção contemporânea dos direitos Humanos, como bem dispõe a resolução 32/130 da Assembleia Geral das Nações Unidas: “Todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertence, inter-relacionam-se necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes.”[7]

O traço marcante da Declaração, então, é servir de parâmetro ou propriamente Código para os países participantes das comunidades internacionais, tornando assim, uma espécie de deslegitimador dos Estados, já que a violação desta Declaração pode torná-los indignos  de aprovação da comunidade internacional.

 Ensina Piovesan que é neste momento que o DIDH é desenvolvido, mediante adoção de inúmeros tratados internacionais voltados à proteção de direitos fundamentais, que formam um sistema normativo global de proteção dos direitos humanos, no âmbito das Nações Unidas, integrando-se por instrumentos de alcance geral e os de alcance específico, sendo este último muito relevante no que diz respeito aos direitos da criança e do adolescente, “uma vez que é ele que realça o processo de especificação do sujeito de direito em que o sujeito é visto através de suas especificidades e concreticidade”.[8] Ao lado disto, resta aos Estados inserirem ao seu sistema normativo interno o sistema global, adequando suas normas regionais às internacionais.

 Portanto, Flávia Piovesan conclui que “os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaração Universal,compõe o universo instrumental de proteção dos direitos humanos no plano internacional”.[9]

2.2 O PROCESSO DE ESPECIFICAÇÃO DO SUJEITO DE DIREITO

Em virtude do descaso acentuado sofrido por certos grupos da sociedade ao longo da história, a visão contemporânea dos direitos fundamentais trouxe novos mecanismos que objetivam salvaguardá-los, de acordo com a concepção aristotélica. O tratamento desigual, na medida de suas desigualdades, tenta afastar a ideia de que a diversidade poderia ser justificativa para supressão de direitos dos integrantes desses grupos, como era o caso da escravidão, do nazismo, da homofobia, da xenofobia, entre outros.

O processo de especificação do sujeito de direito surge, então, após a Declaração Universal de 1948, no momento em que o ser humano é observado individualmente, não sendo somente analisado sob aspecto genérico e abstrato.

Como já dito anteriormente, o sistema normativo global, dividido em instrumentos de alcance geral e por instrumentos de alcance específicos, emana o direito de ter direitos para qualquer pessoa humana. Porém, será essa segunda fase de proteção que irá, a partir de tratados que objetivam eliminar todas as formas de discriminação, resguardar os direitos de cada grupo social de forma especial e peculiar.

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Piovesan ensina que

(...) a garantia da igualdade da diferença e do reconhecimento de identidades é condição e pressuposto para o direito à autodeterminação, bem como para o direito ao pleno desenvolvimento das pontecialidades humanas, transitando-se da igualdade abstrata e geral para um conceito plural de dignidades concretas.[10]

Assim, o sujeito de direito pertencente a esses grupos vulneráveis, merece, mediante violações de seus direitos, uma resposta diferenciada, correspondente ao seu grau de fragilidade na sociedade em que está inserido.

O complexo sistema normativo de proteção internacional dos direitos humanos funda-se no valor da primazia da pessoa humana. Logo, estes instrumentos internacionais somam-se, conjugam-se e reforçam-se, com a finalidade de alcançar o mais aprimorado e eficaz aparato de proteção, defesa e promoção dos direitos humanos.

Nesse mesmo entendimento, Mazzuoli ensina que o sistema global se relaciona com o sistema regional na medida em que aquele trabalha para a concretização do objetivo principal deste, qual seja a extração de valores e de sua compatibilização com idéias provenientes de fontes e produção diferentes, reunindo-os em prol da salvaguarda da pessoa humana. Isto é, em meio a distintos interesses e valores diversos empregados pela pós-modernidade, mister faz uma atenção maior do jurista para o caso concreto.[11]

2.3 O RECONHECIMENTO DA CRIANÇA COMO SUJEITO DE DIREITO

Após um apanhado geral sobre a visão contemporânea dos direitos humanos e o novo processo de especificação do sujeito de direito, importante é, para este estudo, uma apresentação focalizada no desenvolvimento do processo de reconhecimento do infante como sujeito de direito.

O séc. XX foi marcado pela defesa, valorização e proteção da infância, que, pela primeira vez, foi vista como uma fase própria, não mais sendo a minimização da fase adulta, mas sim, aquela que considera a criança como um ser próprio, que necessita de crescimento e amadurecimento; que as trata como titulares de um direito próprio e especial que tutela suas necessidades, anseios e deveres.

Alessandra Bontempo ensina que a Declaração dos Direitos da Criança, em Genebra, elaborada pela organização não-governamental Save The Children International Union em 1923 e adotada pela liga das nações em 1924, foi o primeiro documento internacional com a preocupação de expressar os direitos das crianças, porém, trazia apenas cinco artigos dirigidos aos homens e mulheres de todas as nações. Somente em 1959, com a adoção da Declaração Universal dos Direitos da Criança pelas Nações Unidas é que foram reconhecidos esses direitos a toda e qualquer criança, sem distinção de qualquer espécie. A partir dessa Declaração é que se inicia a discussão efetiva sobre as condições da criança como sujeito de direito, uma vez que a proteção e o desenvolvimento integral seja ele físico, psíquico, moral, espiritual e social, são amparados pelo novo conceito do binômio “cuidado-proteção”. [12]

Em 1979, por iniciativa da Polônia socialista, foi aprovada a ideia de elaborar um projeto de Convenção sobre os direitos da criança. Assim, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, entrando em vigor no final de 1990. A referida Convenção define o termo “criança”, em seu artigo 1º, como “todo ser humano com menos de 18 anos de idade anos, salvo se, nos termos

da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo.”[13], afastando, assim, qualquer outro tipo de característica que exclua um ser humano que esteja vivenciando a fase da infância e adolescência

Bontempo ressalta que a Convenção sobre o Direito da Criança, acolhendo a concepção contemporânea dos Direitos Humanos

(...) reforça a figura da criança como sujeito de direito, merecedora de proteção especial, com absoluta prioridade, acolhendo a doutrina da proteção integral, mediante a qual deve ser reconhecido o direito de toda criança a um nível de vida adequado ao seu desenvolvimento físico, mental, espiritual, moral e social (art. 27).[14]

Neste momento, a criança passa a ser titular de um direito próprio, resguardada por normas, tratados e princípios que a observa de acordo com suas especialidades. Para Tânia Pereira, “Ser ‘sujeito de direito’ significa, para a população infanto-juvenil, deixar de ser tratada como objeto passivo, passando a ser, como os adultos, titular de direitos juridicamente protegidos”[15].

No Brasil, essa ideia só é ratificada com o advento da Constituição de 1988 e a adoção da Lei 8.069/90 (ECA), pois, antes, a criança era mencionada no direito apenas quando estava em situação irregular (Código de Menores. Lei nº. 6.697/79). Desta forma, explica Bontempo: 

(...) com a Convenção sobre os direitos da Criança, a Constituição de 1988 (art. 227) e o ECA (arts. 3º e 4º) adotam a doutrina de proteção integral e reconhecem que a criança é um verdadeiro sujeito de Direito, em condição peculiar de desenvolvimento, a merecer proteção especial e a ter absoluta prioridade na realização dos seus direitos.[16]


3. A CRIANÇA E O ADOLESCENTE NOS LITÍGIOS DE GUARDA

  Pode-se perceber que a defesa e discussão sobre os direitos da criança e do adolescente no Brasil enfrentaram diversas dificuldades e ultrapassaram barreiras históricas, antes consolidadas pelo modelo de família patriarcal. Os filhos, representados anteriormente como objetos passivos – após a Carta Magna de 1988 e o ECA, que propuseram uma política de bem-estar à infância e juventude –, passam a ser identificados como integrantes da família, ou seja, seres que não se confundem com a pessoas do pais.

De acordo com o ensinamento de Sumaya Saad o modelo de família unitário, constituído pelo casamento indissolúvel que relega seus membros a uma importância secundária não é mais protegida como instituição, “mas passa a ser tutela por ser instrumento de estruturação e desenvolvimento da personalidade dos sujeitos a integram” [17].

A partir dessa nova ótica, os interesses de cada integrante do grupo familiar serão resguardados e questionados pelo Estado caso haja exclusão ou omissão de cuidados a qualquer ente desse grupo, devendo os pais, enquanto primeiros detentores deste poder, administrar e proporcionar uma vida saudável aos seus pupilos enquanto estes necessitarem, até mesmo quando esse elo é quebrado. Ou seja, havendo separação litigiosa ou mesmo consensual, não devem mais ser apenas observados os interesses patrimoniais e de bem-estar do casal, mas, sobretudo, o prioritário e integral interesse da sua prole.

Em face de todo esse desenvolvimento histórico em prol do menor, o Brasil adotou o princípio do melhor interesse da criança como norma (art. 227 da CF de 88, art. 3º do ECA,  e implicitamente nos arts. 1.583 e 1.584 do CC de 2002, já que os Enunciados nº. 101 e 102 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil, dispõem  que as expressões “guarda de filhos” e “melhores condições”, constante nos supracitados artigos, respectivamente, devem atender ao melhor interesse da criança). Ressalta-se que esse melhor interesse preocupa-se, em primeiro lugar, com a dignidade daquela criança que está inerente ao processo de separação, deixando subsidiários, mas não abolidos, os interesses dos pais.

A aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente em uma disputa de guarda significa que haveria então dois momentos. No primeiro, seria necessário condensar os direitos previstos nos Tratados Internacionais, na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil, conciliando-os com a prática interdisciplinar da Psicologia, Assistência Social, Psiquiatria, Advocacia e Promotoria, para, somente em um segundo momento, por meio de um consenso interdisciplinar, o juiz poder decidir ou presumir quem é o “melhor pai” para guardar da prole. Ou seja, a probabilidade de efetivação dos direitos da criança será maior, mediante um estudo conjunto e especializado (realizado por profissionais competentes) ao caso concreto.

 Árduo, porém, será o caminho, pois, muitas vezes, nos casos de não concordância sobre a guarda dos filhos, durante a lide processual, a vontade de derrotar, magoar e dar trabalho ao outro cônjuge se sobrepõe ao sentimento dos filhos.

3.1. O ECA E A GARANTIA CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO INTEGRAL DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Após vários documentos internacionais versando sobre a proteção integral da criança – Carta de Genebra, em 1924; Declaração Universal de Direitos Humanos das Nações Unidas, 1948; Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959; Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969; a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, de 1989 – e esparsos esboços nas legislações regionais que mencionavam algumas situações com menores infratores e trabalhadores, como os Códigos Penais brasileiro, de 1830 e de 1890; o Código Civil, de 1916; o Código Mello Mattos, de 1927; e a CLT, de 1943 – a Constituição Federal de 1988 introduziu na Doutrina Constitucional a redação específica relacionada aos Direitos Fundamentais da criança e do adolescente, referenciando em seu art. 227 a doutrina jurídica da proteção integral e consagrando os direitos especiais que devem ser universalmente reconhecidos. Na lição de Tânia da Silva Pereira “O art. 227, CF é reconhecido na comunidade internacional como a síntese da Convenção de ONU de 1989”.[18]

A partir do séc. XX, em favor de uma nova ordem, o Estado começou a intervir no espaço social mediante organização de tudo que foi causador da desordem física e moral. A criança e o adolescente, então, tornam-se titulares de Direito Fundamentais, como os adultos. Este tratamento constitucional especial, na década de 80, foi dado em virtude da preocupação com a situação perigosa que a criança e o adolescente viviam desde o final do séc. XIX e início do séc. XX em virtude da Revolução Industrial. Percebeu-se que o crescimento urbano e a industrialização tiveram influência significativa nas políticas sociais, introduzindo novos paradigmas de proteção à infância e à juventude. A mentalidade repressora cede espaço para uma concepção de reeducação no tratamento em relação à assistência ao infante, fundado não somente nas palavras dos costumes ou da moral, mas, sobretudo, na ciência. 

 Esmiuçando o artigo constitucional supracitado, a Lei 8.069 de 1990, mais conhecido como Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, adotou a doutrina jurídica da proteção integral, regulamentando os direitos fundamentais da infanto-adolescência propostos no art. 227 da Constituição, como bem exposto abaixo:

Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (grifo nosso).

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (grifo nosso).

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (grifo nosso).[19]

Como bem percebido, a proteção integral destina-se a resguardar aquele indivíduo que não consegue, ou ainda não pode, proteger-se sozinho, não mais o equiparando com o adulto, mas delimitando, ao infanto-adolescente, caminhos acessíveis para a efetivação desses direitos.

Juridicamente, a palavra integral será interpretada em seu sentindo literal, ou seja, configurará algo completo, inteiro, com todas as suas propriedades originais[20], tornando todas as crianças e os adolescentes donos de um só direito: o direito de viver bem.

Para Tânia Pereira[21], a Constituição de 1988 em conjunto com o ECA revela três elementos fundamentais que dão novo direcionamento à proteção integral da criança e do adolescente, que são: a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento – que seria o desfrute de todos os direitos concedidos aos adultos somados a alguns especiais que decorrem do fato de não terem acesso ao conhecimento pleno de seus direitos; não terem atingido condições de defender seus direitos, caso sejam violados; não contar com meios próprios para arcar com a satisfação de suas necessidades básicas, já que podem responder pelo cumprimento das leis e deveres e obrigações inerentes à cidadania da mesma forma que o adulto.

Desta forma, a autora explica que a prioridade absoluta se entende como a primazia em receber proteção e socorro em qualquer circunstância; como a precedência no atendimento por serviço ou órgão público de qualquer poder; como a preferência na formulação e execução das políticas sociais públicas, e como a destinação privilegiada de recursos públicos às áreas que protegem a infância e juventude. Por fim, é a condição de sujeito de direito, proferindo às crianças e adolescentes a titularidade de Direitos Fundamentais, deixando de serem tratados como objetos passivos.

O melhor interesse da criança tem o escopo de consolidar todos os direitos inseridos na garantia de proteção integral, nos casos de litígios de guarda judiciais que envolvam menores. Tânia Pereira explica que o referido princípio “é aplicado como um padrão que considera, sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses dos pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto”.[22]

3.2 A GUARDA DE FILHOS E O PODER FAMILIAR

De acordo com Chaves, a guarda de menores é o conjunto de relações jurídicas entre o genitor ou responsável legal e o infante, uma vez que este último está submetido ao poder e à responsabilidade, no que diz respeito à educação, proteção e cuidado do primeiro.[23]

Scaff entende por poder familiar é aquele “limitado e com finalidade clara, determinada e insubstituível: pretende garantir que os filhos menores tenham proteção e a educação necessária, o que ocorrerá não só em seu próprio e primeiro benefício, mas também em favor da sociedade como um todo”.[24]

Ressalva o autor Waldyr Grisard Filho[25] que a guarda não é essência do poder familiar, sendo apenas de sua natureza, podendo ambos conviver pacificamente, ou seja, a primeira (guarda) não exclui o segundo (poder familiar). Nesse contexto, o poder familiar já não age discricionariamente, mas passa a ser condicionado ao melhor interesse do menor.

Assim, independente de qual modalidade de guarda – que, de acordo com referido autor, podem ser – guarda comum, desmembrada e delegada; guarda originária e derivada; guarda de fato; guarda provisória e definitiva, guarda única; guarda jurídica e material; guarda alternada; e guarda jurídica material compartilhada ou conjunta.[26] – os genitores estiverem inseridos, sempre serão instituídos do poder familiar para que possam salvaguardar o melhor interesse dessa criança ou desse adolescente, ressalvando os casos em que este pai ou esta mãe possam comprometer o desenvolvimento sadio deste infante.  

Atualmente, a jurisprudência tem prezado pela modalidade da guarda compartilhada, fundamentando-se no princípio da convivência familiar, justificando que a guarda unilateral − excetuando-se casos de abandono afetivo ou morte de um dos cônjuges ou genitores − alija a presença de um dos pais, podendo causar grandes danos para a formação psíquica da criança, bem como a guarda alternada, que causaria grande confusão à cabeça da criança no que concerne ao seu cotidiano, já que esta não teria um parâmetro de lar. Rolf Madaleno afirma que “a divisão exata do tempo cria ausência de identidade do filho no respeitante à sua habitação, e também, no que respeita à frequente mudança do domicílio, fragilizando ou perdendo, amizades, programações, estabilidade e referências”.[27] A guarda compartilhada então, acolhida pelos magistrados, significaria uma adequação daquelas duas vidas desligadas (a dos pais), em prol de uma que não pediu a separação (filhos).

Entende-se por Guarda Compartilhada a conservação mútua do direto de guarda, e responsabilidade dos filhos. Para Grisard, a Guarda Compartilhada “é um plano de guarda onde os genitores dividem a responsabilidade legal pela tomada de decisões importantes relativa aos filhos menores conjunta e igualitariamente”.[28] Assevera também que esse modelo de guarda valoriza precipuamente a convivência do menor com seus pais, pois, apesar do distanciamento gerado pela separação, reserva a cada um deles o direito de participar e acompanhar os assuntos referentes à vida daquela criança.

3.3 O PODER FAMILIAR E O CUIDADO DOS PAIS COM SUA PROLE

Quando uma família é imaginada, as palavras amor, fraternidade, cuidado, estrutura, amizade e carinho são as primeiras associadas a esta projeção. Ao nascer, a criança é dependente total de seus pais, o que implica na presunção de que estes cuidam para a sobrevivência física e moral de seu pequenino. O cuidado dos pais com sua prole se confunde com o instinto de preservação da espécie, por isso, a família, no Código de 1916, era tratada unicamente na esfera do Direito Privado, sob a ótica do ditado popular de que “roupa suja se lava em casa”. O pátrio poder era exacerbado, deixando margem para grandes injustiças e total subordinação dos filhos e da mulher para com o chefe de família.

Mister relembrar que o Código Civil de 1916 garantia o pátrio poder com exclusividade ao marido. Somente na ausência ou impossibilidade do pai é que a mulher estava autorizada a chefiar a sociedade conjugal, avocando assim, o exercício do poder familiar em relação à prole. Porém, enviuvando e contraindo novas núpcias, não poderia mais a mulher, exercer o pátrio poder sobre suas crianças, mesmo estas sendo de tenra idade. Desta forma, só recuperaria tal prerrogativa se enviuvasse outra vez. Com Estatuto da Mulher Casada de 1962, o pátrio poder passou a pertencer a ambos os pais, mas de forma limitada no que concerne às atribuições da mãe perante sua família, uma vez que ela apenas “cooperava” com o seu marido. Havendo desacordo entre o pai e a mãe, prevalecia a vontade do varão, restando à mulher a possibilidade de pleito judicial.[29]

Para exemplificar o exposto, Alonso explica que no ordenamento espanhol

 “el abandono progresivo de la concepción patriarcal de la familia, con la debilitación de la figura paterna a medida que prosperaba en las sociedades modernas la idea de la equiparación de los sexos, propiciada por los textos constitucionales más recientes, dio lugar a extender la titularidad de la potestad a las madres que adquieren por derecho propio y no por vía subsidiaria, como ocurría anteriormente y como contemplaba el artículo 154 del CC. en su redacción originaria (“El padre, y en su defecto la madre, tienen potestad sobre sus hijos legítimos no emancipados…”), la titularidad conjunta de la patria potestad sobre sus hijos. Esta atribución de la potestad a las madres, para que la ejerzan conjuntamente con sus maridos o padres de sus hijos es, precisamente, el rasgo que mejor caracteriza la regulación española de la materia”. [30]

Porém, como já exposto, a Constituição Federal brasileira de 1988 inovou em vários aspectos do Direito de Família, e, de objeto de direito, o filho passou a ser sujeito de direito. O art. 5, I que concede o tratamento isonômico ao homem e à mulher transforma a família em um grupo organizado pelos pais, que, com poderes limitados, cuidam igualmente da proteção integral de sua prole. Assim, o art. 226 § 5º da CF outorga a ambos o desempenho do poder familiar com relação aos filhos comuns.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo essa evolução das relações de família, modificou essencialmente o instituto, fazendo emergir preceito categórico sobre o poder familiar (então denominado pátrio poder).[31] O art. 21 confirmou a prática da função parental em paridade de condições entre os progenitores, “coibindo quaisquer discriminações, privilégios ou distinções entre eles, pois investidos ambos nas prerrogativas inerentes a tal instituto protetivo”.[32]

Outorgado o pátrio poder a ambos os genitores, a lei adequou-se a um cenário contemporâneo: o fato da mulher já exercer tal papel há algum tempo, mesmo, sem a presença do pai dos filhos e também independentemente da existência de um matrimônio.[33] Desta maneira, passou-se a entender que “o poder familiar não pode ser dissociado dos princípios constitucionais balizadores da família igualitária e eudemonista”.[34]

Apesar de constantes críticas em relação à sua denominação, o Poder Familiar, inserido pelo Código Civil de 2002, tem o escopo de não manter absoluta a autonomia dos pais perante os filhos, sendo cabível a intervenção subsidiária do Estado em caso de abuso desse poder-função. Para Maria Berenice Dias, “a expressão que goza da simpatia da doutrina é autoridade parental. Melhor reflete a profunda mudança que resultou da consagração constitucional do princípio da proteção integral”.[35]

Segundo Paulo Lôbo, uma parte das legislações alienígenas hodiernas, já utilizam o termo “autoridade parental”. A França faz uso de tal nomenclatura desde os anos 70. O Direito de Família norte-americano também se inclina a dar preferência ao seu uso. Corroborando com Maria Berenice, opina o autor que o vocábulo parental realça superiormente “a relação de parentesco por excelência que há entre pais e filhos, o grupo familiar, de onde deve ser haurida a legitimidade que fundamenta a autoridade”.[36]

Desta forma, de acordo com Waldyr Grisard Filho[37], o poder familiar não se configura apenas no exercício dos interesses de seus titulares, mas sim no exercício de um dever observando os interesses dos filhos.  

O rol do artigo 1.634 do CC/02 elenca os cuidados que o poder familiar deverá exercer sob a pessoa dos filhos. A omissão ou abuso da prática dessas medidas poderão configurar infração suscetível à pena de multa, prevista pelo artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente, poderá também o poder familiar ser suspendido temporariamente, no todo ou em parte, em relação ao filho vítima ou em relação a toda a prole, por meio de requerimento pelo Ministério Público ou de parente da criança, ou ainda, por meio da intervenção do estado pelo juiz, como bem preveem os arts. 155 a 163 do referido Estatuto.

O Direito de Família, atualmente, encontra-se tanto na esfera Pública quanto na Privada do Direito, sendo o Estado competente para fiscalizar ou penalizar aquele que não cuidar do que hoje constitucionalmente é a base da sociedade: a família (art. 226 CF). O cuidado com os filhos, então, passou não só a ser instinto, mas norma legal prevista na legislação brasileira.

3.4.A DISPUTA DE GUARDA E O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

O art. 227 da CF prevê a convivência familiar como prerrogativa do princípio da proteção integral da criança, não implica, porém, no simples domicílio junto aos pais, mas sim, na vivência com seus ascendentes, sendo eles pais e avós, com seus irmãos, tios, avós e primos, até mesmo com terceiros próximos que participam ativamente do desenvolvimento daquele infante.

O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe em seu bojo uma nova análise em relação ao estudo de guarda, que passou a ser enxergada sob o ângulo do Direito da Família, como um direito-dever natural e originário da paternidade e sob o do próprio ECA, que tem como propósito regulamentar a posse de fato da criança relativamente à pessoa diversa dos pais dela, sem que ocorra, necessariamente, a suspensão ou perda do poder familiar.[38]

O Código Civil de 2002 dispõe sobre guarda em dois momentos: 1. No momento que evidencia o tema como um dos deveres/direitos oriundos do matrimônio ou da união estável;[39] 2. Quando se ocupa da proteção da pessoa dos filhos na ocorrência de término do matrimônio ou da união estável.[40]

O Diploma Civil brasileiro dispõe, em seu art. 1.632, que as relações entre progenitores e prole não se demuda com a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável. Ou seja, a titularidade e o exercício do poder familiar não sofrem alterações nesses casos. A única mudança diz respeito ao direito de um dos pais ter os menores em sua companhia permanente, uma vez que o infante tem o direito fundamental à convivência familiar.[41]

No entendimento de Waldyr Grisard Filho[42], o divórcio não atinge aos direitos e deveres mútuos entre pais e filhos, muito embora ocorra um desdobramento da guarda, uma vez que tal prerrogativa é concedida, em regra, a um dos progenitores enquanto ao outro é concedido o direito de visitas. Esse desatamento ocasiona, na opinião do autor, um enfraquecimento da autoridade parental daquele que não possui a guarda, que se vê impossibilitado de exercer amplamente o seu direito, em comparação com a situação experimentada pelo genitor-guarda.[43]

O fato é que, embora a convivência entre os pais e filhos seja desfavorecida com a separação do casal, não há que se falar em diminuição do alcance do poder familiar. Tal fenômeno provém dos preceitos legais que devem ser utilizados como meio e causa para sobrevivência dos vínculos que unem pais e filhos, mesmo que não habitem mais no mesmo local.[44]

A fim de evitar confusão acerca dos institutos, é imperioso se reafirmar que a atribuição de guarda exclusiva não se traduz em exercício unilateral do poder familiar. Nas palavras de Marianna Chaves:

As hipóteses de exercício unilateral do poder familiar são aquelas em que apenas um dos progenitores exerce a função, tendo em vista que o outro se encontra impossibilitado, por falta ou impedimento. Faz-se presente a ocorrência da concentração do exercício desse múnus em apenas um dos progenitores, sem qualquer cooperação do outro. [45]

O ordenamento jurídico brasileiro só se refere a essa modalidade de exercício do poder familiar na ocorrência da falta ou impedimento de um dos progenitores (morte ou ausência judicialmente declarada, suspensão ou perda do poder familiar, interdição judicial), quando ao outro competirá o poder com exclusividade − é o caso do filho não reconhecido pelo pai − evidentemente, a mãe deterá o poder familiar privativamente.

Ainda sobre a questão, afirma Denise Damo Comel que o exercício unilateral do poder familiar “é na verdade um modo anormal de exercício, em que a função paterna se centraliza apenas num dos pais, que a exerce independentemente da interferência do outro e privativamente” [46]. Complementa ainda que nessas ocorrências não existem quaisquer insulto ao princípio da igualdade entre homem e mulher, tendo em vista que o exercício unilateral se dá por um fato impeditivo (absoluto e insuperável), passageiro ou peremptório, não originando discriminação de qualquer natureza.

Sendo assim, a dissolução da união – que resultou em filhos – não significa separação de todo universo de vida que a criança construiu durante a constância do grupo familiar, mas sim, apenas uma readaptação daquela rotina.

Fundamentando-se em todos os princípios, leis e doutrinas acima expostos, não pode, e não devem, os pais, negligenciarem todos os direitos daquele menor somente em favor de seus interesses. A ação de disputa de guarda deve ser analisada pelo juiz de forma que não prejudique a relação de convivência com nenhum dos familiares ou parentes daquele infante, dando preferência para aquele que facilitar essa conexão. Nesse diapasão, explica o professor Rolf Madaleno:

A simples destituição da guarda física de filho pela separação dos pais não implica, sob nenhum aspecto, a perda do poder familiar, e talvez até reforce o seu exercício pela redução do contato do genitor não-guardião com seu filho que ficou sob a guarda do outro ascendente. Nem significa admitir sob qualquer pretexto, pudesse a cisão da guarda prejudicar por alguma forma o direito-dever dos genitores manterem uma sadia convivência familiar.[47]

Como remédio paliativo, a Lei 11.698 de 13 de junho de 2008 alterou os artigos 1.583 e 1.584, inserindo novo instituto no Direito Civil, a guarda Compartilhada, aderida pela maior parte dos julgadores com intuito de resguardar a convivência familiar, porém, ainda é muito criticada nos casos em que os pais não entram em consenso com relação à situação dos seus filhos. Madaleno diz que “a guarda compartilhada exige dos genitores um juízo de ponderação, imbuídos da tarefa de priorizarem apenas os interesses de seus filhos comuns, e não o interesse egoísta de seus pais” [48]. Porém, salienta que é necessária a manifestação de interesse de ambos os pais, sob o risco de não atingir seu objetivo.

Waldyr Grisard Filho defende o novo instituto demonstrando que, em vários momentos, a legislação brasileira refere-se à guarda compartilhada, como exemplos os artigos 226, §5º; 227 § 7º da CF e arts. 1º; 16, V; 19; 21 e 22 do ECA, afirmando que “é inegável, assim, que a lei menorista acolheu a tese da guarda compartilhada, sendo amplamente favorável” .[49]

O direito à convivência familiar, então, é prerrogativa constitucional que impõe aos pais (em caso de separação ou divórcio) não forçar a convivência entre cônjuges somente por causa da criança, mas readaptá-la a um novo meio, sendo que a falta dessa harmonia gerará decisão judicial em favor prioritário do menor. Assegurada constitucionalmente e considerada um dos nortes do Direito de Família, a disputa de guarda, que pleiteia guarda unilateral, sem o contato do outro pai ou mãe, excetuando casos que um dos genitores não tenha capacidade jurídica para cuidar de seu filho menor, já não é mais deferida, uma vez que a convivência familiar é fundamental para a concretização do melhor interesse da criança.

Sobre a autora
Jamille Saraty

Advogada. Mestre em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra Pós- graduada no 15o. Curso de Pós-Graduação "Proteção de Menores" Prof. Doutor F.M. Pereira Coelho organizado pelo Centro de Família da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Membro do Instituto Brasileira de Direito de Família -IBDFAM. Associada ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós - Graduação em Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARATY, Jamille. A aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente nos litígios de guarda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3388, 10 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22786. Acesso em: 22 dez. 2024.

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