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O Tribunal de Contas no contexto orgânico da Constituição Federal de 1988

Agenda 31/10/2012 às 09:58

A tarefa de auxílio ao Poder Legislativo não é única ou mesmo a principal atividade exercida pelos Tribunais de Contas, sendo temerário afirmar, pois, tratar-se de um órgão auxiliar.

Resumo: Exposição da natureza jurídica do Tribunal de Contas, no contexto político republicano brasileiro, com destaque para sua imprescindível autonomia orçamentária e financeira, assecuratória do incólume exercício do controle externo, notadamente no que concerne à fiscalização contábil, financeira, orçamentária, patrimonial e operacional das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas que, embora atividade típica do Poder Legislativo, jamais por este poderia ser exercida sem o auxílio de um corpo técnico especializado.

Palavras-chave: auditoria; contas; controle; fiscalização; revisão;


Introdução

Inicialmente cumpre ressaltar que as linhas mestras que delineiam a competência do Tribunal de Contas da União encontram-se sintetizadas nos artigos 71 a 74, do Capítulo I, do Título IV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CRFB/88, que se destina a dispor sobre a organização do Poder Legislativo.

Assim, partindo-se do pressuposto de organicidade do texto constitucional, poder-se-ia equivocadamente concluir que o Tribunal de Contas da União é órgão integrante do Poder Legislativo. Tarefa árdua, entretanto, seria enquadrá-lo na estrutura administrativa deste Poder, que é composto unicamente pela Câmara dos Deputados e Senado Federal, a exposto do artigo 44 da CRFB/88.

Na sequencia de leitura do texto constitucional, observa-se no art. 71 que “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União”, razão esta, talvez, do legislador constituinte ter situado o Tribunal de Contas no capítulo que trata especificamente do Poder Legislativo.

Noutra oportunidade, desta feita na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei Complementar n°. 101, de 04 de maio de 2000 –, o legislador ordinário agrupou o limite da despesa total com pessoal do Tribunal de Contas ao Poder Legislativo (art. 20, inciso I, alínea “a”, inciso II, alínea “a” e inciso III, alínea “a”), e mais, ainda dispôs que, para efeito daquela lei, deve-se entender como órgão do Poder Legislativo, as respectivas casas e o Tribunal de Contas (art. 20, §2°).

Entretanto, nem sempre foi assim.

Ao tempo do Império, expressos em alvará de Dom João VI, datado de 28 de junho de 1808, instituidor do Erário Régio ou Tesouro Real Público, assim como na Constituição Política do Império do Brasil, de 25 de março de 1824, outorgada por Dom Pedro I, o orçamento e a tomada de contas nacional competia ao Tesouro, para cuja execução o marquês de Pombal criara os Conselhos da Fazenda.

Embora não se tratasse propriamente da instituição de um órgão especializado no controle das receitas e das despesas públicas, os Conselhos da Fazenda já exerciam, àquela época, matéria hoje inerente ao Poder Legislativo, com a exerce com imprescindível auxílio dos Tribunais de Contas.

Neste ínterim, insta salientar que os Tribunais de Contas ainda não tinham reconhecimento constitucional, o que só veio a ocorrer na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, que, em seu artigo 89, instituiu “um Tribunal de Contas para liquidar as contas da receita e despesa e verificar sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso”.

TAKEDA (2008) nos noticia que:

“As atribuições deste órgão seriam definidas no ano seguinte, pelo Regulamento anexo ao Decreto nº 1.166, de 17 de dezembro de 1892, e, a partir de então, os Tribunais de Contas passaram a ter definidas suas competências, sua natureza constitucional e sua vinculação a um dos poderes de Estado, na medida em que foi sendo escrita a própria histórica política brasileira.”

Noticia, também, que o Tribunal de Contas integrava o capítulo destinado ao Poder Judiciário na Carta Magna de 1937 (art. 114), e que somente a partir da Constituição de 1946 passou a ser inserido no capítulo destinado ao Poder Legislativo (art. 76).

Percebe-se, pois, ao longo da história brasileira, que o Tribunal de Contas ladreou os três poderes da república, sem necessariamente ter integrado qualquer um deles, isto porque, suposta vinculação, resultaria em inaceitável subordinação, que não compatibiliza com os princípios basilares de sua existência, tais quais asseverados por Rui Barbosa na exposição de motivos do Decreto nº. 966-A, que criou formalmente o Tribunal de Contas da União, in verbis:

“ (...) a medida que venho propor-vos é a criação de um Tribunal de Contas, corpo de magistratura intermediária à administração e à legislatura, que, colocado em posição autônoma, com atribuições de revisão e julgamento, cercado de garantias contra quaisquer ameaças, possa exercer as suas funções vitais no organismo constitucional, sem risco de converter-se em instituição de ornato aparentoso e inútil (...)

Convém levantar, entre o poder que autoriza periodicamente a despesa e o poder que quotidianamente a executa, um mediador independente, auxiliar de um e de outro, que, comunicando com a legislatura, e intervindo na adminstração, seja não só o vigia, como a mão forte da primeira sobre a segunda, obstando a perpetração das infrações orçamentárias, por um veto oportuno aos atos do Executivo, que direta ou indireta, próxima ou remotamente, discrepem da linha rigorosa das leis de finanças."

Neste contexto, e com propriedade ímpar, José Castro Nunes (apud FARIAS, 1992:331) expôs:

“Não é uma jurisdição administrativa, senão em certo sentido, sem confusão possível, entretanto, com as instâncias administrativas que funcionam como órgãos subordinados ao Poder Executivo.

Por isso mesmo a Constituição o instituiu com o caráter de uma verdadeira magistratura, equiparando os seus membros, para o efeito das garantias da função, aos ministros do Supremo Tribunal. Mas não basta isso para situá-lo no Poder Judiciário.

Se o instituto está entre os poderes é que a nenhum deles pertence propriamente, nem ao Judiciário, nem à Administração como Jurisdição subordinada, porque, já então, seria absurdo que pudesse fiscalizar-lhe os atos financeiros; nem mesmo ao Legislativo, com o qual mantém afinidades.

É um instituto sui generis, posto de permeio entre os poderes políticos da nação, o Legislativo e o Executivo, sem sujeição, porém, a qualquer deles.

As Cortes de Contas não são delegações do Parlamento, são órgãos autônomos e independentes. Mas existem em função da atribuição política dos Parlamentos no exame das contas de cada exercício financeiro.

É esse, na teoria do instituto, o traço fundamental. Na sua função cotidiana, quer na fiscalização financeira, quer na tomada de contas dos responsáveis pelos dinheiros públicos, ele serve a esse objetivo que lhe explica a destinação, com órgãos auxiliar e preparador daquela função.

(...)

Ora, sendo o Tribunal de Contas um órgão coordenado com o Parlamento no desempenho de função deste, é bem de ver que não pode ser tribunal judiciário, isto é, órgão do poder judiciário, por óbvias razões.”

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Nesta mesma linha de raciocínio, MEDAUAR (1993:142) lecionou que:

“(...) muito comum é menção ao Tribunal de Contas como órgão auxiliar do Poder Legislativo, o que acarreta a idéia de subordinação. Confunde-se, desse modo, a função com a natureza do órgão.

A Constituição Federal, em artigo algum, utiliza a expressão órgão auxiliar; dispõe que o controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas; a sua função, portanto, é de exercer o controle financeiro e orçamentário da Administração em auxílio ao Poder responsável, em última instância, por essa fiscalização.

Tendo em vista que a própria Constituição assegura ao Tribunal de Contas as mesmas garantias de independência do Poder Judiciário, impossível considerá-lo subordinado ao Legislativo ou inserido na estrutura do Legislativo.

Se a sua função é de atuar em auxilio ao Legislativo, sua natureza, em razão das próprias normas da Constituição, é a de órgão independente desvinculado da estrutura de qualquer dos três Poderes.

Entendimento semelhante é esposado por José Cretella Jr. ao classificar o Tribunal de Contas como órgão administrativo independente, Hely Lopes Meirelles e Alfredo Buzaid.”

E, com toda maestria que lhe é inerente, Celso Antônio Bandeira de Melo (Apud PASCOAL, 2006:125) arrematou:

“Tem-se, pois, que embora o Texto Constitucional nos afirme, no artigo 6º, que são Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, o certo é que, paralelamente a esses três conjuntos orgânicos, criou-se outro conjunto orgânico que não se aloja em nenhum dos três Poderes da República.

Previu-se um órgão – o Tribunal de Contas – que não está estruturalmente, organicamente, albergado dentro desses três aparelhos em que se divide o exercício do Poder. Como o Texto Constitucional desdenhou designá-lo como Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder.

Basta-nos uma conclusão, a meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo.”

Com efeito, hoje dotado de autonomia administrativa e financeira, quadro próprio de pessoal e de competências constitucionalmente outorgadas, o Tribunal de Contas relaciona-se com os demais Poderes republicanos e com o Ministério Público em pé de igualdade, ou seja, sem qualquer subordinação.

Isto, aliás, pode ser observado em alguns expedientes institucionais, tal quando se relaciona com:

1. O Poder Legislativo, no auxílio do exercício do controle externo ou na realização de inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nos órgãos e entidades da administração direta e indireta de qualquer dos poderes, e no Ministério Público;

2. O Poder Judiciário, ao encaminhar a relação de candidatos inelegíveis, para fins de indeferimento de registro de candidatura, em razão de inadimplência ou irregularidade de contas, bem como prestar esclarecimento técnico ou pericial sobre atos e fatos da administração pública sujeitos a julgamento;

3. O Poder Executivo, ao imputar débito pela malversação de recursos públicos passíveis de ressarcimento, ao efetuar o cálculo das quotas referentes aos fundos de participação, destinados a Estados, Distrito Federal e Municípios, ao verificar irregularidades na análise das prestações de contas dos fundos próprios de previdência dos servidores públicos, bem como ao participar de grupos técnicos responsáveis:

a.  pela análise e pela elaboração de diagnósticos e estudos visando a padronização mínima de conceitos e práticas contábeis, plano de contas e classificação orçamentária de receitas e despesas públicas no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios – GTCON;

b. por elaborar análises, diagnósticos e estudos, visando à promoção, à harmonização e à padronização de relatórios e demonstrativos no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, destacadamente os previstos pela Constituição Federal e pela Lei Complementar nº 101/2000 – GTREL, ou ainda;

4.  O Ministério Público, ao encaminhar acórdãos condenatórios de gestores por irregularidade na gestão de recursos públicos, para adoção das providencias cabíveis, como propositura de ação civil pública, apuração de crime de improbidade administrativa, etc.

Neste tocante, insta observar que a tarefa de auxílio ao Poder Legislativo não é única ou mesmo a principal atividade exercida pelos Tribunais de Contas, sendo temerário afirmar, pois, tratar-se de um órgão auxiliar.

Em verdade, o Tribunal de Contas exerce importante atribuição na ordem constitucional republicana brasileira, desprovida de ordem axiológica, ao passo em que:

1. Emite parecer prévio sobre as contas de governo prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, que, no caso de Municípios, só poderá deixar de prevalescer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, a exposto do artigo 31, §2°, da CRFB/88;

2. Julga as contas de gestão dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta dos poderes e do Ministério Público, incluídas fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público, bem como as contas daqueles que derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;

3. Aprecia, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, a qualquer título, na adminstração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, bem como a legalidade dos atos de concessão de aposentadorias, reformas e pensões;

4. Realiza inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial na administração direta e indireta dos poderes e do Ministério Público, por iniciativa própria, de uma das casas do legislativo ou mesmo de comissão técnica ou de inquérito;

5. Aplica aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecem, dentre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

6.  Assina prazo para que órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;

7. Susta, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão ao Poder Legislativo, dentre outras de igual importância;

E, para uma melhor compreensão das atribuições dos Tribunais de Contas, notadamente no que se refere às contas analisadas, deve-se enteder por contas de governo, as prestadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo, onde são analisados os demonstrativos contábeis e financeiros do ente federativo, através dos quais são evidenciados a despesa e a receita públicas de um exercício financeiro, com vistas ao desempenho do orçamento público e dos programas e realizações do governo. Sobre estas, o Tribunal de Contas emite parecer prévio opinando pela aprovação, com ou sem ressalvas, ou pela desaprovação das contas apresentadas. E, somente de posse deste parecer prévio, é que então o Poder Legislativo correlato poderá fazer juízo de valor sobre as contas apresentadas.

Por outro lado, deve-se entender por contas de gestão, as prestadas por todos os administradores, anualmente ou não, que gerenciem dinheiros, bens e valores públicos, bem como àqueles que, mesmo sem ter gerenciado, derem causa à perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

Para o exercício incólume de suas atribuições, fez-se necessário assegurar aos membros dos Tribunais de Contas – ministros, na União, e conselheiros nos demais entes federativos – as mesmas garantias, prerrogativas e impedimentos dos Ministros do Superior Tribunal de Justiça e, aos auditores, quando em substituição de ministros ou conselheiros, as mesmas garantias e impedimentos do titular, nos termos do artigo 73, parágrafos 3° e 4° da CRFB/88.

Neste dispositivo normativo, aliás, é interessante observar a parte final do parágrafo 4°, especificamente no que se refere ao exercício das demais atribuições da judicatura.

Ora, o termo judicatura significa o exercício de dizer o direito, ou seja, atividade típica do Poder Judiciário. Entrementes, no que se refere às atribuições do artigo 71, inciso II da CRFB/88 – contas de gestão – é da competência dos ministros ou conselheiros do Tribunal de Contas dizerem o direito, ou ainda, em última análise, exercer o controle de constitucionalidade dos atos de gestão.

Atento a esta nuance, o Supremo Tribunal Federal – STF editou a Súmula 347, que assim versa: “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público”.

Este controle de constitucionalidade, obviamente, não extirpa da ordem jurídica do ente federativo o dispositivo normativo atacado, mas significa que, para o Tribunal de Contas, esta norma é ineficaz, ou seja, incapaz de produzir efeitos jurídicos.

E, se ao Tribunal de Contas compete o exercício do controle de constitucionalidade, mais razão ainda lhe assiste a prerrogativa do controle de legalidade, expressamente disposta no artigo 71, incisos III, VIII, IX e X da CRFB/88, que tratam, respectivamente, da apreciação de legalidade dos atos de admissão e inatividade de pessoal, para fins de registro, da aplicação de sanções aos responsáveis pela ilegalidade de despesa, da fixação de prazo para que o órgão ou a entidade adote providências para o exato cumprimento da lei, e, finalmente, da sustação da execução de ato impugnado.

Frise-se, ainda, a possibilidade – entenda-se o dever legal – de representar ao poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados, consoante disposto no art. 71, inciso XI da CRFB/88.

Por fim, há de se destacar a eficácia de título executivo extrajudicial das decisões dos Tribunais de Contas que imputem débito ou multa, passíveis, pois, de subsidiar o ajuizamento do competente processo de execução fiscal, bem como o caráter imutável do mérito de suas decisões, isto é, cujo controle judicial, insculpido no artigo 5º, inciso XXXV da CRFB/88, encontra-se limitado ao aspecto formal ou à lesão ou ameaça de direito. Neste sentido, FERREIRA (1989:617-618) dissertou:

“O Tribunal de Contas, quando da tomada de contas de responsáveis por dinheiros públicos, pratica ato insuscetível de impugnação na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal e, por, ilegalidade manifesta, já decidiu várias vezes o Supremo Tribunal Federal.”

Nesta mesma linha de raciocínio, CITADINI (1995:63-64) expôs:

“No caso de países como o Brasil, onde existe o monopólio da jurisdição com os órgãos do Judiciário, as decisões dos Tribunais de Contas, são normalmente questionadas apenas quando não tiver sido obedecido o direito de defesa pelo órgão de fiscalização das contas ou contiverem ilegalidade manifesta. A regra é a de que o conteúdo da apreciação de contas não tenha revisão – exceto nos casos citados – até porque, como afirmava Seabra Fagundes, tendo os Tribunais de Contas competências precisas e fixadas pela Constituição para exercer o controle e fiscalização das contas públicas e o fazendo na forma da lei, não há porque o Judiciário fazê-lo de novo em autêntico ‘bis in idem’.”

Por sua vez, DALLARI (2004:26) aduz ser possível o controle judicial estritamente na hipótese de violação frontal à Constituição e ao ordenamento jurídico:

“Quando houver violado de maneira frontal e flagrante a Constituição Federal e a legislação federal pertinente (e mais a Constituição e a legislação estaduais, no caso das Cortes de Contas estaduais), é certo que a decisão anulatória proferida pelo Tribunal de Contas padece, ela sim, de nulidade, que poderá e deverá ser decretada pelo Poder Judiciário.”

Como visto, a inafastabilidade do controle judicial parece limitar-se a violação à Constituição Federal e ao ordenamento jurídico vigente, sendo vedada, pois, a revisão judicial do mérito das decisões proferidas pelos Tribunais de Contas.

Neste sentido, é que nossas cortes superiores tem se manifestado:

“Também deixo explícito outra fonte de preocupações, que há de ter pesado nos precedentes: a de que essa fiscalização se pode tornar abusiva, na medida em que fuja aos estritos limites que constitucionalmente a legitimam e pretenda imiscuir-se na tomada de decisões ou na execução de decisões empresariais das empresas públicas e sociedades de economia mista: para isso, há o apelo ao controle jurisdicional do excesso, desvio ou abuso de poder.”

(STF. Pleno. MS 25.092/DF. Rel. Min. Carlos Velloso, D.J. 17/03/2006, p. 466, 467)

“Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o Tribunal de Contas pratica ato insuscetível de revisão na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou tisna de ilegalidade manifesta.”

(STF. Pleno. MS 7.280/RJ. Rel. Min. Henrique D´Avila, G.S.C. 20/06/1960, p. 99)

“É logicamente impossível desconstituir ato administrativo aprovado pelo Tribunal de Contas, sem rescindir a decisão do colegiado que o aprovou; e para rescindi-la é necessário que nela se constatem irregularidades formais ou ilegalidades manifestas.”

(STJ. 1ª Turma, REsp 8.970/SP, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 09/03/1993, p. 2.533)

Diante disto, em fértil e contundente estudo sobre o controle judicial das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas, DARCIE (2006:31) concluiu:

“(...) decorre a lógica conclusão de que ao Poder Judiciário jamais caberá a reforma de um julgamento stricto sensu do Tribunal de Contas. Verificado o defeito insanável, e provocada a jurisdição, haverá Justiça de anular o decisum, porém nunca lhe substituindo o julgamento, reformando-lhe. Se o fizesse, estaria julgando as contas dos administradores, em flagrante extravaso de suas competências constitucionais.”


Conclusões

Por tudo quanto foi exposto, em apertada síntese, pode-se concluir que o Tribunal de Contas é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo, dotado de plena autonomia orçamentária e financeira, quadro próprio de pessoal e competências constitucionalmente outorgadas, capaz de emitir juízo de valor sobre os demonstrativos contábeis e financeiros apresentados pelos Chefes do Poder Executivo, bem como juízo de mérito sobre a execução orçamentária, arrecadação da receita, execução da despesa, gestão patrimonial e de serviços públicos, dentre outros atos e fatos inerentes ao exercício da atividade administrativa, que não se submetem ao controle judicial, exceto nas hipóteses de violação ao devido processo legal e corolários da ampla defesa e do contraditório.


Referências

BALEEIRO, Aliomar. Um Estadista no Ministério da Fazenda. Cidade de Salvador, Livraria Progresso, 1954.

BARBOSA, Eurico. Rui Barbosa e o Ideal do Tribunal de Contas. Goiás, Kelps, 2001.

CITADINI, Antonio Roque. O Controle Externo da Administração Pública. São Paulo, Max Limonad, 1995.

DALLARI, Adilson de Abreu. Observância do Devido Processo Legal pelo Tribunal de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, vol. LII, n.º III, 2004.

DARCIE, Jonathan Doering. As Decisões do Tribunal de Contas e o seu Controle Judicial. Porto Alegre, 2006, disponível em:

http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2006_2/jonathan.pdf

FARIAS, Márcia Ferreira Cunha. Decisões dos Tribunais de Contas. Eficácia de Título Executivo. Revista de Informação Legislativa, ano 29, n. 113. Brasília: Senado Federal, 1992.

FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988. Campinas: 1ª ed., vol. II, 1989.

MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. São Paulo: Ed. Rev. Dos Tribunais, 1993.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros, 1990.

PASCOAL, Valdecir. Direito Financeiro e Controle Externo. 5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

TAKEDA, Tatiana de Oliveira. A Origem dos Tribunais de Contas. Jornal “Diário da Manhã”, disponível em http://www2.pucgoias.edu.br/flash/artigos/081218Atribunal.html


Abstract: Exposure of the legal nature of the Court of Auditors, to the political Republican Brazil, highlighting their crucial financial and budgetary autonomy, which ensures the unaffected exercise of external control, especially with regard to accounting, financial, budgetary, and operational assets of the entities the direct and indirect administration, as to the legality, legitimacy, economy, implementation of grants and waiver of revenues that although activity typical of the Legislature, for this could never be exercised without the aid of a specialized technical staff.

Keywords: audit, accounts, control, monitoring, review;

Sobre o autor
Renan Coelho de Oliveira

Auditor estadual de controle externo em São Luís (MA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Renan Coelho. O Tribunal de Contas no contexto orgânico da Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3409, 31 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22912. Acesso em: 18 nov. 2024.

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