3. A INEFICÁCIA DA LEI AMBIENTAL
O Governo Federal envolveu-se em inúmeras ações contraditórias nos últimos meses, que se estenderam de concessões de licenças ambientais antes negadas a obras de enorme significância estratégica até a cisões estruturais absolutamente inócuas, como a criação do Instituto Chico Mendes em desfavor do corpo funcional do IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. Isso como reação às pressões da sociedade civil e também do setor econômico brasileiro, que vivem um gargalo burocrático não solucionado, em que pesem os esforços anunciados.
O Governo tem somente reagido paliativamente à pressão na ponta do funil das demandas ambientais na nossa economia, sem adotar medidas estruturais, visando solução do problema.
Há falta de clareza nos rumos de nossa política ambiental, seja pelo fato do Ministério do Meio Ambiente, até agora, não se impor no cenário estratégico administrado pelo núcleo do Executivo Federal, seja pela chefia do Governo Federal estar insegura quanto ao efetivo papel da variável ambiental no planejamento de suas políticas, planos e programas.
Tamanha indefinição comportamental reflete-se na devida obediência às regras legais, por parte dos órgãos de planejamento de políticas de governo, que não definem o “como proceder” e o “como interpretar”, necessários à condução dos projetos de interesse estrutural do país. A omissão expõe os servidores encarregados de implementar obras e projetos de impacto ambiental, o IBAMA, as agências de controle ambiental estaduais e autoridades municipais a pressões de toda ordem, por não se ter orientação segura no entendimento da nossa legislação ambiental.
O IBAMA, por exemplo, está sofrendo pressão constante para licenciar obras e atividades antes autorizadas pelos órgãos estaduais. Municípios encontram dificuldade de assumir sua competência constitucional para fiscalizar e licenciar empreendimentos, vitimados por conflitos com autoridades estaduais e com o IBAMA.
Em reação a essa celeuma, surge uma campanha, conduzida por setores do Ministério Público Brasileiro, admitida por parcela do Judiciário, para federalizar conflitos de licenciamento, como se uma reação escapista desta natureza não desgastasse mais ainda as bases estruturais de nosso sistema de controle ambiental.
Tudo isso acontece por falta de uma lei complementar que ponha fim a esses desentendimentos quanto a normas de cooperação entre entes federados, vácuo legal que fragiliza o atual SISNAMA - Sistema Nacional de Meio Ambiente e faz surgir posições radicalizadas quanto à aplicação da norma constitucional.
No bojo do SISNAMA, a par de suas fragilidades estruturais, contraditoriamente, identificamos atividade normativa frenética no CONAMA -Conselho Nacional de Meio Ambiente, em vários órgãos regulamentadores setoriais e regionais, síndrome comportamental que configura verdadeira “febre legisferante”, resultando na edição aleatória e cartorial de resoluções, provimentos, portarias, circulares de validade jurídica questionável, eficácia duvidosa e efetividade risível.
Nesse campo, observa-se perigosa inversão do princípio da reserva legal constitucional. Para os organismos de gestão pública ambiental, tudo é permitido quando não há proibição expressa na lei.
Sob o ponto de vista psicológico-gerencial, é fácil diagnosticar que o sistema público de gestão ambiental está “compensando” sua frustração por não conseguir impedir a degradação e destruição do meio ambiente, com um tsunami de medidas normativas puramente emocionais. Essas medidas se traduzem em mais papel, mais burocracia, mais ineficiência. N entanto, criam um horizonte formal, fictício, que maquia a dura realidade que nossos gestores ambientais, por não poderem resolvê-la, negam-se a ver.
Sob o manto da “precaução”, por exemplo, está-se construindo um ambiente normativo e comportamental público que conspira contra a continuidade do Estado Democrático de Direito.
É preciso uma revisão absoluta da legislação ambiental brasileira, porque a atual legislação não atende à demanda ambiental nacional, por não respeitar as diferenças regionais e o regime federativo constitucional. Da mesma forma, porém de forma articulada, é necessário revisar o sistema erigido nessa mesma base legal.
Um exemplo dessa dissonância é a existência ainda de um único Código Florestal que, por óbvias razões cronológicas e ideológicas, não guarda mais qualquer correspondência com o que se espera de uma norma geral federal, nos termos de nossa Constituição. Código esse emendado, remendado e deformado, que muitos ainda pretendem tornar válido para os mais diversos biomas, geomorfologias sócio-geográficas regionais, florestas urbanas e remanescentes incrustados em municípios conturbados ou isolados de nosso território-continente.
A grande parte das molas-mestras da gestão ambiental brasileira estão, hoje sendo construídas por meras resoluções do CONAMA, que difuso quanto à sua composição política ou técnica, peca pela falta de qualidade científica, pela pouca representatividade, não raro, revela em muitas de suas decisões ordinárias, falta de compromisso técnico com os próprios órgãos governamentais que deveria conduzir, muitas vezes, por apego ideológico a ideais doutrinários invocados em clima de assembléia estudantil ou em manobras procrastinatórias ocasionais e apaixonadas que muito lembram momentos mesquinhos de nossos tradicionais parlamentos.
Urge que se faça urgentemente uma reforma estrutural que comece pela base estrutural de nosso edifício normativo.
É necessário estabelecer normas de cooperação entre os entes federados, como determina o artigo 23 da Constituição Federal de 1988, posto que a matéria ambiental é de competência administrativa comum a todos: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.
Devem-se estabelecer regras que delineie e diferencie norma geral, de norma específica, de maneira a não se confundir, por exemplo, limites e metragens de faixas de preservação, índices de concentração de poluentes e de qualidade ambiental, que podem emanar de normas setoriais, estaduais e mesmo municipais, com os institutos nos quais eles se originam, matéria que compete ao âmbito das normas gerais federais.
Nesse emaranhado legal em vigor, devemos reconhecer, o que ainda se salva é o esqueleto original da Política Nacional de Meio Ambiente - Lei Federal nº 6.938/1981, os instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei de Crimes Ambientais, devidamente moldada pela jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Os problemas advindos da aplicação da legislação ambiental devem-se menos a essas leis e mais às indefinições e conflitos originados das demais regras baixadas nos últimos trinta anos.
Patente que devemos somar esforços para consolidar tudo isso ou iniciar um corajoso esforço de revisão e reforma legislativa, de forma sistemática.
A última tentativa de fazer uma consolidação de leis ambientais foi a 13 anos, por meio de uma iniciativa do presidente Collor de Mello. Na ocasião a Ordem dos Advogados do Brasil organizou uma comissão interdisciplinar, que formulou uma proposta de consolidação de leis, com aproximadamente 400 artigos, enviada à Presidência da República às vésperas da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento de Meio Ambiente realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92).
Outra proposta de uma Lei Complementar instituindo uma nova Política Nacional Meio Ambiente, contendo as desejadas normas de cooperação, foi apresentada também ao Governo Federal no ano de 1992, resultado de um trabalho intensivo de uma Comissão Especial do CONSEMA - Conselho Estadual de Meio Ambiente de São Paulo.
Em 1993 foi elaborada e apresentada uma nova proposta, batizada de “Código Nacional de Meio Ambiente”, produzida por uma comissão oficial de juristas e técnicos, presidida pelo então Secretário de Estado do Meio Ambiente, Edis Milaré, Comissão nomeada por Decreto do Governador do Estado de São Paulo com o apoio do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.
Essa Comissão elaborou uma proposta em parte inspirada nos documentos anteriormente citados, conforme reconheciam os “considerandos” do Decreto Estadual que a criou. O resultado foi dos mais profícuos, pois embora não tenha o Governo Federal, adotado a proposta como um Projeto de Lei, no decorrer dos anos seguintes, foram do “Código” destacados capítulos, que acabaram por constituir diplomas legais autônomos hoje em vigor, exemplo maior é a própria Lei nº 9.605/19 98 – Lei de Crimes Ambientais e Infrações Administrativas contra o Meio Ambiente.
Recentemente, a Consolidação das Leis Ambientais foi encaminhada como projeto de lei pelo Deputado Federal Bonifácio Andrada (PSDB/MG). Atualmente encontra-se em análise no Congresso Nacional. O conteúdo do Projeto de Lei e a oportunidade do processo legislativo são suficientes para fazer uma legislação enxuta e excelente.
Urge que seja efetivado um esforço para uma consolidação ou uma revisão legislativa eficaz e corajosa.
O grande embaraço que impede a reformulação de nossa legislação ambiental, encontra-se na previsível reação dos setores retrógrados do movimento ambientalista e dos tecno-burocratas encastelados no Poder Público, que preferem manter os entraves burocráticos ao risco de perder poder ou ver a norma flexibilizada em uma reforma que lhes tolha o poder.
Quanto mais tempo o Brasil adiar a reformulação da legislação ambiental, maior será o prejuízo para a economia e para o Estado Democrático de Direito.
A Lei de Crimes Ambientais brasileira é ineficiente. A justificativa para a má aplicação da Lei nº 9.605/1998 não está nos seus mecanismos, mas no sistema jurídico obsoleto do país, somado a cultura da população em não levar a sério as questões ambientais, conforme se percebeu durante a pesquisa (estudo de caso).
Não é exagero afirmar que não é necessário substituir a lei, mas inserir dispositivos necessários para modernizá-la, como a concessão de benefícios para quem previne danos ambientais, a exemplo do que se observa na esfera jurídica internacional. As sanções e obrigações presentes na lei devem ser mantidas, mas com alterações para a realidade social do Brasil.
A legislação ambiental em vigor no país é assimétrica, por decorrer de fato, que uma matéria que é fruto de vários atos legislativos: lei, decretos-leis, medidas provisórias, decretos, resoluções, provimentos, portarias e circulares conduz a uma "poluição regulamentar" de modo a favorecer conflitos normativos.
A proteção ambiental depende de esforços de vários setores, no campo da doutrina, da jurisprudência e de técnicas legislativas, independente da existência de um código.
O próprio Poder Judiciário também é apontando como um dos grandes responsáveis pela precariedade na aplicação da Lei. A burocracia excessiva e a morosidade fazem com que perca a credibilidade. O próprio desempenho do Judiciário tem acabado por desestimular as condutas, frustrando expectativas e contribuindo para a ineficácia da legislação ambiental.
Por outro lado, a Revolução Industrial alavancou a problemática ecológica, através da exploração dos recursos naturais, de forma desordenada. Os países industrializados perceberam que a economia não iria suportar a elevada exploração do meio ambiente.
A escassez dos recursos naturais e a emissão de gases tóxicos passaram a ser considerados os grandes vilões da atualidade em relação ao meio ambiente, com isso, as catástrofes e tragédias ambientais se revelam contra ações antropológicas.
Apesar de ser imprescindível para o desenvolvimento de qualquer país, a exploração dos recursos naturais deve respeitar os limites que o mundo impõe, especialmente no âmbito do meio ambiente.
Por isso a complexidade da crise ecológica global vem transformando o crescimento econômico em um novo modelo de desenvolvimento denominado de sustentabilidade humana.
Questiona-se: Desenvolvimento sustentável na Amazônia: desafio ou estratégia? O desenvolvimento sustentável é fruto de significativas transformações no comportamento das sociedades modernas, construindo uma verdadeira “Revolução Ambiental” que emergiu como uma mudança necessária para a preservação da própria existência humana, tendo em vista a percepção de que o uso incorreto dos recursos naturais representa o risco de extinção da humanidade.
Portanto, a sustentabilidade passou a ser entendida como o caminho para amenizar os impactos devastadores da Revolução Industrial, constatando-se que a ciência, a tecnologia e o conseqüente investimento na chamada biotecnologia poderiam ser fortes aliados nesta nova era de conscientização ambiental.
Considera-se como fonte de riquezas e alternativas de crescimento econômico para os seus detentores, a exploração adequada dos recursos naturais proporciona uma perspectiva de qualidade de vida para as presentes e futuras gerações do mundo, mas este novo paradigma também trouxe consigo uma corrida pela monopolização desta fonte de riqueza.
O Brasil é maior detentor de uma imensa biodiversidade considerada como uma inestimável fonte de riquezas naturais, porém também é campeão em biopirataria. Especialmente na Amazônia, maior floresta tropical do mundo, a biopirataria enfraquece a soberania nacional e enaltece a sensação de violação dos direitos dos “povos da floresta”.
A imensa potencialidade biológica presente na Amazônia atiça a cobiça internacional. Todos os anos são apreendidos cerca de 40.000 (quarenta mil) animais silvestres e espécies da flora nos portos e aeroportos do país.
De acordo com Flávio Montiel, Diretor de Proteção Ambiental do IBAMA:
“O imenso patrimônio genético da Amazônia, Mata Atlântica e Pantanal, com potencial de uso farmacêutico, cosmético e alimentar, necessita do permanente aperfeiçoamento legal, para sua proteção contra o contrabando e apropriação para patenteamento no exterior” (Correio Braziliense de 29 de outubro de 2005).
Entre os direitos que exigem dos cidadãos do mundo, estão os deveres de contribuir para o combate deste mal altamente devastador quanto à degradação, destruição e poluição ambiental: a biopirataria. Este combate permite uma melhor exploração e utilização dos recursos naturais e a aplicação da sustentabilidade nos moldes da nova era mundial: globalização.
Dentre as transformações necessárias para fortalecer a era ecológica é imperativo a força da conscientização ambiental global capaz de questionar a ciência e a tecnologia. A adoção de medidas socioeconômicas mitigadoras dos impactos negativos ao meio ambiente e a construção de uma legislação eficiente que proporcione a prevenção e punição de crimes ambientais, incluindo-se a biopirataria.
De acordo com Eurípedes Ferreira Lins em sua obra denominada “O Amazonas e seus problemas” (2006; p. 138-139), expõe uma preocupação quanto à nova lei de concessão de florestas públicas que, em nome do desenvolvimento sustentável, está autorizando a exploração da Amazônia por um praza de 40 (quarenta) anos, inclusive por empresas estrangeiras, o que deixa um espaço para o incremento da biopirataria na região. O autor chama o Amazonas de “um Estado de todos”:
“Afora o aculturamento e uma população indígena, que vem tendo uma penetração de brancos, estrangeiros, se dizendo missionários, e que na verdade são verdadeiros espiões das chamadas ONGs, na busca de nossa flora medicinal e das riquezas minerais, como o ouro, o diamante, a cassiterita, etc. Como um humilde caboclo, autêntico brasileiro, estou achando que essas tais Organizações Internacionais – ONGs – têm o poder quase absoluto nas terras que lhes são cedidas pelo Governo da União”.
Segundo Eurípedes Ferreira Lins (2006; p. 139) se refere à Lei de Concessão de Florestas Públicas que foi criada recentemente, de forma ambígua e temerosa, a Lei nº 11.284/2006. Continua o autor, em defesa da Amazônia como Patrimônio Nacional e que merece todo o respeito de toda a nação, demonstrando a revolta com a referida lei implementada pelo Ministério do Meio Ambiente como sendo em defesa de uma Amazônia condenada pela falta de políticas públicas de desenvolvimento sustentável:
“Não convém jamais esquecer de que essas concessões dadas pelo Governo Federal para essas falsas defensoras do meio ambiente não lhes pertencem no sentido estrito da palavra, e sim pertencem ao patrimônio brasileiro, já que o seu patrimônio é sagrado e pertence ao nosso país”.
A problemática ambiental vai além dos cuidados com os recursos naturais e com as espécies existentes na Terra. Abrange um complexo de sistemas sociais, políticos, jurídicos e econômicos que interferem no desenvolvimento da humanidade.
Durante séculos o ser humano vem tratando a questão como um meio de estancar o crescimento, tentando resolver a crise ecológica com o investimento tecnológico e científico. Este investimento tem produzido tecnologias que traduzem um verdadeiro arsenal na luta pela sobrevivência da humanidade às intempéries do Planeta, mas não conduz à produção de valores que lutem pela qualidade de vida dos sobreviventes.
A legislação ambiental confronta a necessidade de resguardar o meio ambiente de impactos negativos e a urgência em proporcionar o desenvolvimento econômico e social no país. O combate aos crimes ambientais, incluindo a biopirataria, é visto como uma forma de garantir a sustentabilidade humana.
O termo biopirataria pode ser utilizado para explicar a manipulação ilegal das diversas formas de vida encontradas no meio ambiente, mas não só a fauna e a flora estão à mercê deste tipo de manipulação, pois a apropriação e monopolização do conhecimento que as populações tradicionais detêm no que se refere ao uso dos recursos naturais é uma situação real na região amazônica.
A tecnologia é um instrumento primordial para a garantia do desenvolvimento econômico das nações hodiernamente, mas é importante a imposição de normas que assegurem o investimento tecnológico em consonância com a nova ordem mundial de sustentabilidade humana, pois não é mais possível sobreviver aos mesmos padrões de desenvolvimento que causaram, a partir da industrialização acelerada e do urbanismo desordenado, um desequilíbrio ambiental que colocou toda a humanidade em risco de extinção.
As propostas de desenvolvimento sustentável devem consolidar qualquer agenda de crescimento em qualquer ponto do Globo, pois as perspectivas de desenvolvimento não podem mais andar na contramão da nova ordem mundial: a cidadania ambiental.
As sociedades de risco representam à conseqüência de séculos de descaso para com o meio ambiente, de acordo com as palavras de Enrique Leff (2001) que:
“O risco ecológico questiona o conhecimento do mundo, onde a crise ecológica atual significa um limite real, sendo este, por sua vez, um limite do crescimento econômico e populacional, dos desequilíbrios ecológicos e das capacidades de sustentação da vida, da pobreza e da desigualdade social”.
Portanto, o desafio humano do século XXI é, sem dúvida, manter o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico-social e a preservação dos recursos naturais esgotáveis. Assim, a tecnologia tem que ser vista como aliada, não como mais um fator de risco para a existência da vida de qualquer ser vivo.
Com esse intuito deve entende-se o termo biotecnologia, isto é, com o intuito de realmente fortalecer a tecnologia para a vida, explorando a vida como um fim e não como um meio.
Interessante notar que a biotecnologia já representa uma esperança de vida. No contexto do Projeto Genoma Humano como revela Fiorillo (2002, p. 71), milhares de doenças genéticas já foram identificadas graças a este projeto que tem revelado a possibilidade de identificar os genes defeituosos do ser humano e buscar soluções adequadas para esta descoberta. Além de ser possível entender o DNA vegetal e animal, criando possibilidades para fortalecer a agricultura e a pecuária, além de encontrar medicamentos que podem combater doenças hoje tidas como incuráveis o que é fundamental para a sobrevivência e subsistência humana.
No Brasil a Lei nº 11.105/2005 denominada de Lei de Biossegurança, visa estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados, mas não é suficientemente clara para regular as possibilidades de manipulação genética no contexto da biopirataria, tendo em vista que proíbe a engenharia genética, mas permite a manipulação para fins terapêuticos, o que acaba abrindo uma discussão entre os cientistas sobre a finalidade terapêutica, nos casos em que se faz necessário a utilização da engenharia genética.
A partir desta discussão surge a bioética que movimenta as controvérsias e reflexões a respeito das mudanças científicas da medicina e da evolução da biologia molecular e das conseqüências biotecnológicas para a humanidade.
As leis que regulamentam o desenvolvimento da biotecnologia não são claras e deixam “brechas” para a biopirataria.
É importante ressaltar que a Convenção de Diversidade Biológica realizada no Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92) reconheceu que os recursos genéticos não devem ser vistos como patrimônio comum da humanidade, como querem os países interessados em dominar os recursos dos países mais pobres, tendo em vista o valor econômico agregado a estes recursos na atualidade, pois cada nação é soberana sobre seus próprios recursos genéticos. Essa Convenção, baseada neste critério estabeleceu três mecanismos de exploração sustentável, por parte de cada país:
a) Participar da pesquisa sobre os recursos; b) Dividir os benefícios financeiros obtidos da exploração comercial desses recursos; c) Partilhar os benefícios tecnológicos obtidos desses recursos.
De acordo com Fiorillo (2002; p. 67), cada governo tem o direito soberano de regular e fiscalizar seus recursos naturais. O artigo 15 da Convenção de Diversidade Biológica reconhece:
“Os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos, como sendo pertencente aos Governos nacionais, sujeitos à legislação nacional”.
O artigo 14 da mesma Convenção, por sua vez, estabelece:
“O acesso à tecnologia e sua transferência a países em desenvolvimento. [...] No caso de tecnologia sujeita a patentes e outros direitos de propriedade intelectual, o acesso à tecnologia e sua transferência devem ser permitidos em condições que reconheçam e sejam compatíveis com a adequada e efetiva proteção dos direitos de propriedade intelectual”. (Fiorillo: 2002; p. 67).
A Lei de Patentes - Lei nº 9.279/1996 não confere a segurança adequada para impedir que países detentores de tecnologia de ponta não usurpem a propriedade dos recursos naturais de países mais pobres. A origem destes recursos acaba sendo irrelevante quando não se consegue comprová-la de forma concreta, uma vez que o produto da manipulação através da biotecnologia torna-se perfeitamente adaptada às exigências legais de patentes, caracterizadas pela novidade, inventividade e aplicação industrial.
Mesmo assim existem algumas poucas tentativas no Brasil de se combater a biopirataria, apesar da Amazônia não fortalecer este intuito e ainda garantir a exploração de seus recursos de forma ampla, através de legislação própria (Lei nº 11.284/2006).
A primeira lei brasileira de combate à biopirataria foi criada em 1997 pelo Acre (Lei Estadual nº 1235/1997), estabelecendo-se que o acesso a estrangeiros só seria permitido através de uma associação a instituição ou empresa brasileira da área de pesquisa. Em seguida o Amapá também seguiu esta linha de defesa dos seus recursos com a edição da Lei Estadual nº 388/1997.
A manipulação das populações tradicionais e a usurpação dos conhecimentos no uso dos recursos naturais é uma realidade que impera na Amazônia, apesar do etnoconhecimento também ser encarado pela legislação brasileira como uma riqueza de propriedade nacional, mas que não tem recebido a atenção das organizações políticas e econômicas para garantir a eficácia dessa legislação, que é uma forte instrumento de combate à biopirataria na região.
Depois de vários anos de informações acumuladas pelos povos da região amazônica acerca da rica biodiversidade da Amazônia reduz o tempo e o custo de pesquisas importantes, pois os indígenas têm informações de plantas que curam que representam uma economia de até 80% (oitenta por cento) dos investimentos em pesquisa e produção de um novo produto farmacêutico, que podem levar cerca de 10 (dez) anos de experimentos, em média US$ 350 milhões de dólares.
Portanto a biopirataria é uma grande ameaça ao etnoconhecimento amazônico.
A grande dificuldade em se verificar e combater este crime não está na falta de legislação, mas na prática de um ato legal que ocorre, depois da biopirataria: a patente. As patentes são concedidas para invenções por um período de 20 (vinte) anos. Para caracterizar o direito à patente, estas invenções devem ser de uso prático, mostrar um elemento de novidade e um passo inventivo.
A Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual -OMPI define como patente: um título de propriedade temporário outorgado pelo Estado, por força de lei, ao inventor-autor ou pessoas cujos direitos derivem do mesmo, para que esta ou estas excluam terceiros, sem sua prévia autorização, de atos relativos à matéria protegida, tais como fabricação, comercialização, importação, uso, venda, entre outros, conforme se verifica do site: www.inpi.gov.br.
O avanço da biotecnologia e a facilidade de se registrar marcas e patentes em âmbito internacional têm provocado um aumento na biopirataria mundial, pois a corrida biotecnológica é um imperativo para a construção de uma economia forte e atuante no mercado globalizado das sociedades modernas. O que significa um maior investimento em pesquisas e tecnologia por parte dos países mais ricos e uma dependência intelectual e econômica dos países mais pobres que possuem a matéria prima para tal investimento.
A biotecnologia é um processo tecnológico que permite a utilização de material biológico de plantas e animais para fins industriais. Através da biotecnologia é possível a identificação de programas que possam condicionar o desenvolvimento industrial em diversos setores como agricultura, pecuária, alimentação, saúde e meio ambiente, ao critério de sustentabilidade proporcionado hodiernamente pelo mundo globalizado.
A insegurança quanto ao futuro e a ameaça de extinção da humanidade conclamam pela mudança de comportamentos e investimentos em tecnologias que consigam reverter o quadro de catástrofes e tragédias que se forma em todas as partes do Mundo.
Tais catástrofes e tragédias representam, claramente o resultado de décadas de descaso com o meio ambiente, e consequentemente, de descaso com o próprio ser humano. A transformação das perspectivas ambientais, construindo uma “nova ordem mundial” que ousamos chamar de cidadania ambiental, significa a busca por soluções imediatas na tentativa de superar os desafios da sustentabilidade. A biotecnologia surge então como uma alternativa salvadora, que pode ajudar o ser humano a desafiar os limites do conhecimento em prol da sobrevivência humana.
Imperativo, portanto, a necessidade de leis mais eficazes que possam garantir a gestão do patrimônio natural e o desenvolvimento adequado aos padrões de sustentabilidade instrumentalizados pela AGENDA 21 na Conferência das Nações Unidas em 1992 no Rio de Janeiro. A cooperação internacional não tem saído do papel, pois os interesses econômicos e políticos superam a idéia de bem comum. A corrida pelo desenvolvimento de tecnologias que garantam o topo na lista dos países mais poderosos economicamente transformam os princípios assinados diplomaticamente em papel sem valor.
O Tratado sobre Direitos de Propriedade Intelectual da OMC - TRIPS de 1995, estabeleceu o direito das empresas terem respeitadas as patentes em todos os países membros da OMC, o que permite que estas empresas, geralmente de países industrializados que detém uma maior capacitação tecnológica e econômica, utilizem estes direitos para piratear o conhecimento indígena e a biodiversidade dos países mais pobres do mundo que detém esta imensa fonte de riquezas, mas pouco recurso financeiro e baixa capacitação humana para investir em pesquisas.
A Lei de Patentes precisa ser revista.
Para Flávio Montiel (Correio Braziliense de 29 de outubro de 2005):
“Novos acordos devem proibir o patenteamento de organismos sem especificação de origem e forma de obtenção, e garantir propriedade intelectual às populações que geraram o conhecimento. Seria bem-vindo também o acréscimo de artigos à legislação de crimes ambientais, como forma de dar efetividade ao trabalho de fiscalização. É preciso tipificar melhor as penalidades em relação ao tráfico de animais e à biopirataria. Hoje, a falta de objetividade põe no mesmo banco de réus um traficante internacional e uma idosa que possua um papagaio há duas décadas”.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio; a organização civil denominada de Conselho de Informações sobre Biotecnologia – CIB; o site www.amazonlink.org; outros sites ligados à biotecnologia têm proporcionado o combate à biopirataria na Amazônia, alertando as autoridades para casos de registros de patentes ainda pouco conhecidos como o cupuaçu e a andiroba, que trazem prejuízos para as comunidades tradicionais que comercializam os produtos na região.
A luta contra a apropriação e monopolização de conhecimentos e produtos de comunidades tradicionais e indígenas na região amazônica tem proporcionado alianças entre a sociedade, o Estado e um terceiro sertor. O terceiro setor atua como uma ponte entre o Estado e a sociedade, pois é composto por instituições como ONG, fundações e associações, com o objetivo de esclarecer a obscuridade que ainda paira sobre a biopirataria na região.
Entre suspeitas e teorias de conspiração a Amazônia segue enfrentando a ameaça da biopirataria. O contrabando da fauna e da flora amazônica ganha um reforço com o avanço da biotecnologia, pois bastam células in vitro (gotas de sangue, partes de tecidos ou folhas, entre outros) para o desenvolvimento de técnicas que proporcionem um grande impacto na ciência e na tecnologia.
Com isso, surge o conflito entre o desenvolvimento científico-tecnológico e a salvaguarda dos recursos naturais. Tal problemática somente poderá ser encarada com um enfoque jurídico, tendo em vista a imensa dificuldade na eficácia da ação policial e na fiscalização em um território de imensas proporções como o Brasil e a dificuldade de locomoção na região amazônica.
Apesar da Convenção da Diversidade Biológica realizada e assinada em 1992 no Brasil e da Lei de Patentes registrarem a tentativa de impedir a biopirataria, as leis nacionais não conseguem impor um instrumento de defesa que garanta a gestão e a fiscalização de seu patrimônio natural, o que acaba causando uma luta silenciosa das indústrias que vêem na Amazônia uma riqueza imensurável de alternativas lucrativas para a indústria farmacêutica, estética, de alimentos e mesmo para a pesquisa científica.
A solução encontrada pelo Governo Federa foi abrir as portas na tentativa de garantir um controle dessa exploração, mas até o momento não há certeza sobre a eficácia desta lei, ao contrário, há muito insegurança quanto ao avanço da biopirataria na região.