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A violação do princípio da dignidade da pessoa humana do empregado no procedimento de revista íntima no direito brasileiro

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Agenda 12/11/2012 às 15:28

4. DA REVISTA DO EMPREGADO

4.1 CONCEITO E DISTINÇÃO ENTRE REVISTA ÍNTIMA E REVISTA PESSOAL DO EMPREGADO

Revista é o procedimento adotado por alguns empregadores, com base no seu poder diretivo, de examinar o empregado e/ou seus pertences a fim de proteger o patrimônio empresarial de eventual tentativa de dilapidação.

Segundo Sandra Lia Simón[43] o procedimento de revista é “uma forma de concretização do poder de controle do empregador, no sentido de fiscalizar as atividades desempenhadas pelos empregados”.

Como se pode depreender do conceito de revista, tal procedimento tem por fundamento o poder diretivo do empregador que se justifica no seu direito de propriedade, garantido e protegido principalmente pelo artigo 5º, caput e inciso XXII da Constituição Federal de 88.

Distingue-se do conceito de revista, a revista pessoal e íntima. A expressão revista pessoal possui conceito genérico (latu sensu), consistindo em todo e qualquer exame feito pelo empregador no empregado, seja em seus pertences, tais como, sacolas, bolsas e mochilas, ou em seu corpo, a fim de proteger os bens empresariais (patrimônio empresarial) de eventual dilapidação; bem como conceito mais restrito (strictu sensu), relativo apenas àquelas revistas realizadas nos pertences no empregado. Já a expressão revista íntima consiste em procedimento mais invasivo e agressivo ao trabalhador, pois exige o exame do próprio corpo do empregado, com atos de despir e/ou toques ou contatos físicos pelo revistador.

Cumpre aqui ressaltar que, apesar de as palavras revista e vistoria na língua portuguesa terem o mesmo significado (investigar, examinar), juridicamente têm conceitos distintos. Vistoria, no direito brasileiro, estaria mais ligado à ideia de inspeção judicial, exame feito por autoridade ou perito. Enquanto que revista teria o significado acima elucidado, isto é, procedimento realizado pelo empregador de exame dos pertences ou do próprio empregado com o intuito de proteger o patrimônio empresarial de eventual dilapidação.

4.2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE REVISTA DO EMPREGADO

Até a década de 90, não existia no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que fizesse referência expressa à revista do empregado, apesar de a Constituição Federal de 88 já proteger as pessoas das intromissões ilegítimas, assegurando-lhes o direito à intimidade, privacidade e honra, além do respeito à dignidade humana, conforme inciso III do seu artigo 1º e inciso X do seu artigo 5º, principalmente.

Contudo, segundo Alice Monteiro de Barros[44], com base no poder diretivo do empregador (caput e inciso XXII do artigo 5º da CF e artigo 2º da CLT), a maioria dos juristas brasileiros admitiam as revistas como medida preventiva, de proteção ao patrimônio empresarial, a exemplo de Octavio Bueno Magano, citado pela autora.Enquanto que outros argumentavam haver necessidade de ajuste prévio entre as partes nesse sentido ou previsão no regulamento interno da empresa como o jurista Carlos Alberto Barata Silva, também citado pela autora.

A corrente que entendia pela ilegalidade da revista por entendê-la atentatória ao direito individual do empregado era minoritária.

Entretanto, em decorrência do abuso por parte dos empregadores, em meados da década de 90 foram editadas algumas leis municipais proibindo a revista íntima, como a Lei nº 7.451 de 27/02/1998, do Município de Belo Horizonte e a Lei nº 4.603 de 02/03/1998, do Município de Vitória.

Em 1999, foi editada a Lei nº 9.799, de 26/5/1999, que incluiu o artigo 373-A no capítulo sobre o trabalho da mulher da Consolidação das Leis do Trabalho, vedando, em seu inciso IV, a prática de revistas íntimas em empregadas, in verbis:

“Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

(...)

VI.proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias;”

Contudo, a legislação brasileira acerca da revista é ainda precária, visto que tal diploma legal proíbe expressamente apenas a revista íntima realizada em empregadas, ferindo o princípio da isonomia, consagrado no caput e inciso I do artigo 5º da Constituição Federal, deixando ainda dúvidas quanto ao alcance da expressão íntima, se abarcaria todo e qualquer tipo de revista, ou apenas aquela realizada no corpo do trabalhador.

Atualmente, é pacífico que o empregado homem também está incluído na proibição do referido artigo em decorrência da igualdade entre homens e mulheres assegurada pela Constituição Federal (caput e inciso I do artigo 5º da Carta Maior). Assim, os empregados homens podem invocar o artigo 373-A inciso IV da CLT por analogia contra a revista íntima.

Nesse sentido, foi formulado o Enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho[45] que em sua segunda parte dispõe, in verbis:

“II- Revista íntima. Vedação a ambos os sexos. A norma do art. 373-A, inc. VI, da CLT, que veda revistas íntimas nas empregadas, também se aplica aos homens em face da igualdade entre os sexos inscritas no art. 5º, inc. I, da Constituição da República.”

Cita-se, com o intuito de demonstrar o entendimento nesse sentido, Decisão do Tribunal Regional do Ceará (7ª Região), in verbis:

“AÇÃO ANULATÓRIA. CLÁUSULA CONVENCIONAL AUTORIZADORA DE REVISTA EM EMPREGADOS. NULIDADE.Sendo certo que o art. 373-A, inciso VI, da CLT proíbe o empregador de realizar revistas íntimas nas empregadas, não se admitindo essa prática, também, em relação aos empregados, face ao princípio da igualdade entre os gêneros, erigido ao patamar de direito fundamental pela vigente Constituição da República, tem-se por inválida cláusula de convenção coletiva que autoriza procedimento da espécie, ainda que por pessoa de mesmo sexo.”[46]

Contudo, acerca da abrangência da expressão “íntima”, ainda resta controvérsia. Há divergência, jurisprudencial e principalmente doutrinária, se tal expressão legal diz respeito tão somente àquela revista realizada de forma efetivamente íntima, isto é, debaixo da roupa, por meio de contato físico, ou com a exigência que o empregado se desnude, sendo possível a realização de revista pessoal sob determinadas condições que descaracterizariam o caráter atentatório do procedimento.  Ou, se a expressão também abrangeria a revista pessoal, isto é, aquela realizada nos pertences do empregado, por exemplo, dentro de bolsas, mochilas ou sacolas.

Esclareça-se que a discussão é de grande relevância, posto ser decisiva acerca da proibição ou não pelo artigo celetista da revista pessoal, entendida aqui esta como aquela realizada nos pertences do empregado.

O primeiro posicionamento citado é defendido por Alice Monteiro de Barros[47],Amauri Mascaro Nascimento[48] e Eduardo Pragmácio Filho[49], por exemplo, mas sob a ressalva de que a legalidade do procedimento está adstrita à observância da dignidade da pessoa humana do empregado e seu direito à honra, intimidade e privacidade, conforme garantido constitucionalmente nos artigos 1º, caput e inciso III, 5º, inciso X e 170 principalmente. Sob tal questão a jurista Alice Monteiro de Barros[50] afirma que:

“A nosso ver, a revista se justifica, não quando traduza um comodismo do empregador para defender o seu patrimônio, mas quando constitua o último recurso para satisfazer o interesse empresarial, à falta de outras medidas preventivas. Essa fiscalização visa à proteção do patrimônio do empregador e à salvaguarda da segurança das pessoas, mormente na época em que vivemos, com o fenômeno terrorista atemorizando o mundo.

Não basta a tutela genérica da propriedade, deverão existir circunstâncias concretas que justifiquem a revista. Mister haja, na empresa, no estabelecimento ou no setor bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou que tenham relevância para o funcionamento da atividade empresarial e para a segurança das pessoas.”

No mesmo sentido, afirma Eduardo Pragmácio Filho[51]:

“A revista a pertences, desde que não cause constrangimentos ao empregado, não é ilegal, podendo, por exemplo, o gerente de uma loja pedir que a vendedora, ao encerrar o expediente, abra a bolsa para verificar se existem peças de roupas ali.”

Ainda acerca da corrente que sustenta a possibilidadeda realização de revista pessoal sob a observância e respeito à intimidade, privacidade, honra e, sobretudo, à dignidade, descaracterizadoo caráter atentatório do procedimento, cita-se, a título exemplificativo, decisão atual da Primeira Turma do Tribunal do Distrito Federal e Tocantins (10ª Região) que entendeu pela licitude da revista pessoal realizada no trabalhador (reclamante) em decorrência da inexistência de conduta negligente, imprudente ou abusiva, pois a fiscalização era realizada em local reservado, distante dos clientes, em todos os trabalhadores que mantinham contato com os produtos e sem contato físico, in verbis:

“REVISTA PESSOAL MODERADA E SEM ABUSOS. DANO MORAL. INEXISTÊNCIA.A revista pessoal, por si só, não garante o direito ao recebimento da indenização por ofensa à moral. Ainda mais se ficar demonstrado que ela era praticada sem discriminações, de forma moderada, sem abuso nos procedimentos e sem contato físico. Tais circunstâncias, quando evidenciadas, não autorizam o reconhecimento de situação humilhante ou vexatória capaz de gerar a condenação por danos morais, resguardada que estará a integridade física e moral do empregado e, como elemento justificador, o patrimônio do empregador.”[52]

Nesse mesmo sentido, também decidiu a Segunda Turma do Tribunal do Rio Grande do Sul (4ªRegião), in verbis:

“AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. REVISTA PESSOAL. Caso em que não se caracteriza o ato ilícito patronal. Indenização indevida. A revista pessoal do empregado só é causa de dano moral quando realizada de modo abusivo, atingindo a privacidade e a intimidade do trabalhador. O mero exercício do poder de fiscalização, que é inerente ao poder de comando do empregador, através de procedimento impessoal, não caracteriza situação vexatória ao trabalhador, não se reconhecendo, neste caso, o dano moral capaz de gerar direito indenizatório. Decisão que acolheu os fatos como relatados pela reclamada, em virtude da pena de confissão, quanto à matéria de fato, em que incidiu o autor da ação. Sentença confirmada. Recurso não-provido.”[53]

Já o segundo posicionamento é o defendido, por exemplo, por Sandra Lia Simón[54]:

“Ainda que, no Brasil, esse seja o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante, parece difícil acreditar que, nos dias de hoje, com a grande evolução tecnológica, não exista outra forma de controle sobre os produtos que saem furtivamente da empresa. Ainda que não existissem essas formas – o que, repita-se, é bastante questionável -, há meios, previstos na legislação criminal, de se apurar a autoria de delitos como o furto, e o empregador deve, portanto, lançar mão desses meios.

(...)

Verifica-se, portanto, que o entendimento até hoje dominante a respeito da revista não surgiu de um correto juízo de ponderação, posto que se protegeu apenas o direito de propriedade em detrimento do direito à intimidade e à vida privada, bem como de todos os demais valores constitucionais anteriormente citados (honra, imagem, igualdade, presunção de inocência, garantias dos acusados, monopólio estatal da segurança).”

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A fim de demonstrar-se a divergência existente, cita-se ainda decisão da primeira turma do Tribunal Regional da Paraíba (13ª Região), que entende ser a revista, tanto íntima como pessoal, medida que ultrapassaria o direito do empregador de proteger seu patrimônio contra eventual dilapidação, ferindo a intimidade do empregado, bem como a fidúcia que rege o contrato de trabalho, in verbis:

“DANO MORAL. REVISTA PESSOAL. CONFIGURAÇÃO.Cumpre ao empregador criar mecanismos assecuratórios de que o trabalhador a ser contratado corresponderá à fidúcia depositada por ocasião do exercício das funções. A idoneidade moral do trabalhador, portanto, pode e deve ser aferida antes da contratação, não sendo moralmente admissível que o empregado tenha que prová-la dia após dia, submetendo a sua intimidade à inspeção regular do empregador. Desse modo, a revista pessoal ou mesmo a íntima afigura-se procedimento desproporcional porque ultrapassa o âmbito do poder fiscalizador do empregador, e configura dano à honra subjetiva do empregado a ensejar reparação nos moldes constitucionalmente previstos.”[55]

Sob essa mesma linha de pensamento, entenderam os Tribunais Regionaisde São Paulo (2ª Região), da Bahia (5ª Região) e do Paraná (9ª Região) ser qualquer procedimento de revista atentatório à dignidade da pessoa humana do trabalhador, ferindo seu direito à honra, intimidade e privacidade, visto que tal prática ultrapassa os limites do poder diretivo do empregador, in verbis:

“RECURSO ORDINÁRIO. DANOS MORAIS. REVISTA DO EMPREGADO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.É certo que o empregador detém o pode diretivo, que lhe permite traçar as diretrizes para o atingimento de suas metas. Todavia,essa prerrogativa não se sobrepõe jamais ao princípio da dignidade humana. Os cuidados patronais pela preservação de seu patrimônio encontram limite intransponível nos direitos personalíssimos. A par disso, a revista do empregado não pode resultar em injustificada invasão de privacidade,porque invioláveis a intimidade, a vida privada,a honra e a imagem das pessoas, direitos estes assegurados por norma constitucional. O ato de submeter o reclamante ao constrangimento de ser selecionado na fila dos empregados e ter de levantar a camisa em público configura-se invasão de privacidade e é atentatório à dignidade da pessoa humana. A revista de pertences ou pessoal não pode ser vista como regra ou condição contratual, pois nem mesmo a autoridade policial está autorizada a proceder dessa forma sem mandado.A revista sem autorização judicial inverte a ordem jurídica vigente no sentido de que ninguém é culpado senão mediante prova em contrário.”[56]

“SUPERMERCADO. REVISTA PESSOAL (ÍNTIMA OU NÃO). DANO MORAL. A revista pessoal, seja ela íntima ou não, viola a dignidade da pessoa humana e a intimidade do trabalhador, direitos fundamentais de primeira geração que, numa ponderação de valores, têm maior intensidade sobre os direitos de propriedade e de autonomia da vontade do empregador. Além disso, não há dúvida quanto à opção axiológica adotada pelo constituinte de 1988 da primazia do SER sobre o TER; da pessoa sobre o patrimônio; do homem sobre a coisa.”[57]

“REVISTA EM PERTENCES DO EMPREGADO. INEXISTÊNCIA DE CONTATO CORPORAL. DANO MORAL CONFIGURADO. A realização de revista pelo empregador nos pertences de seus empregados (independentemente de serem ou não obrigados a retirar de dentro de suas mochilas o conteúdo respectivo), viola em qualquer situação, a presunção de inocência garantida pelo texto constitucional a cada cidadão (CF, artigo 5º, LVII). Denota, na verdade, uma inversão de valores morais e sociais onde o bem patrimonial se sobrepõe ao bem maior do ser humano, a sua honra, a sua dignidade, os valores sociais e éticos, comuns ao homem médio que vive em sociedade, elevados, expressos e assegurados na Lei Maior, que acabariam por ser relegados, subvertidas a escala de valores estabelecida como fundamento da própria República Federativa do Brasil: a dignidade da pessoa humana (CF, artigo 1º, III). Considerando o avanço da tecnologia para segurança das empresas, a qual envolve eficientes e aparatosos sistemas de câmaras de vídeo, capazes, por si só, de salvaguardar o patrimônio do empregador sem ofender a dignidade do obreiro, qualquer revista, ainda que não envolva toque corporal entre vistoriador e vistoriado, importa em violação da presunção de inocência imanente a todo cidadão, tutelada também na Constituição Federal (CF, artigo 5º, LIV). Recurso da reclamada a que se nega provimento, mantendo-se a condenação imposta em sentença pelo pagamento da indenização por danos morais.”[58]

A primeira parte do enunciado nº 15 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, já citado acima, também converge nesse sentido, in verbis:

“I- Revista. Ilicitude. Toda e qualquer revista, íntima ou não, promovida pelo empregador ou seus prepostos em seus empregados e/ou em seus pertences, é ilegal, por ofensa aos direitos fundamentais da dignidade e intimidade do trabalhador.”

Apesar da divergência, tem-se hoje como entendimento majoritário tanto dos tribunais quanto dos doutrinadores, que o artigo celetista proíbe qualquer tipo de revista íntima, permitindo a revista pessoal desde que indispensável e insubstituível por outro procedimento menos atentatório aos direitos individuais do empregado, não devendo aindaser discriminatória e envolver circunstâncias atentatórias à dignidade da pessoahumana do trabalhador, sendo respeitada sua intimidade, privacidade, honra e imagem.

Nesse sentido demonstraser o entendimento da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que tem como um de seus principais objetivos pacificar questões controvertidas na jurisprudência trabalhista, especificamente das Turmas deste Tribunal. Cita-se, a título ilustrativo, decisão atual em que se entendeu pela legalidade do procedimento de revista pessoal adotado pelo empregador, inverbis:

“EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA CONHECIDO E PROVIDO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. REVISTA MODERADA EM BOLSAS E SACOLAS. INVIABILIDADE DA CONDENAÇÃO POR PRESUNÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. A C. Turma reformou o entendimento do eg. Tribunal Regional que havia caracterizado como passível de indenização por dano moral o procedimento da reclamada em revistar seus empregados ao final de cada expediente, com exceção dos médicos e dos diretores, que tinham acesso por outra portaria para adentrar ou sair do estabelecimento. A revista de bolsas e sacolas daqueles que adentram no recinto empresarial não constitui, por si só, motivo a denotar constrangimento nem violação da intimidade da pessoa. Retrata, na realidade, o exercício pela empresa de legítimo exercício regular do direito à proteção de seu patrimônio, se ausente abuso desse direito, quando procedida a revista moderadamente, não há se falar em constrangimento ou em revista íntimae vexatória, a atacar a imagem ou a dignidade do empregado. Decisão da C. Turma mantida. Embargos não conhecidos.”[59]

Por outro lado, corre no Congresso Nacional um Projeto de Lei da Deputada Alice Portugal, que “Dispõe sobre a proibição de revista íntima de funcionários nos locais de trabalho e trata da revista íntima em ambientes prisionais”[60].

O Projeto proíbe expressamente a prática de revista íntima em empregadas pela empresa, entendidas estas como aquelas que exijam o ato de desnudar-se ou expor o corpo, como já proibido pelo artigo celetista 373-A, impondo ainda, a empresa que descumprir a determinação, multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) e, no caso de reincidência, multa de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), sem prejuízo das sanções penais e direito da empregada em pleitear perante a Justiça do Trabalho danos materiais e morais.

O Projeto já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), devendo agora passar por votação da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) e do Plenário do Senado Federal.

4.3 HIPÓTESES ADMITIDAS DE SUBMISSÃO DO EMPREGADO À REVISTA CONFORME POSICIONAMENTO PREDOMINANTE ATUAL DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA

Como demonstrado na seção anterior, alegislação brasileira acerca dos procedimentos de revista em empregados ainda é precária, deixando muitas lacunas e dúvidas a serem resolvidas pela doutrina e jurisprudência.

O posicionamento majoritário atual acerca do tematem sustentado que o procedimento de revista se justifica quando constitua o último meio para proteger o patrimônio empresarial da dilapidação e a própria segurança das pessoas, à falta de outras medidas preventivas. Assim, não bastaria a tutela genérica do direito de propriedade do empregador, devendo existir circunstâncias concretas que justifiquem a revista. Sendo necessário ainda, segundo Alice Monteiro de Barros[61] que “… haja, na empresa, bens suscetíveis de subtração e ocultação, com valor material, ou que tenham relevância para o funcionamento da atividade empresarial...”.

Assim, a indispensabilidade da revista para a proteção do patrimônio empresarial é o requisito que limita a própria realização da revista. Havendo a possibilidade de fiscalização por outro tipo de controle, como a utilização de etiquetas magnéticas no produto, uso de dispositivos de som e filmagem, vigilância por serviço especializado, não há qualquer justificativa para a realização de revistas.

Quando a revista for utilizada pelo empregador, conforme acima exposto, jamais poderá exigir que os empregados se desnudem, com contato físico, toques, exames no corpo do trabalhador pelo empregador ou seus prepostos. A revista nunca poderá ser degradante ao trabalhador, vexatória, humilhante.

Deverá ainda ser de forma geral, impessoal e realizada por meio de critério objetivo, isto é, realizada em todos os empregados sem discriminação, ou nos empregados sorteados no dia, por numeração, ou ainda em todos os integrantes de determinado setor ou turno, etc. Deverá ocorrer sempre mediante ajuste prévio com a entidade sindical, comissão de fábrica ou empregados, de forma a não se permitir suspeitas e respeitando de forma máxima a dignidade da pessoa humana e os direitos à intimidade, privacidade e honra do trabalhador.

Assim, é inadmissível a realização de procedimento de revista por várias vezes ao dia, sem motivo excepcional justificável, bem como aquela efetuada em uma ou algumas pessoas, ainda que de forma superficial e respeitosa, pois as colocam em posição de suspeita, sendo ato totalmente discriminatório e arbitrário, além de violar o próprio princípio da presunção de inocência[62].

Exige-se ainda que a revista seja realizada mediante algumas garantias, como, por exemplo, na presença de um representante dos empregados, ou, na ausência, na presença de um colega de trabalho a fim de que não ocorram abusos.

Além disso, a revista deve ser realizada sempre no local de trabalho, devendo, em regra, ser realizada na saída da jornada laboral. Admitindo-se sua realização no início da jornada de forma excepcional, em decorrência da particularidade da situação, como, por exemplo, no caso de minas, a fim de evitar-se a entrada com materiais que possam acionar os explosivos pondo em risco a segurança do local de trabalho e do patrimônio empresarial.

Nesse sentido, afirma Sandra Lia Simón[63]:

“Sendo imprescindível a efetivação da revista, esta deverá atender aos demais requisitos: só pode ser realizada na saída dos locais de trabalho, através de um sistema de seleção automática e mediante acordo entre o empregador e a representação dos trabalhadores.”

Amauri Mascaro Nascimento[64] afirma nessa mesmalinha que:

“…a revista dos empregados vem sendo considerada pelos Tribunais como um direito de fiscalização do empregador. No entanto, se se torna abusiva da dignidade do trabalhdor, não encontrará acolhida nas decisões judiciais. terá que ser moderada, respeitosa, suficiente para que seus objetivos sejam atingidos.”

Logo, a recusa do empregado a se submeter a procedimento de revista será legítima quando tal procedimento envolver circunstâncias que afrontam sua dignidade da pessoahumana e seus direitos individuais, em especial o direito à privacidade, intimidade, honra e imagem.

Note-se que, para o entendimento jurídico atual majoritário, a revista, dentro dos limites acima elucidados, não atenta contra a intimidade, honra, privacidade, imagem e dignidade do trabalhador. Trata-se de medida que pode ser adotada pelo empregador em defesa de seu patrimônio. Contudo, a não observância de um desses ditames será suficiente para a caracterização da revista abusiva, atentatória aos direitos individuais do trabalhador, sobretudo à sua dignidade. Efetivamente, a maneira como realizada a revista é que definirá a sua legalidade ou não.

4.4 AS REVISTAS ÍNTIMAS

Conforme demonstrado no capítulo anterior, apesar de a doutrina e jurisprudência divergirem acerca da extensão da expressão “íntima” do inciso VI do artigo 373-A da CLT às revistas pessoas (entendidas estas como aquelas realizadas nos pertences do empregado), é pacífico o entendimento de que a revista de caráter íntimo, isto é, aquela realizada com a exigência de que os empregados se desnudem, com toques e/ou contatos físicos no corpo do trabalhador é atentatória à sua honra, privacidade, intimidade, imagem e, sobretudo, dignidade da pessoahumana, assegurados, principalmente, pelos artigos 1º, caput e inciso III, 5º, inciso X  e 170 da Constituição Federal.

Argumenta-se nesse sentido que inexistem situações que justifiquem e/ou autorizem o empregador a realizar o procedimento de revista em seus empregados quando esta os impõem a necessidade de se despirem, por mais “respeitosa” que seja a conduta do preposto responsável pelo procedimento, visto tratar-se de situação de extremo constrangimento, com total desrespeito do direito a preservação da intimidade, privacidade, honra, imagem e dignidade do trabalhador.

O empregador jamais poderá investir-se de poderes de polícia[65] e submeter seus empregados a situações de grande constrangimento e vergonha, vexatórias e humilhantes.

O contrato de trabalho envolve uma fidúcia mínima entre as partes contratantes, isto é, entre empregado e empregador, vigorando o princípio da boa-fé laboral[66]. Logo, não deve restar dúvidas quanto à integridade moral do trabalhador contratado.

A inserção do empregado no ambiente de trabalho não lhe retira os direitos personalíssimos. É fato pacífico que a celebração de contrato laboral enseja a submissão do empregado ao poder diretivo do empregador, sofrendo, por consequência, algumas limitações aos seus direitos da personalidade. Todavia, tal fato não justifica a total abdicação dos referidos direitos em prol do interesse patronal, pois, do contrário, haveria degradação da subordinação jurídica, levando o empregado a um estado de completa sujeição, o que é incompatível com o fim e objetivo de toda a legislação trabalhista.

Assim, as condições mínimas garantidas ao empregado enquanto ser humano poderão, tão somente, serem amoldadas à relação de trabalhado para que ela tenha um correto desenvolvimento.

A título ilustrativo cita-se entendimento da jurista Alice Monteiro de Barros[67] que afirma ser inadmissível a realização de revistas que exijam que os empregados se dispam, com contatos físicos e/ou toques no empregado pelo empregador ou seus prepostos:

“Portanto, considera-se atentatória à intimidade a inspeção que exige que o indivíduo se desnude completamente, ainda que perante pessoasdo mesmo sexo, e se submeta a exame minucioso, detalhado, prolongado ou em presença de outros. A revista nessas condições encontra limite no respeito à dignidade do trabalhador.”

(...)

Concluímos, portanto, pela impossibilidade de revista que implique sejam os empregados desnudados, independentemente de ser respeitosa a vistoria.”

Nesse mesmo sentido, cita-se algumas ementas do Tribunal Regional de São Paulo (2ª Região), que entende que as revistas consistentes em abaixar a calça ou levantar a saia e abrir a blusa com ou sem exames e toques ao corpo do trabalhador constituem ato ofensivo a sua intimidade, privacidade, honra e, em especial, dignidade, asseguradospela Constituição Federal nos artigos 1º, caput e inciso III, 5º, inciso X e 170 principalmente, in verbis:

“DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. CONFIGURAÇÃO. O empregador, no exercício do poder de fiscalização tem o direito de adotar medidas com vistas a proteger o patrimônio empresarial.No entanto, esse poder não pode transbordar o dever indeclinável de respeito à dignidade da pessoa do trabalhador.A revista íntima do empregado, obrigando-o a despir suas vestes, ainda que de forma parcial, é uma maneira de subjugar o trabalhador, colocando-o em situação de investigado.Há outros meios dos quais o empresário deve se valer para exercer permanente fiscalização de seu patrimônio,porém a forma menos onerosa de exercê-la é através da revista pessoal. Trata-se de conduta que agride a dignidade do laborista, ao ter que, rotineiramente, demonstrar que é honesto, a despeito do princípio da boa-fé das partes contratantes que rege, indistintamente, a execução de qualquer contrato.”[68]

“DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. Prática que repugna ao sentido de respeito à individualidade da pessoa, à intimidade,à discrição, à vergonha porque o padrão social não consagra a normalidade de se expor (nudez) a qualquer pessoa, mesmo que do mesmo sexo. A vistoria feita de forma institucional caracteriza uma invasão à intimidade, além de um permanente estado de desconfiança da honestidade alheia. Dano configurado.”[69]

“INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. Configura-se como vexatório e humilhante procedimento adotado pela reclamada,para realização de revista íntima, onde o trabalhador é obrigado a ficar completamente despido ou apenas em trajes íntimos, vez que o "homem médio" sente-se constrangido com tal exposição na frente de estranhos e o procedimento configura-se como afronta à sua moral e dignidade, autorizando o pagamento de indenização pelos danos causados.Recurso Ordinário da reclamada não provido.”[70]

Transcreve-se também ementas de outros Tribunais, a fim de se demonstrar o mencionado posicionamento jurisprudencial acerca da matéria, in verbis:

“EVISTA ÍNTIMA. ILEGALIDADE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DEVIDA.Qualquer tipo de revista íntima perpetrada pelo empregador em seus empregados viola a dignidade e intimidade do trabalhador, valores esses protegidos constitucionalmente (arts. 1º, III e 5º, X, CF). Tal prática vai de encontro ao quanto disposto no art. 373-A, VI, da CLT.”[71]

“DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. CARACTERIZAÇÃO DE ABUSO DO PODER DIRETIVO NA RELAÇÃO LABORAL.Constitui-se ato abusivo a realização de revistas íntimas, especialmente quando há determinação para o empregado desnudar-se, ferindo direito de personalidade protegido constitucionalmente. Sendo assim, compro-vada a sua ocorrência, é devida a indenização por danos morais decorrentes do ato praticado, razão por que merece reforma a decisão singular.”[72]

“DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. REVISTA DO EMPREGADO. DANO MORAL. REVISTA ÍNTIMA. o poder diretivo do empregador o autoriza a fiscalizar a prestação do trabalho, máxime quando esta envolve o manuseio de dinheiro, mas não a proceder a revista da pessoa do empregado, obrigando-o a desnudar-se, ainda que diante de pessoa do mesmo sexo, prática lesiva à dignidade e à intimidade do trabalhador, ensejando reparação por dano moral.”[73]

“REVISTA ÍNTIMA. DANO MORAL CONFIGURADO.A prática de revistas íntimas é ensejadora de dano moral, por afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e violação à intimidade do trabalhador. Inteligência dos arts. 1º, III, e 5º, X, da Constituição Federal. Recurso provido no aspecto.”[74]

Por fim, transcreve-se dois arestos que demonstram o entendimento da Seção Especializada em Dissídios Individuais do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, no sentido de que o procedimento de revista íntima é ilícita, pois atenta aos direitos individuais do empregados, sobretudo sua dignidade, in verbis:

“PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL E MULTA PREVISTA NO ART. 538 DO CPC. Toda a questão já havia sido tratada pela Turma que, no acórdão primeiro, expendeu fundamentação em relação a todos os aspectos questionados. Assim, correto se afigura o acórdão recorrido quando rejeitou os Embargos de Declaração e, entendendo serem protelatórios, aplicou a multa prevista no art. 538 do CPC. Portanto, não se verifica negativa de prestação jurisdicional e, tampouco, revela-se viável a exclusão da multa imposta.SUSPEIÇÃO DE TESTEMUNHA. A Súmula 357 desta Corte no sentido de que "não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador" tem aplicabilidade também em casos como o presente, em que se discute a validade da prova testemunhal quando a testemunha litiga contra o mesmo empregador em ação com idêntico objeto.

DANO MORAL. Os fatos narrados pelo Tribunal Regional são suficientes para se ter como configurado o dano moral com ofensa à intimidade da reclamante consistente na submissão da empregada a revista íntima, ainda que praticada por pessoa do mesmo sexo. Assim, a decisão regional em vez de violar o art. 5º, inc. X, da Constituição da República, atendeu aos seus ditames bem como ao disposto no art. 1º, inc. III, da Constituição da República, assegurando a inviolabilidade da intimidade e a dignidade da pessoa humana, constituindo esse último direito um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

BASE DE CÁLCULO DA INDENIZAÇÃO. A teor da Súmula 422 desta Corte, não se conhece de recurso para o TST "quando as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que fora proposta".Recurso de Embargos de que não se conhece.”[75] (Destaque nosso)

“EMBARGOS. DANOS MORAIS. REALIZAÇÃO DEREVISTA ÍNTIMA. CONHECIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. Nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 37 da C. SBDI-1, a Turma é soberana na análise de divergência jurisprudencial.

DANOS MORAIS - REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA. A C. Turma conheceu do Recurso de Revista da Reclamante por divergência jurisprudencial, a evidenciar a não-ocorrência de revisão do conjunto probatório. No mérito, julgou segundo os fatos revelados pelo acórdão regional. Incólume o Enunciado nº 126/TST.

DANOS MORAIS. RECONHECIMENTO DO DANO. PREVISÃO NORMATIVA DA REVISTA. 1. O Eg. Tribunal Regional consignou que a Reclamante era submetida a revistas diárias, nas quais lhe era demandado abaixar as calças até os joelhos e levantar a camisa até os ombros. 2. Demonstrada a violação à honra e intimidade da Reclamante, não aproveita à Reclamada a alegação de previsão normativa da revista. A autorização de realização do procedimento não se comunica com a abusividade dos meios empregados, razão da condenação.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO1 - O arbitramento do dano moral, pelas próprias circunstâncias que o definem, ocorre de maneira necessariamente subjetiva, segundo critérios de justiça e eqüidade, ainda que, em cada situação específica, seja dada ao magistrado a oportunidade de fixar parâmetros à apreciação do dano sofrido.2 - O dano moral tem o escopo de, por um lado, compensar a vítima pelo dano sofrido e, por outro, punir o infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia. Na fixação desse valor, levam-se em conta as condições econômicas e sociais das partes envolvidas, bem como a gravidade da falta cometida.3. Assim, em sendo plausível o quantum fixado pela C. Turma, que levou em consideração o dano causado e a condição econômica da Reclamada, não há falar em sua alteração, a fortiori pela inexistência de firme critério legal.Embargos não conhecidos.”[76](Destaque nosso)

Ressalte-se aqui que, a revista íntima por si só já é atentatória a dignidade do empregado, independentemente do procedimento a ser realizado em todos os empregados, sem discriminação, conforme posicionamento doutrinário e jurisprudencial atual, acima já demonstrado.

Esclareça-se, contudo, que a exigência de que os empregados, sem qualquer discriminação entre eles, sejam submetidos à revista por preposto do mesmo sexo, em local reservado, sem contato físico, com a exigência apenas de que retire os sapatos, levante a bainha da calça até a altura dos joelhos, levante as mangas e solte os cabelos não constitui procedimento atentatório à intimidade do trabalhador para a jurisprudência e doutrina predominante, pois, segundo essa corrente, não há em tal procedimento ato atentatório aos direitos individuais do trabalhador ou a sua dignidade. Ressaltando-se apenas que, o procedimento apenas será lícito quando não houver qualquer outro meio eficaz de proteger o patrimônio patronal.

Cita-se, nesse sentido, decisão do Tribunal Regional do Paraná (9ª Região), que afirma que o fato de os empregados terem que levantar a bainha da calça e abrirem a jaqueta, bem como suas bolsas e sacolas para a revista visual na saída do expediente, não configura procedimento ilegal, nem viola os direitos individuais e a dignidade do trabalhadorin verbis:

“REVISTA EM BOLSAS E JAQUETAS. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL.Por mais que a abertura da bolsa e jaquetas perante a recepcionista pudesse causar constrangimentos ao Autor, tal situação não tem o condão de se caracterizar como dano moral, tendo em vista que o procedimento adotado pela empresa não era abusivo e se direcionava indistintamente a todos os empregados, tendo sido adotados os devidos cuidados para não expor o empregado e nem tratá-lo de forma discriminatória."ORecorrente alega que a revista realizada nos seus pertences causou-lhe grande constrangimento, violando o seu direito à intimidade, ensejando indenização justa que venha a coibir atos semelhantes no futuro por parte do Recorrido e a amenizar a desonra sofrida. Não lhe assiste razão. A Constituição Federal dispõe expressamente que "é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem"(art. 5º, V, CF) e que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação"(art. 5º, X, CF). A revista pessoal de trabalhador, efetuada no âmbito da relação empregatícia, vem sendo admitida como legítima quando essa fiscalização apresente-se como meio de proteger o patrimônio do empregador, desde que diretamente relacionado com o próprio objeto da atividade econômica empreendida ou com a segurança interna da empresa. Tal situação decorre do fato de que os direitos fundamentais das partes envolvidas, quais sejam, o direito de propriedade da empresa (art. 5º, XXII, CF) e o direito à intimidade do empregado (art. 5º, X, CF)- não são absolutos, devendo ser interpretados de modo a um não excluir a incidência do outro, tendo em conta ainda os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Conforme apurado na audiência de instrução, a empresa procedia diariamente à revista visual e em bolsas de seus funcionários ao final do expediente, de forma regular e dentro de parâmetros razoáveis, tendo o Recorrente declarado em seu depoimento pessoal que "tinha que erguer a barra da calça, a camisa e mostrar a parte interna da jaqueta para a recepcionista" e que "caso estivesse com alguma bolsa, tinha que mostrar o conteúdo dela", destacando que "todos os empregados submetiam-se à revista"(fl. 66, itens 14 e 24). O preposto da Recorrente afirmou que "a revista ocorria na saída da Loja, sendo que o empregado que laborava na portaria pedia para o empregado abrir bolsa ou sacola para mostrar o conteúdo", inclusive ressaltando que "não havia revista pessoal"(fl. 67, item 08). A testemunha JOSEMIR esclareceu que "tal tipo de revista era igual para todos os empregados, com exceção da chefia"(fl. 67, item 12). Por mais que a abertura da bolsa e jaquetas perante a recepcionista pudesse causar constrangimentos ao Recorrente, tal situação não tem o condão de se caracterizar como dano moral, tendo em vista que o procedimento adotado pela empresa não era abusivo e se direcionava indistintamente a todos os empregados, tendo sido adotados os devidos cuidados para não expor o empregado e nem tratá-lo de forma discriminatória. Esse é o posicionamento seguido no âmbito desta C. 4ª Turma, como se constata pelas ementas a seguir transcritas: "DANO MORAL-REVISTA-INDENIZAÇÃO INDEVIDA-A Reclamada reconheceu que realizava revistas em sacolas ou bolsas transportados pelos empregados, quando estes deixavam o local de trabalho. Entretanto, tal conduta não pode ser considerada como ilícita, pois as revistas eram direcionadas a todos os empregados e eram procedidas de forma superficial, sem qualquer abuso. Ademais, não restou comprovado qualquer prejuízo à integridade moral do Reclamante, de forma que é indevida a indenização postulada. (TRT PR 03752-2005-872-09-00-5, Rel. Desemb. Arnor Lima Neto, publicado em 26-06-2007)" "REVISTAS EM BOLSAS, MOCHILAS E SACOLAS-DANO MORAL-NÃO CONFIGURADO-Não resta configurado o dano moral quando a revista limita-se à averiguação do conteúdo de bolsas, mochilas e sacolas. O procedimento utilizado pela reclamada não se traduz prática abusiva ou discriminatória que tenha atingido a intimidade, privacidade, dignidade e honra do reclamante. À reclamada cumpre zelar pelo seu patrimônio podendo usar, para tanto, do seu direito de fiscalização, neste incluído o direito de proceder revistas em seus funcionários, desde que não exceda o seu poder diretivo. Trata-se de norma interna de procedimento, que visa resguardar o patrimônio, a idoneidade e a" saúde "financeira da empresa, o que é de interesse inclusive dos empregados que dependem financeiramente da empregadora.(TRT PR 08650-2006-002-09-00-0, Rel. Desemb. Sérgio M. R. Lemos, publicado em 13-06-2008)" Nada a prover."(TRT PR 00867-2008-005-09-00-3 (RO).”[77] (Grifo nosso)

Sobre a autora
Cristiane Baraldi

Advogada; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e em Direito Empresarial pelo Insper.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARALDI, Cristiane. A violação do princípio da dignidade da pessoa humana do empregado no procedimento de revista íntima no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3421, 12 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22999. Acesso em: 23 dez. 2024.

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