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A violação do princípio da dignidade da pessoa humana do empregado no procedimento de revista íntima no direito brasileiro

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Agenda 12/11/2012 às 15:28

2. DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

2.1O PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

O poder diretivo pode ser conceituado, de forma simplista, como a capacidade do empregador em determinar como deverá ocorrer a prestação de serviços do seu empregado.

Amauri Mascaro Nascimento[13] conceitua o poder diretivo como “a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida.”

Alice Monteiro de Barros[14] diz que o poder diretivo pode ser definido pela “capacidade atribuída ao empregador de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa”.

A definição acerca do que seria o poder diretivo do empregador se depreende do próprio conceito de empregador, legalmente dado pelo caput do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

“Art. 2º. Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” (Grifo nosso)

Segundo o artigo acima transcrito, empregador é aquele que, além de contratar e assalariar, dirige a prestação pessoal dos serviços de seus empregados, assumindo os riscos do seu empreendimento. Referido poder corresponde, portanto, ao dever de subordinação do empregado. Ou, nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento[15], “empregador é o ente dotado ou não de personalidade jurídica, com ou sem fim lucrativo, que tiver empregado.”.

Assim, resta evidente que o titular do poder diretivo é o empregador, contudo, importante ressaltar que o direito de exercício de tal poder pode ser, em parte, delegado a prepostos, variando-se a intensidade desse poder de mando concedido de acordo com a natureza da relação de emprego.

A doutrina, em sua maior parte, classifica o poder diretivo em três espécies: o poder organizacional, o poder de controle e o poder disciplinar[16].

Segundo Sandra Lia Simón[17] o poder organizacional ou poder diretivo propriamente dito, seria o poder mais amplo do empregador, que consistiria “na faculdade de ordenar tanto o capital como o trabalho, objetivando a direção e administração do empreendimento”. Para a autora, tal poder compreende os fins econômicos da empresa, a definição de sua estrutura jurídica, a fixação dos cargos e funções bem como das suas respectivas atribuições, dentre outras atividades.

O poder de controle seria o direito do empregador em fiscalizar as atividades profissionais feitas por seus empregados, com o fim de averiguar se as metas que possibilitarão o alcance dos seus objetivos estão sendo cumpridas.

Segundo Amauri Mascaro Nascimento[18] tal poder se justifica porque somente assim o empregador poderá averiguar que “em contrapartida ao salário que paga, vem recebendo os serviços dos empregados”.

Já o poder disciplinar seria a possibilidade do empregador de aplicar penalidades a seus empregados quando deixarem de cumprir as ordens que lhe foram dadas, não desempenhando adequadamente suas atribuições.

Assim, o poder diretivo é amplo e abrange três funções: a relativa às decisões executivas, que são as necessárias à organização do trabalho e se revelam por meio de atos meramente constitutivos, não determinando condutas para os trabalhadores; a função de instrução, que diz respeito às ordens cuja eficácia real depende da observância do trabalhador; e, a função de controle, que é o direito do empregador de fiscalizar as atividades profissionais de seus empregados, por meio, por exemplo, de instalação de equipamentos visuais, instrumentos auditivos e revistas pessoais.

Sob a ótica dessa classificação, pode-se dizer que o poder diretivo em específico encontra-se no poder organizacional, já que os demais, poder disciplinar e poder de controle, visam apenas dar efetividade a ele.

Nesse sentido, a doutrina se divide em três principais correntes que fundamentam a existência do poder direito: a teoria da propriedade privada, a teoria institucional e a teoria contratual.

De acordo com a teoria da propriedade privada, defendida, por exemplo, segundo Sandra Lia Simón[19], por Célio Goyatá, o poder diretivo pertence àquele que tiver a propriedade da empresa, isto é, o poder diretivo é dado ao empregador sob o fundamento de que a empresa é objeto do seu direito de propriedade. O empregador possui tal poder porque é dono.

Já a segunda teoria, a institucional, entende que a empresa (empregador) enquanto instituição possui uma estrutura hierarquizada, fazendo com que o poder de comando surja do órgão que a administra. Essa teoria possui fundamento mais político e social do que jurídico. É defendida, segundo Sandra Lia Simón[20], por Luiz José de Mesquita e Roberto Barretto Prado.

E, a teoria contratual, sustentada, por exemplo, por Maurício Godinho Delgado[21], afirma que o poder diretivo é oriundo dos poderes concedidos ao empregador no contrato de trabalho, sendo, portanto, oriundo da relação de emprego. Em outras palavras, na celebração do contrato de trabalho, se põe sob a responsabilidade do empregador a organização e disciplina do trabalho realizado na empresa, dando-lhe poderes para que tal responsabilidade seja efetivada, e, por outro lado, o empregado aceita se submeter às ordens do empregador de modo a lhe prestar serviços.

A justificativa para a existência do poder diretivo é apresentada por cada uma dessas correntes sob diferentes óticas segundo Sandra Lia Simón[22]. Para a autora, a teoria da propriedade utiliza-se do detentor dos meios de produção, a institucionalista identifica um dos motivos que justificariam o poder diretivo, e a contratualista demonstraria a procedência do poder, isto é, o contrato de trabalho.

Contudo, todas estas teorias são passíveis de crítica: a teoria da propriedade privada, não observa o fato de que atualmente existem empresas em que a propriedade não está associada ao controle; a institucionalista limita-se a determinar uma certa situação de poder, não explicando a liberdade característica da relação de emprego; e a contratualista, apenas reconhece o poder diretivo sob seu aspecto formal.

Sob outra ótica, pode-se afirmar que cada teoria se adapta melhor a uma espécie de poder diretivo (poder organizacional, de controle e disciplinar).

Para Sandra Lia Simón[23] o principal fundamento do poder diretivo do empregador é a propriedade, em vista da essência do capitalismo estar exatamente na propriedade. A autora não desconsidera as demais teorias, entendendo que também são importantes, pois o contrato de trabalho é a forma pela qual a relação entre empregado e empregador se formaliza e as empresas cada vez mais passam a ser vistas como instituições, contudo, fundamenta que:

“A essência do sistema capitalista, instalado na maioria das sociedades do mundo contemporâneo, está exatamente na propriedade: enquanto os trabalhadores dispõem tão somente da sua “força de trabalho”, os capitalistas são os detentores dos meios de produção.

(…)

É o sistema capitalista, portanto, que dá ênfase à propriedade. conseqüentemente, ela deve ser considerada o principal fundamento do poder diretivo do empresário.”

A doutrina ainda se divide em duas correntes quanto à natureza jurídica deste direito inerente ao empregador: a que sustenta que o direito ao exercício do poder diretivo seria um direito potestativo do empregador, de forma que nada poderia impedir seu exercício, isto é, quem se submeter a ele também deverá se sujeitar a ele, sem possibilidade de objeção, defendida, segundo Alice Monteiro de Barros[24], por Karl Larenz; e a que afirma que tal poder seria um direito-função, ou seja, um poder atribuído ao titular para tutelar interesse alheio e não próprio, implicando na existência de obrigações ao titular, sustentada por Amauri Mascaro Nascimento[25] e Sandra Lia Simón[26], por exemplo.

No caso desta última corrente, a participação dos trabalhadores nas decisões da empresa aumentaria gradativamente, limitando-se, dessa maneira, a amplitude do poder patronal de direção a ponto de se transformar em um conjunto de deveres do empregador para com os empregados.

A corrente que dá ao poder de direção a ideia de direito potestativo prevaleceu até o século XIX. Todavia, tal conceituação, segundo o entendimento majoritário atual, é incompatível com a realidade social, visto que o próprio contrato de trabalho e a lei impõem limitações a esse poder. Além disso, a justificativa de direito potestativo torna-se insuficiente para explicar as formas de participação dos trabalhadores na empresa.

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Assim, prevalece a corrente que sustenta a ideia de direito-função do poder de comando do empregador, já que tal poder não pode ser fundado exclusivamente no interesse do empresário.  Neste caso, o poder de direção continua sendo um direito potestativo do empregador, não ficando reduzido. Contudo, passa a observar os interesses da empresa como parte de uma sociedade capitalista de massas, e não apenas os interesses do empregador. Tal observância é de suma importância para que os trabalhadores possam exercer a liberdade que é inerente à própria relação de emprego, mesmo que apenas formalmente.

Sandra Lia Simón[27] correlaciona a função social da propriedade da empresa com o poder diretivo do empregador enquanto direito-função:

“Nesse sentido, é possível, ainda, traçar um paralelo entre tal fundamento e a natureza jurídica do poder diretivo, identificando-o como direito-função, pois a empresa não pode visar única e tão somente o interesse exclusivo do capitalista, mas sim deve alcançar interesses diversos, como os dos trabalhadores, da coletividade, ou do Estado.”

Sob este aspecto, a ideia de direito-função do poder diretivo do empregador tem por base a própria função social da propriedade do empresário, conforme artigo 5º, XXIII e 170 da Constituição Federal, e mesmo a função social do contrato, dada pelo artigo 421 do Código Civil de 2002, aplicável subsidiariamente ao Direito do Trabalho conforme parágrafo único do artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, in verbis:

“Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Assim, o poder diretivo visto como direito-função relaciona-se àideia de que o contrato de trabalho também deverá observar sua função social, atendendo a interesses dos trabalhadores e não apenas do empresário contratante. Tal limitação dá base para o próprio princípio da autonomia contratual, já que, apesar de o poder diretivo do empregador emanar do contrato, este poder sempre deverá ser exercitado com restrições.

2.2LIMITES DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR

O exercício do poder diretivo deve observar limites impostos pelo ordenamento jurídico, sobretudo diante dos direitos invioláveis do trabalhador. A subordinação jurídica deste último ao poder de mando do empregador não implica a sujeição a quaisquer tipos de determinações.

Sob uma primeira ótica, pode-se dizer que o poder diretivo do empregador possui limites externos, que seriam os impostos pelo conjunto de normas que compõem o ordenamento jurídico pátrio, e limites internos, que dizem respeito ao próprio exercício do poder de controle, que sempre deverá visar uma forma regular e uma conduta de boa-fé.

Como abordado ao longo do trabalho, a principal limitação desse poder direito, que se encontra fundado no direito de propriedade do empresário, é a sua função social (artigo 5º, XXIII e 170 da Constituição Federal), que deverá sempre ser observada para que este direito seja realmente protegido.

Tal limitação reflete-se no próprio contrato de trabalho que também deverá respeitar uma função social para que tenha validade e eficácia plena (artigo 421 do Código Civil de 2002, aplicado subsidiariamente ao Direito do Trabalho conforme artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho).

Além disso, o poder diretivo do empregador encontra-se ainda barrado pelo rol de direitos da personalidade garantidos no artigo 5º da Carta Maior, dos quais pode-sedestacar o dever de não discriminar o trabalhador (incisos I e VIII), não obrigá-lo a fazer ou não fazer algo sem ser em virtude de determinação legal (inciso II), não submetê-lo a tortura ou tratamento desumano ou degradante (inciso III), não violar sua liberdade de consciência e crença ou sua intimidade, honra, imagem e vida privada (incisos VI e X).

Deve o empregador ainda observar e cumprir os direitos garantidos ao trabalhador nos artigos 7º, 8º e 9º, que também acabam por ser formas de restrição do seu poderdiretivo.

Há autores que ainda afirmam existir limitação temporal e espacial de tal poder, visto apenas poder ser exercido no local e durante a prestação de serviços; e limitação teleológica, isto é, o empregador somente pode dar ordens de visem alcançar o objetivo da prestação de serviços. Segundo Sandra Lia Simón[28], o jurista Márcio Túlio Viana é defensor da classificação em limitação temporal, espacial e teleológica.

Assim, as ordens dadas por quem não está legitimado a emiti-las, ou contra a lei, ou ainda danosas à integridade física ou moral do trabalhador podem ser desobedecidas. Nestes termos, o empregado não está obrigado a se submeter a situações que o exponham a situações indignas, vexatórias ou mesmo atentatórias a sua dignidade e prestígio profissional.


3. DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

3.1O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A palavra dignidade origina-se do latim dignitatis, que significa a qualidade moral que inspira respeito, consideração, honra, virtude. Trata-se da consciência do próprio valor.

Kant[29] afirma que “Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela, qualquer outra coisa como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente então ela tem dignidade.”. Sob esta ótica, o ser humano seria um fim em si próprio, tendo, consequentemente, valor absoluto, não podendo ser utilizado como instrumento para algo.  Por tal motivo, diz-se que o ser humano tem dignidade.

Nesse sentido, diz-se que a dignidade da pessoa humana supera a estrutura biológica, sendo um valor fundado nas capacidades originais do ser humano. Logo, a dignidade seria um atributo intrínseco ao homem e a sua essência, nascendo com ele. E, ao longo dos anos e do desenvolvimento do ser, passam a compor a dignidade inicial o pensamento, a intimidade, a imagem, a expressão, a liberdade.

A dignidade trata-se, portanto, de uma questão ética das relações e do respeito que cada ser humano merece e deve receber de todos, não se admitindo discriminação por qualquer razão.

O conceito de dignidade, todavia, não é um conceito atual, foi desenvolvido ao longo da história. A dignidade da pessoa humana é reflexo da conquista pelos povos de todas as nações, tendo em vista as atrocidades por que passou o homem durante toda a sua existência, tais como o nazismo, ditaduras, despotismos, responsáveis pela morte e sofrimento de milhares de pessoas ao longo da história.

Assim, a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada às conquistas do ser humano como uma coletividade ao longo de toda a sua existência no planeta. Ser digno é ser merecedor de algo, poder usufruir tudo que foi conquistado por todos os povos.

Por outro lado, o conceito de dignidade da pessoa humana pode variar conforme os povos nos termos de suas culturas, crenças, ideologias, etc. Mas seu conceito em essência sempre será o resultado dos valores éticos, morais e sociológicos do povo, no sentido de reconhecer que cada indivíduo é merecedor de respeito e consideração do Estado e da própria comunidade da qual faz parte, implicando um conjunto de direitos e deveres fundamentais que o protejam de quaisquer tratamentos desumanos ou degradantes, além de lhe garantir condições mínimas de vida. Nesse sentido afirma Airton José Cecchim[30]:

“Embora não se possa defini-la por inteiro, a dignidade humana retrata o extrato axiológico de uma sociedade, em crescente gestação de direitos e garantias, cujo objetivo primordial é o próprio ser humano enquanto pessoa, relegando a outros planos os demais interesses que circunscrevem a espécie humana. Assim, a dignidade é perceptível dentro de uma sociedade igualitária, fundada nos valores sociais e morais.”

Na medida, entretanto, em que o indivíduo age socialmente, poderá ele mesmo acabar violando a dignidade de outrem. Neste caso, o conceito de dignidade passa a ter uma qualidade social no sentido de apenas ser ilimitadamente garantida a alguém quando não se ferir outra dignidade.

Assim, a dignidade da pessoa é irrenunciável e irreversível, indissociável do ser humano.

A Constituição Federal de 88 foi a primeira no país a tratar expressamente da dignidade da pessoa humana[31], conferindo-lhe o status de princípio fundamental, compondo-se como norma insuscetível de alteração pelo poder legislador derivado (cláusula pétrea).  Não bastasse, tal Constituição ainda instituiu esse atributo intrínseco da essência humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, tendo, exatamente por isso, supremacia incontestável.

Tal princípio está intimamente ligado à garantia do bem juridicamente mais protegido pela legislação, que é a vida. Sob este aspecto afirma Airton José Cecchin[32]que “Dignidade é vida, e a vida é direito inviolável que merece toda a proteção jurídica possível.”.

O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso no artigo 1º da Constituição, em seu inciso III, in verbis:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III.a dignidade da pessoa humana;”

Neste contexto, a Carta Maior não tratou do princípio da dignidade da pessoa humana apenas no citado artigo, mas sim em vários de seus artigos e incisos, às vezes de forma explícita, outras de forma implícita.

De forma exemplificativa pode-se citar: o artigo 5º, que aborda a dignidade da pessoa humana com relação aos direitos e garantias individuais e coletivas; os artigos 6º e 7º, que tratam da dignidade da pessoa humana em relação aos direitos sociais; o artigo 8º, que sustenta tal dignidade com relação à liberdade associativa; o artigo 34, VII, “b”, onde se tem a dignidade da pessoa humana assegurada pela intervenção federal; o artigo 266, parágrafo 7º, que prevê adignidade da pessoa humana no livre planejamento familiar; o artigo 277, que garante a dignidade da pessoa humana à criança e ao adolescente e o artigo 230, que garante tal dignidade ao idoso.

Pela análise do texto constitucional, depreende-se que o Estado existe em função das pessoas e não elas em razão dele. Sendo ainda o princípio da dignidade da pessoa humana fonte de legitimidade para o Estado Constitucional.

Nesse sentido,Francisco Fernandez Segado[33]afirma que:

“…a pessoa é umminimuninvulnerável, que todo estatuto jurídico deve assegurar, sublinhamos que a dignidade da pessoa humana é um princípio absoluto. Porquanto, repetimos, ainda que se opte em determinada situação pelo valor coletivo, por exemplo, esta opção não pode nunca sacrificar, ferir o valor da pessoa, como ser humano, dotado desde mínimo intransponível”.

Sobre esta mesma questão afirma ainda Airton José Cecchin[34]:

“É necessário, desse modo, que a dignidade humana seja elevada ao máximo dentro da ordem jurídica, pois representa, em última análise, a própria vida do cidadão, uma vez que possui atributos irrenunciáveis, imprescritíveis e irreversíveis, não sendo permitido dissociá-la do homem, pois é inerente à qualidade de existir.”

Assim, tem-se que o princípio da dignidade da pessoa humana abarca todos os outros princípios e normas do nosso ordenamento jurídico, não podendo, por isso, jamais ser desconsiderado. É a dignidade da pessoa humana valor supremo a ser respeitado, constituindo-se em garantia de um mínimo invulnerável a todo indivíduo.

3.2O DIREITO À INTIMIDADE, PRIVACIDADE, HONRA E IMAGEM NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 88

Etimologicamente, a palavra intimidade origina do latim intimus, superlativo de interior, ligado aideia de íntimo. A palavra privacidade também tem origem latina, derivando de privatus, que significa pertencente a si mesmo.

Na língua portuguesa a palavra intimidade é tida como sinônimo de privacidade, constituindo elemento necessário à convivência entre os homens.

Juridicamente, segundo Alice Monteiro de Barros[35], o direito à intimidade é considerado como tipificação dos direitos da personalidade[36], que são inerentes ao próprio homem e têm por objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana.

Segundo a autora, o direitoà intimidade é atualmente conceituado como aquele que objetiva o resguardo de cada pessoa dos sentidos alheios, de outras pessoas, isto é, visa evitar a espionagem e a divulgação de fatos íntimos, tendo como seu fundamento o próprio direito de liberdade de fazer ou não.

A autora afirma ainda que “O direito à intimidade é, portanto, o direito a não ser conhecido em certos aspectos pelos demais. É o direito ao segredo, a que os demais não saibam o que somos ou o que fazemos.”[37].

O direito à vida privada seria relativo ao poder que toda pessoa tem de assegurar a proteção de interesses extrapatrimoniaispor meio da oposição a uma investigação na vida individual, com o objetivo de salvaguardar a liberdade e a paz da vida pessoal e familiar, isto é, privada.

Assim, o direito à privacidade teria maior extensão do que o direito à intimidade, englobando todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade.

Contudo, segundo Alice Monteiro de Barros[38], esse entendimento acerca da distinção entre o direito à intimidade e à privacidade não é unânime na doutrina. Afirma a autora que existem alguns juristas, como Carlos Alberto Bittar, que entendem que o direito à intimidade seria gênero do qual a privacidade seria espécie. Neste caso, o direito à intimidade objetivaria o resguardo da vida pessoal do indivíduo de ingerências na sua esfera íntima, enquanto que o direito à privacidade seria apenas uma hipótese particular de suas várias manifestações possíveis.

Segundo a autora, há ainda os que não estabelecem qualquer distinção entre o conceito de intimidade e privacidade, a exemplo de José Cretella Júnior.

Já a palavra honra, assim como privacidade e intimidade, tem origem latina, deriva de honor que está ligado àideia de reputação, honestidade e probidade, modo de vida nos ditames da moral e da preservação da própria dignidade.

O direito à honra é relativo à proteção da dignidade pessoal do indivíduo em relação aos outros, isto é, diz respeito à necessidade de defesa da reputação do indivíduo, compreendendo o bom nome e fama no seio da coletividade (honra objetiva) e no sentimento da própria pessoa, sua estima, sua consciência da própria dignidade (honra subjetiva). O direito à honra é baseado na dignidade da pessoa, é inerente a sua própria condição.

Segundo Luis Antônio Rizatto Nunes[39] a violação ao direito à honra, de acordo com o texto da atual Constituição Brasileira, será um ataque à dignidade da pessoa, independentemente dos seus méritos ou deméritos, isto é, independentemente da sua conduta estar ou não de acordo com a conduta que a sociedade ou a respectiva comunidade adote como parâmetro de honorabilidade ou probidade.

Apesar de a ideia de honra também estar muito ligada à ideia de intimidade, em regra, são direitos distintos. As normas sobre a honra são aplicáveis diante de uma descrição inexata da vida privada da pessoa, enquanto que as normas acerca da intimidade proíbem qualquer descrição da vida privada. Contudo, nada impede que um mesmo ato lesione o direito à honra e à intimidade.

A palavra imagem vem do Latim imago,que significa cópia, aparência, aspecto, da mesma raiz de imitari, relacionada à ideia de copiar, imitar.

Juridicamente, o direito à imagem diz respeito à proteção da imagem, isto é, impressão visual, tanto do semblante da pessoa, como também de qualquer parte distinta de seu corpo. Mas, mais do que isso, diz respeito também às exteriorizações da personalidade do indivíduo em seu conceito social. O direito à própria imagem, assim, é um direito essencial ao homem.

Historicamente, os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem tiveram origem nas declarações de direitos francesa de 1879 (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão) e americana de 1948 (Declaração Universal dos Direitos Humanos), como uma reação às atrocidades desencadeadas pelas guerras e pelo poder dominante da época.

A Constituição Federal de 88 ao impor a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental de todo o ordenamento jurídico pátrio, conforme abordado na seção anterior, consolidou a força normativa dos direitos à privacidade, honra, intimidade, imagem e a proteção deles à pessoa humana.

Tais direitos estão assegurados pela Constituição Federal de 88 no inciso X do seu artigo 5º, in verbis:

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X.são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” (Grifamos)

Os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem são intrínsecos a todosos seres humanos, fazendo parte da proteção mínima necessária para que toda pessoa possa viver com dignidade e desenvolver plenamente sua personalidade humana.

Assim, em decorrência dessa grande relevância que lhes é atribuída,estes direitos gozam do status de direito fundamental, ou seja, são considerados direitos intimamente ligados à ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, sendoprotegidos no plano constitucional exatamente em decorrência da grande importância que possuem, fundamentando e legitimando todo o ordenamento jurídico.

Assim, classificam-se os direitos à privacidade, intimidade, honra e imagem como direitos individuais relativos à liberdade, com natureza jurídica de direito fundamental inerente à própria pessoa humana, direitos subjetivos.  Possuem como uma de suas principais características a oponibilidade a todos, isto é, erga omnes, a vitaliciedade (duram por toda a vida), a imprescritibilidade, inalienabilidade,indisponibilidade, intransmissibilidade e irrenunciabilidade.

Além disso, fazem parte do rol imutável do texto constitucional, já que também gozam o status de cláusula pétrea (artigo 60, § 4º, inciso IV da Constituição Federal), são direitos irrevogáveis pelo poder constituinte derivado.

Contudo, é importante esclarecer que os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem, assim como os demais direitos de personalidade, não são absolutos e nem ilimitados. Tais direitos encontram seus limites dentro do próprio ordenamento jurídico.

Os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem, direitos da personalidade, são inatos e permanentes, nascendo com a pessoa e a acompanham durante toda sua existência. Têm como finalidade principal proteger as qualidades e os atributos essenciais da pessoa humana, de forma a garantir sua dignidade e impedir agressões de particulares ou do poder público.

Assim, nota-se que os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem, consagram o princípio da dignidade da pessoa humana como ponto fundamental e essencial de todo o ordenamento. A dignidade da pessoa humana é a primeira garantia das pessoas, e osdireitos à intimidade, privacidade, honra e imagem são meios imprescindíveis de proteção da pessoa e todos os seus atributos, de forma a assegurar sua dignidade como valor fundamental.

3.3A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DO EMPREGADO E A INVIOLABILIDADE DO SEU DIREITO À PRIVACIDADE, INTIMIDADE, HONRA E IMAGEM

O liberalismo econômico deu origem à classe do empresariado capitalista e, em oposição, à classe do proletariado. A importância dessa relação entre capitalismo e trabalho é visível em suas diversas dimensões, contudo, a inobservância do princípio da dignidade da pessoa humana tem levado a relação capital x trabalho a grandes conflitos.

A dignidade do empregado tem sofrido grandes abalos ao longo da trajetória da humanidade de forma contínua, e ainda hoje esse problema está presente. Sobre esta questão afirma Airton José Cecchin[40]:

“A discriminação irracional do trabalhador é mérito da selvageria capitalista que, no intuito devassador de auferir lucros, atribui ao ser humano traços mercantilistas, descartando-o quando não mais lhe convém, sem perquirir sobre a real função social da propriedade.”

A Constituição Federal de 88 constituiu como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana no seu artigo 1º, inciso III e, ao tratar dos princípios gerais da atividade econômica no caput do seu artigo 170, dispôs que, in verbis:

“Art. 170.A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)” (Grifos nossos)

Assim, visto que qualquer pessoa é digna e goza do direito à proteção de sua dignidade da pessoa humana, é evidente que o trabalhador, por ser pessoa humana, também tem direito a essa proteção.

O trabalhador, como qualquer pessoa humana, tem garantida e assegurada adignidade da pessoa humana, bem como os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem. O empregado não deve e não pode ser tido como mercadoria. É exatamente a dignidade da pessoa humana do trabalhador que faz prevalecer os seus direitos, barrando qualquer tentativa de desrespeito ou violação.

A Consolidação das Leis do Trabalho também possui preocupação com a integridade do trabalhador em seu local de trabalho, conforme pode ser evidenciado pelo texto de seu artigo 483, que proíbe ao empregador ofender a honra e a boa fama do empregado.

Sobre este aspecto afirma Alice Monteiro de Barros[41]:

“Logo, não só os crimes contra a honra (calúnia, injúria ou difamação), mas outros comportamentos capazes de magoar o empregado na sua dignidade pessoal serão tidos como atentatórios à honra, enquanto a ofensa à boa fama implica expor o trabalhador ao desprezo de outrem.”

O direito à dignidade, assim como os direitos à intimidade, privacidade, honra e imagem, como já mencionado na seção anterior, possuem característica de oponibilidade contra todos, ou seja, erga omnes. Assim, mesmo que o Direito do Trabalho não faça menção específica e expressa a esses direitos, por serem direitos consagrados na Constituição Federal como inerentes à pessoa, são oponíveis contra o empregador, devendo ser respeitados independentemente de seu titular estar dentro do estabelecimento empresarial. A inserção do empregado no processo produtivo não lhe retira o direito à dignidade ou à privacidade, intimidade, honra e imagem.

Assim, inexiste dúvidas acerca da incidência e eficácia dos direitos da personalidade, bem como o da dignidade da pessoa humana na relação laboral, visto que o status de cidadão não é incompatível com a condição de empregado, muito pelo contrário.

Sob este aspecto, afirma Glória P. Rojas Rivero[42], que “embora os direitos fundamentais devam (...) ser considerados à luz do contrato de trabalho, desconhecê-los suporia atentar contra a própria Constituição.”

Os direitos fundamentais da pessoa, em especial os direitos à dignidade e à intimidade, privacidade, honra e imagem, não podem ser afetados quando o empregado é inserido na empresa, admitindo-se, tão somente, que sejam amoldurados na medida imprescindível do correto desenvolvimento da atividade produtiva.

Sobre a autora
Cristiane Baraldi

Advogada; Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP e em Direito Empresarial pelo Insper.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARALDI, Cristiane. A violação do princípio da dignidade da pessoa humana do empregado no procedimento de revista íntima no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3421, 12 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22999. Acesso em: 23 dez. 2024.

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