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Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista.

Análise da validade da norma sob o prisma do direito empresarial

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Agenda 28/11/2012 às 14:25

Os proprietários não credores, com direito à restituição em dinheiro, receberão a expressão econômica do bem que integra o próprio patrimônio antes do pagamento dos salários em atraso dos empregados, tal como já ocorria antes da nova lei de falências.

Resumo: O presente artigo visa a examinar a validade da norma contida no art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005, que estabelece que as restituições em dinheiro somente serão implementadas depois do pagamento dos créditos trabalhistas vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Alguns autores entendem se tratar de norma inconstitucional por violar o direito fundamental de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Outros, porém, defendem-na sob o argumento de que ela prestigia a dignidade do trabalhador. Como se verá adiante, trata-se de um tema polêmico que ainda não tem uma solução definitiva no âmbito da doutrina e da jurisprudência.

Palavras-chave: restituição, crédito trabalhista, direito de propriedade.

Sumário: 1. Introdução; 2. Classificação do crédito trabalhista; 3. Ação restituitória, 3.1. Conceito e finalidade, 3.2. Pressupostos e requisitos, 3.3. Cabimento, 3.4. Pedido de restituição em virtude da titularidade de direito real; 4. Restituição em dinheiro e o direito de propriedade; 5. Conclusão; Referências.


1 INTRODUÇÃO

Falência é um processo judicial de execução coletiva, na qual os credores do devedor habilitam os respectivos créditos, sendo o patrimônio do falido arrecadado e liquidado para pagamento dos credores pelos valores constantes da decisão definitiva de habilitação dos créditos e segundo a ordem de preferência prescrita em lei.

Prescreve o caput do art. 108 da Lei nº. 11.101/2005 que, após a decretação da falência e a assinatura do termo de compromisso pelo administrador judicial, este procederá à arrecadação dos bens e documentos em posse do falido, além da avaliação desses bens, separadamente ou em bloco, no lugar onde se encontrarem.

É possível que, no momento em que o administrador judicial ingressa no estabelecimento empresarial do devedor, sejam encontrados bens que, embora estejam em sua posse, não sejam de sua propriedade. Nesse caso, o administrador judicial não pode transigir quanto ao seu dever de arrecadá-los, mesmo que haja terceiros que se apresentem como legítimos proprietários ou possuidores, cabendo-lhe, apenas, anotar a reivindicação apresentada pelo interessado, pois este é quem deverá propor a medida judicial cabível para reaver a posse sobre o bem. Assim sendo, caberá ao proprietário do bem indevidamente arrecadado manejar o pedido de restituição por meio de ação própria a fim de se ver reintegrado na posse do mesmo, em conformidade com os art. 85 a 93 da Lei nº. 11.101/2005.

Essa ação pode se fundar no direito de propriedade, nos termos do art. 85 da Lei nº. 11.101/2005, ou em expressa disposição legal, conforme art. 86, II e III, da Lei nº. 11.101/2005

O pedido de restituição se fundará no direito de propriedade, nos termos do art. 85, caput, da Lei nº. 11.101/2005, quando o verdadeiro proprietário do bem arrecadado em poder do falido reclamar a sua posse ou nos casos de bens vendidos a crédito e entregues nos quinze dias anteriores ao requerimento da falência (art. 85, parágrafo único da Lei nº. 11.101/2005).O art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, por sua vez, trata das hipóteses em que a restituição se fará em dinheiro, estabelecendo, nos incisos II e III, os casos nos quais a lei possibilita que ela se faça com fundamento no direito obrigacional (e não no direito real de propriedade, como no dispositivo anterior).

O inciso I do art. 86 da mesma lei, embora também trate da restituição em dinheiro, encontra o seu fundamento no direito de propriedade, tal como o art. 85, pois se refere às hipóteses em que a coisa de propriedade de terceiro e indevidamente arrecada não mais exista ao tempo do pedido. Nesse caso, o mesmo dispositivo legal determina que a restituição far-se-á em dinheiro, pelo valor de avaliação do bem ou pelo preço de venda, caso haja perecido ou tenha sido alienado pela massa falida.

Ocorre, porém, que o próprio art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 determina, no seu parágrafo único, que a restituição em dinheiro apenas ocorrerá após o cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, ou seja, somente após o pagamento dos “créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores à decretação da falência, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador...” (BRASIL, 2005). Isso pode ferir o direito fundamental de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), pois o dinheiro é a expressão financeira do direito de propriedade sobre as coisas passíveis de valorização econômica.

Dessa forma, o tema deste artigo consiste na análise validade constitucional do privilégio prescrito no parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005 sob o prisma do direito fundamental de propriedade, previsto no art. 5º, XXII, CRFB/1988.


2 Classificação do crédito trabalhista

Na falência regida pelo Decreto-lei nº. 7.661/1945, depois da alteração promovida pela Lei nº. 3.726/1960, os credores trabalhistas e os acidentados do trabalho tinham privilégio absoluto no pagamento, sendo pagos antes mesmo dos encargos e dívidas e da massa. No entanto, tais créditos não eram pagos antes da realização das restituições devidas, que eram feitas com precedência absoluta sobre qualquer outro pagamento, fossem elas pelo bem específico (in natura), fossem pelo seu equivalente em dinheiro (na hipótese em que o bem não mais existisse quando de sua implementação).

Segundo Sérgio Mourão Corrêa Lima[1], em obra sob coordenação própria e de Osmar Brina Corrêa-Lima, essa era a jurisprudência do STJ, após sucessivos julgados da 3ª e 4ª turma.

Atualmente, porém, a literalidade da Lei nº. 11.101/2005 determina que, em primeiro lugar, proceder-se-á às restituições devidas, desde que seja pelo bem in natura arrecadado pelo administrador judicial e reclamado em ação própria pelo verdadeiro proprietário ou pelo contratante, de boa-fé, que houver vendido mercadoria a crédito ao falido e entregue nos quinze dias anteriores ao pedido de falência, desde que não tenham sido alienados pelo falido a terceiros de boa fé (art. 85).

Negrão[2] entende que, feitas as restituições pela entrega do bem especificado, a Lei nº. 11.101/2005 determina que se passe ao cumprimento do disposto no art. 151 (ou seja, o pagamento dos créditos trabalhistas, de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência e até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador) e das demais despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência. De acordo com o mesmo autor[3], depois disso, o administrador judicial implementará as restituições em dinheiro dos bens indevidamente arrecadados pela massa falida e que tenham perecido em poder desta ou tenham sido alienados pelo administrador judicial (art. 86, parágrafo único, da Lei nº. 11.101/2005), passando-se, em seguida ao pagamento dos créditos extraconcursais e dos créditos concursais, respectivamente.

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A princípio, de forma simplificada, pode-se dizer que a Lei nº. 11.101/2005 estabeleceu três ordens distintas de classificação dos créditos admitidos ao concurso universal de credores da falência: a primeira está prevista no art. 151, que Negrão[4] chama de créditos prioritários; a segunda compreende os créditos extraconcursais (art. 84); e a terceira, os créditos concursais (art. 83). Contudo, essa análise não é tão fácil quanto parece, pois, dentro de cada uma dessas classes, existem várias subclasses.

Para Negrão[5], existem três classes de credores prioritários, com preferência absoluta sobre os demais credores, que serão pagos na seguinte ordem:

a) os créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco salários mínimos por trabalhador, com o dinheiro disponível em caixa (art. 151); b) as despesas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência (art. 150); e c) as restituições em dinheiro, nas hipóteses indicadas no art. 86 (arts. 149, caput, e 86, parágrafo único).[6]

De acordo com Negrão[7], as despesas de pagamento antecipado indispensáveis à administração da falência são o gênero que compreende as duas categorias previstas no art. 151 e 150 da Lei nº. 11.101/2005 como espécies.

A primeira delas, com preferência absoluta no recebimento do seu crédito, é aquela prevista no art. 151. Para que esteja incluído nessa categoria, o crédito deve ter natureza estritamente salarial; o que significa que, caso tenha natureza indenizatória, o crédito trabalhista não será classificado como prioritário e sim concursal privilegiado ou extraconcursal, conforme o caso. Além disso, deve estar presente o requisito temporal (o crédito deve estar vencido nos três meses anteriores à decretação da falência) e o requisito quantitativo (a quantia não pode ser superior a cinco salários mínimos por trabalhador).

Essa interpretação se deve à literalidade do art. 86, parágrafo único, c/c art. 151, que determina que referida quantia seja paga tão logo haja disponibilidade em caixa, antes mesmo das restituições em dinheiro, depois apenas das restituições in natura.

Negrão[8] entende que a quantia prevista no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 não importa em mera antecipação dos créditos trabalhistas concursais (art. 83, I), representando, dessa forma, uma espécie de superprivilégio decorrente de uma nova classificação promovida pelo mencionado dispositivo. Para ele[9], enquanto o art. 151 refere-se às verbas de natureza estritamente salarial, o art. 83, I, refere-se a qualquer crédito decorrente da legislação trabalhista, não havendo que se falar em desconto das quantias pagas em razão do cumprimento do disposto no art. 151 daqueles valores devidos em virtude da classificação prevista no art. 83, I.[10] Nas palavras desse autor,

O trabalhador receberá até 5 salários mínimos se tiver trabalhado na empresa falida e fizer jus a verbas estritamente salariais relativas aos últimos três meses que antecederam à falência. Habilitará até 150 salários mínimos na classe trabalhista, pelo montante de qualquer natureza que lhe for devido pela legislação trabalhista e, ainda, o que sobejar a este valor na classe dos credores quirografários.[11]

Após o cumprimento do comando legal contido no art. 151, procede-se ao pagamento das importâncias indispensáveis à administração da falência, em conformidade com o art. 150 da Lei nº. 11.101/2005, as quais, segundo Negrão[12], referem-se aos créditos extraconcursais que devem ser imediatamente pagos, não podendo esperar a fase de liquidação para tal providência. Para o mesmo autor, tratam-se das “despesas necessárias à continuação provisória da atividade empresarial” e do “pagamento de fornecedores, em especiais os decorrentes de contratos de prestação simultânea (água, energia elétrica, aluguéis etc.)”.[13]

Rocha, Zavanella e Silva[14], Souza[15], Simionato[16], Salles[17], Junqueira[18], Almeida[19], Simão Filho[20] e Coelho[21] também entendem que o cumprimento do disposto no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 deve preceder a qualquer outro pagamento, inclusive à implementação das restituições em dinheiro previstas no art. 86 da mesma Lei, em razão do comando normativo contido no parágrafo único deste último artigo.

Corrêa Lima[22] e Souza Junior[23] interpretam esses dispositivos de outra forma.

Segundo Corrêa Lima[24], implementadas as restituições devidas (pelo bem especificado ou em dinheiro), devem ser pagos os créditos extraconcursais, na ordem disposta no art. 84 da Lei nº. 11.101/2005. Para este autor, a intenção do legislador, com o art. 150, é permitir que a sequência disposta no art. 84 seja invertida, excepcionalmente, para realizar os pagamentos “indispensáveis à administração da falência, inclusive na hipótese de continuação provisória das atividades”. O mesmo autor cita[25], como exemplo, a possibilidade de antecipação do pagamento das “despesas com administração da massa”, previstas no art. 84, III, quando necessário; das despesas com “arrecadação, remoção e a guarda de bens”, a fim de preservar o ativo do devedor e permitir o pagamento dos credores; bem como daquelas “indispensáveis à continuação provisória das atividades da empresa”, com o objetivo de preservar os bens tangíveis e intangíveis do falido até a venda do estabelecimento empresarial (art. 140 e 141), desde que isso seja conveniente para a massa falida; e até das “obrigações resultantes dos atos jurídicos válidos” e tributos originários de fatos geradores praticados nesse período (art. 84, V).[26]

Ainda de acordo com Corrêa Lima[27], nesse caso, caberá ao administrador judicial requerer, motivamente, ao Juízo da falência a antecipação do pagamento das classes de credores extraconcursais que sejam indispensáveis à administração da falência e/ou continuação provisória das atividades. Ao juiz responsável pelo processo poderá, por sua vez, caberá autorizar a tomada de referidas providências caso entenda necessário; tudo de forma fundamentada.

Em relação ao comando contido no art. 151 da Lei nº. 11.101/2005, Corrêa Lima[28] entende se tratar de uma simples antecipação de pagamento referente aos créditos trabalhistas concursais, a ser feita depois do pagamento dos créditos extraconcursais.

No mesmo sentido Souza Junior[29] se posiciona. Verbis,

De acordo com o art. 149, créditos concursais só serão satisfeitos após pagos os créditos extraconcursais (art. 84) e as restituições, especialmente aquelas em dinheiro (art. 86), e se restar saldo para tanto. Em se mantendo concursal o crédito trabalhista – ainda que parte dele seja pago antecipadamente –, só poderia o administrador realizar seu pagamento se tivesse certeza de que haveria recursos suficientes para satisfazer todos os credores extraconcursais e as restituições em dinheiro, sob pena de responder pelos prejuízos causados aos eventuais prejudicados pela pretensa inversão de ordem. Em vista de tudo isso, seria de concluir-se facilmente que, por coerência, o art. 151, assim como o art. 150, devem referir-se à antecipação de pagamento, a ocorrer só no caso de suficiência de recursos. Não se admitiria, neste caso, qualquer espécie de inversão na ordem de classificação dos créditos, não se cogitando de “superprivilégio” ou título que o valha.

Ocorre que, como elemento de confusão, há expressa determinação para que as restituições em dinheiro, inclusive de créditos de Adiantamento de contrato de Câmbio – ACC (art. 86, II), só sejam realizadas após o pagamento dos valores previstos neste art. 151 (art. 86, parágrafo único). A exceção gerou preocupação do Senador Ramez Tebet em limitar os valores pagos aos trabalhadores antes do pagamento dos ACC. E é ela que fundamenta a confusão que tende a levar à defesa da prioridade absoluta dos créditos trabalhistas até 5 salários mínimos, numa espécie de “superprivilégio”.[30]

Para Souza Junior[31], a classificação dos créditos trabalhistas não foi alterada pelo art. 151 da Lei nº. 11.101/2005 e as restituições continuam com precedência absoluta na sua satisfação, independentemente da forma com que sejam implementadas. Segundo esse autor[32], o art. 86, parágrafo único, somente será aplicado quando o administrador verificar a existência, na massa falida, de recursos suficientes para realizar os pagamentos que antecedem aos créditos trabalhistas concursais (as restituições e os créditos extraconcursais), para que não sejam prejudicados os direitos destes. Por isso, Souza Junior[33] admite que o adiantamento previsto no art. 151 seja feito parcialmente, de acordo com as condições financeiras da massa falida, realizando-se o rateio entre os credores trabalhistas que se enquadram no mencionado dispositivo, a fim de preservar os interesses dos terceiros titulares do direito à restituição e dos credores extraconcursais.

Enquanto Negrão[34] entende que, depois do pagamento das despesas indispensáveis à administração da falência (art. 150), deve-se proceder ao pagamento das restituições em dinheiro previstas no art. 86, em razão da literalidade do art. 149 c/c o parágrafo único do art. 86 da Lei nº. 11.101/2005, Corrêa Lima[35] e Souza Junior[36] advogam a tese de que todas as restituições, sejam elas pelo bem in natura ou em dinheiro, devem ser implementadas antes do pagamento de qualquer credor sob pena de violação ao direito fundamental de propriedade previsto no art. 5º, XXII, da CRFB/1988. Assim, para esses últimos autores, a ordem de pagamento dos créditos, na falência, é a seguinte: em primeiro lugar, realizam-se as restituições devidas (art. 85 e 86); em segundo, passa-se ao pagamento dos créditos extraconcursais (art. 84); em terceiro, realiza-se a antecipação de pagamento prevista no art. 151; e em quarto, pagam-se os créditos concursais (art. 83).[37]

Negrão[38] entende que, em primeiro lugar devem ser pagos os credores prioritários (na seguinte ordem: art. 151, art. 150 e art. 86, parágrafo único), depois os créditos extraconcursais e, por último, os concursais segundo a ordem legal de classificação de cada um (art. 149 da Lei nº. 11.101/2005).

Os créditos extraconcursais são aqueles oriundos de obrigações contraídas após a decretação da falência ou o deferimento da recuperação judicial, envolvendo as custas judiciais com o processo de falência e seus incidentes; as despesas de arrecadação, administração e liquidação do ativo; os tributos oriundos de fatos geradores praticados após a decretação da falência ou o deferimento da recuperação judicial; bem como das obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial (art. 84).

Entre os créditos extraconcursais, incluem-se os valores decorrentes de obrigações assumidas inclusive durante a recuperação judicial do devedor, caso esta seja convolada em falência. Em outras palavras, se o devedor não conseguir se recuperar e a sua falência for decretada, os créditos oriundos das obrigações assumidas nesse período serão considerados extraconcursais e pagos com preferência sobre aqueles resultantes das relações jurídicas anteriores ao deferimento da recuperação judicial.

Conforme disposição legal expressa do art. 84, I, da Lei nº. 11.101/2005, os créditos trabalhistas pelos serviços prestados após a decretação da falência e aqueles decorrentes de acidentes do trabalho ocorridos nesse período, juntamente com os valores devidos ao administrador judicial e seus auxiliares pelos serviços prestados durante o trâmite do processo de falência, constituem a primeira classe dos créditos extraconcursais. Após o pagamento desta, passa-se para as demais classes dos créditos extraconcursais, previstas nos incisos II, III, IV e V do art. 84, quais sejam: as “quantias fornecidas à massa pelos credores”; as “despesas com arrecadação, administração, realização do ativo e distribuição do seu produto, bem como custas do processo de falência”; as “custas judiciais relativas às ações e execuções em que a massa falida tenha sido vencida”; as “obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, [...] ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83”, que trata das classes de créditos concursais.

Pagos todos os credores extraconcursais, inicia-se o pagamento dos concursais ou concorrentes, que consistem naqueles constituídos antes da decretação da falência ou do deferimento da recuperação judicial do devedor, ordenados nas oito classes previstas no art. 83 da Lei nº. 11.101/2005.

Segundo Corrêa Lima, o CC/2002 traz uma orientação geral de privilégio ao prescrever, no art. 961 do CC/2002, que “O crédito real prefere ao pessoal de qualquer espécie; o crédito pessoal privilegiado, ao simples; e o privilégio especial, ao geral”.[39]

Contudo, essa preferência sofre exceção, pois, ontologicamente, não há diferença entre o crédito trabalhista e o crédito quirografário; ou seja, na essência, o crédito trabalhista é quirografário. Porém, o legislador, desde 1960, atribui ao credor trabalhista privilégio sobre os demais, a depender da categoria em que se encontre e do critério temporal e/ou quantitativo (a partir da entrada em vigor da Lei nº. 11.101/2005).

Dessa forma, a primeira classe de credores concursais prevista no inciso I do art. 83, compreende os créditos trabalhistas até o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por trabalhador e os créditos decorrentes de acidente de trabalho (sem limite quantitativo, neste caso). Os créditos que porventura excederem à quantia acima referida serão classificados como quirografários e cairão para a sexta posição no rateio.

Em outras palavras, tanto os créditos decorrentes de acidentes do trabalho como os créditos trabalhistas proveniente de relações jurídicas anteriores à decretação da falência estão inseridos na mesma classe dos credores concursais (primeira). Porém, enquanto aqueles serão pagos, integralmente, com precedência aos demais credores concursais, os créditos trabalhistas (de natureza salarial ou indenizatória), terão preferência limitada a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por credor. A quantia excedente será incluída entre os créditos quirografários constantes do quadro geral de credores e será paga juntamente com estes (art. 83, VI, ‘c’, da Lei 11.101/2005.

Foi ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.934-2[40]) no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a validade, entre outros dispositivos, do art. 83, I c/c art. 83, VI, ‘c’, da Lei 11.101/2005. O STF, por maioria de votos, decidiu, em suma, que não há vício de constitucionalidade em mencionados dispositivos, pois o privilégio do crédito trabalhista na falência é matéria afeta ao campo da legislação infraconstitucional, não estando previsto na CRFB/1988 expressa ou implicitamente.

Pagos os créditos trabalhistas e acidentados do trabalho, passa-se ao pagamento dos “créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado”; “créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias”; dos “créditos com privilégio especial”; dos “créditos com privilégio geral”; dos “créditos quirografários” e das “multas contratuais e as penas pecuniárias por infração das leis penais ou administrativas, inclusive as multas tributárias”; e dos “créditos subordinados”.

O quadro acima apresentado nos permite concluir que o legislador da Lei nº. 11.101/2005, apesar de ter estabelecido uma nova divisão para as classes de credores que concorrem na falência, procurou manter o privilégio trabalhista em cada uma delas a fim de manter a preferência dos trabalhadores, sem prejudicar os outros credores (da mesma ou de outra classe) e tentando preservar a atividade empresarial.

Sobre a autora
Ana Paula da Silveira

Advogada; Professora; autora do Livro "Consórcio de empregadores urbanos: flexibilização com dignidade e inclusão social", disponível em www.initiavia.com; Pós-Graduada em Direito do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes (RJ); Mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade Milton Campos

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVEIRA, Ana Paula. Restituição em dinheiro e privilégio trabalhista.: Análise da validade da norma sob o prisma do direito empresarial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3437, 28 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23115. Acesso em: 22 dez. 2024.

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