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Tráfico de drogas privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06) não pode ser equiparado a crime hediondo.

Direito a indulto e progressão de regime sem incidência da Lei nº 8.072/90

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Agenda 01/12/2012 às 08:59

A Lei dos Crimes Hediondos pode incidir sobre as condenações nos casos denominados como "tráfico de drogas privilegiado"?

Resumo: O presente estudo tem por objetivo oferecer um questionamento sobre a legalidade e a constitucionalidade de se fazer incidir os dispositivos da Lei 8.072/90 – Lei dos Crimes Hediondos - sobre as condenações nos casos pela doutrina denominados como “tráfico de drogas privilegiado” - baseadas no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 (Lei de Tóxicos). Neste ponto, avultam em importância, por incidirem de forma dramática nas garantias individuais do cidadão-condenado, eventuais restrições às possibilidades de liberdade provisória, progressão de regime, livramento condicional e, de modo especial, a negativa de concessão a tais sentenciados dos benefícios da política pública de indulto natalício. São trazidos à colação, de molde a adensar as reflexões, os princípios constitucionais da Isonomia e da Proporcionalidade (ou da Razoabilidade), bem como se faz uma interpretação do dispositivo em comento por analogia ao delito de homicídio-privilegiado, a qual não é considerado pela doutrina e nem pela jurisprudência como sendo equiparado aos crimes hediondos, benesse que, na nossa visão, também por essa razão deve ser estendida aos condenados sobre os quais se testilha.

Palavras-chave: Tóxicos. Hediondos. Privilegiado.


1. Introdução

Com o advento da Lei 11.343/06 - nova Lei de Tóxicos -, ficaram revogados os dois diplomas legais que anteriormente regulavam a matéria: a Lei 6.368/76, para a parte relativa aos aspectos materiais dos crimes, e a Lei 10.409/02, regulando os aspectos processuais da persecução penal.

Sob a égide da lei 6.368/76, punia-se o comércio de drogas ilícitas com reclusão de 3 a 15 anos (art. 12, caput); agora, a pena varia entre 5 e 15 anos de reclusão (art. 33, caput). Entretanto, por força do § 4° do art. 33 do novel diploma legal, deverá a reprimenda ser reduzida em até dois terços, desde que seja o condenado por tráfico primário, de bons antecedentes e não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.

O núcleo do presente artigo tem como meta questionar sobre se a introdução desse dispositivo (§ 4º, ao art. 33) não afastou o cariz de equiparado aos crimes hediondos aos delitos de tráfico de drogas praticados nos moldes em questão, numa interpretação de acordo com os princípios da Isonomia e da Proporcionalidade, assentados da Constituição Federal, bem como se tal fato não se deu (deixar de ser considerado equiparado aos hediondos o delito de tráfico de entorpecentes privilegiado[1]) a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, tendo-se em vista o fato de ser o entendimento majoritário da communis opinio doctorum no sentido de não se considerar hediondo o crime de homicídio qualificado-privilegiado.[2]


2. Princípio da Igualdade ou da Isonomia

A igualdade de tratamento de todos perante a lei encontra assento explícito na Constituição Federal, a qual tem, no Preâmbulo, expressa menção ao princípio da Isonomia, além de dispor em seu art. 5º, caput:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)

A justificar o porquê da preocupação do legislador constituinte com o princípio em questão, oportuno é o pensamento de José Afonso da Silva: "porque existem desigualdades, é que se aspira à igualdade real ou material que busque realizar a igualização das condições desiguais (...)"[3].

Refere a doutrina existirem duas dimensões do postulado em apreço. Assim, fala-se em igualdade material e igualdade formal. A primeira, no dizer de Marcelo Amaral da Silva deve constituir-se de um “tratamento equânime (sic) e uniformizado de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito à possibilidades de concessão de oportunidades” [4]; já a segunda, ainda na visão de Silva, “seria a pura identidade de direitos e deveres concedidos aos membros da coletividade através dos textos legais”. [5]

Na ótica de Celso Ribeiro Bastos, “A igualdade substancial postula o tratamento uniforme de todos os homens. Não se trata, como se vê, de um tratamento igual perante o direito, mas de uma igualdade real e efetiva perante os bens da vida”[6]. Quanto à igualdade formal, aduz o mesmo autor: “Em síntese, no direito de todo cidadão de não ser desigualado pela lei senão em consonância com os critérios albergados ou menos não vedados pelo ordenamento constitucional”.[7]

Isto é, numa democracia, não basta haver entre todos os seres humanos igualdade na lei, imperioso haja também igualdade frente à lei, como se vê:

Leis penais que tipifiquem condutas iguais como ensejadoras do mesmo delito, mas que impõem penas quantitativamente e qualitativamente desiguais ofendem, a um só tempo, os princípio da proporcionalidade e da humanização da pena e, portanto, desatendem, ainda, ao princípio da igualdade.[8]

Nesse passo, segundo pensamos, imperioso tenha o Poder Público por baliza a máxima aristotélica de que isonomia é tratar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualem.[9]

Importante ainda lembrar estar do mesmo modo o princípio da Igualdade contemplado em vários dispositivos da Convenção Americana de Direitos Humanos - Pacto de San Jose da Costa Rica[10] -, razão também pela qual, segundo Flávia Piovesan, possui status constitucional em nosso ordenamento jurídico, por força dos §§ 2º e 3º, ambos do artigo 5º da Carta Política[11].


3. Princípio da Proporcionalidade

O princípio da Proporcionalidade tem sua origem, segundo Suzana de Toledo Barros[12], com o surgimento do Estado de Direito burguês, na Europa (séculos XII e XVIII), quando teve por escopo preservar os direitos e garantias individuais da pessoa humana contra os excessos dos soberanos.Nessa perspectiva, tem-se que o princípio da Proporcionalidade, embora tenha sido criado em nível do direito administrativo, a partir do Iluminismo evoluiu para o âmbito do direito constitucional, como explicam Carlos Affonso Pereira de Souza e Patrícia Regina Pinheiro Sampaio:

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A inserção deste princípio no campo constitucional, por sua vez, deveu-se às revoluções burguesas do século XVIII, norteadas pela doutrina iluminista principalmente no que concernia à crença na intangibilidade do homem e na necessidade incondicionada de respeito à sua dignidade[13].

No mesmo passo, como mostra J.J. Gomes Canotilho,[14]foi na transposição entre o Estado absolutista, em que o governante tudo podia, para o Estado de Direito, quando o governo pode o que a lei lhe faculta, é que se viu nascer o princípio da Proporcionalidade, com o fito de limitar o poder do rei em relação aos seus súditos.

Segundo o eminente Willis Santiago Guerra Filho[15], a gênese do Estado de Direito estaria na Magna Carta inglesa, de 1215, na qual se vê claramente o reclame de proporcionalidade oposto ao exercício do poder estatal: “O homem livre não deve ser punido por um delito menor, senão na medida desse delito, e por um grave delito ele deve ser punido de acordo com a gravidade do delito”.

Aduz ainda o mesmo autor ter sido sob a influência dos ideais da burguesia que os direitos humanos fundamentais foram reconhecidos na Declaration of Rights americana, de 1776, e pela Déclaration des Droits de l’Homme et du Citoyen francesa, de 1789[16].

O Professor Aury Lopes Jr. proclama a Proporcionalidade como “o princípio dos princípios” e (ao tratar das prisões cautelares) assevera:

As medidas cautelares pessoais estão localizadas no ponto mais crítico entre dois interesses opostos, sobre os quais gira o processo penal: o respeito ao direito de liberdade e a eficácia na repressão dos delitos. O Princípio da Proporcionalidade vai nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto (...)[17]

Fazendo referência à monografia específica sobre o tema, de Fábio Corrêa Souza de Oliveira, pondera Lopes guardarem entre si os princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade uma relação de fungibilidade (embora tenham origens diversas: o primeiro do direito alemão, o segundo no estadunidense), bem como poder ser o último classificado em princípio em Razoabilidade interna e externa: “A primeira diz respeito à lógica do ato em si mesmo, enquanto que a segunda exige consonância com a Constituição”.[18]

Assinalando a presença do princípio da Proporcionalidade no sistema constitucional espanhol, diz o Professor Santiago Mir Puig:

Ello es preciso tanto por la propia necessidad de justicia, que obliga a tratar desigualmente a los casos desiguales, como por la función de prevención especial que tiende a afirmarse en la aplicación judicial de la pena, lo que creo acertado em cuanto sea compatible con la prevención general y sus límites, los principios de proporcionalidad y culpabilidad.[19]

Finalmente, sobre a absoluta necessidade de se laborar de forma proporcional, especialmente na seara penal e processual penal, aduz Guillermo J. Yacobucci:

El principio de “razonabilidad constitucional”, aplicado al campo penal, encuentra em buena medida su mayor operatividad a través del principio de proporcionalidad. La noción de  razonabilidad, como expresión de prudencia, legitimidad y oposición a la arbitrariedad, tiene presupuestos de orden constitucional que lo vinculan a la vez com las exigencias de los principios de bien común político y de dignidad humana.

En ese aspecto, se lo relaciona com la aplicación de políticas públicas y su influencia en la extensión de los derechos individuales de los ciudadanos. En el caso específico del principio de proporcionalidad, la idea de razonabilidad integra la adecuación entre las medidas restrictivas de los derechos de las personas y los fines del derecho penal – penas, medidas de prueba, decisiones de política criminal, etc.[20]


4. Da ferida constitucional ocasionada por uma interpretação que faça incidir a Lei 8.072/90 sobre as condenações com fundamento no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06.

Com efeito, ao prescrever o dispositivo em comento a possibilidade de uma redução de pena, nos delitos definidos no caput e no § 1º do artigo 33, de um sexto a dois terços, desde que o agente seja “primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”[21], tem-se que a nova pena prevista para o condenado, cuja conduta se subsuma na moldura legal, terá um mínimo de 1 (um) ano e 8 (oito) meses, ou seja, menos 2/3 (dois terços) sobre 5 (cinco) anos.

Como se vê, a reprimenda, em casos que tais, guarda similitude com o quantum reservado aos crimes de menor potencial ofensivo[22], que são, como se sabe, aqueles cuja pena máxima não exceda a dois anos[23].

Na mesma senda, a maior parte dos crimes de médio potencial ofensivo[24] - aqueles cuja pena mínima não seja superior a 1 (um) ano[25] - possuem previsão de um patamar máximo bem mais alto do que aquela em discussão. Apenas exemplificativamente, citam-se os crimes de furto e apropriação indébita (quatro anos); ou o de estelionato (cinco anos)[26].

Quer dizer: a se considerar passível da incidência da Lei dos Crimes Hediondos toda e qualquer condenação pela Lei de Tóxicos, poder-se-á dar ensejo à desarrazoada situação de se tratar alguém que seja condenado a uma pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses (por ser primário, ter bons antecedentes, não integrar organização criminosa, etc) de maneira mais severa do que a outro que tenha sofrido uma condenação de 4 (quatro) ou 5 (cinco) anos de reclusão, pena imposta no patamar máximo, diante das suas péssimas condições judiciais e legais.

Tal alvitre, nos parece, fere de morte os princípios constitucionais antes referidos (Isonomia e Proporcionalidade).


 5. Da impossibilidade de se fazer incidir os gravames da Lei dos Crimes Hediondos sobre as condenações com fulcro no § 4º do art. 33 da nova Lei de Tóxicos, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico.

Não bastasse a incompatibilidade de ordem constitucional referida, também a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, força é convir não se poder rotular de hedionda a conduta de quem seja condenado nas iras do § 4º do art. 33 da Lei de Tóxicos.Isso porque, como é consabido, o entendimento majoritário na Doutrina[27] e na Jurisprudência[28] é no sentido de não se considerar hediondo o crime de homicídio qualificado-privilegiado, por não estar prevista, na Lei 8.072/90, a combinação dos parágrafos 1º e 2º do art. 121 do CP. Do mesmo modo, segundo pensamos, seria desproporcional considerar hedionda uma conduta - mesmo criminosa – que sofresse significativa minoração de pena por ser considerada “privilegiada”.

Nesse fio, como o delito de homicídio qualificado recebe a denominação de “privilegiado” em face da incidência da minorante prevista no § 1º do art. 121 do CP (de um sexto a um terço), igualmente o crime de tráfico de drogas (na situação em tela) deverá receber esse tratamento, e também pela presença de uma minorante, aquela prevista no § 4º do art. 33 da Lei 10.343/06 (um a dois terços), a qual, ademais, é bem mais importante do que primeira, porque pode reduzir a pena em quantum muito maior (duas vezes mais: dois terços x um terço). Demais disso, também não há previsão legal, na Lei dos Crimes Hediondos, para o trafico de drogas privilegiado (exatamente como acontece com o homicídio qualificado-privilegiado).Ora, diante de tais constatações, indaga-se: se o crime de homicídio qualificado-privilegiado não é considerado hediondo, por que deveria sê-lo o delito de tráfico de entorpecentes privilegiado?


6. Conclusão

Já afirmamos, sem a pretensão de inovar, obviamente, porque a idéia é assentada na doutrina, que “a baliza para determinação das penas – em abstrato e em concreto – tem de ter por estro fundamental o princípio da Proporcionalidade”.[29]

Nesse diapasão, sempre vale lembrar o Marquês de Beccaria:

Se fosse possível adaptar a geometria às combinações infinitas e obscuras das ações humanas, deveria existir uma escala correspondente de penas, indo da mais forte à mais fraca: mas bastará ao sábio legislador marcar os pontos principais, sem alterar a ordem, não decretando para os delitos de primeiro grau as penas do último.[30]

Ademais, como mostra LUIZ FLÁVIO GOMES: “A reprimenda acontecerá apenas se não houver meios idôneos menos gravosos de resolução do conflito (princípio da subsidiariedade); e de forma proporcional (princípio da proporcionalidade ou da necessidade)”.[31]Também é de se investigar, nessa sede, sobre a teoria dos fins da pena. Diz Claus Roxin: “Uma vez verificado que a ação do autor era errônea também do ponto de vista da regulação social de conflitos, falta ainda que o trabalho dogmático responda se um tal comportamento merece pena". [32]Nessa mesma linha de raciocínio, ousamos acrescentar não seja suficiente se indague tão-somente da necessidade da reprimenda, como quer o grande mestre tedesco, mas se perquira também da sua adequação ao caso concreto, isto é, da sua proporcionalidade, como resposta estatal ao delito.Afinal, como explicam Antônio García Pablos de Molina e Luiz Flávio Gomes:

No marco de um estado social e democrático deDireito, a prevenção do delito suscita inevitavelmente o problema dos meios ou instrumentos utilizados, assim como dos custos sociais da prevenção. O controle eficaz da criminalidade não justifica o emprego de todo tipo de programa, nem legitima o elevado custo social que determinadas intervenções requerem.[33]

Na mesma senda, Luiz Vicente Cernicchiaro e Paulo José da Costa Jr., para quem:

A pena é proporcional ao delito. Crime não se esgota na expressão literal do tipo. É valoração negativa. Como tal, enseja mensuração. Maior ou menor repulsa. Sem a proporcionalidade, impede-se realizar a justiça material.[34]

Ao se fazer o cotejamento entre princípios constitucionais e leis, impende seja lembrada a lição de Robert Alexy, na visão de quem a mais importante distinção existente na teoria dos direitos fundamentais situa-se entre as definições de regras e de princípios, a qual não seria meramente “gradual”, mas “qualitativa”.  Segundo o autor, princípios são “mandados de otimização”[35], isto é, normas que determinam seja algo realizado com a máxima eficácia comportada pelas condições existentes; já regras são normas que somente oferecem duas possibilidades: ou são cumpridas ou não são. Isto é, tendo as regras guarida constitucional, sendo, portanto, válidas[36] devem ser cumpridas integralmente.Analisando a possibilidade de advento de eventual lei infraconstitucional que desrespeite o princípio da Isonomia, o Professor Alexandre de Moraes explica:

A igualdade configura-se como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema, proclama.[37]

Sob a ótica de Paulo Ricardo Schier,

(...) A filtragem constitucional é a idéia de um processo em que toda a ordem jurídica, sob a perspectiva formal e material, e assim os seus procedimentos e valores, devem passar sempre e necessariamente pelo filtro axiológico da Constituição Federal, impondo, a cada momento de aplicação do Direito, uma releitura e atualização de suas normas. [38]

Convém, ainda, seja trazida à baila, a arguta reflexão do mestre Robert Alexy sobre a inexplicável situação de que determinadas normas - inconstitucionais - ainda recebam efetividade:

(...) se algumas normas da Constituição não são levadas a sério, é difícil fundamentar por que outras normas também, então, devam ser levadas a sério, se isso uma vez causa dificuldades. Ameaça a dissolução da Constituição[39]

Sobre o tema objeto do presente estudo, especificamente, a nosso sentir, pouco têm refletido os doutrinadores. Alexandre Bizzoto e Andréia de Brito Rodrigues, por exemplo, fazem uma análise meramente legalista do dispositivo, limitando-se a enumerar (e a comentar) os pressupostos objetivos e subjetivos necessários à incidência da minorante, cujo advento, entretanto, saúdam:

Melhor olhando o art. 33, § 4º da Lei 11.343/06, em compasso com o seu caput, chega-se à conclusão que o legislador acertou, ao menos quando concedeu a oportunidade de que seja concedida uma pena que pode chegar a ser inferior ao que era previsto quando da vigência da Lei 6.368/76 em seu artigo 12.[40]

Gilberto Thums e Vilmar Pacheco limitam-se a dizer:

Por fim, repisa-se a afirmação de que a Lei nº  8072, ao referir-se ao tráfico de drogas como crime assemelhado a hediondo e sujeitando-se aos rigores nela estabelecidos (sic), atinge apenas e tão-somente os crimes do art. 33, ‘caput’, e § 1º, e art. 34, porque as demais condutas de associação para tráfico ou seu financiamento (art. 35) e o crime de financiamento não são considerados crimes de tráfico.[41]

Já Guilherme de Souza Nucci é claramente contrário ao entendimento aqui esposado:

Lembremos de alertar que a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, apenas abranda a punição do traficante, mas o delito pelo agente cometido continua a ser equiparado a hediondo, pois a conduta é tipificada no art. 33, caput, e no § 1º, que assim são considerados.[42]

Resumindo: em que pese os entendimentos contrários, em nossa opinião, em homenagem aos princípios constitucionais da Isonomia, este previsto expressamente no caput do art. 5º da Constituição Federal, e da Proporcionalidade, o qual "(...) ostenta consagração constitucional (ao menos implícita) também no Brasil"[43],  não se pode fazer incidir os gravames da Lei 8.072/90 sobre os condenados nas sanções do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 - tráfico de entorpecentes privilegiado -, e nem vedar-lhes a concessão de indulto natalino (com fundamento em suposta equiparação a crime hediondo), por absoluta incompatibilidade constitucional. O mesmo se diga a partir de uma interpretação sistemática das disposições legais em testilha, porque os delitos de homicídio qualificado e tráfico de entorpecentes recebem a denominação doutrinária de “privilegiados” pela mesma razão (incidência de uma minorante). Logo, se o primeiro não pode ser equiparado a hediondo, o segundo também não deve sê-lo.      

Com isso se quer dizer que cabe ao Poder Judiciário, como garantidor das franquias constitucionais do cidadão, impedir que a interpretação legal se dê de forma draconiana. No caso em tela, especialmente, se se pretender negar o benefício do indulto de Natal aos condenados com base no já referido § 4º do art. 33 da Lei de Tóxicos, hermenêutica que não encontra recepção na nova ordem vigente. Não se trata - sublinhe-se - de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes, mas de mera interpretação das Leis (Lei de Tóxicos e Lei dos Crimes Hediondos) de acordo com a Carta Política[44] e com a integralidade do sistema.

Sobre o autor
César Peres

Advogado criminalista em Porto Alegre (RS). Professor de Direito Penal e de Direito Processual Penal na ULBRA de Gravataí (RS). Especialista e Mestre em Direito. Presidente da Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul (Acriergs).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERES, César. Tráfico de drogas privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06) não pode ser equiparado a crime hediondo.: Direito a indulto e progressão de regime sem incidência da Lei nº 8.072/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3440, 1 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23146. Acesso em: 23 dez. 2024.

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