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Impunidade na Internet

Agenda 01/11/2001 às 01:00

O avanço da tecnologia na área da informática provocou uma grande revolução nas relações sociais. As facilidades alcançadas pelo uso do computador e, principalmente, a Internet, transformaram a vida moderna. É a era da Informática.

Junto com o e-commerce, o e-mail, o trabalho on line, surgiram os crimes de informática, conceituados como sendo os crimes praticados contra o sistema de informática ou através deste, abrangendo o computador, seus acessórios e a Internet.

Ocorre que, nosso legislador não é tão rápido e eficiente como os cientistas que se dedicam no avanço da tecnologia. Enquanto os funcionários da Microsoft, IBM e outras empresas se empenham em descobrir novos equipamentos que facilitem a vida do usuário, nosso Congresso não consegue discutir e aprovar as leis com a necessária celeridade.

O que fazer? Inicialmente devemos distinguir duas modalidades de crimes de informática. A primeira consiste em uma nova forma de praticar velhos crimes, na qual o computador e a Internet são usados com instrumentos da empreitada criminosa. Já na segunda modalidade as condutas perpetradas pelo agente são inéditas, fatos que nasceram na era digital. Na primeira hipótese aplica-se a lei vigente, pois a Internet é usada como uma forma para cometer antigos crimes. Vejamos um exemplo: o agente pode ameaçar alguém pessoalmente, por via postal, ou pela Internet, em todos os casos estará incurso nas penas do artigo 147 do Código Penal.

Em se tratando dos tipos novos surge um problema. Considerando que nosso Código Penal data de 1940, por razões obvias não prevê tipos penais relacionados à informática. O ideal seria aplicar as normas existentes, adequando-as aos fatos que forem acontecendo. Mas não é tão simples assim. O princípio da reserva legal, elevado pelo legislador constituinte à garantia fundamental, exige que lei tipifique um fato como criminoso. Sem lei, não há crime. Este é o maior obstáculo para a apuração e repressão dos atos praticados através da Internet. Por outro lado constitui uma garantia do cidadão, não ser punido senão após uma lei que defina a conduta como criminosa e ao mesmo tempo imponha uma sanção penal.

Devido à especialidade destas figuras, as quais atingem bens jurídicos novos, como: dados, informações, sites, home pages, e-mails etc; bem como a ausência de lei, muitos fatos não podem ser repreendidos pelo Estado. Não há que se cogitar em interpretação extensiva ou analogia, ambas vedadas no Direito Penal se tem por fim prejudicar o réu.

A atipicidade impede, deste modo, a punição do agente, não obstante tenha ele praticado atos lesivos ou até mesmo imorais. É claro que eventuais danos poderão ser discutidos no cível, mas no campo penal nada poderá ser feito.

Vejamos alguns exemplos: a criação e desenvolvimento de vírus surgiu com a informática, aquele que se dedica a estudar novas formas de atacar o computador alheio, sem no entanto enviar os vírus, não pode ser punido.

Ainda sobre o vírus, a conduta de quem os envia, só poderá ser punida se causar dano patrimonial ao destinatário, pois quem envia um vírus e destrói arquivos e programas causando prejuízo financeiro, estará incurso nas sanções do artigo 163 do Código Penal. Todavia, quem destrói arquivo sem valor econômico, não se adequa na figura prevista pelo legislador, sendo fato atípico.

O mesmo ocorre com a sabotagem e o vandalismo virtual, quem acessa um site e nele insere palavras ou textos "pichando" as páginas ou quem retira uma página da rede por algum tempo também não responderá por esta ação.

Mas não é só! A pedofilia, um dos crimes que provoca maior repúdio e revolta na sociedade, nem sempre é punível. O tipo penal que se amolda é o previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual define a conduta de fotografar e publicar cenas de sexo explícito ou pornográficas envolvendo crianças ou adolescentes. Publicar é tornar público, acessível a qualquer pessoa, divulgar. Ora, o agente nem sempre torna público uma foto, embora possa expor a criança ou adolescente. Assim, a conduta de quem envia um e-mail a pessoa determinada contendo em anexo uma foto de criança em cena pornográfica não comete o crime do artigo 241 do ECA e nem outra infração. O mesmo ocorre com a troca de fotos em salas de conversa, chats, ICQ, entre outros. Ao contrário, aquele que coloca a mesma foto em um site, a torna pública, praticando a conduta descrita no tipo. Podemos concluir que a pedofilia, em nosso Direito, nem sempre será punida, não obstante agrida valores éticos e morais de toda a sociedade.

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Vejamos outras hipóteses: o uso desautorizado do computador, conhecido como furto de uso ou de tempo, não é crime, assim, quem utiliza o equipamento alheio sem pedir autorização do proprietário, quem usa provedor de terceiro para acessar a Internet, não pode sequer ser processado criminalmente.

Da mesma forma, o acesso não autorizado em redes, a alteração e/ou destruição de senhas para ingresso em sistemas, intranet e Internet também não são puníveis.

Embora a impunidade atinja um número razoável de condutas, não podemos afirmar que tudo na rede é permitido. O estelionato, a lavagem de dinheiro, os crimes contra a honra, racismo e discriminação, são apenas alguns exemplos de infrações que são investigadas por nossa polícia, podendo seus autores serem processados e condenados.

Não estamos sugerindo a confecção de um novo Código Penal, nem tão pouco uma lei que discipline todos os crimes de informática. As leis atuais podem e devem ser aproveitadas. Todavia, lacunas existem, carecendo nosso Direito de uma lei que regule o tema e venha a proteger os bens jurídicos ligados a informática, criando novos tipos penais.

Muitos países já possuem leis sobre esta matéria. Em Portugal lei de 1991 dispõe sobre a criminalidade na informática, já na Itália houve uma alteração do Código Penal acrescentando quinze preceitos sobre este tema. Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha também possuem leis específicas. No Brasil temos apenas a Lei 9.609/98 que protege o direito autoral de programa de computador. Muitos projetos de lei foram apresentados, alguns estão em tramitação, outros foram engavetados.

A carência existe e aguardamos com ansiedade ver disciplinados novos tipos penais, bem como as outras áreas do Direito que sofreram impacto com a evolução digital.

Sobre a autora
Carla Rodrigues Araújo de Castro

promotora de Justiça no Rio de Janeiro, mestre em Direito, professora de Direito Processual Penal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Carla Rodrigues Araújo. Impunidade na Internet. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2327. Acesso em: 23 dez. 2024.

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