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Da medida administrativa de retenção de veículo em face do Código de Trânsito Brasileiro

Agenda 07/01/2013 às 14:01

Caso haja uma infração que acarrete na medida administrativa de retenção, e não sendo possível a correção da irregularidade no local, bem como havendo condutor legalmente habilitado, o procedimento legal é o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual e posterior devolução caso a irregularidade seja sanada.

Resumo: Ao constatar uma irregularidade no trânsito, muitas vezes a autoridade responsável acaba por tomar providências diversas daquelas preceituadas pela legislação. Nesse sentido, é de suma importância o estudo das medidas administrativas presentes no CTB, em especial, com relação à retenção, para que se possa exigir o correto cumprimento dos ditames legais. Isto posto, o presente artigo objetiva analisar o instituto da retenção como medida administrativa presente no Código de Trânsito Brasileiro.

Palavras-chave: Código de Trânsito Brasileiro. Medidas Administrativas. Retenção.

Sumário: Introdução; 1. Das medidas administrativas; 2. Da retenção; Considerações Finais; Referência das fontes citadas.


INTRODUÇÃO

O Código de Trânsito Brasileiro prevê uma série de medidas administrativas, aplicadas de acordo com a infração cometida pelo condutor. Dentre elas, encontra-se a retenção, medida esta que, não raras vezes, é incorretamente empregada pelos agentes e pela autoridade de trânsito. Diante da impossibilidade de se sanar a irregularidade no local, muitas vezes o agente acaba por não seguir o procedimento correto, determinando a remoção do veículo, vindo a contrariar o que preceitua a legislação de trânsito, conforme será demonstrado adiante.

A não observância pela autoridade do que determina a lei, quando da ocorrência de uma infração que prevê a retenção do veículo, acaba por gerar prejuízos e contratempos aoscondutores/proprietários. O prejuízo vai muito mais além: cria-se uma sensação de injustiça, de impotência por parte do cidadão, onde o agente estatal, por suas próprias razões – ou por circunstâncias diversas, age à margem da lei, indo de encontro a um dos princípios mais importantes da administração pública.

Tendo em vista tais considerações, faz-se necessário um estudo mais aprofundado da medida administrativa de retenção, apresentando uma aproximação conceitual, aplicabilidade prática, bem como suas peculiaridades, no sentido de trazer um embasamento jurídicopara a exigênciada correta aplicação legal pelo poder público.


1  DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS

As medidas administrativasse referem àsprovidências tomadas pelo agente e pela autoridadede trânsito com o intuito de se fazer cessar, de maneira rápida, a anormalidade verificada, entendendo-se não se tratar, portanto, de uma sanção. Estão previstas na Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro[1], elencadas no art. 269 do referido diploma legal, in verbis:

Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:

I - retenção do veículo;

II - remoção do veículo;

III - recolhimento da Carteira Nacional de Habilitação;

IV - recolhimento da Permissão para Dirigir;

V - recolhimento do Certificado de Registro;

VI - recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual;

VII - (VETADO)

VIII - transbordo do excesso de carga;

IX - realização de teste de dosagem de alcoolemia ou perícia de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica;

X - recolhimento de animais que se encontrem soltos nas vias e na faixa de domínio das vias de circulação, restituindo-os aos seus proprietários, após o pagamento de multas e encargos devidos.

XI - realização de exames de aptidão física, mental, de legislação, de prática de primeiros socorros e de direção veicular.

A aplicação das medidas administrativas possuiuma finalidade principal: a preservação da vida e da incolumidade física da pessoa, conforme prescreve o § 1º do aludido artigo. Tais medidas possuem caráter cautelar, além de serem complementares às infrações previstas no Código de Trânsito Brasileiro, não impedindo que estas se apliquem.


2  DA RETENÇÃO

A medida administrativa da retenção está prevista no art. 269, inciso I do Código de Trânsito Brasileiro, sendo regulamentada no art. 270 e parágrafos, aplicando-se apenas quando há previsão expressa. Consiste na imobilização do veículo no local da infração, transferindo-se a posse do condutor para a autoridade, até que seja sanada a irregularidade que ensejou a retenção. Corrigida a falha, a posse é revertida ao condutor.

Segundo conceitua Rizzardo[2], [...] a retenção constitui uma medida de retirada do veículo do poder do condutor, passando para o poder da autoridade, até que se resolva a situação prevista em lei que autoriza tal medida.

No entanto, o cerne da questão vem à tona nas situações em que é impossível se sanar a irregularidade no local. Tomando-se como exemplo um veículo que recebeu uma pintura de cor diversa da original, sem que haja a devida atualização na documentação, tem-se que obviamente não será possível sanar a irregularidade no local quando da abordagem pelo agente da autoridade de trânsito. Qual será a providência a ser adotada pelo mesmo? Num primeiro raciocínio, a resposta mais usual seria a de que o agente procederá à remoção do referido veículo. Porém, é este o procedimento correto, prescrito em lei?

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O § 2º do art. 270 do CTB estabelece as providências a serem tomadas quando verificada a impossibilidade de se regularizar a situação do veículo no local:

§ 2º Não sendo possível sanar a falha no local da infração, o veículo poderá ser retirado por condutor regularmente habilitado, mediante recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual, contra recibo, assinalando-se ao condutor prazo para sua regularização, para o que se considerará, desde logo, notificado.

Ora, em momento algum o texto legal determina a remoção do veículo. Havendo condutor habilitado, será recolhido o Certificado de Licenciamento Anual, cabendo à autoridade a emissão de recibo e fixação do prazo para que o proprietário possa regularizar o veículo. No exemplo em tela, o condutor pode levar seu veículo a uma oficina de pintura automotiva para retornar à cor original. Efetuada a regularização, o veículo deve ser apresentado ao órgão ou entidade aplicadora da medida administrativa, ocasião na qual o Certificado de Licenciamento Anual será devolvido ao condutor.

Segundo esclarece Rizzardo[3]:

Permite-se a retirada, para o deslocamento até alguma oficina mecânica, ou estabelecimento que sane a deficiência, mediante a entrega, pelo condutor ou proprietária, à autoridade ou agente, do Certificado de Registro e Licenciamento. Se impossibilitado ou proibido de dirigir quem estava na condução, entrega-se o veículo a pessoa autorizada e habilitada, sempre, no entanto, mediante o recolhimento do mencionado Certificado. Assinalará a autoridade ou agente o prazo para a finalidade de regularização, notificando desde já o responsável – em prazo que não será longo, normalmente fixado em de um a três dias.

Ademais, o art. 274 do CTB vem a reforçar o entendimento de que o procedimento legal é o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual no caso de uma irregularidade insanável no local:

Art. 274. O recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual dar-se-á mediante recibo, além dos casos previstos neste Código, quando:

I - houver suspeita de inautenticidade ou adulteração;

II - se o prazo de licenciamento estiver vencido;

III - no caso de retenção do veículo, se a irregularidade não puder ser sanada no local.

Todavia, há exceções. A autoridade poderá determinar o recolhimento do veículo ao depósito quando não houver apresentação de condutor devidamente habilitado, conforme determina o § 4º do art. 270.

Outra situação excepcional é aquela insculpida no § 5º, na qual, em se tratando de veículo de transporte coletivo transportando passageiros ou veículo transportando produto perigoso ou perecível, confere-se discricionariedade ao agente para decidir se aplicará a retenção imediata ou não,ponderando as condições de segurança para circulação em via pública.

É preciso se considerar ainda situações pontuais, onde a circulação do veículo pode nitidamente comprometer a segurança do trânsito. É o caso, por exemplo, de um veículo com todos os pneus completamente gastos num dia de forte chuva. Ora, não há lógica alguma em liberar para circulação um veículo em mau estado de conservação, comprometendo a segurança, o que infringe o art. 230, inciso XVIII. O que poderá fazer o agente? Diante deste dilema, o Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – volume I[4] veio a dispor sobre a aplicação da medida administrativa de retenção, detalhando-a:

Havendo comprometimento da segurança do trânsito, considerando a circulação, o veículo, o condutor, os passageiros e os demais usuários da via, ou o condutor não sinalizar que regularizará a infração, a retenção poderá ser transferida para local mais adequado ou para o depósito do órgão ou entidade de trânsito.

Tal possibilidade veio a dar amparo normativo para que a autoridade possa tomar a medida mais apropriada, tendo em vista o engessamento provocado pelas disposições do Código, uma vez que, aplicando-se expressamente a lei, num primeiro momento não se poderia adotar providência diversa do recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual e liberação do veículo caso haja condutor devidamente habilitado.

Ressalta-se que não se trata da aplicação da medida administrativa de remoção: apenas se transfere a retenção para outro local. Nesse sentido, explica Rizzardo[5] que a remoção se distingue da retenção por ser uma medida mais drástica e pesada, compreendendo o recolhimento ou encaminhamento do veículo ao depósito do órgão ou entidade de trânsito, ou ao local que for determinado. Assim, segundo o autor, aplica-se às infrações consideradas de maior gravidade.

Na mesma esteira de entendimento segue o Parecer nº 131/2011, elaborado pelo CETRAN do Estado de Santa Catarina[6], a seguir:

[...] O veículo somente poderá transitar pela via quando atendidos os requisitos e condições de segurança legalmente estabelecidos. Ocorrendo infração para a qual esteja prevista a medida administrativa de retenção do veículo, não sendo possível sanar a irregularidade no local, o veículo somente poderá ser liberado para condutor habilitado se a situação não oferecer risco à segurança do trânsito. Quando houver comprometimento da segurança do trânsito, a retenção poderá ser transferida para o depósito do órgão de trânsito, mesmo que condutor habilitado se apresente no local.

É preciso se destacar que não é toda e qualquer irregularidade que irá ensejar comprometimento da segurança do trânsito. Seria igualmente desarrazoado remover um veículo por estar com a cor ou característica alterada, ou com descarga livre ou silenciador de motor de explosão defeituoso, ou com placas de identificação não autorizadas pela regulamentação, entre outras situações passíveis de serem sanadas e que não venham a comprometer a segurança do trânsito.

Não se pode olvidar que o agente, munido do dever de zelar pela segurança do trânsito, permita a circulação de um veículo que não ofereça condições mínimas para tal. Da mesma forma, não se pode conceber que o agente possa ditar arbitrariamente medidas administrativas diversas daquelas que a lei preceitua. Nesse sentido, deve o mesmo seguir os procedimentos legais mencionados neste estudo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo exposto, pôde-se verificar que, caso haja uma infração que acarrete na medida administrativa de retenção, e não sendo possível a correção da irregularidade no local, bem como havendo condutor legalmente habilitado, o procedimento legal é o recolhimento do Certificado de Licenciamento Anual e posterior devolução caso a irregularidade seja sanada.

Nesse sentido, verificou-se que, salvo algumas exceções, não é caso de se proceder à remoção do veículo. Infelizmente, muitos órgãos responsáveis pela fiscalização de trânsito acabam por tomar a exceção como regra, removendo da via veículos com irregularidades que, embora não possam ser sanadas no local, não oferecem riscos à segurança do trânsito. Contudo, fato mais infeliz é a desinformação geral por parte dos condutores, que não conhecendo bem a legislação de trânsito, podem sofrer prejuízos e contratempos devido a um ato irregular da autoridade.

Portanto, faz-se necessário o esclarecimento, para que tanto condutores quanto órgãos de trânsito possam se inteirar do que dispõe a legislação pertinente. Assim, o estudo foi proveitoso, uma vez que, ao apresentar os procedimentos dispostos no Código de Trânsito acerca da retenção, permitiu desmistificar a aplicação da referida medida administrativa. Espera-se que o próprio Estado dê o exemplo e cumpra – de maneira correta – as normas vigentes.


REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS

BRASIL. Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm> Acesso em 04 dez. 2012.

DENATRAN. Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Volume I. 2010. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/mbft.htm> Acesso em 09 nov. 2012.

RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 3. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Trânsito. Parecer nº 131/2011. Relator: José Vilmar Zimmermann. Disponível em <http://www.cetran.sc.gov.br/pareceres/parecer131.htm> Acesso em 10 nov. 2012.


Notas

[1] BRASIL. Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997. Institui o Código de Trânsito Brasileiro. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm> Acesso em 04 dez. 2012.

[2] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. 3. ed. rev., atual. eampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. p. 597.

[3] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. p. 598.

[4] BRASIL. Departamento Nacional de Trânsito. Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito – Volume I. 2010. Disponível em <http://www.denatran.gov.br/mbft.htm> Acesso em 09 nov. 2012. p. 19

[5] RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. p. 599.

[6] SANTA CATARINA. Conselho Estadual de Trânsito. Parecer nº 131/2011. Relator: José Vilmar Zimmermann. Disponível em <http://www.cetran.sc.gov.br/pareceres/parecer131.htm> Acesso em 10 nov. 2012.

Sobre o autor
Felipe Concatto

Advogado. Graduado em Direito e em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Atualmente é Servidor Público na Câmara de Vereadores de Balneário Camboriú.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCATTO, Felipe. Da medida administrativa de retenção de veículo em face do Código de Trânsito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3477, 7 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23395. Acesso em: 19 nov. 2024.

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