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A lesão, a teoria da imprevisão e a resolução por onerosidade excessiva como instrumentos para a efetivação do princípio da solidariedade no Direito Contratual

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Agenda 08/01/2013 às 14:07

4. Considerações finais

Não há dúvidas nem mais questionamentos acerca da supremacia da Constituição brasileira e da força normativa de seus preceitos. Os valores inseridos nas regras e princípios constitucionais informam uma interpretação infraconstitucional contemporânea que se encontra destinada a realizar uma justiça balizada em valores sociais.

O Código Civil não saiu ileso à constitucionalização que assolou as leis infraconstitucionais no Brasil a partir de 1988. Toda construção que se erigira acerca de institutos puramente liberalistas foi reformulada às luzes da vigência de um novo ideal, mais social e humanístico do que individualista e patrimonialista, como era o anterior.

A liberdade individual, que foi durante anos o pedestal sobre o qual se sustentaram os princípios tradicionais do Direito Civil – autonomia privada, igualdade formal e pacta sunt servanda – cede espaço para a socialização desses dogmas e eles, então, ganham uma nova interpretação, devidamente ajustada à Constituição.

O retorno da democracia em nosso país, após uma repressiva ditadura, veio acompanhada da sistematização jurídico-constitucional voltada à concretização da dignidade da pessoa humana, tudo isso através da normatividade do valor da solidariedade e dos direitos fundamentais.

A partir da Constituição de 1988, novos princípios são acrescidos à dogmática civil, sempre visando à adaptação da lei inferior à superior. Entre os princípios contemporâneos, podem ser mencionados a função social da propriedade, a boa fé objetiva e a horizontalidade dos direitos fundamentais.

Em nome da solidarização das relações jurídicas, os vetustos princípios tradicionais são relativizados e, não sendo expelidos do sistema, ganham uma nova nuance, filtrada constitucionalmente para atender aos anseios da época.

Diante de toda construção doutrinária que se erigiu para explicar a nova hermenêutica dessa principiologia, a legislação civil criou mecanismos capazes de fazer valer os valores constitucionais e os novos princípios. O Código Civil de 2002 foi construído sob as luzes da Constituição e prevê a função social do contrato, a boa fé nas relações contratuais e, ainda, possui uma linguagem aberta que permite a sua adaptação a cada caso concreto, por exemplo.

Além destes, há também outros instrumentos ‘constitiucionalizados’ que se aplicam o contrato especificamente, porque é ele um dos principais pilares do Direito Civil e importante meio de circulação de riquezas no país.

É possível afirmar que diante do princípio constitucional da solidariedade, a justiça contratual, que se funda na igualdade material das partes contratantes é, atualmente, uma exigência do Direito Contratual. O contrário dessa paridade contratual é a desproporção das prestações assumidas pelas partes em um contrato oneroso.

Quando há desproporção prestacional, a restauração de equilíbrio à relação jurídica é imprescindível para a efetivação do princípio da solidariedade no Direito Contratual. Os instrumentos cedidos pelo legislador civil para coibir a desproporção das obrigações são: a lesão, a teoria da imprevisão e a resolução contratual por onerosidade excessiva. Tendo como semelhança desigualdade das partes no contrato, são diferentes em sua própria natureza e quanto aos efeitos que resultam.

A lesão é um vício da vontade do negócio jurídico (todo contrato é um negócio jurídico) e por isso, a desproporção nasce com o negócio, invalidando-o e sujeitando-o à anulabilidade. A Teoria da Imprevisão é um substrato dogmático que prioriza a imprevisibilidade de fatos supervenientes como fator que autoriza a correção das cláusulas ou, até mesmo, a sua extinção, desdobrando-se, neste caso, na resolução por onerosidade excessiva. A última, portanto, é uma parte da Teoria da Imprevisão que pode resultar na extinção contratual.

A cautela para a aplicabilidade destes institutos é essencial porque, conforme análise no decorrer do presente artigo, as semelhanças entre eles são grandes e as distinções são tênues. Mas, presente a desproporção contratual, não há de olvidar-se que são eles os meios para atingir o ideal de justiça do Estado Democrático de Direito, através da convivência pacífica entre a liberdade e a solidariedade. 

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5. Referências

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LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: a superação da dicotomia. In: MARTINS-COSTA, Judith (org.). A reconstrução do Direito Privado. São Paulo: RT, 2002.

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MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo II. São Paulo: Bookseller, 2000.

MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição. São Paulo: Método, 2008.

NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001.

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TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003

TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São Paulo: Atlas, 2001.


Notas

[1] “O Direito Privado remonta da Antiguidade, mas a sistematização do Código Civil Napoleônico (1807) representou um fato decisivo para a concretização dos ideais burgueses de privacidade e individualismo. Este conteúdo do Código Napoleônico influenciou a cultura civilista brasileira e encontra-se até hoje no corpo legislativo civil e na mentalidade de alguns civilistas.” LUDWIG, Marcos de Campos. Direito Público e Direito Privado: a superação da dicotomia, p. 112.  

[2] “O Direito – todo o direito – é valorativo: determinada comunidade, em determinado momento histórico, elege certos valores que pretende dignos de proteção, que se dá através do ordenamento jurídico regente da vida em sociedade.” CORTIANO JUNIOR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas, p. 31/32.

[3] “O Estado social (welfare state) carcateriza-se justamente pela função oposta à competida ao estado liberal mínimo. O Estado não é mais apenas garantidor da liberdade e da autonomia contratual dos indivíduos; vai além, intervindo profundamente nas relações contratuais, ultrapassando os limites da justiça comutativa para promover não apenas a justiça distributiva, mas a justiça social.” LÔBO, Paulo Luiz Netto. Contrato e mudança social, p. 42.

[4] Para o estudo das denominações ao Estado conforme o seu posicionamento econômico perante a sociedade, v. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 48-68.

[5] Art. 3º da Constituição: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária.”

[6] “Com efeito, a Constituição define a tábua axiológica que condiciona a interpretação de cada um dos setores do direito civil.” TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, p. 203.

[7] MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social ebtre ‘cosmos’ e ‘taxis’: a boa-fé nas relações de consumo, p. 620/621.

[8] “(...) na medida em que a sua ocorrência confunde-se com a própria evolução moral da humanidade, a determinação de uma data ou de um período predefinido seria pura formulação de alquimia jurídica, sem validade científica.” GAGLIANO, Pablo Stoze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos. Tomo I. Teoria Geral. Vol. IV, p. 02.

[9] GOMES, Orlando. Introdução ao Direito Civil, p. 48.

[10] “Modernamente designa-se como ‘autonomia privada’ um fato objetivo, vale dizer, o poder, reconhecido pelo ordenamento jurídico aos particulares, e nos limites traçados pela ordem jurídica, de autoregular os seus interesses, estabelecendo certos efeitos aos negócios que pactuam, seja a fonte de onde derivam certas obrigações, sejam as normas criadas pela autonomia privada, as quais têm um conteúdo próprio, subtraindo ao poder privado autônomo certas matérias, certos grupos de relações, reservadas à regulação pelo Estado.” MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e Solidariedade social entre ‘cosmos’ e ‘taxis’: a boa fé nas relações de consumo, p. 615.

[11] Art. 421 do Código Civil: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

[12] Art. 422 do Código Civil: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como e m sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé.”

[13] A incidência dos direitos fundamentais nas relações privadas não possui previsão legal expressa no Brasil, mas muitos doutrinadores pátrios – entre eles, Gustavo Tepedino, Maria Celina Bodin de Moraes, Daniel Sarmento, Jane Reis Gonçalves Pereira, Ingo Wolfgang Sarlet – e também a jurisprudência majoritária admitem uma interpretação dos negócios privados submetida à doutrina dos direitos fundamentais.  “... a opção, no Brasil, pela eficácia direta não é mais uma questão de escolha, mas de correta interpretação constitucional. Não acreditamos que no Brasil se possa defender, como se faz até hoje nos Estados Unidos, que as normas constitucionais não se aplicam diretamente às relações entre particulares.” MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da Constituição, p. 122.

[14] GAGLIANO, Pablo Stoze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos. Tomo I. Teoria Geral. Vol. IV, p. 36/37.

[15] “A igualdade fundada na idéia abstrata de pessoa, partindo de um pressuposto meramente, baseado na autonomia da vontade, e na iniciativa privada, no entanto, veio acompanhada de um paradoxo, que traduz uma conseqüência do modelo liberal-burguês adotado: a prevalência de valores relativos à apropriação de bens sobre o ser, impedindo a efetiva valorização da dignidade humana, o respeito à justiça distributiva e à igualdade material ou substancial.”RAMOS, Carmem Lucia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras, p. 07.

[16] GOMES, Orlando. Contratos, p. 36.

[17] “... a equidade contratual inspira um novo modelo de justiça, rompendo com o perfil dogmático (absoluto) do princípio da obrigatoriedade dos contratos (pacta sunt servanda). É claro que o pacta sunt servanda ainda vige no sistema contratual brasileiro e continuará vigendo, mas não pelo argumento de que sobre ele edifica a idéia de segurança jurídica nas avenças, uma vez afirmado que a justiça contratual reside na comutatividade da relação, pois a atual segurança jurídica se situa na condição de poderem os contratantes cumprir com as suas respectivas obrigações, sem sobressaltos, abusos ou excessos.” NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional, p. 142.

[18] FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil, p. 295/296.

[19] Artigo 157, caput, do Código Civil: “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.”

[20] Dentre os diversos moldes de explicação da teoria do fato jurídico pela doutrina brasileira, destaca-se a elaborada na obra MELLO, Marcos Bernardes. Teoria do Fato Jurídico. Plano de Existência. São Paulo: Saraiva, 2004.

[21] MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo II, p. 221 e ss.

[22] Artigo 104 do Código Civil: “A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.”

[23] Artigo 167, caput do Código Civil: “É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.” e Art. 171, II do Código Civil: “Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.”

[24] “A doutrina da autonomia da vontade terá também outra conseqüências jurídicas importantes como a necessidade do direito assegurar que a vontade criadora do contrato seja livre de vícios ou defeitos, nascendo aí a teoria dos vícios de consentimento.” MARQUES, Claudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. O novo regime das relações contratuais, p. 48.

[25] O conceito da Teoria da Imprevisão, por Maria Helena Diniz, é: “Se houver onerosidade excessiva, oriunda de evento extraordinário e imprevisível, que dificulte extremamente o adimplemento do contrato por uma das partes, ter-se-á a resolução contratual, por se considerar subentendida a cláusula ‘rebus sic stantibus’, de modo que o lesado poderá desligar-se da obrigação, pedindo ao juiz a rescisão do contrato ou o reajustamento das obrigações recíprocas.” DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, p. 152.

[26] “Embora não se saiba exatamente em que momento surgiu essa cláusula, sabe-se que os romanos já aceitavam a vulnerabilidade do princípio da obrigatoriedade do contrato. Antes de ser uma regra jurídica, ela foi uma regra moral adotada pelo cristianismo; exigia-se equivalência das prestações sempre que se estivesse em presença de um ato a título oneroso.” DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, p. 234.

[27] VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, p. 413.

[28] Artigo 317 do Código Civil: “Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

[29] Artigo 478 do Código Civil: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato.” Parágrafo único: “Os efeitos da sentença que decretar a resolução do contrato retroagirão à data da citação.”

[30] Artigo 479 do Código Civil: “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.”

[31] Artigo 480 do Código Civil: “Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá se pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la a fim de evitar a onerosidade excessiva.”

[32] GAGLIANO, Pablo Stoze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos. Tomo I. Teoria Geral. Vol. IV, p. 268/270.

[33] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito das obrigações. Parte Especial. Tomo I – Contratos, p. 51.

[34] Termo, condição e encargo são elementos acidentais à eficácia de qualquer negócio jurídico – e assim também se aplicam ao contrato – que devem ser expressamente previstos pelas partes, em manifestação de sua intenção em postergar os resultados pretendidos para um acontecimento futuro e certo, futuro e incerto ou vinculando a eficácia do negócio a uma finalidade, respectivamente.

[35] “... a expressão ‘teoria da onerosidade excessiva’, embora calcada em fundamentos semelhantes, não corresponde exatamente à teoria da imprevisão, por estar mais focada na questão da desproporção do que propriamente na imprevisibilidade.” GAGLIANO, Pablo Stoze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos. Tomo I. Teoria Geral. Vol. IV, p. 268.

Sobre a autora
Mariana Morsoletto Carmo

Advogada e professora adjunta na Faculdade Santa Amélia - SECAl - em Ponta Grossa/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARMO, Mariana Morsoletto. A lesão, a teoria da imprevisão e a resolução por onerosidade excessiva como instrumentos para a efetivação do princípio da solidariedade no Direito Contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3478, 8 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23400. Acesso em: 23 dez. 2024.

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