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Tribunal do júri e escabinato da Justiça Militar brasileira: duas faces da mesma moeda.

Uma observação sob a ótica do princípio do juiz natural.

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Agenda 20/01/2013 às 09:44

3.    PRINCIPIOLOGIA DO DIREITO: juiz natural.

Para o douto jurista brasileiro Reale (2006, p.303), princípios são “verdades fundantes” de um dado sistema de conhecimento, se constituindo em enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções. Citando Josef Esser, o ilustre jurista brasileiro complementa, informando que, para o Direito, os princípios são eficazes, independentemente do texto legal os citar expressamente. E quando este o consagra, dá ao princípio força cogente, mas não altera a sua substância já que o princípio é um direito prévio e exterior a lei.

Diniz (2009, p. 471), citando Caio Mário da Silva Pereira, informa que, para o Direito, os princípios “são cânones que, às vezes, não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico”. Ao citar Jeanneau, (p. 472) a ilustre jurista informa que “os princípios não têm existência própria, estão ínsitos no sistema, mas é o juiz que, ao descobri-los, lhes dá força e vida.” Por fim, a autora apresenta seu próprio posicionamento (p. 477), informando que “os princípios não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito”.

No estudo da principiologia jurídica, verifica-se polêmica dominante travada entre duas grandes forças da Filosofia do Direito, no que se refere à natureza jurídica dos princípios: a positivista e a jusnaturalista. A Escola Positivista, que neste particular tem a escola histórica como aliada (NADER 2002, p. 195), sustenta a tese de que os princípios gerais do Direito são os consagrados pelo próprio ordenamento jurídicos e, para aplicá-los, o aplicador deverá ater-se objetivamente ao Direito vigente, sem se resvelar no subjetivismo. A Escola do Direito Natural entende que os princípios do Direito são de natureza suprapositiva e constantes, são valores eternos, imutáveis e universais, portanto anteriores a qualquer ordenamento jurídico.

 Entre os próprios autores retromencionados, encontramos pontos de vistas antagônicos, tendentes à filosofia do Direito Natural ou simpáticos ao positivismo. Para dar fundamentação ao eixo temático deste artigo, faz-se mister trazer a lume ainda a concepção quântica do Direito do douto professor paulista e jusfilósofo, Goffredo Telles Jr, apud Diniz (2009, p. 48-50), a qual, muito sinteticamente, apresentaremos nas próximas linhas, já que, no que concerne à questão em debate, traz uma visão moderna da principiologia jurídica e coerente com a proposta de estudo deste postulante.

Para o destacado professor, o Direito é objeto cultural (e por Direito devemos entender todo o mosaico constituído por regras, princípios e valores adotados por uma dada sociedade) de modo que as normas jurídicas adotadas por uma determinada sociedade e por ela consideradas justas, podem representar, para outra sociedade, uma afronta à seus princípios. Desta forma o Direito seria fruto da realidade social, política e axiológica de um determinado povo. O douto mestre paulista, em crítica ao positivismo jurídico, diz que o direito objetivo é elaborado em consonância com o referencial axiológico de determinada sociedade. Todavia, este referencial se movimenta com a sociedade e, com isso, o Direito, se não o acompanhar, se tornará antiquado e, se aplicado, tenderá à injustiça, de acordo com o novo referencial axiológico adotado. Portanto, se os princípios tiverem como fundamento o próprio ordenamento jurídico, como defende a Escola Positivista, eles – os princípios - não seriam capazes de informar o legislador na elaboração de novas normas, não seriam capazes de nortear o juiz na aplicação das leis, logo a sociedade estaria sob o império de leis injustas, que não corresponderiam ao clamor de seus integrantes.

Atacando igualmente o entendimento jusnaturalista, Goffredo Telles Jr diz que os princípios não são regras imutáveis e constantes no tempo e, defendendo seu ponto de vista, diz que o Direito Natural é o direito consentâneo com o sistema ético de referência vigente em certa coletividade. O autor, em sua teoria, redenomina o Direito Natural de Direito Quântico, justificando que o Direito é fruto das movimentações de uma sociedade, atendendo às inclinações axiológicas do grupo social, espelhando seu sentimento, estado de consciência e identidade. O Direito é tido por legítimo por esta sociedade, quando quantifica  os anseios sociais, do momento que está a viver,  formando seu arcabouço de regras e princípios.  Logo, para o autor, não existiriam princípios universais, mas sim princípios que mudam junto com a sociedade e são captados por ela, com fins de atualizar (ou mesmo criar, caso ainda não as tenha) suas regras positivadas.

Por fim, queremos registrar, à título de fundamentação da proposta apresentada no presente trabalho, que devemos ter em mente o seguinte: no Direito, conforme leciona Reale (2006, p. 303) os princípios sempre serão anteriores às leis, informando a sua elaboração e aplicação, seja pelas razões apresentadas pela Escola Jusnaturalista de que os princípios são pressupostos universais e imutáveis, seja pelas razões da concepção quântica do Direito, de Goffredo Telles Jr - que no nosso sentir se reveste de maior coerência - de que os princípios variam de acordo com o referencial axiológico de cada sociedade e o momento em que ela – a sociedade - está vivendo.

 Passemos, ao próximo subtítulo, onde estudaremos o princípio do juiz natural e do devido processo legal.

a.    Princípios do Juiz Natural: conceito

Moares (2008, p. 87) diz que “a imparcialidade do judiciário e a segurança do povo contra o arbítrio estatal encontram no princípio do juiz natural uma de suas garantias indispensáveis”. A afirmação do citado mestre constitucionalista mostra-nos uma das concepções do principio do juiz natural, que, por sua vez, é a que efetivamente nos interessa para a exploração do eixo temático deste trabalho. Entretanto, não podemos nos furtar realizar breve síntese sobre o principio em tela nas suas outras dimensões. Comecemos, citando a previsão constitucional deste belíssimo princípio:

Art 5º

(...)

XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;

(...)

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

Nelson Nery Jr, citado por Lenza (2009, p. 702) interpreta os sobreditos dispositivos constitucionais, informado  que “a garantia do juiz natural é tridimensional e significa que: 1) não haverá juízo ou tribunal ad hoc, isto é, tribunal de exceção; 2) todos têm o direito de submeter-se a julgamento (civil ou penal)por juiz competente, pré-constituído na forma da lei; 3) o juiz competente tem de ser imparcial ”.

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Nucci (2009, p. 41) informa que o princípio do juiz natural “estabelece o direito do réu de ser julgado por um juiz previamente determinado por lei e pelas normas constitucionais, acarretando, por consequência, um julgamento imparcial” e complementa dizendo que “pelas regras constitucionais, todos têm  direito a um julgador desapaixonado e justo, previamente existente”.

Lenza (2009, p. 702), ao citar Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior, informa que o conteúdo jurídico do principio do juiz natural “ pode ser resumido na inarredável necessidade de predeterminação do juízo competente, quer para o processo, quer para o julgamento, proibindo-se qualquer forma de designação de tribunais para casos determinados. Na verdade, o principio em estudo é um desdobramento da regra da igualdade”.

A interpretação dos dispositivos constitucionais retromencionados, por Nery,  Nucci e  Luiz Araújo, em conjunto com Vidal Serrano,  concatenam o pensamento pacífico da doutrina sobre o alcance do principio do juiz natural. Entretanto, atendendo ao interesse desta pesquisa, restringimos o estudo deste princípio à dimensão atinente à imparcialidade do juiz.

No processo penal, o princípio do juiz natural recebe uma versão mais especializada, voltada justamente para o viés que nos propusemos a abordar, recebendo a denominação de principio da imparcialidade do juiz. Malgrado parte da doutrina especializada empreste certa autonomia ao sobredito principio processual, tratando-o como princípio independente, decorrente do princípio constitucional em estudo, este postulante entende que o principio da imparcialidade do juiz, nada mais é do que o próprio princípio do juiz natural, que, analisado exclusivamente sob a dimensão da imparcialidade do juiz, dentre as três que lhes são atribuídas, recebeu o nome próprio já mencionado, por mera questão de artifício didático.

Sob esta tese, optamos por esmiuçar ainda mais o sentido do principio do juiz natural, no que diz respeito ao viés da imparcialidade do juiz, valendo-se das lições dos mestres processualistas penais que tratam sobre o princípio da imparcialidade do juiz. Ressalto, todavia que, mesmo para aqueles que defendem que o principio da imparcialidade do juiz é independe e autônomo em relação ao juiz natural, entendemos que não haverá prejuízos se utilizarmos aquele principio para aprofundar o estudo do princípio do juiz natural, já que um decorre do outro, como afirma Nucci (2009, p. 47) “o principio do juiz imparcial decorre do juiz natural, afinal, este, sem aquele não tem finalidade útil”.

Em lição sobre o princípio da imparcialidade do juiz, Nucci (2009, p. 46) informa que “é certo que o principio do juiz natural tem por finalidade, em ultimo grau, assegurar a atuação de um juiz imparcial na relação processual. Entretanto, por mais cautela que se tenha na elaboração de leis, é possível que um determinado caso chegue às mãos de um magistrado parcial. Essa falta de isenção pode decorrer de fatores variados: corrupção, amizade íntima ou inimizade capital com alguma das partes, ligação com objeto do processo, conhecimento pessoal sobre o fato a ser julgado, etc.”

Como é sabido, segundo o Art 2º da CF/88, os direitos e garantias expressos na Carta Política não excluem outros do regime e princípios por ela adotados ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Neste elastério vejamos o que o Pacto de San José da Costa Rica, de 1992 – Convenção Americana sobre Direitos Humanos – do qual o Brasil é signatário, tem a contribuir nesta pesquisa sobre o juiz natural, analisado sob a dimensão específica da imparcialidade do juiz:

Artigo 8º - Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (Convenção Americana sobre Direitos Humanos)

Távora e Alencar (2011, p. 56) informam que a “a imparcialidade é entendida como característica  essencial ao perfil do juiz, consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de modo a lhe tirar o afastamento necessário para conduzi-lo com atenção”.

Vejamos a definição do princípio do juiz natural na visão do Superior Tribunal de Justiça, registrado na ementa do acórdão referente ao Habeas Corpus nº 4.931-RJ, impetrado por policiais militares, réus em processo penal militar, da Justiça Militar do Rio de Janeiro:

 “O juiz natural significa o juízo pré-constituído, ou seja, definido por lei, antes da prática do crime. Garantia constitucional que visa impedir o Estado de direcionar o julgamento, afetando a imparcialidade da decisão.” [2]


4.    TRIBUNAL DO JURI E ESCABINADO, DA JUSTIÇA MILITAR BRASILEIRA: DUAS FACES DA MESMA MOEDA.

Vimos que o Juri e o Escabinado, da justiça militar são institutos díspares quanto à organização, competência, posicionamento na estrutura do judiciário e alguns dos seus procedimentos internos. Entretanto, em que pese as dessemelhanças entre estes dois belíssimos institutos do judiciário brasileiro, não podemos perder de vista o liame embrionário que os une e vai unir para sempre. Estamos a falar da origem histórica e principiológica comum destes dois sistemas.

Como vimos em subtítulos anteriores, a Charta Magna, imposta pelos nobres e clérigos ingleses ao Rei João Sem Terra, em 1215, apresentou à sociedade medieval da sua época um inovador sistema de julgamento, onde o acusado seria julgado por pessoas iguais a ele em um Tribunal Popular devidamente institucionalizado.. Este novo modelo de julgamento, pedra bruta do que hodiernamente conhecemos por Tribunal do Juri, se disseminou por outras nações e povos em épocas diferentes da história, tomando, por vezes, feições e formas um pouco distintas do modelo original, como, por exemplo, o escabinado e assessorado, mas que, em sua essência, guardavam o mesmo objetivo uníssono que norteou a concepção do tribunal popular naquela época: garantir que os acusados tivessem um julgamento isento e imparcial, algo que, na visão daqueles homens, só seria possível se o julgamento fosse feito pelos  próprios pares do réu. Entendemos que, na verdade, em um primeiro momento, os elaboradores da Carta de 1215, buscavam apenas que o acusado tivesse direito a um julgamento, já que diante das arbitrariedade do reinado de João Sem Terra, onde homens eram presos e seus patrimônios invadidos pelo Estado sem nenhum julgamento, o mínimo que os elaboradores da Charta Magna inglesa queriam era que os acusados – que por sinal poderiam ser qualquer um deles - fossem julgados antes de terem seus direitos cassados. Depois de vencido esta concepção, foi que, naturalmente, seguindo um encadeamento lógico de pensamento,  surgiu  a questão: a quem caberia a relevante tarefa de julgar os acusados, sob égide  da  Carta feudal, ora em elaboração, – precursora das constituições do mundo ? E então, sabiamente, os nobres e clérigos decidiram pela instituição de um tribunal popular para cumprir esta elevada missão. Caro leitor, gostaríamos de deixar claro, que esta sequência – primeiro a necessidade de se exigir um julgamento, depois a instituição do juri -  não foi concluída com base em literatura ou documentação histórica pesquisada por este postulante, mas, sim, em mera inferição, fundamentada em um encadeamento lógico, como nos referimos anteriormente.

Trocando em miúdos, podemos dizer que a Magna Carta de 1215 inaugurou a positivação de dois princípios basilares do Direito: o do devido processo legal e o do juiz natural. Expliquemos.  A decisão de nobres e clérigos, nos idos de 1215, de registrar naquele documento que nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição sem um julgamento legítimo representou grande avanço para época, onde o soberano, a serviço de seus interesses e descomprometido com o bem estar de seus súditos, aplicava punições arbitrárias, encarcerava pessoas por tempo indeterminado, sem oportunizar ao acusado um julgamento justo e equilibrado. O trecho em destaque, que é a transcrição traduzida[3] da primeira parte do postulado trinta e nove da Magna Carta, é, conforme pacificamente informa a doutrina, a inovadora positivação do devido processo legal. Vejamos o que outros mestres da doutrina dizem a este respeito da origem do sobredito princípio:

A Constituição Federal de 1988 incorporou o principio do devido processo legal, que remonta à Magna Charta Libertarum de 1215, de vital importância no direito anglo-saxão. (MORAES 2008, p. 105).

O princípio do devido processo legal entra agora no direito constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa:  “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”  (art. 5º, LIV). Combinando com o direito de acesso à Justiça (art. 5º XXXV), o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. (AFONSO DA SILVA 2009, p.154).

A origem do princípio do devido processo legal remonta à Carta Magna inglesa, de 1215, em que se estabelecia a garantia de que a aplicação da sanção só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra. (MIRABETE 1997, p.27).

Conforme expusemos, a exigência imposta pelos elaboradores da Magna Carta de 1215 de que o réu, para ser privado de sua liberdade, bens e direitos, deveria ser submetido a julgamento legítimo, significou inovadora positivação do principio do devido processo legal que influenciou povos e nações por todo mundo ao longo da história. No entanto, pergunta-se: o que seria um julgamento legítimo para aqueles homens que destacadamente conceberam tão importante documento ? Entendemos que a resposta está na segunda parte do postulado trinta e nove, da debatida Carta medieval inglesa, quando diz que o acusado deve ser submetido ao julgamento de seus próprios pares. Entendemos que a iluminada opção dos nobres e clérigos ingleses em adotar o Tribunal Popular, ao invés, por exemplo, de prever que o acusado fosse submetido a julgamento de um juiz singular, mesmo que este fosse do segmento social do acusado, era garantir ao réu uma maior possibilidade de se ter um julgamento equilibrado e isento, visto que diminuiria o risco de influência do monarca sobre o julgamento, já que para, fazê-lo, deveria corromper vários jurados e não somente um, caso fosse adotada a ideia do juiz singular. Esta mesma motivação levou a França pós-revolucionária a optar também pelo sistema de tribunal popular, inicialmente pelo tribunal do juri e, mais tarde, pelo escabinado, que vigora até os dias atuais. Os revolucionários de Paris, buscando evitar que a experiência traumática do regime deposto se repetisse, onde magistrados corruptos e a serviço do rei proferiam decisões tendenciosas e injustas, identificaram no sistema do tribunal do juri a maneira mais adequada de garantir um julgamento  justo, equilibrado e imparcial ao acusado. Esta mesma tendência veio a influenciar Cartas Políticas, Códigos e Declaração de Direitos por todo o mundo, dos quais podemos citar os seguintes marcos históricos: no postulado XI da Declaração de Direitos (Bill of Rights), em 1689, na Inglaterra; na emenda VII, da Carta da Declaração da Independência de 1776, dos Estados Unidos; e no Decreto, de 30 abril de 1790, na França.

Pois bem, prezado leitor, diante do exposto, perguntamos: a que principio remete a ideia de um juiz isento? Entendemos que a opção pelo julgamento feito pelos iguais, adotado pela Carta Magna do medievo britânico, é a positivação cristalina do principio do juiz natural, especificamente no que diz respeito à imparcialidade do juiz. Em outras palavras, seja o princípio do juiz natural um pressuposto universal, como acreditam os jusnaturalistas ou fruto das mudanças de referencial axiológico vividas pela sociedade inglesa de 1215, como reza a concepção quântica do Direito, de Goffredo Telles Jr, fato é que o referido princípio informou, norteou e conduziu os nobres e clérigos anglo-saxões na elaboração da última parte do postulado 39 da Charta Magna Libertarum, ao exigir que o acusado fosse julgado pelos seus próprios pares, por meio de um Tribunal Popular instituído. Desta forma entendemos que o princípio do juiz natural tem com o Tribunal do Juri e com o Escabinado uma relação de paternidade, onde o Juri seria o primogênito, desta prole. E como bom pai que o é, o princípio do juiz natural não abandona seus filhos, revisitando-os constantemente, orientando sua organização, competência e procedimentos internos nas diversas nações que os instituíram pelo mundo no decorrer da história.

 Mesmo que os postulados da citada Carta medieval inglesa não tenham sido efetivamente cumpridos por João Sem Terra, nem Henrique III, seu sucessor, conforme rezam alguns historiadores (FLORIVAL CÁRCERES, 1988, p. 122), não se pode olvidar que o gérmen do princípio do juiz natural ( e do devido processo legal) estavam definitivamente plantados no solo dos povos, germinando posteriormente em momentos e nações diferentes no decorrer da história da sociedade moderna e contemporânea.

a.    O princípio do Juiz Natural no Tribunal do Juri brasileiro

O princípio do juiz natural, como mencionamos anteriormente, vem informando, desde os idos de 1215 até os dias atuais, os diversos aspectos que circundam o instituto do tribunal do juri pelas várias nações que adotaram este sistema. No Brasil, não é difícil identificar a marca genética do juiz natural no tribunal do juri, a própria adoção do sistema de participação popular pelas Cartas Políticas brasileiras, desde o império até hoje, já é a mais autêntica expressão do princípio em tela, afinal, se a submissão do acusado ao julgamento de seus próprios pares é a manifestação mais essencial do juiz natural, sob a dimensão da imparcialidade do juiz, a adoção deste sistema pelas Constituições pátrias é a firme positivação deste princípio.   Podemos mencionar ainda, a consagração daquele instituto como cláusula pétrea da Constituição de 1988. Por fim, mas sem esgotar o assunto, podemos citar a possibilidade de recusas dos jurados por parte do réu, como uma manifestação eloquente do princípio do juiz natural, a nível procedimental, no tribunal do juri.

b.  O princípio do juiz natural como concebedor do sistema de escabinado adotado pela Justiça Militar brasileira

Acreditamos ter sido bem marcada a presença do principio do juiz natural como concebedor direto e informador atual dos tribunais populares ao longo da história. No entanto, é plausível questionar se este princípio está presente também no modelo de escabinado adotado pela justiça militar brasileira.

Em nosso sentir a composição peculiar dos Conselhos de Justiça e STM, com juízes militares (oficias militares) e juízes togados atuando lado a lado em igualdade de condições no julgamento dos crimes militares, é expressão patente da busca pela imparcialidade do juiz, na medida em que o colegiado misto de militares e civis terá todas as condições de pesar os aspectos normativos e doutrinários do crime em conjunto com todos os elementos de ordem psicológica, sociológica, técnica e operacional, inerentes a atividade militar e que permeiam o caso a ser julgado. Recapitulemos as palavras de mestres  já citados neste trabalho, a respeito da questão:  

Sempre haverá uma Justiça Militar, pois o juiz singular, por mais competente que seja, não pode conhecer das idiossincrasias da carreira das armas, não estando, pois, em condições de ponderar a influência de determinados ilícitos na hierarquia e disciplina das Forças Armadas. (MOREIRA ALVES 1998, p. 3-6)

É fundamental que os atos dos seus integrantes (integrantes das Forças Armadas e Auxiliares) sejam julgados com isenção por quem conheça, na intimidade, os diferentes fatores interferentes em suas ações (riscos, elementos psicológicos e culturais, aspectos técnicos e operacionais e os fatores criminógenos), de forma a assegurar-lhes tranqüilidade e serenidade para o desempenho de suas funções e infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da lei. (complemento entre parênteses deste postulante) (SOUZA, 2005).

Além da manifestação do juiz natural na própria composição dos Conselhos de Justiças e STM, conforme constatado, entendemos que, da mesma forma que o juri, o escabinado traz a herança genética daquele princípio em outros aspectos, dentre os quais  podemos citar a possibilidade do réu  arguir suspeição ou impedimento  dos juízes, conforme prevê  o Art 128, a), do CPPM; a previsão de mudança dos integrantes do Conselho Permanente a cada três meses e a cada novo processo, no caso do Conselho Especial; a obrigação de que os Conselhos de Justiça sejam compostos por militares da mesma Força Armada ou Auxiliar do acusado.

Sobre o autor
Celso Rodrigo Lima dos Santos

Militar. Bacharelando em Direito - UFPB. Bacharel e Especialista em Ciências Militares - AMAN. Especialista em Direito Administrativo - UFPB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Celso Rodrigo Lima. Tribunal do júri e escabinato da Justiça Militar brasileira: duas faces da mesma moeda.: Uma observação sob a ótica do princípio do juiz natural.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3490, 20 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23491. Acesso em: 18 mai. 2024.

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