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O sistema constitucional dos países lusófonos.

Um breve passeio no modelo jurídico-político de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, à luz das concepções de Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse e Karl Loewenstein

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Agenda 24/01/2013 às 08:22

VI. ANGOLA (www.angola.gov.ao)

A história constitucional moderna de Angola tem início em 11.11.1975, após o fim das “Guerras Coloniais”, data da independência de Angola em face de Portugal, por força dos “movimentos de libertação”, no caso angolano o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA, a Frente Nacional de Libertação de Angola - FNLA e a União Nacional pela Independência Total de Angola – UNITA, como giza Fernando José de França Dias Van-Dúnem (2008).

Após a conquista da independência, Angola sofreu o flagelo de uma guerra civil que perdurou 27 anos, e que ceifou a vida de milhões de pessoas e vitimou, com danos físicos e morais irreparáveis, um imenso contingente de pessoas. Angola é um país em reconstrução.

Cuide-se que na região de Cabinda, rica em petróleo, há a Frente de Libertação do Estado de Cabinda – FLEC (www.cabinda.org), mas há dez anos foi assinado um acordo de paz na busca de se por fim à tentativa de secessão no território angolano, nada obstante as resistências do aludido movimento de guerrilha política.

Nada obstante essa situação, a atual Lei Constitucional angolana foi aprovada em 16.9.1992, e sofreu grande influência dos textos constitucionais português e brasileiro, possuindo uma estrutura clássica de separação dos poderes e direitos fundamentais individuais e sociais, contendo promessas que exigem um avançado grau de consciência constitucional dos governantes e dos governados.

O preâmbulo constitucional angolano dispõe:

Nós, o Povo de Angola, através dos seus lídimos representantes, legisladores da Nação livremente eleitos nas eleições parlamentares de Setembro de 2008;

Cientes de que essas eleições se inserem na longa tradição de luta do povo angolano pela conquista da sua cidadania e independência, proclamada no dia 11 de Novembro de 1975, data em que entrou em vigor a primeira Lei Constitucional da história de Angola e corajosamente preservada, graças aos sacrifícios colectivos para defender a soberania nacional e a integridade territorial do país;

Tendo recebido, por via da referida escolha popular e por força do disposto no artigo 158.º da Lei Constitucional de 1992, o nobre e indeclinável mandato de proceder à elaboração e aprovação da Constituição da República de Angola;

Cônscios da grande importância e magna valia de que se reveste a feitura e adopção da lei primeira e fundamental do Estado e da sociedade angolana;

Destacando que a Constituição da República de Angola se filia e enquadra directamente na já longa e persistente luta do povo angolano, primeiro, para resistir à ocupação colonizadora, depois para conquistar a independência e a dignidade de um Estado soberano e, mais tarde, para edificar, em Angola, um Estado democrático de direito e uma sociedade justa;

Invocando a memória dos nossos antepassados e apelando à sabedoria das lições da nossa história comum, das nossas raízes seculares e das culturas que enriquecem a nossa unidade;

Inspirados pelas melhores lições da tradição africana – substrato fundamental da cultura e da identidade angolanas;

Revestidos de uma cultura de tolerância e profundamente comprometidos com a reconciliação, a igualdade, a justiça e o desenvolvimento;

Decididos a construir uma sociedade fundada na equidade de oportunidades, no compromisso, na fraternidade e na unidade na diversidade;

Determinados a edificar, todos juntos, uma sociedade justa e de progresso que respeita a vida, a igualdade, a diversidade e a dignidade das pessoas;

Relembrando que a actual Constituição representa o culminar do processo de transição constitucional iniciado em 1991, com a aprovação, pela Assembleia do Povo, da Lei n.º 12/91, que consagrou a democracia multipartidária, as garantias dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o sistema económico de mercado, mudanças aprofundadas, mais tarde, pela Lei de Revisão Constitucional n.º 23/92;

Reafirmando o nosso comprometimento com os valores e princípios fundamentais da Independência, Soberania e Unidade do Estado democrático de direito, do pluralismo de expressão e de organização política, da separação e equilíbrio de poderes dos órgãos de soberania, do sistema económico de mercado e do respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais do ser humano, que constituem as traves mestras que suportam e estruturam a presente Constituição;

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Conscientes de que uma Constituição como a presente é, pela partilha dos valores, princípios e normas nela plasmados, um importante factor de unidade nacional e uma forte alavanca para o desenvolvimento do Estado e da sociedade;

Empenhando-nos, solenemente, no cumprimento estrito e no respeito da presente Constituição e aspirando a que a mesma postura seja a matriz do comportamento dos cidadãos, das forças políticas e de toda a sociedade angolana;

Assim, invocando e rendendo preito à memória de todos os heróis e de todos e cada uma das angolanas e dos angolanos que perderam a sua vida na defesa da Pátria;

Fieis aos mais altos anseios do povo angolano de estabilidade, dignidade, liberdade, desenvolvimento e edificação de um país moderno, próspero, inclusivo, democrático e socialmente justo;

Comprometidos com o legado para as futuras gerações e no exercício da nossa soberania;

Aprovamos a presente Constituição como Lei Suprema e Fundamental da República de Angola.

Tenha-se que Angola é um Estado que possui imensas riquezas naturais, especialmente petróleo e diamantes, além de outros bens que podem ser canalizados para a melhoria das condições de vida do povo angolano.

Sucede, nada obstante, que essas citadas riquezas alimentaram a guerra civil que tanto açoitou a população angolana. Angola deverá aprender a conviver com as suas imensas riquezas e deverá ampliar o acesso do povo às benesses sociais propiciadas pelo crescimento econômico fundado na exploração dessas riquezas naturais.

Com efeito, no critério das liberdades fundamentais, Angola, segundo o critério de democracia, se enquadra no regime autoritário, com índice 3,35. O melhor índice é o da Suécia (9,8) e o pior é o da Coréia do Norte (0,86), segundo o “Economist Intelligence Unit Democracy Index” (www.economist.com).

Seguindo as informações relativas aos indicadores sociais de Portugal e do Brasil, em Angola o IDH é de 0,564; a expectativa de vida é de 43 anos; a mortalidade infantil é de 132 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é de 68% e a percepção de corrupção é de 1,9.

De posse desses dados, temos que a Constituição angolana se revela como uma simples “folha de papel”, mercê da vontade dos “fatores reais de poder”. Nessa linha, como o País está em reconstrução democrática, convém reconhecer o caráter nominal de seu sistema constitucional.


VII. CABO VERDE (www.governo.cv)

Assim como Angola, a moderna história constitucional de Cabo Verde tem início nas lutas de libertação do jugo colonial português, precisamente em 5.7.1975, data de sua independência política.

O arquipélago de Cabo Verde tem uma economia baseada na agricultura e na exploração marinha.

Pois bem, no plano político, segundo José André Leitão da Graça (2008), o processo caboverdiano é um caso típico de transição iniciada por uma elite autoritária até o surgimento e fortalecimento das oposições.

Com efeito, as lutas de libertação iniciadas na década de 60 do século passado foram assumidas pelo Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde - PAIGC.

Sucede que as dissensões políticas entre Cabo Verde e a Guiné-Bissau levaram ao fim as possibilidades de união política entre esses Estados, e o PAIGC se transformou, em solo caboverdeano, no PAICV – Partido Africano da Independência de Cabo Verde, que detinha o monopólio partidário no País.

A partir dos anos 90, do século XX, inicia-se um processo de democratização, com o reconhecimento do pluripartidarismo em Cabo Verde, de sorte que a livre competitividade político-eleitoral se instalou no País.

Nesse passo, no critério democrático, Cabo Verde tem o índice 7,81, cuidando-se de uma democracia imperfeita, segundo a “The Economist”.  O IDH de Cabo Verde é 0,708; a expectativa de vida é de 72 anos; a mortalidade infantil gira em redor de 25 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é 81% e a percepção de corrupção é 5,1, abaixo de Portugal, mas acima do Brasil que é de 3,7.

Ante esse quadro, o sistema constitucional de Cabo Verde se afivela na categoria de nominal, pois superou o aspecto semântico do regime autoritário e monopartidário, mas ainda não alcançou o nível de plena normatividade constitucional.


VIII. GUINÉ-BISSAU (www.republica-da-guine-bissau.org)

A moderna história constitucional guineense nasceu em 24.9.1973, com a independência em face de Portugal.

A luta armada foi iniciada pelo PAIGC resultou na promulgação da primeira Constituição, em 1973, oriunda da Assembléia Nacional Popular, mas, segundo Antonio Duarte Silva (2008) houve verdadeira outorga constitucional realizada pelo citado PAIGC.

Infelizmente lá são rotineiras as crises políticas e institucionais, que têm agravado a situação de vida do povo guineense, de sorte que até o presente momento não se pode falar em estabilização política na Guiné-Bissau, pois recentemente, ainda neste ano de 2010, houve nova tentativa de golpe militar contra o governo instituído.

A vigente Constituição da Guiné-Bissau foi promulgada em dezembro de 1996. Eis o seu preâmbulo:

O PAIGC, fundado em 19 de Setembro de 1956, cumpriu exemplarmente o seu Programa Mínimo, que consiste em libertar os povos da Guiné e Cabo Verde, conquistando a soberania dos respectivos Estados, ao mesmo tempo que lançava as bases de construção de uma sociedade livre, democrática e de justiça social em cada país.

O Partido conseguiu, após a independência, granjear nos planos interno e internacional, simpatia, respeito e admiração pela forma como tem conduzido os destinos da Nação Guineense, nomeadamente através da criação e institucionalização do aparelho estatal.

Com o Movimento Reajustador do 14 de Novembro, o Partido reorientou a sua acção, corrigindo os erros que estavam a entravar a edificação de uma sociedade unida, forte e democrática.

Ao adoptar a presente Constituição, que se situa fielmente na linha de uma evolução institucional que nunca se afastou das ideias e opções do nosso povo, linha reafirmada pelas transformações profundas operadas na nossa sociedade pela legalidade, pelo direito e pelo gozo das liberdades fundamentais, a Assembleia Nacional Popular da Guiné-Bissau revela o facto de o seu articulado se encontrar imbuído do humanismo que sempre nos inspirou e que se reflecte nos direitos e liberdades aqui garantidos aos cidadãos como conquistas irreversíveis do nosso povo.

A Assembleia Nacional Popular felicita o PAIGC pelo papel de vanguarda que sempre desempenhou na condução dos destinos da Nação Guineense e congratula-se pela decisão corajosa e oportuna que o partido de Amílcar Cabral tomou ao implementar o desafio da abertura democrática rumo a construção de uma sociedade pluralista, justa e livre.

A decisão do PAIGC situa-se na esteira da sua tradição histórica de procurar a cada momento as respostas às profundas aspirações do nosso povo.

Por isso, agindo como intérprete fiel da vontade do povo e no exercício das responsabilidades que lhe cabem como órgão máximo da soberania, a Assembleia Nacional Popular aprova e adopta, como lei fundamental e para vigorar a partir de 16 de Maio de 1984, a presente Constituição da República da Guiné-Bissau.

No critério democrático, o índice da Guiné-Bissau é 1,99, consistindo em regime político autoritário. O seu IDH é 0,397; a expectativa de vida é de 46 anos; a mortalidade infantil é de 113 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é de 45%; e a percepção da corrupção é de 1,9.

A Constituição da Guiné-Bissau é um caso clássico de simples “folha de papel”, se revelando um sistema constitucional semântico e meramente simbólico. Todavia, nada impede que haja um processo de educação constitucional e pedagogia cívica, sobretudo dos que são titulares dos “fatores reais do poder”, no sentido de obediência e respeito às instituições e à Constituição.


IX. MOÇAMBIQUE (www.portaldogoverno.gov.mz)

Como soe acontecer com os demais países africanos aqui citados, a moderna história constitucional moçambicana nasceu em 25.6.1975, com a independência em face de Portugal.

Moçambique foi castigada por uma guerra civil entre os partidários da FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique, e pela RENAMO – Resistência Nacional Moçambicana, que perdurou de 1976 até 1992.

Em decorrência das fraturas causadas pela guerra, Moçambique tem muitos problemas econômicos, políticos e sociais.

Segundo José Miguel Nunes Júnior (2008), a atual Constituição é de 2.11.1990, oriunda dos acordos de paz de Lusaka, que puseram cobro na odiosa guerra civil entre os moçambicanos. Eis o seu preâmbulo:

A Luta Armada de Libertação Nacional, respondendo aos anseios seculares do nosso Povo, aglutinou todas as camadas patrióticas da sociedade moçambicana num mesmo ideal de liberdade, unidade, justiça e progresso, cujo escopo era libertar a terra e o Homem.

Conquistada a Independência Nacional em 25 de Junho de 1975, devolveram-se ao povo moçambicano os direitos e as liberdades fundamentais.

A Constituição de 1990 introduziu o Estado de Direito Democrático, alicerçado na separação e interdependência dos poderes e no pluralismo, lançando os parâmetros estruturais da modernização, contribuindo de forma decisiva para a instauração de um clima democrático que levou o país à realização das primeiras eleições multipartidárias.

A presente Constituição reafirma, desenvolve e aprofunda os princípios fundamentais do Estado moçambicano, consagra o carácter soberano do Estado de Direito Democrático, baseado no pluralismo de expressão, organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

A ampla participação dos cidadãos na feitura da Lei Fundamental traduz o consenso resultante da sabedoria de todos no reforço da democracia e da unidade nacional.

No critério democrático, o índice de Moçambique é de 5,99, consistindo em regime político híbrido, nem plenamente democrático nem plenamente autautoritário. O seu IDH é 0,402; a expectativa de vida é de 42 anos; a mortalidade infantil é de 96 crianças por mil nascimentos; a taxa de alfabetização é de 39%; e a percepção da corrupção é de 2,5.

A Constituição moçambicana não se revela com “força normativa” suficientemente conformadora ou transformadora da realidade social e política, mas  à luz dos esforços que têm sido feitos, pode ser encartada como nominal, pois em busca de uma concretização, que depende da vontade dos governantes e dos governados.

Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O sistema constitucional dos países lusófonos.: Um breve passeio no modelo jurídico-político de Angola, do Brasil, de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, à luz das concepções de Ferdinand Lassalle, Konrad Hesse e Karl Loewenstein. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3494, 24 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23514. Acesso em: 22 nov. 2024.

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