2. A VIDA E A MORTE
2.1. A vida
Passadas as questões médicas, enfatiza-se agora, sob o ponto de vista jurídico, a partir de que momento se pode considerar o feto como um ser vivo, e se esse possui direitos. Após esse arremate, pretende-se buscar qual é o conceito correto e pertinente para a morte e quando essa de fato ocorre.
Ao se abordar um tema como a vida, registre-se que diversas questões controvertidas podem ser inseridas nessa seara, tornando o tema infindo, a exemplo das temáticas religiosa e moral. Contudo, como este trabalho faz um estudo sob um viés jurídico, tenta-se retirar esses outros aspectos do objeto desta monografia.
2.1.1. O que caracteriza a vida perante o direito
O Código Civil Brasileiro, em suas primeiras disposições, disciplinou:
Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Como primeira conclusão, há de se registrar que o apontado dispositivo legal não é claro. Em verdade, tem gerado inúmeras controvérsias na doutrina. De sua dicção não se consegue aferir se o Brasil adotou, em verdade, a concepção naturalista (a personalidade começa com o nascimento com vida) ou a concepticionista (a personalidade começa com a concepção). Sobre essa discussão, Silvio Venosa explica:
O novo Código refere-se à personalidade civil da “pessoa” nessa disposição. Em razão dos novos horizontes da ciência genética, procura-se proteger também o embrião, segundo projeto que pretende já alterar a essa dicção da nova lei. A questão é polêmica, ainda porque o embrião não se apresente de per si como uma forma de vida sempre viável30.
Da mesma maneira, sobre a controvérsia, César Fiúza, ao comentar o Código Civil:
Perdeu o legislador a oportunidade histórica de pôr fim à controvérsia entre natalistas e concepcionistas. Qual seria a posição do Código Civil? Os natalistas propugnam por sua tese; afinal, esta seria a intenção literal do legislador, ao afirmar que a personalidade começa com o nascimento com vida. Ocorre que, logo a seguir o mesmo legislador dispõe que os direitos do nascituro serão postos a salvo.31
Não é posição pacífica o nascituro só adquirir direitos ao nascer com vida. De forma distinta, Maria Helena Diniz, adepta do concepcionismo, entende que essa qualidade provém da fecundação do óvulo. Ao tratar sobre os direitos da personalidade, explica serem “necessários e inexpropriáveis, pois, por serem inatos, adquiridos no instante da concepção, não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver por dizerem respeito à qualidade humana”.32 Aprofundando ainda o tema, entende que no caso de fecundação em vidro, ocorreria o início com a implantação do óvulo fecundado no útero da mulher.
A presença da polêmica é incontroversa. Mas, a corrente conceptista, doutrinariamente, é minoritária. Diante do artigo 2º do Código Civil, parece estar claro que a personalidade se inicia de fato com o nascimento do feto com vida. Em geral, a parte que salvaguarda os direitos do nascituro vem sendo interpretada restritivamente quanto a questões hereditárias.
Após todas essas colocações, remata-se que, perante o Sistema Jurídico Nacional, quanto ao conceito de vida, não há uma conclusão segura. Permanece o tema sendo pauta de infindáveis discussões doutrinárias, sem obter uma posição uníssona. Por essas razões, parte-se, a seguir, em busca de um critério sólido dentro do conceito de morte.
2.2. A morte
2.2.1. O que caracteriza a morte perante o direito
Outro conceito tão intrigante como a vida é o do que seria a morte. Isso porque consiste em um tema muito abstrato, suscetível de se imiscuir em questões de ordem moral, religiosa e filosófica. Todavia, repise-se mais uma vez não serem cabíveis tais divagações no presente trabalho.
Para este estudo, é demasiadamente importante entender quando, juridicamente, advém a morte. Tal questão é de relevo visto que, através desse conhecimento, será viável avaliar se o feto anencéfalo possui vida ou se já se encontra em um quadro típico de morte.
Dessa feita, inicia-se este tópico partindo da premissa de que, realmente, como explica a medicina legal, a morte é um processo.33 Partindo desse ponto, conclui-se que a morte não deve ser considerada como uma ocorrência instantânea, mas sim um fenômeno em expansão.
Explicando de uma forma direta e clássica, Irany Novah descreve a morte como um processo que demanda certo intervalo de tempo, visto que, sendo a morte o final da vida, morrer é a sua evolução no organismo.34
A caracterização utilizada perante o ordenamento jurídico como o momento para considerar um ser humano como definitivamente morto será oferecida em seguida.
2.2.2. O momento da morte
Mesmo se tratando de um processo, em razão das necessidades sociais, fez-se forçoso arbitrar um momento em que se possa deliberar como configurada a morte. Por esse motivo, existem muitas discussões em busca de um critério seguro. Essa celeuma entre os médicos terminou por refletir, logicamente, no mundo jurídico.
Nesse contexto, as hipóteses aventadas para configurar a morte foram inúmeras. Como exemplos, citem-se os seguintes aspectos estudados como critério:
a) cessação da respiração;
b) parada definitiva da circulação sanguínea;
c) o falecimento de órgãos;
d) o perecimento encefálico;
e) alguns desses critérios de forma conjugada;
f) outras hipóteses isoladas.
Diante dessas proposições, em um primeiro momento, tentou-se diagnosticar a morte, em sua forma chamada “real”, utilizado o seguinte procedimento:
O momento em que se pode diagnosticar a morte é aquele em que se estabelece o coma irreversível, caracterizado pelo coma profundo no qual o paciente:
1- não responde a estímulos dolorosos, sonoros e luminosos;
2- não respira espontaneamente;
3- apresenta a midríase, ou seja, as pupilas abertas e paralíticas;
4- há falta de movimentos oculares e dos reflexos corneanos;
5- inexiste atividade postural.
Além dos dados clínicos, o eletrocardiograma e o eletroencefalograma completam o diagnóstico de morte real, registrando traços isoelétricos.35
No princípio, utilizava-se um apanhado de critérios para se aferir a morte. Conforme a descrição, a respiração, circulação sanguínea, batimentos cardíacos e estímulos encefálicos eram considerados, conjuntamente, para o resultado final. Em suma, vários exames eram imperativos à obtenção de um diagnóstico do falecimento humano.
Mas, uma nova realidade surge para definir qual é o momento em que se deve considerar o ser humano como morto: o transplante de órgãos. Isso porque tal procedimento, que salva, hodiernamente, muitas vidas, só é viável quando o ser humano apresente o quadro de morte encefálica.
Para que seja possível a doação de órgãos não se pode aplicar os critérios acima definidos, com ênfase para a ausência de circulação sanguínea ou falecimento de órgãos. Se dessa maneira fosse, os órgãos que seriam utilizados no transplante também teriam falecido, o que inviabilizaria por si só o procedimento.
Assim, através da Lei de Transplante de Órgãos (Lei nº 9434/97), resolveu-se a pendenga para consagrar no Brasil a utilização da morte encefálica como critério a ser aplicado:
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Sobre essa mudança de enfoque a respeito da morte, Genival França, professor de medicina legal, instrui que “passados os instantes de dúvidas e expectativas, cobra-se a uma maior reflexão sobre um novo conceito de morte, quando as cirurgias de transplantes tornam-se uma realidade técnica (...)”.36
Inexoravelmente, restou pactuado que perante o sistema jurídico brasileiro a morte do ser humano está caracterizada pela chamada morte encefálica. Sobre esse ponto, veja-se a Odon Ramo:
Passou-se a avaliar o funcionamento do cérebro como critério para diagnosticar a realidade da morte. Houve, mesmo, quem afirmasse que “a morte cerebral (irreversível perda de todas as funções cerebrais) é agora reconhecida como estado medicamente definido e uma base para se declarar a pessoa morta”. (Arroyo Urieta et al. XI Jornada Médico-Forense Espanholas,1983).37
Bem se vê que, atualmente, os médicos, para constatar a morte, efetuam uma “avaliação da atividade cerebral e a o estado de descerebração ultrapassada como indicativo de morte real”.38 Averigua-se, através de conhecimentos médicos, se houve o falecimento cerebral para chegar à caracterização de morte no Brasil.
Merece agora maior aprofundamento do que é a “morte cerebral”.
2.2.3. O que é a morte cerebral, de acordo com a Resolução do Conselho Federal de Medicina
Após as ilações acima ventiladas, está indiscutível que o ordenamento brasileiro utiliza como critério a morte encefálica (ou cerebral, visto tratarem-se de sinônimos, preferindo a doutrina, contudo, a primeira expressão). Mas, carece ainda nesse estudo a definição mais precisa desse quadro.
De acordo com as idéias de Irany Novah, a morte encefálica ocorre quando há extinção de toda atividade bioelétrica do encéfalo.39 De um modo mais técnico, em sucessivo, o mesmo autor descreve:
Morte cerebral, conseqüente a curto período de anóxia, levando ao amolecimento cortical difuso. Três minutos de falta de ventilação são suficientes para decorticar um paciente que terá, daí em diante, apenas vida vegetativa, ou seja, ficará inconsciente, mas respirando e com o coração batendo. Estará definitivamente desligado da vida exterior.40
Em curtas linhas está descrito o estado vegetativo da pessoa vitimada por uma morte encefálica. Ponto importante é a ausência de oxigênio no cérebro do paciente, gerando a inconsciência irreversível. Mesmo assim, a descrição acima é somente um dado doutrinário. Apenas para dissipar eventuais dúvidas, registre-se que mesmo no quadro de morte encefálica ainda são possíveis movimentos, decorrentes de reflexos involuntários.
Colocando um ponto final na controvérsia secular, para que cessasse a discussão, o Conselho Federal de Medicina aprovou uma resolução sobre conceitos médicos de interesse do direito. Para esse trabalho, a Resolução nº. 1.480/97 tem relevância ímpar. Esse ato definiu a morte encefálica, nos parâmetros da lei de doação de órgão e nos conceitos modernos da medicina. Sobre a importância dessa resolução, para pacificar a questão, Genival Veloso de França, da área de medicina legal, leciona:
O Conselho Federal de Medicina aprovou a Resolução CFM nº 1.480, de 08 de agosto de 1997, dispondo sobre novos critérios de constatação de morte encefálica. Com a edição desta Resolução, ficam atualizadas as normas anteriormente editadas, baixando seu limite de idade, criando um termo de declaração de morte encefálica para ser preenchido no hospital e estabelecendo novos critérios para a avaliação da morte, mesmo em centros desprovidos de recursos técnicos mais sofisticados.41
Nas partes que interessam a esse estudo, a Resolução 1.480/9742 (ANEXO II) delimita os seguintes critérios:
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei n.º 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto n.º 44.045, de 19 de julho de 1958 e,
CONSIDERANDO que a Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica;
CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;
CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do uso de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes com parada total e irreversível da atividade encefálica;
CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do emprego desses recursos;
CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo indiscutível, a ocorrência de morte;
CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critérios em crianças menores de 7 dias e prematuros, resolve:
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias. (...)
Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida.
Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.
Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado:a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas;b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas;c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas;d) acima de 2 anos - 6 horas.
Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,b) ausência de atividade metabólica cerebral ou, c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Bastante esclarecedora é a referida resolução. Primeiro, porque já em suas considerações preliminares finda alguns dos questionamentos levantados por este trabalho. Nesse sentido, leva em apreço o art 3º da lei 9434/97, sobre a aplicação da morte encefálica como critério. De forma reflexa, comprova a importância da doação de órgão para a nova maneira de entender a morte.
Em um segundo lugar, assevera a aceitação pela comunidade científica da morte encefálica como uma parada total e irreversível das funções encefálicas, sendo este quadro a configuração do óbito. O diagnóstico é feito através de exames. São esperados períodos de tempo sucessivos para a confirmação segura do exame de saúde. De acordo com a faixa etária o espaço de tempo esperado varia.
O mais importante artigo da resolução é sem dúvidas o sexto (6º). Estão aí previstos quais são os critérios a serem aplicados para a configuração da morte encefálica. São eles arrolados de forma alternativa, o que se afere pela aposição da conjunçãp ou. Vista a relevância desses critérios, mais uma vez advirta-se que a morte encefálica se caracteriza por:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Caso se retome o quadro clínico do anencéfalo, outrora apresentado, chegar-se-á à conclusão de que esse feto está morto. Ora, tal arremate advém do fato de o feto anencéfalo nem ao menos possuir os dois hemisférios cerebrais. Na melhor das hipóteses, a criança portadora da anomalia nasce com um só hemisfério, o que não propicia a atividade elétrica cerebral.
Grife-se também que não há atividade metabólica. Afinal, ocorre a ausência do cérebro. Não se esqueça também que o anencéfalo não possui, em regra, a calota craniana, uma espécie de “tampa da cabeça”, o que termina por, na maioria das vezes, gerar a infiltração do líquido aminiótico no encéfalo. Isso acarreta também a ausência de perfusão sangüínea cerebral.
De toda sorte, mesmo estando o quadro do anencéfalo inserido como característico da morte cerebral, não se pode esquivar de algumas considerações trazidas na resolução. Uma delas é a ressalva de que essas disposições não incidem sobre crianças menores de 7 (sete) dias e prematuros.
Nas considerações da resolução, o próprio Conselho Federal de Medicina frisa existir um impasse sobre a questão das crianças menores de 7 (sete) dias de idade e o quadro da vida. Existe uma consideração expressa nesse sentido. Mais uma vez insurge a discussão natalistas versus concepcionistas. E novamente, a questão aparenta não ter sido resolvida.
Em sucessivo, uma nova resolução (nº 1.752/04)43 (ANEXO III) foi aprovada, o que, na concepção deste trabalho, colocou em xeque a questão:
RESOLUÇÃO CFM Nº 1.752/04
(Publicada no D.O.U. 13.09.04, seção I, p. 140)
Autorização ética do uso de órgãos e/ou tecidos de anencéfalos para transplante, mediante autorização prévia dos pais.
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições que lhe confere a Lei n° 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e
CONSIDERANDO que os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto, quando muitos órgãos e tecidos podem ter sofrido franca hipoxemia, tornando-os inviáveis para transplantes;
CONSIDERANDO que para os anencéfalos, por sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica;
CONSIDERANDO que os anencéfalos podem dispor de órgãos e tecidos viáveis para transplantes, principalmente em crianças;
CONSIDERANDO que as crianças devem preferencialmente receber órgãos com dimensões compatíveis;
CONSIDERANDO que a Resolução CFM nº 1.480/97, em seu artigo 3º, cita que a morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida, sendo o anencéfalo o resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro;
CONSIDERANDO que os pais demonstram o mais elevado sentimento de solidariedade quando, ao invés de solicitar uma antecipação terapêutica do parto, optam por gestar um ente que sabem que jamais viverá, doando seus órgãos e tecidos possíveis de serem transplantados;
CONSIDERANDO o Parecer CFM nº 24/03, aprovado na sessão plenária de 9 de maio de 2003;
CONSIDERANDO o Fórum Nacional sobre Anencefalia e Doação de Órgãos, realizado em 16 de junho de 2004 na sede do CFM;
CONSIDERANDO as várias contribuições recebidas de instituições éticas, científicas e legais;
CONSIDERANDO a decisão do Plenário do Conselho Federal de Medicina, em 8 de setembro de 2004,
RESOLVE:
Art. 1º Uma vez autorizado formalmente pelos pais, o médico poderá realizar o transplante de órgãos e/ou tecidos do anencéfalo, após o seu nascimento.
Art. 2º A vontade dos pais deve ser manifestada formalmente, no mínimo 15 dias antes da data provável do nascimento.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.
Art. 4º Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação”.
Em uma colocação inicial, a Resolução supracitada dá a entender que as definições da Resolução CFM nº 1.480/97 não se aplicam ao anencéfalo.
Em consecutivo, são levadas em consideração as diversas discussões sobre o tema, incluídos os fóruns de debate, as contribuições recebidas de instituições éticas, científicas e legais. Finalmente, as conclusões mais importantes são conseguidas:
1) os anencéfalos são natimortos cerebrais (por não possuírem os hemisférios cerebrais) que têm parada cardiorrespiratória ainda durante as primeiras horas pós-parto;
2) a anencefalia é o resultado de um processo irreversível, de causa conhecida e sem qualquer possibilidade de sobrevida, por não possuir a parte vital do cérebro.
Como conseqüência, a resolução permite a doação de órgãos. Isso mesmo: garante a possibilidade, desde que haja a autorização dos pais, 15 dias antes do parto, da retirada dos órgãos do anencéfalo para os fins de doação. De tal informação não há outra conclusão senão a de que o anencéfalo está morto. Se assim não fosse, ocorreria no caso em tela, um homicídio.
Dessas ilações ventiladas obtém-se a seguinte conclusão: o feto anencéfalo (que não possui cérebro ou o tem de maneira parcial) não pode ser considerado como um ser vivo, visto que desde a gestação o seu quadro clínico se enquadra perfeitamente na previsão da resolução nº 1.480/97. O quadro de saúde de uma criança portadora de anencefalia é exatamente o mesmo do paciente apto à doação de órgãos:
a) estado vegetativo;
b) inconsciência
c) ausência de dor;
d) quadro irreversível.
Depois da Resolução de nº 1.752/04, as dúvidas são eliminadas. Tanto o estado do feto anencéfalo é de uma morte encefálica que é até permitida a doação de seus órgãos.
O próximo passo desse trabalho será analisar o aborto e suas particularidades.